Mãe do Redentor

Tendo a Virgem Maria dado sua carne e sangue para formar a humanidade santíssima do Filho de Deus, que n’Ela estava pronto para nascer, a união entre ambos atingiu um ápice insondável na noite de Natal, e Ela estava preparada para ser, em todos os sentidos da palavra, a Mãe do Redentor.

Que alma Nossa Senhora precisava ter para ser a Mãe santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo! Sua alma chegou à perfeição para o papel de Mãe de Deus no momento em que, na noite de Natal, num êxtase enorme, Ela foi elevada a uma intimidade superlativa com a Santíssima Trindade e deu à luz, virginalmente, o Verbo Encarnado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1968)

Nossa Senhora e o filho pródigo

Conforme a parábola do filho pródigo, este fez um longo percurso durante o qual não consta que o pai tenha resolvido agir sobre ele. Mas quando o filho se aproximou, sua ação foi intensa: envolveu-o com seu afeto, mandou realizar uma festa tão grande que o filho fiel fez uma reclamação: “Como é isso?”

Na realidade, o mesmo se dá com o pecador. Ele se afasta de Nossa Senhora, e habitualmente — há exceções — vai se distanciando cada vez mais. Maria Santíssima não age, mas fica esperando certo momento de sua crise, no qual ele de certo modo cai do cavalo, como São Paulo no caminho de Damasco. Antes disso há remotas preparações no interior da alma dele, que Nossa Senhora vai dispondo e que somente conheceremos no dia do Juízo. Em determinada hora, notamos que sua alma se torna sequiosa do maravilhoso, que traz consigo o desejo da admiração. E se aproxima um início de deslumbramento das coisas da nossa vocação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/3/1989)

Consolatrix Afflictorum

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora. Muito mais do que isso, é dar força, ânimo, decisão. O homem aflito facilmente se acabrunha exageradamente, perde a coragem, entrega-se.

Nossa Senhora consola quando diz a uma pessoa aflita: “Meu filho, ânimo! Eu te dou, com a graça, a capacidade de lutar. Enfrenta o adversário! Tudo é reparável; no Céu serão pagos os teus sofrimentos, será recompensado em glória tudo o que tiveres de carregar nos ombros agora. Vamos, coragem e para a frente!”

Esta é propriamente a consolação. Nossa Senhora dá isso aos aflitos, àqueles exatamente que estão precisando de força para a luta.

Aqui está o pedido a ser feito a Nossa Senhora como nossa Consoladora: Que Ela nos dê força, firmeza, ânimo e coragem.

A paz da noite de Natal

Após ter assistido a uma representação da história do menino do tambor, Dr. Plinio explica que, por ocasião do Natal, o Menino Jesus não só recebe aqueles que O visitam na manjedoura, mas vai à procura de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e lhes diz alguma coisa que de um modo especial lhes toca o coração.

A lindíssima apresentação que tivemos aqui, desses reis magos poéticos, com seus turbantes, desse menino tão mais poético do que os reis magos, com seu chapeuzinho de cone truncado, lembrando um pouco o chapéu de São Charbel Makhluf, daqueles arenais imensos e sem fim, daquelas montanhas que não têm nome, porque o vento as faz e as desfaz. Panorama mutável do deserto, no qual se passa a infância séria, equilibrada, um pouco triste, mas profunda e alegre, daquele menino que, conforme a narração, foi educado pelo seu velho e pobre pai, pois perdera a mãe; portanto na orfandade dos carinhos que não recebeu, e na solidão dos companheiros — muitas vezes, maus — que não teve.

A realidade histórica e a realidade sobrenatural

O menino só conhecia o seu velho pai e a grandeza dos arenais do deserto; retinha um só presente que recebera do progenitor, mas fora galardoado pelo seu pai por um presente muito maior do que todos que poderia ter: a capacidade de alma de se alegrar com um só presente; isso vale mais do que ter mil presentes! E dessa situação ele tirou para si a condição de compositor. Um menino que brinca em produzir ritmos e melodias, que maravilha!

Como é bonita a figura desse menino, bem como a solução dada para o seu caso! Ele, afinal de contas, sabe do Menino Jesus e vai tocar o seu tamborzinho para o Divino Infante. É tocante imaginar o Menino Jesus, para quem os anjos, no mais alto dos Céus, estão cantando sinfonias inapreciáveis, e diante do Qual chega um menino rufando um tamborzinho. O Divino Infante abre os olhos e, com misericórdia, ouve aquele toque, se agrada e atrai aquela alma. Seria, talvez, o primeiro amigo do Menino Jesus. Que vocação maravilhosa!

Tudo isso é muito emocionante, mas se considerarmos um outro aspecto do assunto, talvez nos comovamos ainda mais. Nós temos o hábito de pensar no Menino Jesus, que estava na manjedoura, e as pessoas iam até Ele para adorá-Lo: os Reis Magos, os pastores — bem entendido, Nossa Senhora e São José —, e outros que terão passado por lá. Essa é a realidade histórica.

Mas há uma realidade teológica, uma realidade sobrenatural, que não se dissocia dessa, e é tão mais comovedora e não menos real: o Menino Jesus que, de um modo invisível, na noite de Natal, sai, digamos assim, tocando o seu tamborzinho pelo mundo afora à procura de almas, pedindo a esta, àquela, àquela outra que venham a Ele, que O amem, O conheçam, sejam d’Ele. O Divino Infante tem muito mais do que um tamborzinho para atrair os homens e encantá-los: são as sagradas e inefáveis pulsações de seu Coração.

Ao que corresponde isso de real?

Nosso Senhor se manifesta particularmente para cada um

Se deixarmos a metáfora e formos diretamente ao fato, isso tem de real o seguinte: Considerem as diversas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo; a que mais me toca — já entra nisso alguma coisa de subjetivo, de pessoal —, é o próprio Santo Sudário de Turim.

Não é Jesus Menino, mas Nosso Senhor morto. Não está nos braços de Nossa Senhora, amorosamente carregado, mas jacente no sepulcro. Todas as chagas da Paixão estão n’Ele representadas. Quando eu olho o Santo Sudário, a graça toca a minha alma — como a de todos os católicos. E, em função da minha mentalidade, da forma de virtude que nos planos da Providência devo ter, a graça me toca de um modo especial, de maneira a ver em Nosso Senhor, no seu Santo Sudário, este, ou aquele aspecto.

Então eu O aprecio, O analiso com a objetividade de uma mente, graças a Deus, sã e que vê a realidade como ela é. E aquilo tudo se ressalta de um certo modo, com certa fisionomia, certas características, que foram feitas para que eu as considerasse; de maneira que para mim, homem concebido no pecado original, o Santo Sudário apresenta uma certa forma de beleza, de atração que não mostrará para nenhuma outra alma do mundo, porque Nosso Senhor se manifesta sob um aspecto especial para cada alma.

Nenhuma alma é igual à outra, e cada uma delas, por mais humilde e modesta que seja, em um certo sentido é suprema e tem qualidades que Deus não deu a mais ninguém. Podem ser qualidades do tamanho de um centésimo da superfície de uma ponta de alfinete; mesmo assim o Criador deu somente a ela.

Assim também Nosso Senhor se manifesta a cada alma em consonância com aquilo que lhe deu, de maneira que ela ame a Deus daquele jeito. Portanto, cada homem que passe pela Terra tem a missão de adorar a Nosso Senhor Jesus Cristo, vendo um certo aspecto de sua Pessoa divina, sua santidade inefável, insondável e perfeita. Se tivéssemos aqui uma imagem d’Ele, todos estaríamos vendo a mesma imagem, mas focalizando alguma coisa, condicionada à santidade que Deus quer de cada um.

O Menino Jesus vai à procura de todos os homens

Ora, é noite de Natal. Nosso Senhor está numa manjedoura. E numa cidade católica se encontraria em todas as igrejas um presépio, e também em outros locais, em oratórios, em lugares públicos, numa vitrine de uma casa comercial especialmente adornada etc.

E um homem, que vai andando por meio de todas essas representações de Nosso Senhor Menino, é, de repente, tocado por uma delas mais especialmente destinada a ele, a qual se fixa em sua alma; ele para e diz: “Meu Senhor e meu Deus!”

Às vezes, entretanto, não é no momento. O homem para, olha e depois vai para casa. Em determinada hora, digamos, à noite, ao se preparar para dormir, lhe vem à memória aquela figura. Ele reza: “Meu Senhor e meu Deus!”

E isto mais ou menos se dá para cada homem. Numa noite de Natal aparece, de modo inteiramente definido, este aspecto de Nosso Senhor. Isto é mais subtil, mais complexo, é uma realidade de fundo. A realidade de superfície é menos marcada. A pessoa vê em quatro, cinco Natais, de quatro ou cinco anos consecutivos, uma mesma imagem, ou duas, três, ou cinco imagens diferentes. Em certo momento, na memória, essas imagens se sobrepõem e, de repente, a pessoa observa uma que tem tudo aquilo que ela sentiu nas outras; então, diz: “Ah! Meu Senhor e meu Deus! Aí está Jesus Cristo Nosso Senhor, como eu amo especialmente”.

Isto equivale a afirmar que o Menino Jesus, pela graça, visita todas as almas. E Ele faz o papel não mais daquele que recebe a visita, mas de quem vai atrás de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e os procura nessas noites. E lhes diz alguma coisa que lhes toca o coração de um modo especial.

Ao dar à luz, Nossa Senhora se encontrava num êxtase altíssimo

Há uma prova curiosa disso na canção “Stille Nacht, heilige Nacht”. Todos conhecem como esta melodia nasceu. O vigário da igreja de uma cidadezinha do interior da Alemanha e um professor compuseram a letra e a melodia dessa música, que exprimia a emoção deles diante da manjedoura. A Providência tinha preparado na alma deles uma emoção de Natal, que era para o mundo inteiro.

Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft, einsam wacht. Stille Nacht: Noite silenciosa. Heilige Nacht: Noite santa. Alles schläft: Tudo dorme. Einsam wacht: Fica sozinho acordado, isolado. Nur das traute hoch heilige Paar. O venerável e altamente santo casal.

Quem é o venerável e altamente santo casal? Quando se aproximou a meia-noite, Nossa Senhora e São José estavam em oração. Uma coisa admirável!

A Santíssima Virgem devia estar num êxtase altíssimo, como talvez místico nenhum na Igreja jamais tenha tido, quando bate nos relógios dos anjos a meia-noite. E, de um modo virginal, sem dor nem sofrimento para Ela, o Menino Jesus vem ao mundo: “Stille Nacht! Heilige Nacht”! De Nossa Senhora, virgem antes, durante e depois do parto, nasce o Menino Jesus!

Como a Santíssima Virgem e São José viram o Divino Infante

Como Ele se apresentou para Maria Santíssima? Se para cada homem Jesus tem um aspecto, como era o aspecto d’Ele para sua Santa Mãe? E para São José? São perguntas que se podem pôr. Evidentemente, eu creio não ser temerário afirmar que para Nossa Senhora, à Qual nenhuma outra criatura pode ser comparada, Ele deve ter aparecido, ao mesmo tempo, com todas as majestades, venerabilidades, todos os encantos, doçuras e afabilidades que teve para todos os homens, desde aquele momento até o fim dos tempos. Era a Mãe d’Ele, concebida sem pecado original e que nunca deixara de dar uma correspondência perfeita a cada uma das graças que havia recebido.

É claro que a Santíssima Virgem O viu e O entendeu completamente, como ninguém antes, nem depois; e que Ela O adorou totalmente. A adoração somada de todos os homens até o fim do mundo, a de todos os anjos, não dava a adoração de Nossa Senhora.

Se pudéssemos ver a São José adorando o Menino Jesus naquela noite, talvez ficássemos instantaneamente santos. Ele era o esposo de Nossa Senhora, o que mais se pode dizer? É possível haver honra maior do que ser o esposo, o alter ego, o outro eu mesmo de Nossa Senhora, o pai adotivo do Filho de Deus?

Pode-se imaginar o que nos ocorreria na alma só de ver, por uma fresta das pedras da gruta, São José rezar? Acho que qualquer um de nós podia se converter e tornar-se um grande santo. Acho que só de ouvirmos o respirar de Nossa Senhora, e sentirmos que seu Coração Sapiencial e Imaculado pulsava mais forte porque ali estava o Menino Jesus, nós nos converteríamos. Cada pessoa é chamada a adorar o Menino Jesus de um modo especial

Pois bem, se foi assim para Nossa Senhora, para São José, em proporções menores é para todos os homens. E nos dias que precedem o Natal, que já vêm ungidos com uma alegria natalina, a graça começa a nos trabalhar.

Ouvindo o Stille Nacht, vendo tal ou qual imagem do Menino Jesus, sentimos de um modo um pouco diferente. É Ele que vai atrás do coração de cada um de nós. E, sem percebermos, diz pela voz da graça no fundo de nossa alma: “Meu filho, assim sou Eu para você. Adore-Me, porque desse modo nenhum outro homem Me adorará.”

Percebe-se a beleza que há nisso, e como Nosso Senhor pode ser comparado àquele menino do tambor, neste sentido: o menino foi atrás d’Ele; Jesus vai procurar todos os homens, meninos ou velhos, grandes ou pequenos, sábios ou ignorantes, pecadores — e às vezes pecadores imundos —, e toca seus corações dizendo a cada um: “Meu filho, não queres vir a Mim? Pelo menos desta vez, neste instante, deixe-Me te comover um pouco! Aqui estou Eu à tua procura, no interior de tua alma.”

Esse é o sentido profundo da noite de Natal. Aquele palpitar das almas nessa solenidade é uma manifestação da graça obtida por Ele. E é por essa graça, a qual devemos pedir por intermédio da Virgem Maria, que nossas almas pulsam de um modo especial na noite de Natal.

Eu imagino o Menino Jesus apresentando-Se ao olhar de Nossa Senhora e de São José já com os braços abertos em forma de cruz. Podemos ver nisso o prenúncio não só do santo sacrifício do Calvário, mas das Missas incontáveis que, na noite de Natal, pela Cristandade inteira, e por toda a Terra, se celebra e as pessoas que vêm porque Nosso Senhor as atraiu, falando-lhes na alma de modo especial e que depois voltam para casa com algo que não percebem claramente, mas que é uma especial mensagem do Menino Jesus para elas.

Reúnem-se em torno de uma mesa, e todos estão de acordo, em harmonia entre os vários aspectos do Menino Jesus, que estão presentes na alma de cada um. Forma uma espécie de sinfonia, e esta é a paz da noite de Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1984)
Revista Dr. Plinio 177 – Dezembro de 2012

Universo Natalino

Uma das inocentes alegrias que o Natal proporciona às almas provém das tocantes canções com as quais os diversos povos louvam e homenageiam o Divino Recém-nascido.

Ao longo dos séculos, cada nação da Cristandade, e notadamente as da Europa, compôs seus cânticos natalinos típicos, cujas letras e melodias se unem aos costumes e culinárias locais para  conferirem mais luz e perfume à unção própria dessa grande festa católica.

Já tivemos ocasião de comentar o Stille Nacht, a canção de Natal universal, entoada no mundo inteiro, surgida no século XIX numa aldeia austríaca. Deu-lhe vida o povo alemão, o povo da  bravura, da proeza militar, mas também dessa profunda delicadeza de espírito que o levou a imaginar o sentimento de ternura de quem se colocasse junto à manjedoura do Menino Jesus e contemplasse aquela criança fraquinha, com todas as debilidades físicas da infância e, entretanto, o próprio Deus.

Em qualquer canção natalina germânica encontra-se essa nota de compaixão humana, contemplativa e súplice, diante do que há de mais frágil e suave. Será, então, Maria Durch ein Dornwald  ging, uma lenda cantada acerca de um bosque onde, por sete anos, apenas espinhos brotaram, sem flor e folhagem alguma.

Por essa rude floresta entra Nossa Senhora, trazendo ao braço seu Divino Rebento, e à medida que Eles caminham, os espinhos vão se transformando em rosas… Maria Santíssima, com sua  candura e força virginais, traz o Menino bem protegido sobre o seu coração.

Ambos penetram num bosque de espinhos. Ora, como podem essa flor de delicadeza ímpar que é a Mãe de Deus, e esse tesouro da Terra que é o próprio Homem-Deus, exporem-se a natureza tão agreste e hostil? Não é possível concebê-lo. Então, enquanto andam, os espinhos viram rosas de agradável fragrância. Nossa Senhora compreende: foi uma amabilidade de seu Filho para com Ela!  Jesus dorme junto ao seu coração, mas continua a governar a natureza. Ternura, enlevo, extremo respeito. Voltemos nossos olhos para a Espanha e seus célebres “villancicos de Navidad”.

À semelhança do povo alemão, o espanhol é feito para o heroísmo de uma autenticidade e arrojo inegáveis. Encara a coragem como lance individual, atira-se na peleja sozinho, como o toureiro diante do touro, “banderilla” na mão, disposto a todas as façanhas.

Entre as inúmeras dádivas que Deus concedeu à Espanha, está a de lhe ter envolvido por um panorama de montanhas as quais nos dão a impressão de haverem sido moldadas pela truculência de um gigante, um quebra-montes que, à força de pancadas e pontapés, desenhou aquelas cordilheiras, enquanto talvez dançasse uma jota ou cantasse uma saeta.

É uma natureza pobre, contrastando com a riqueza de vida e superabundância de coragem que leva o espanhol a realizar essa arte que nos deixam boquiabertos: são alegres na carência, na  necessidade, na falta de doces, de confortos. E essa felicidade de existir, de sentir a sua própria vida, de olhar para o Céu e pensar em Deus, está presente na canção de Natal espanhola. Eles oferecem ao Menino Jesus o seu júbilo por pertencer a esse povo, como se dissessem: “Senhor, Vós me deixais muito contente e cheio da coragem que Vós me destes! Homenagem a Vós, Senhor!”

A Santa Igreja vive na alma de povos diferentes, despertando distintos acordes com os quais eles cantam e glorificam o Natal de nosso Salvador

É um modo diverso, porém digno de festejar o Natal, pois é o povo que se oferece a si mesmo e a sua alegria como ação de graças a Deus. Gratidão preciosa, daquele que recebeu menos mas  demonstra toda a grandeza de sua alma.

Já o inglês, tão diferente do espanhol, apresenta uma analogia na maneira de entoar suas canções natalinas. A nação britânica canta também a sua alegria de viver e de ser conforme seus costumes peculiares.

Porém, não é saltitante nem procura se exprimir através dos superlativos como os castelhanos. A principal preocupação da música de Natal inglesa é ser equilibrada, procurando a beleza do  sentimento proporcionado, adequado, comedido.

E ele oferece ao Divino Infante a sua anglicidade, a sua personalidade, os seus problemas. Povo de gentlemen, dirige-se a Nosso Senhor como um gentleman, sem demonstrar tristeza nem  aborrecimento. Sabe que essa existência é árdua, mas não desanima, pois o Menino Jesus nos socorre e ampara.

São estes alguns exemplos de como a Cristandade canta o Natal. E servem para nos fazer compreender como a Igreja Católica vive na alma de povos diferentes, produzindo diferentes acordes.

Porque Ela é riquíssima e inesgotável em frutos de santidade, de perfeição. É como o sol quando atravessa vitrais de variegadas policromias: oscula o vidro vermelho e acende um rubi, o verde, e faz fulgurar uma esmeralda.

Assim o gênio da Igreja iluminando o povo alemão, o espanhol, o inglês ou qualquer outro, engendra maravilhas e inocências natalinas que devem nos cumular de admiração, comprazimento e  desejo de louvar o Verbo Eterno que se fez carne e habitou entre nós.

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plino 81 – Dezembro de 2004

A tríplice lição do Natal

Emmanuel:”Deus conosco”. A cada Natal, a graça vem bater no coração dos homens com particular intensidade, convidando-os a meditar sobre este acontecimento grandioso. Algumas considerações de Dr. Plinio muito auxiliam a penetrar nesse espírito natalino.

Segundo o acertado ensinamento de Santo Inácio de Loyola, o conjunto dos homens egoístas que vivem, não para Deus, mas para eles mesmos – triste maioria, sobretudo nas épocas de decadência como a nossa —  pendem para um destes três objetivos: as delícias, as riquezas ou as honras.

Por delícias, Santo Inácio entende os prazeres que os sentidos podem dar. São, antes de tudo, os deleites sensuais; depois, os da degustação, da vista, do olfato, do ouvido, enfim, tudo quanto uma vida de luxo pode oferecer de agradável, de gostoso.

Por riquezas ele entende a simples posse do dinheiro. É a avareza daqueles que procuram o dinheiro não por causa dos prazeres que este possa proporcionar (pois neste caso a moeda seria apenas um meio para satisfazer a primeira propensão), mas pela mania do dinheiro enquanto dinheiro, da riqueza enquanto riqueza. São pessoas que não tiram proveito nenhum de sua própria fortuna. Vivem às vezes de modo obscuro, apagado, banal, quiçá miserável, tendo apenas a alegria de se sentirem continuamente de posse de um grande patrimônio financeiro.

Há, por fim, os prazeres da honra. A estes, procuram não tanto pessoas que aspiram ao dinheiro nem à vida agradável, mas à consideração dos outros. Querem ser objeto de maiores homenagens, de elevadas atenções e reverências. Procuram o prestígio.

Assim, de acordo com a sábia classificação feita por Santo Inácio, o homem egoísta sempre opta por um desses três pólos.

Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, tal classificação está muito esquemática. Uma pessoa é capaz de ir atrás das três coisas ao mesmo tempo: gosta muito do dinheiro, muito das delícias e muito do prestígio”.

É verdade, respondo eu, mas é próprio necessariamente do espírito humano satisfazer-se mais com uma dessas coisas do que com as outras. De maneira que, depois de ter experimentado a todas, o indivíduo acaba se fixando em uma determinada, e fazendo desta a finalidade de sua vida. Ora, pelo ensinamento inaciano, na festa do Natal quis Nosso Senhor Jesus Cristo dar aos homens uma tríplice lição, provando-lhes que tais prazeres não valem nada diante do único e autêntico fim para o qual devem tender, isto é, amar a Deus sobre todas as coisas neste mundo, e depois adorá-Lo face a face na bem aventurança eterna.

Vinda do próprio Homem-Deus, esta lição é infinitamente sábia e verdadeira, e nenhum de nós tem o direito de não aceitá-la. Sensíveis ou não aos princípios religiosos, temos de ouvi-la e aprendê-la.

Nulidade das riquezas

Primeiro, quanto às riquezas mundanas. Sobre estas, o que Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina no presépio?

Como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, foi Ele quem criou o Céu e a terra, com tudo o que nesta existe de rico, de maravilhoso, de belo, tudo quanto aqui seja capaz de fundamentar a prosperidade de um homem. Mais. Ele é rico em sua essência, e não apenas criou todas as riquezas existentes, mas tem ainda o poder inesgotável de criar quantas outras queira. E sem o menor esforço, sem o menor empenho, sem a menor aplicação especial. Ele é onipotente e exerce sua onipotência com perfeitíssima facilidade, criando estrelas e universos como criou um grão de areia.

Ora, esse Deus infinitamente rico quis vir à terra como pobre. Quis nascer de um pai carpinteiro, de uma Mãe que executava em casa serviços domésticos; quis vir ao mundo numa manjedoura, lugar o mais modesto e rústico que se possa imaginar. Como aquecimento, quis ter apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas que Nossa Senhora Lhe fez. Como asilo, preferiu não uma residência de homens, mas o local onde os bichos iam se abrigar e se alimentar. Foi aí que nasceu o Verbo de Deus!

Quis Ele mostrar, assim, quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando postas em comparação com o serviço do Altíssimo. E como, portanto, deve viver, antes de tudo, não para ser rico, não para ter grandes cabedais, mas para glorificar o Criador, amando-O, louvando-O e servindo-O nesta terra, e depois adorando-O no Céu por toda a eternidade.

Infelizmente, vemos em torno de nós homens que correm debandadamente atrás do dinheiro, que fazem da posse deste a única preocupação de sua vida, que colocam toda sua felicidade na sensação de que possuem grandes finanças, na ilusão de que nunca ficarão pobres e sim cada vez mais ricos. Tais homens são uns perfeitos insensatos. Por-que esses bens, por mais que valham, são uma parcela minúscula dos existentes no universo. E, para Deus, o que são senão um pouquinho de poeira e de lama?

Imaginemos o homem mais rico do mundo, um magnata. Imaginemos ainda que a relação de seus bens ocupem um catálogo do tamanho de uma lista telefônica: imóveis, dinheiro, títulos, créditos, objetos de valor, etc., etc. O que é tudo isto em comparação com Deus Nosso Senhor? Nada, absolutamente nada.

Amar as riquezas mais que a Deus é uma completa inversão de valores, é calcar aos pés a lição que Jesus nos deu no presépio. É não compreender que Nosso Senhor, ali, ensinou-nos que ao homem é permitido desejar, adquirir e conservar riquezas, desde que não faça disto o objetivo supremo de sua vida. A preocupação financeira deve ser necessariamente colateral, sob pena de se agir como um verdadeiro demente, por inverter a ordem dos valores, amando mais o que devia amar menos, e amando menos o que devia amar com mais intensidade.

Loucura de fazer das delícias a principal finalidade da vida

As delícias terrenas. Nosso Senhor Jesus Cristo, caso desejasse, teria ordenado aos anjos reunir no presépio as melhores e as mais deliciosas sedas, os mais agradáveis perfumes, teria mandado os Anjos tocarem e cantarem músicas as mais deleitáveis, pois se o fizeram para os pastores, com quanto maior gáudio não o fariam para o Menino Jesus?!O Divino Infante poderia ainda dispor de agasalhos super-eficazes, ser nutrido desde o começo com as melhores comidas. Numa palavra, poderia ter-se enchido de delícias logo no primeiro momento de sua vida terrena.

O que fez Ele? O contrário. Quis nascer deitado na palha, material cujo contato nenhum regalo dá ao corpo; quis estar numa manjedoura cujo odor não devia ser dos mais agradáveis; quis tiritar de frio, escolhendo para surgir no mundo à meia-noite de um mês de inverno. Como música, quis ter apenas o mugido dos animais. Em última análise, quis o oposto de uma situação de delícias. E quis assim mostrar aos homens o quanto é loucura fazer delas a principal finalidade da vida. A lição que Ele veio trazer é, pois, esta: desde que seja para o bem das almas, desde que seja para a glória de Deus, devemos desfazer-nos de todas as delícias, procurando apenas o bem da causa católica e a salvação de nossa alma, embora nos custe muito sacrifício e muita renúncia.

Insensatez de procurar as honras como meta da vida

No que diz respeito às honras, devemos entendê-las como sendo a aspiração do indivíduo de ver-se objeto de reverências por achar-se, a qualquer título, superior aos outros: mais inteligente ou mais jeitoso; mais engraçado ou mais diplomático; mais interessante ou mais simpático; mais qualquer coisa que tenha ou imagine ter, pela qual se julga no direito de uma atenção especial.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despido de tudo aquilo que pode trazer vaidade. Não obstante fosse Ele um príncipe da Casa Real de David, apareceu para o mundo como filho de pais modestos, numa época em que a sua linhagem régia havia perdido seu poder político, seu prestígio social e seu dinheiro. Ele, portanto, não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas.

Além disso, quis nascer como um pária, fora da cidade, porque nela ninguém deu acolhida a seus pais. Nasceu na gruta dos pastores, para provar aos homens como são loucos aqueles que fazem do aparecer uma ideia fixa, em vez de procurarem servir a Deus e à Igreja, a insensatez daqueles que procuram ser mais, ser mais, e que fazem desta vaidade a meta de sua vida.

Se fizermos desses valores terrenos a finalidade de nossa existência, estaremos roubando aquilo que devemos unicamente a Deus. Cumpre, portanto, preocupar-nos antes de tudo com a dedicação inteira de nossas almas a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.

Tenhamos, dia e noite, diante dos olhos esta lição do Natal, e procuremos eliminar de nossos corações, com a energia de quem arranca uma erva daninha, as falsas ideias mundanas que nos levam a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.

Plinio Corrêa de Oliveira

Jubilosas esperanças no advento do Messias

As chamadas antífonas do “Ó” nos fazem ingressar pelo pórtico de uma alegria cada vez mais jubilosa, até o deslumbrante átrio do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dr. Plinio comenta o profundo significado dessa semana que antecede o nascimento do Salvador, a qual ensejou a devoção a Nossa Senhora do Ó — ou da Expectação — em Portugal e no Brasil.

Em 18 de dezembro inicia-se a última semana do Advento, denominada pela Igreja de “semana da expectação”(1), já com as vistas postas na festa do Natal. Durante esse período, a Esposa Mística de Cristo imagina o júbilo e a esperança da Santíssima Virgem diante do fato de que o Messias haveria de nascer, e Ela veria por fim a face bendita do Filho que estava gerando em seu imaculado seio.

Novos esplendores conhecidos pela divina Mãe

Há anos Nossa Senhora vinha suplicando a Deus que apressasse a chegada do Redentor e, sendo sua oração insondavelmente agradável ao Padre Eterno, d’Ele tudo alcançando, foi atendida nos seus rogos, e a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade afinal tomaria nossa natureza e habitaria entre nós. Maria foi convidada a ser a Mãe do Verbo, aceitou e gerou em seu claustro virginal o Filho do Altíssimo.

Ao longo dos nove meses de gestação, ia Ela concebendo a fisionomia adorável que Ele teria, e ao contemplar a face do Menino já nascido conhecerá um esplendor novo, uma maravilha nova a respeito da alma e da personalidade d’Ele. Verá chegar a redenção para a humanidade e o triunfo da glória de Deus sobre um estado de coisas marcado, durante milênios, pelo pecado original e pela influência do demônio.

Numa palavra, a Santíssima Virgem sente aproximar-se o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo, restando apenas uma semana para que, pelo nascimento do Salvador, o império de Satanás sofra um golpe mortal e comece a derrocar.

A expectativa de todos os séculos posta na véspera do Natal

Tal conjuntura cumula de esperança a alma da Mãe de Deus, e por isso Ela é chamada, nesse perío­do, Nossa Senhora da Expectação, ou Nossa Senhora da Esperança, ou ainda Nossa Senhora do Ó.

Esta última invocação se explica pelo fato de que, em cada um desses sete dias, a Igreja canta no Ofício Divino uma antífona que começa pela exclamação “Ó” [ver texto em destaque]. Exprimem elas as alegrias de Nossa Senhora ao perceber dentro de si o Corpo de Jesus já completo, seus primeiros movimentos, e a ideia de que Ele ali orava ao Pai, como de dentro do mais prodigioso dos sacrários, assim como o Santíssimo Sacramento, hoje, reza no interior dos tabernáculos nos altares de todo o mundo.

O intenso desejo de Nossa Senhora de dar à luz o Verbo Encarnado continha e sublimava os anseios de todos os profetas do Antigo Testamento por Aquele que, afinal, viesse redimir o gênero humano, esmagar o cetro de fumaça do demônio e apagar, pelo sacramento do Batismo por Ele instituído, a mancha original herdada de nossos primeiros pais. De fato, as exclamações “vinde, ó Emanuel! Ó Rei das nações!”, etc., expressam os pedidos de Adão o qual, após a queda, recebeu de Deus a promessa do Salvador, e ele viveu e morreu com essa esperança. Viveu e morreu na alegria penitencial de ser o antepassado do Redentor que, agora, achava-se no claustro imaculado de Maria Virgem.

Portanto, todas as expectativas de todos os séculos se concentravam nesses dias e nesses momentos que antecediam de tão perto o Natal.

Realização dos anseios do Antigo Testamento

Consideremos, pois, essas invocações.

Ó Sabedoria, que saístes da boca do Altíssimo, e atingis até os confins todo o universo e com força e suavidade governais o mundo inteiro: vinde ensinar-nos o caminho da prudência.

Ó Adonai(2), chefe da casa de Israel, que aparecestes a Moisés no fogo da sarça ardente e lhe destes a Lei no Monte Sinai, vinde restaurar-nos com a força de vosso braço.

Há mais de mil anos os hebreus meditavam sobre o episódio da sarça ardente e sabiam que Deus apareceria ao povo eleito de um modo muito mais real e palpável do que a Moisés. Donde o pedido que assim poderia ser expresso: “Vinde, ó Senhor, renovar aquele feito, porém com uma excelência incomparavelmente maior”.

Ó Raiz de Jessé, que estais de pé como sinal dos povos, diante do qual os reis guardarão silêncio e a quem os povos hão de invocar, vinde libertar-nos, não tardeis.

Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu da raiz de Jessé, ou seja, da Casa real de David (filho de Jessé), à qual pertencia a Virgem Maria. Diz a antífona que Jesus será invocado por todos os povos da Terra e diante d’Ele todos os reis ficarão mudos. Por isso implora: “vinde a nós, não tardeis”, pois a humanidade geme e não pode mais esperar pela libertação.

“Vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus!”

Ó Chave de David e cetro da Casa de Israel, que abris e ninguém fecha, fechais e ninguém abre, vinde e tirai do cárcere o prisioneiro imerso nas trevas e nas sombras da morte.

Nosso Senhor fecha e ninguém abre, abre e ninguém fecha, quer dizer, Ele possui o domínio de todas as coisas.

Ó Oriente, esplendor da luz eterna e sol de justiça, vinde e iluminai aqueles que estão envolvidos pelas sombras da morte.

Em linguagem teológica, “justiça” designa o conjunto de todas as virtudes, o estado de graça.

O Redentor Divino é o “esplendor da luz eterna” e, por outro lado, o sol de todas as virtudes, iluminando os que vivem nas trevas e nas sombras da morte, ou seja, presos dos vícios e dos pecados.
De fato, Nosso Senhor veio ao mundo e da sua luz infinita nasceu a civilização cristã, com seus fulgores de santidade bafejada pela graça.

Ó Rei das nações e por elas desejado, pedra angular que reunis os dois povos [judeus e gentios], vinde e salvai o homem que formastes do lodo da terra!

Jesus Cristo é a pedra angular de toda a ordem humana e n”Ele os dissídios se reconciliam verdadeiramente, e não de um modo relativista. Além disso, o Filho de Deus salva o homem, criado do limo da terra.

E estando o Natal iminente, exclama-se:
Ó Emanuel, nosso Rei e Legislador, esperança e salvação das nações, vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus!

São exclamações de tal maneira repassadas de desejo e fervor que quase se sente Cristo prestes a nascer, bem como a alegria de todas as nações esperando seu Salvador.

Pedir a implantação do Reino de Maria

Essas belas antífonas nos sugerem uma consideração sobre a época atual.

Disse o Papa Pio XI em sua encíclica Divini Redemptoris, escrita em 1937, que o mundo resgatado por Nosso Senhor Jesus Cristo se encontrava naquela época numa situação lastimável, ameaçado de cair mais baixo do que antes da Redenção.

Ora, com o passar das décadas esse estado lamentável do mundo não fez senão se agravar, a impiedade e a imoralidade grassando sem freios nos mais diversos ambientes da sociedade humana.

Razão pela qual ansiamos por uma renovação da face da Terra, um como que irresistível revigoramento dos frutos da Redenção — de si definitiva e super-suficiente — aplicados aos homens de nosso tempo, para que, regenerados e reconciliados com o Divino Salvador, trabalhem pela implantação do Reino de Maria.

Nas vésperas do Natal, essas antífonas devem exprimir um pedido ao Menino por intercessão de Nossa Senhora: assim como Ele atendeu a prece da Virgem Santíssima e apressou sua vinda ao mundo, abrevie igualmente os presentes dias e faça sentir sua ação mais enérgica, triunfal, invencível para reimplantar seu reino. E reimplantá-lo sob o aspecto mais requintado, magnífico, ou seja, Nosso Senhor reinar por Maria, com Maria e em Maria.

Rezemos com a firme confiança de que essa graça insigne nos será concedida, e assim transporemos com alegria, não só os dias piedosos que circundam a festa de Natal, mas também os umbrais do ano vindouro.

Plinio Corrêa de Oliveira

 

1) Embora as antífonas do Ó continuem a ser rezadas na última semana do Advento, cumpre notar que essa exposição de Dr. Plinio data de 1965, seguindo ele, portanto, a Liturgia então em vigor.
2) Um dos nomes com que os hebreus invocavam o Altíssimo.

Um Menino nascido para o combate

No dia de Natal a Cristandade é convidada a contemplar o Menino Jesus tão pacífico, o Príncipe da Paz que, de braços abertos, sorri para quem d’Ele se aproxima. Nesse momento, Ele recebe do que a humanidade tem de mais sublime e magnífico, ou seja, Nossa Senhora, o sorriso cheio de uma pureza e de uma luminosidade indizíveis. Logo depois, junto a Ela, um varão tão excelso que de algum modo teve proporção para ser seu esposo e pai jurídico do Menino Jesus: São José.

Acentua-se com razão tudo quanto há de belo, de poético no boi e no burro que, na gruta de Belém, olham para o Menino Jesus, bem como no contraste enorme entre Deus feito homem e aquelas criaturas irracionais que, com seu bafo, aquecem o ambiente onde está o Divino Infante.

Dir-se-ia que considerações de luta não caberiam nesse quadro. Entretanto, isso é assim apenas para quem não sabe ver na entrada do Menino-Deus no mundo a grande guerra d’Ele que se inicia. Com quanta propriedade o Menino Jesus é apresentado, no presépio, sorrindo e de braços abertos. Esse gesto significa a abertura do amor d’Ele para os homens, em todos os tempos e lugares, mas também a Cruz na qual, por amor aos homens, Ele seria pregado.

O Menino Jesus, vindo à luz do dia, ao entrar na Terra saído do claustro augusto e virginal de Maria, provavelmente abriu os seus braços em cruz e imediatamente ofereceu ao Pai Eterno a grande luta que ia começar.

Batalhador divino, mas pequenino, Deus infinito encarnado numa criança que quis ficar na dependência de tudo e de todos, sendo o Criador onipotente do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Ele vem à Terra contrariando as forças opostas do demônio, do mundo e da carne e, como um guerreiro que entra na liça para começar a guerra, ali está o Menino-Deus no presepe! 

É interessante notar que de todas as páginas do Evangelho, talvez em nenhuma o papel de Nosso Senhor enquanto gladífero venha tão bem acentuado quanto no momento em que o Profeta Simeão recebe de Nossa Senhora o Menino Jesus nos braços e profetiza: “Eis que este Menino foi posto para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição, para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações” (Lc 2, 34-35).

Portanto, aquele mesmo Menino tão encantador, que nos é apresentado no presépio na noite de Natal, é o grande divisor da humanidade. Ao longo de toda a História, Ele escandaliza os escandalosos, os sem-vergonhas, os maus, os hipócritas, denuncia-os, colocando-os mal à vontade, e eles sempre se insurgirão contra Ele. Aquela Criança conduzirá uma grande batalha até a consumação dos séculos.

Como seria interessante haver numa igreja, ao pé do presépio, uma inscrição recordando que aquele Menino tão engraçadinho e inocente, com os braços em forma de cruz, nasceu para o combate.

 

Maria e seu Divino Infante: Insondável união

Coração de Maria, no qual foi formado o Sangue de Jesus, preço de nossa Redenção rogai por nós.

 

Esta jaculatória, da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, além de sua particular unção, encerra um significado sumamente elevado e belo, que vem muito a propósito considerarmos nesta
véspera de Natal.

“Caro Christi, caro Mariae”

Com efeito, pelas leis comuns da reprodução da espécie, o homem traz consigo algo do sangue do pai e algo do sangue da mãe. Entretanto, o preciosíssimo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo,  bem como sua carne sacratíssima, foram exclusivamente formados de Nossa Senhora. E isto porque, em se tratando de milagrosa concepção da parte de uma Virgem, nela não interveio obra de varão. Motivo pelo qual podemos repetir o que, com inteira propriedade, afirmou Santo Agostinho: “caro Christi, caro Mariae”. A carne de Cristo é, de algum modo, a própria carne de Maria.

Em Nosso Senhor Jesus Cristo não havia senão o sangue da Santíssima Virgem, que Ela, com amor e comprazimento indizíveis, forneceu a seu Divino Filho, o Redentor do  gênero humano.

O Homem-Deus se fez escravo de Nossa Senhora

A consideração desse fato tão singular e tão maravilhoso nos ajuda a compreender melhor o que pode ter sido o período em que Nosso Senhor esteve em gestação no corpo de Maria.

Não há maior sujeição nesta terra do que a de uma criança à mãe que a carrega no seio, dando-lhe todos os elementos vitais para a constituição de sua parte física. Ora, durante nove meses consecutivos, Nosso Senhor quis pertencer inteiramente a Nossa Senhora. Jesus, o esperado das nações, o homem tão perfeito que não é simplesmente homem, mas é Homem-Deus porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se uniu hipostaticamente à sua natureza humana Jesus quis se fazer escravo de Maria.

E desde o instante em que o primeiro elemento do corpo d’Ele começou a existir, como era perfeito! Começou a pensar, começou a orar e, conhecendo perfeitamente de que mãe era filho, deve ter  dito a Ela uma palavra de amor. Pode-se calcular qual foi essa primeira palavra de afeto e carinho d’Ele para a Santíssima Virgem,  e qual foi a resposta d’Ela ao sentir uma ternura que Lhe vinha do Filho-Deus?

Que terá Ela respondido a Jesus? Meu Deus? Ou Lhe terá chamado meu Filho? Ou, ainda, com maior desvelo e solicitude, tê-Lo-á agradado dizendo Filhinho? Quanta riqueza de alma é preciso ter para responder adequadamente a esse primeiro carinho do Verbo Encarnado!

Que noção dos matizes e das situações! Que exímia e completa disponibilidade de alma para corresponder a tudo perfeitamente, e oferecer a Ele esta premissa incomparável: o ato de amor inicial  que o gênero humano Lhe tributava!

Crescente e insondável união

Além disso, quantas e quão elevadas disposições de alma Nossa Senhora deve ter sentido, quando notava o Filho mexer-se dentro d’Ela? Nesses momentos, por certo Lhe vinham pensamentos  como este: Deus se move em Mim! Aquele a quem o Céu e a terra não puderam conter, está no meu claustro, porque Deus assim o quis. Ei-Lo que se move em Mim delicadamente, amorosamente,  nobremente, com uma movimentação cheia de símbolos e de mistérios. Ouço, sinto e rezo, porque são mensagens para Eu compreender, são comunicações para Eu entender…

Oh recolhimento! Oh oração! Oh prenúncio do que  deveriam ser ao longo dos séculos as almas eucarísticas que têm a felicidade sem nome de, a cada dia, por alguns instantes ter no seu próprio peito a Nosso Senhor Jesus Cristo! Oh maravilha!

E assim como o Santíssimo Sacramento comunica suas graças e se une às almas que se lhe tornam sacrários vivos, tudo indica que, pelas leis da reciprocidade, à medida que a Santíssima Virgem ia  ando de seu próprio corpo a Nosso Senhor, Ele como que retribuía, conferindo-Lhe seu espírito. Nossa Senhora ia crescendo, pois, em união com Ele de modo insondável. De tal modo que, quando a obra puríssima das entranhas d’Ela chegou a seu termo e se encontrava prestes a nascer na noite de Natal, o vínculo entre ambos havia atingido um ápice inconcebível. Ela estava pronta para ser, em todos os sentidos da palavra, a Mãe do Redentor.

Diálogo inimaginável

O longo período de indizível e misterioso convívio cessa. Os Anjos se rejubilam e cantam nos Céus. Numa gruta dos arredores de Belém, Jesus vem ao mundo. Nosso espírito se sente pequeno, ao  procurarmos imaginar o embevecimento de Nossa Senhora ao ver a face do Menino Jesus, e o arroubo que sentiu, quando recebeu d’Ele o primeiro agrado externo… Quando O viu voltar-se para São José e manifestar afeto também a ele. Quando, percebendo que Jesus sentia fome, compreendeu que Lhe competia, com seu leite indizivelmente precioso, saciar o Filho de Deus. Quando, ao vê-Lo passar frio e incômodo na manjedoura, se desdobrou em mil cuidados, para melhor agasalhá-Lo e para Lhe aumentar o conforto no rude tabuleiro que lhe servia de berço. E quando, ao sentir bafo dos animais que O aqueciam, disse-Lhe com inexcedível amor: Meu Deus, tão pouco para Quem é tanto!

E quando o Menino, sem proferir palavras, respondeu-Lhe no fundo da alma: O que é pouco para Mim, quando tenho a Vós?

Quem pode imaginar semelhante diálogo?!

Somente por meio de Maria chegamos a seu Divino Filho

Pode-se notar, por essas considerações, como a união de almas entre o Menino Jesus e Nossa Senhora é estritamente insondável para a mente humana. Entretanto, essa mesma insondabilidade  nos faz compreender melhor o papel da Santíssima Virgem como intercessora e medianeira; deve, pois, arraigar-se ainda mais em nossas almas a convicção de que, para nos aproximarmos do Divino Infante, é indispensável achegarmos-nos antes a Nossa Senhora. Ficarmos junto d’Ela, amando-A de todo o coração, é a forma mais segura e acertada de estarmos junto de Deus, porque Deus está sumamente próximo de sua Mãe, tanto quanto Ele o possa estar de uma criatura.

Nossa Senhora é a Porta do Céu, a Arca da Aliança. E assim como aquele Menino veio a nós por meio de Maria, assim também somente podemos chegar a Ele por meio d’Ela. 

Plinio Corrêa de Oliveira

A inebriante alegria do Natal

Com o intuito de avivar a confiança de que a atmosfera sacral dos Natais de outrora deverá reflorescer sobre a Terra, Dr. Plinio narra alguns fatos de sua infância.

Após um ano de lutas, sofrimentos e dificuldades, aproxima-se o Natal. As festas do Santo Natal, bem como as da Páscoa, a meu ver, têm a característica de interromperem o tempo. E ainda que se esteja na situação mais aflitiva, o Natal ergue uma muralha, deixando de um lado as desgraças e as lágrimas, e, do outro, os sinos que anunciam as alegrias natalinas.

Não se trata de uma alegria vulgar, mas uma alegria muito mais profunda e leve, que parece ser feita de luz. Feita da luz que é o “lumen Christi”, a qual passou a brilhar sobre a Terra na noite de Natal, e que a cada ano de alguma forma volta a brilhar, trazendo com ela a verdadeira alegria e a verdadeira paz de alma até para os mais atormentados.

Alegria por cima das aflições

Imaginemos, por exemplo, o que se dava nas catacumbas. O que deveria ser uma noite nas catacumbas? Lembro-me da Catacumba de São Calixto, em Roma, que me causou profunda impressão. Seus corredores são estreitos e altos — talvez a altura sirva para assegurar certa ventilação, pois se sente que nela circula certo vento. Mas as paredes se afunilam para cima, causando a impressão de que no alto vão se encontrar; isto ao menos para mim dava sensação de asfixia. E por todos os lados terra e sepulturas. Em certo ponto vê-se uma clareira, da qual filtra um pouco de luz, permitindo ver uma sala quadrangular com pinturas, muito antigas, feitas, por alguma técnica, diretamente sobre a terra; estas representam de modo ingênuo cenas do Evangelho. Ali se encontra um altarzinho, pois se trata de uma capela onde se celebrava a Missa, junto aos restos de novos mártires, mortos de modo cruel. O corpo do mártir ficava, muitas vezes, jogado na arena, todo estraçalhado. Terminado o martírio, o povo se retirava. Ao anoitecer, católicos heroicos, eles mesmos candidatos ao martírio, pois caso fossem pegos seriam também martirizados, em meio às trevas se arrastavam até o Circo Máximo ou até o Coliseu para pegar aqueles restos, os quais traziam em panos, embebidos em perfume, até as catacumbas onde entravam por um orifício oculto feito no chão.

Quando os que lá esperavam rezando recebem a notícia de que ali estão os restos de um de seus irmãos na Fé, imediatamente do fundo da terra ouve-se um cântico de triunfo. Pois aquele companheiro que na véspera tinham visto e com quem tinham conversado — até que devido a uma vistoria policial na catacumba fosse capturado e, cheio de aflição, levado para ser martirizado — após tantos sofrimentos ele está no Céu. Por isso todos cantavam de alegria.

Quando alguém recebe graças especiais, até nessa situação ela pode sentir alegria, a tal ponto que havia mártires que apesar de triturados pelas feras morriam alegres.

Inebriados pelo Sangue de Cristo

Agrada-me ouvir cantar o Anima Christi, no qual há uma jaculatória que diz: Sanguis Christi, inebria me! Sangue de Cristo, inebrie-me! O que isso quer dizer? O que é esta embriaguez do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo? Um exemplo é o do mártir que tendo comungado do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, embriagado da alegria, fruto da graça do Espírito Santo, procede como um ébrio, não tendo medo diante do perigo e da dor. Pelo contrário, de tal modo o inunda a alegria sobrenatural que se lhe dissessem que a fera não vem, ele era capaz de ficar desapontado, pois para ele a boca do tigre era a porta do Céu, e as presas que ele vê enquanto a fera uiva são para ele os instrumentos benfazejos que vão romper os laços que o prendem à Terra, permitindo que sua alma possa voar junto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

A graça pode produzir esse efeito, e não é tão raro que o faça.

Em algo sentimos este efeito da graça quando, em meio a aflições, tormentos e lutas, vemos nossas almas encherem-se das santas alegrias do Natal, que vencem até as maiores angústias. Ao menos para os que não rejeitam essa graça.

A noite de Natal de outrora

Para que se sinta um pouco o que é esta graça, creio não ser descabido narrar algumas recordações, na tentativa de fazer reviver aqui aquilo que na pobre São Paulo de hoje, embora tão rica, quase não se nota mais: as alegrias e vivas impressões que outrora se sentiam nas noites de Natal.

Como era um Natal no ano de 1920? Portanto, Natal dos últimos anos de minha infância?

Havia qualquer coisa que alguém poderia dizer tratar-se de imaginação, mas digo que tenho a convicção interna de não se tratar de imaginação, mas da graça, que era dada a mim, como a todas as crianças de meu tempo, ao menos as que eu via e conhecia.

Era uma graça geral. As crianças, já alguns dias antes do Natal, viam-se invadidas por uma expectativa e por uma alegria na esperança das festas que iam se realizar. A perspectiva da festa, no que ela tem de terrena, desempenhava um papel na alegria das crianças. Elas sabiam que São Nicolau, o santo Bispo afável, viria de noite enquanto todos dormiam e colocaria presentes junto a elas: nos lares abastados, grandes caixas; nos lares mais pobres, com menos condições financeiras, caixinhas de presentes pequenas, mas cheias de afeto. Mas em todo lugar onde houvesse uma mãe, digna realmente de assim ser chamada, um pai solícito e merecedor deste título, alguma coisa punham junto à cama do filho. O que para o filho consistia uma maravilha, que ele esperava com alguns dias de antecedência.

Inundadas pelas alegrias de Natal, as crianças ficavam melhores

Esta alegria se fazia sentir dois ou três dias antes do Natal. Ao andar um pouco, correr pelo jardim, brincar, tudo se fazia cheio de um bem-estar próprio à inocência da infância, à espera do Natal. Esta alegria em boa medida era motivada por alguma coisa mais alta e que já era um prenúncio da alegria estrita e definidamente religiosa do Natal que estava por vir. Algo de especial começava a nos encher as almas.

Nesses dias, todas as crianças ficavam melhores: as que mentiam, passavam a mentir menos; as que não mentiam censuravam alguma que mentisse; as que eram pouco observantes dos horários de casa tornavam-se mais pontuais. Sentia-se em todos mais limpeza de alma. E esta alegria de ter a alma limpa não se compara a nenhuma outra ao longo da vida. O que pode se comparar ao bem-estar, por exemplo, de alguém que se confessa e sai do confessionário com a certeza de ter sido perdoado?

Quem não se lembra com saudades de alguma vez ter se aproximado do confessionário com um problema de consciência e de lá ter saído transbordante de alegria pela certeza de haver sido perdoado? Essa alegria faz em algo lembrar aquela que se sentia nos dias que antecipavam o Natal, ainda sem ter se confessado.

Um princípio de pureza, de limpidez, de honestidade, de bondade e de candura parecia se fazer sentir sobre a Terra, atuando nas almas de todos os homens. As pessoas começavam a ser mais benévolas entre si, oferecendo-se favores. As crianças egoístas de bom grado emprestavam seus brinquedos, as birrentas faziam pequenos favores. E os mais velhos, por mais que não sentissem a mesma alegria que as crianças, por lembrarem-se dos Natais em suas infâncias, esforçavam-se por causar a impressão de estarem participando do mesmo contentamento, tornando-se especialmente solícitos e afáveis.

Bem-estar natural e sobrenatural

Os pais, ao menos os meus, levavam as crianças para ver os brinquedos de Natal. Em geral as melhores lojas de brinquedos eram alemãs e inglesas. Lembro-me de várias: Casa Fux, Casa Grümbach, Casa Lebre e outras. Entre elas havia uma onde minha mãe e a Fräulein costumavam levar minha irmã, uma prima que morava em nossa casa e eu. Esta ficava na Rua XV de Novembro; chamava-se Casa Mappin. Como o Natal vinha se aproximando, as crianças ao saírem de casa iam com roupa de gala, todas enfeitadas. Assim íamos também nós ver os presentes, os quais muito nos encantavam. Mamãe ficava prestando atenção para ver qual deles mais nos agradava. Por coincidência e para nossa maravilha e surpresa, São Nicolau trazia justamente aquele…

Uma das partes culminantes da preparação do Natal, para mim, sensível à gastronomia desde muito cedo, era quando íamos tomar um lanche na Casa de Chá do Mappin. O fundo desta Casa dava para um barranco profundo, embaixo do qual começava o Brás; era um descampado por onde entrava muito vento; nós ficávamos sentados lá, pois a Fräulein e eu éramos grandes apreciadores de vento. Este, mais o chá, os sanduíches, as torradas e o chocolate, me regalavam. Eu tinha a impressão de que o bem-estar de meu corpo em contato com aquele vento era análogo à alegria de minha alma em contato com as graças de Natal que se aproximavam, o que me cumulava ainda mais de desejo de que o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo chegasse o quanto antes.

Notava-se esta alegria natalina até nas mães que levavam as crianças pelas ruas do Centro, o qual se enchia especialmente; as crianças, todas alegres e satisfeitas, algumas já levando presentes, dando risadas e conversando. Quando passava uma criança assim mais vistosa, mais engraçada, as mães piscavam para a mãe daquela como que a dizer: “Mas que engraçadinha…” E a mãe ficava toda satisfeita. E assim era uma alegria geral.

De alegria em alegria até o ápice do Natal

Voltando para casa começavam os mistérios… Numa determinada sala não se podia entrar, pois a árvore de Natal estava sendo preparada, como em todo ano, com alguma novidade, uma estrela enorme, um anjo novo ou outros enfeites.

Quando uma criança conseguia ver algo da surpresa, corria para contar às outras, que tomavam a notícia com ar de grande importância. Em meio a essas alegrias passava-se o tempo até a noite de Natal, hora em que se ia à Missa do Galo. Aí o ambiente era completamente diferente.

Nós, morando perto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, para lá íamos a pé. Todas as casas estavam abertas e as luzes acesas. Andando pelas ruas percebia-se, em casas modestas como nas ótimas, que eram quase palácios, uma árvore de Natal acesa e ouvia-se lá de dentro um gramofone, dos mais antigos, tocando músicas de Natal. Percebia-se em cada família a alegria de Natal, todos estavam acabando de se aprontar para sair, deixando apenas um criado a tomar conta da casa. Logo os sinos começavam a tocar, avisando que a Missa ia começar.

Chegando-se à igreja, esta se encontrava feericamente iluminada, o altar se encontrava todo cheio de flores. Numa manjedoura via-se o Menino Jesus deitado. Quando soava meia-noite, o padre entrava e começava a Missa, durante a qual se sentia algo aparentemente contraditório, um misto de recolhimento e de explosão de contentamento.

Quando já se tinha idade, comungava-se. A Comunhão era o ápice! Encantava-me a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo, que tinha nascido em Belém, numa daquelas noites, estava realmente presente em mim; era a hora dos pedidos, mas, sobretudo, tinha-se uma indescritível sensação de intimidade. Eu tinha uma estampa do Sagrado Coração de Jesus que representava Nosso Senhor segurando um menino, de cabelos cacheados pretos, e Ele com a mão em volta de seus ombros, apertando o menino para junto do peito. Em baixo desta havia uma jaculatória que dizia mais ou menos assim: “Ó Bom Jesus, tende piedade de mim!” Eu a rezava pensando: Nosso Senhor nesta hora está fazendo isso comigo…

Depois da Missa, tinha-se a impressão de que as graças de Natal se difundiam por todas as casas. Quando chegávamos à nossa, parecia que esta já não era a mesma que tínhamos deixado. Havia nela algo de religioso, de sacral, de recolhido, que causava verdadeira maravilha. A par desta atmosfera recolhida, sentia-se habitar na casa uma alegria, como igual não se sentia o ano inteiro. Começavam os cumprimentos e as felicitações, ao que eu era muito sensível, sobretudo aos carinhos e felicitações vindos de mamãe, com os quais eu já vinha contando como um complemento da noite de Natal. É impossível descrever o que é o ósculo de uma mãe católica a um filho que ela deseja que seja católico também! Depois das saudações, começava a festa de Natal, a qual já tive oportunidade de descrever outras vezes.

Delícias que se sentiam até dormindo

Terminada a festa de Natal, chegava a hora das delícias do sono, o qual era melhor na noite de 25 para 26. Porque como se sabia na noite anterior que São Nicolau viria entregar o presente, queríamos surpreendê-lo, mas sendo ele muito hábil, isto nunca acontecia. Porém, mantinha-se esta esperança. Até que, mais ou menos às quatro horas da manhã, sentia-se sobre os pés o peso da enorme caixa de presentes, e logo vinha a curiosidade de saber se São Nicolau tinha acertado, mas eu pensava: “Não posso acender o abajur porque meus pais, notando, me censurarão. De outro lado, como é gostoso sentir o peso desse presente, pelo qual posso avaliar o valor e o prazer que o presente me dará!” Pouco depois o sono infantil tomava domínio da situação e a criança dormia. Acordando de novo pouco depois, na sofreguidão de que o momento de se levantar tivesse chegado, para poder ver o presente, não sendo ainda hora, voltava a dormir.

Até que antes da hora de acordar, a criança já estava de pé, rompendo as fitas, os laços e os barbantes, para ver o presente, o qual era sempre um muito bonito, um dos quais se tinha gostado em alguma casa de presentes.

Por isso, o sono da noite de 25 para 26 era um sono pesado e gostoso, pela sensação da consciência tranquila, pelas influências do Natal Sagrado, sob cujo perfume se dormia, sabendo que no dia seguinte ainda se teria a recordação do Natal. Ainda tinha um feriado, para comer os últimos doces, beber os últimos ponches, brincar mais uma vez com os brinquedos, até se familiarizar com eles. Não se olhava com pesar para o implacável dia 26 que vinha. A noite de Natal era, portanto, um hiato luminoso, cheio de algo que não se consegue descrever, mas que todos sentiram, cada um em sua época.

Dia virá em que os verdadeiros Natais reflorescerão na Terra

Até que ponto os que são mais jovens sentiram isso? Receio que, quando muito, tenham visto apenas ligeiros fins disso.

Televisões ligadas o dia inteiro, rádios vociferando canções de Natal comercializadas, lâmpadas fluorescentes e laicas penduradas em torno de árvores, em jardins de prédios e em apartamentos, igrejas vazias. Eis o Natal moderno!

Põe-se a pergunta: O que resta de tudo o que descrevi? Será que de tudo isto só ficou a recordação? Muito mais do que isto, resta uma esperança! E no intuito de avivar essa esperança é que narrei estes fatos. Mas, de tudo isso só resta uma esperança? Não! Temos uma certeza! graças à promessa divina: “…as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16-18).

Esta certeza nos diz que um dia, após lutas, provações e batalhas, os verdadeiros Natais reflorescerão na Terra. E quando se assistirem a esses Natais, talvez alguém se lembre desta descrição que acabo de fazer, e tenha a convicção viva de que não é algo que está nascendo, mas é uma longa concatenação histórica que sai do fundo das águas da provação e volta à luz. Trata-se da verdadeira alegria do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Natais mais belos do que os de outrora

Apesar de toda a decadência que se nota nas festas de Natal atualmente, se comparadas com as de meu tempo, não hesito em afirmar que o Natal dos que, hoje em dia, lutam para permanecer fiéis ao verdadeiro espírito católico é ainda mais bonito do que os de outrora. E se eu, quando menino, pudesse ver como seriam os Natais que eu deveria passar nestes dias, sem dúvida exclamaria: “É para isso que eu nasci!”

Devemos, pois, lembrar que essas alegrias de Natal, sob o sorriso de Nossa Senhora, descerão sobre nós, ainda que estejamos na mais terrível aflição. Também nos deve animar a confiança de ver realizada a promessa de Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!” Quando isto se der, que suavidade, harmonia e doçura terão as festas do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/12/1984)