O “Lembrai-Vos”, uma oração para todos os momentos

É muito importante ponderarmos bem as magníficas palavras do “Lembrai-Vos”, esta bela oração com que rogamos a misericórdia de Nossa Senhora.

“Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer…” A palavra nunca é bastante categórica. “… que algum daqueles…” Algum daqueles, isto é, quem quer que seja: não houve um só caso.

“…que têm recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência e reclamado vosso socorro, fosse por Vós desamparado.” Proteção, assistência, socorro. Proteção para evitar que a tentação venha. Assistência é um auxílio numa situação difícil. Socorro é para uma pessoa que está periclitando, sumindo, afundando.

Está bem: nunca se ouviu dizer que, tendo alguém pedido proteção, assistência e socorro a Nossa Senhora, fosse por Ela desamparado. “Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho”.

Quer dizer, se nunca Vós deixastes de proteger a ninguém, aqui estou eu, que sou um ente humano e, como tal, batizado na Igreja Católica, sou vosso filho, venho Vos pedir auxílio. Estou tentado, eu tive culpa, digamos que até caí em tentação. Mas eu existo, vivo, e a vossa Clemência me mantém nesta vida. E, permanecendo vivo, tenho o direito e o dever de rezar para Vós. Assim, aqui me apresento, cheio de confiança na vossa misericórdia.

“E, gemendo sob o peso de meus pecados, me prostro a vossos pés.”

Note-se como é animadora esta expressão. Ela não diz o seguinte: “Eu, o inocente, o puro, o límpido; eu, o homem sem mancha, me dirijo a Vós e peço socorro. A minha inocência me dá direito a vosso auxílio”. Não! Mas diz: Gemendo sob o peso de meus pecados… Ou seja, são tantas faltas que elas me prostraram no chão. Eu estou caído ao solo sob o fardo delas, e este me oprime de tal modo que eu chego a gemer.

Ora, gemendo sob o peso de meus pecados, o que faço eu? Prostro-me aos vossos pés. Eu venho para junto de Vós, minha Mãe, e a Vós me agarro, na opressão de meus pecados.

Então vem a conclusão: “Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Assim seja”. O pensamento é lindo. Dignai-Vos de ouvir com benignidade, com bondade, o que eu estou dizendo. De vossa parte eu espero um sorriso e que me alcanceis aquilo que Vos peço. Amém.

Digamos agora uma palavra sobre a oração no seu conjunto.

Ela é uma tocante e filial manifestação da confiança de qualquer alma, em qualquer estado, posta em qualquer situação, para com Nossa Senhora. Uma confiança que a reveste de ânimo e a faz voltar-se à Santíssima Virgem, dizendo-Lhe: “Isto eu Vos peço, tende pena de mim e auxiliai-me”.

O raciocínio que essa súplica encerra é simplíssimo: “Vós nunca abandonastes ninguém; ora, eu sou alguém; logo, Vós não me abandonareis”. É uma reflexão a mais lógica possível, a mais concludente, a mais convincente, a mais singela na sua esquematicidade, a mais irresistível, expressa numa linguagem de fervor e devoção. Uma linguagem que, além de bonita, tem um verdadeiro conteúdo teológico: Nossa Senhora é Mãe de cada homem; donde Ela não deixará de socorrer a qualquer um que a invoque. Nunca será supérfluo insistir neste ponto: é preciso invocá-La, é  necessário que a Ela sempre  recorramos, máxime nos momentos difíceis de nossa existência. Seja nas horas de tentações, de provações, angústias e sofrimentos, seja nos problemas comuns de todos os dias.

Por exemplo, em nossas atividades apostólicas, em nossas ações de caridade, devemos confiar e suplicar o auxílio de Nossa Senhora. Pedir a Ela que favoreça tal conversa com uma alma aflita ou com alguém que vemos vacilar nas sendas da virtude. Então peçamos: “Minha Mãe, considerai esse espírito tíbio e mole que corre o risco de se afastar de Vós. Comunicai a ele algo de vossa vitalidade e de vosso fervor”.

E se o mole sou eu, digo-Lhe: “Minha Mãe, infundi em mim esse vosso ardor. Eu me vejo atolado na pasmaceira, da qual, entretanto, tenho horror. Quanto mais Vós o tereis! Tende pena de mim, e curai-me dessa lepra”. E assim como no apostolado, também em nossas mais diversas ocupações sociais e profissionais, devemos tratar Nossa Senhora como uma Mãe boníssima a quem nós pedimos tudo aquilo que nossa alma aspira ou necessita, sobretudo quando ordenado para a glória dEla.

Segundo a boa tradição católica, os Anjos estão sempre prontos a em tudo nos socorrer e ajudar, enquanto os demônios, pelo contrário, procuram  nos causar danos e atrapalhações.

É conhecida, por exemplo, a funesta ação de um espírito maligno que costumava talhar a manteiga fabricada por certos camponeses europeus. O fato pode até despertar sorrisos, pois lembra algo da inocência da vida rural, em comparação com as fuligens e inferneiras das grandes metrópoles.

Desperta sorriso, sim, mas contém uma realidade. Quantas vezes fazemos alguma coisa e esta sai errada, desanda, talha. Por quê? Não raro, devido à ação preternatural de algum demônio. Nesses momentos, a atitude correta não é nos enervarmos, nem nos apavorarmos, nem tampouco nos desesperarmos. É rezar: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…”

Quer dizer, a solução para as nossas dificuldades, grandes e pequenas, está em possuirmos essa constante confiança, em todas as horas, na infalível assistência de Nossa Nossa Senhora da Penha (Rio de Janeiro) Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Rainha dos acontecimentos

O báculo e as chaves que Nossa Senhora do Bom Sucesso traz consigo dão a entender que Ela abre e fecha os acontecimentos grandiosos, as misérias e as catástrofes na vida dos homens, as vitórias de Deus na História.

Ela traz triunfalmente seu Divino Filho, como quem diz: “Estou vencendo, mas venço para que Ele vença. Eu sou Rainha, sim, porém o sou porque Ele é o Rei!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/8/1982)

Sob o manto da Mãe do Bom Sucesso

O conhecimento de trechos das revelações de Nossa Senhora do Bom Sucesso a Soror Mariana de Jesús Torres fez com que essa invocação da Mãe de Deus se tornasse uma das principais na obra de Dr. Plinio.

Claramente movido por uma graça interior, em certa ocasião, Dr. Plinio exprimiu um desejo: “Bem que Nossa Senhora do Bom Sucesso poderia nos dar um sinal… Um sinal a respeito do quê? De uma especial assistência a nós. Nada determinado”.

No dia seguinte a essas palavras, Dr. Plinio teve, como de costume, longa agenda de atendimentos. Entre os despachos marcados, estava uma palavrinha de acolhida para um grupo de discípulos equatorianos. Após os cumprimentos, comunicaram serem eles portadores de um presente todo especial para Dr. Plinio: as chaves do Mosteiro da Imaculada Conceição de Quito, que normalmente pendem da mão direita da imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso!

Portanto, a Rainha do Céu não esperara 24 horas para enviar o solicitado sinal. Ao recebê-lo, Dr. Plinio comentou: “A chegada dessas chaves tem relação com o que temos dito a respeito das conjunturas atuais. Elas são um estímulo à oração e significam que, se rezarmos diante delas, Nossa Senhora nos atenderá. Eu fico tocado até o fundo da alma e agradeço muitíssimo, mas muitíssimo!”

Infelizmente as históricas chaves eram emprestadas e, após serem veneradas durante algumas semanas, tiveram de ser devolvidas à sua ilustre proprietária.

Teria sido um sinal passageiro? Nossa Senhora do Bom Sucesso é Mãe de uma bondade insondável. Para tornar ainda mais patente o sinal, concedeu em 11 de fevereiro de 1992, dia de Nossa Senhora de Lourdes, nova e talvez ainda maior graça, enviando, a título de empréstimo — e por um ano! —, um de seus mantos. Acompanhava outra valiosa relíquia: a manga de um de seus antigos vestidos, com um tocante bilhete das freiras daquele mosteiro:

“Reliquia de Nuestra Madre del Buen Suceso. Al Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.

Sus hijas de la Limpia Concepción de Quito.”

A título temporário também, como mais uma dádiva, Nossa Senhora do Bom Sucesso fazia retornar, por mais um tempo, as tão simbólicas chaves.

O que entre nós se passou? — comentou Dr. Plinio. Dir-se-ia que houve uns números musicais muitíssimo bem regidos e executados que animaram os nossos corações, depois foram introduzidas as chaves que pendiam do braço da imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, e foi trazido aqui um dos mantos dessa gloriosa imagem para estar presente durante as nossas reuniões, pelo menos, pelo espaço de um ano. Foi trazido juntamente um tecido branco da manga do vestido da própria imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, portanto, algo que tomou contato direto com o braço da imagem, e quem sabe se era o braço da destra d’Ela que foi coberto por esse tecido?

É esse símbolo da destra d’Ela que vem presidir e ornamentar as nossas reuniões(1).

Essa especial relação de alma com a Virgem do Bom Sucesso se manifestou também nas tocantes palavras com que Dr. Plinio descreveu a pequena imagem recebida por ele de presente em 1979:

Eu já tenho visto fotografias muito bem tiradas da verdadeira e autêntica imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso. E tenho tido a impressão de alta veneração, respeito filial, afeto, que a imagem desperta.

Entretanto, olhando para esta esculturazinha aqui, tão inferior à imagem original no lado escultural, eu notei nela um imponderável qualquer, que parece ter uma alegria e uma propriedade de despertar alegria, como se Ela estivesse anunciando o sucesso que vai obter para nós; como se Ela estivesse nos entendendo, ou comunicando algo da sua alegria triunfal de Rainha. Têm-se a impressão de que Ela, no Céu, já sabendo a vitória que terá, e gozando no Céu do maior ápice de todas as vitórias possíveis, desta vitória em concreto Ela já comunica alguma coisa na consideração desta imagem.

E que o ambiente imponderável que cerca esta imagem como que nos diz: “Meus filhos, alegrai-vos, levantai vosso ânimo! Nada tem importância quando Eu resolver vencer. A minha hora de misericórdia está chegando para vós e, portanto, nada vos atingirá de maneira contrária a meus planos. O que atingir será de acordo com meus planos e, no fundo, para vosso bem. Alegrai-vos, portanto, o sucesso é meu, porque Eu sou a Rainha do Bom Sucesso; e o sucesso é, portanto, vosso, porque vós sois meus filhos!” E assim eu julgo ver nessa imagem uma comunicação de alegria, mas uma alegria radiosa, que vem de dentro e se esparge sobre os que a contemplam, que realmente me causou uma profunda impressão(2).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Conferência de 18/2/1992.
2) Conferência de 2/6/1979.

O grande triunfo marial

Em 1854, pela Bula “Ineffabilis Deus”, o grande Papa Pio IX definia como dogma a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Em 1858, de 11 de fevereiro a 16 de julho, Nossa Senhora aparecia dezoito vezes, em Lourdes, a uma filha do povo, Bernadette Soubirous, declarando ser a Imaculada Conceição. A partir dessa ocasião, tiveram início os milagres. E a grande maravilha de Lourdes começou a brilhar aos olhos de todo o mundo, até nossos dias. O milagre confirmando o dogma, eis em resumo a relação entre o acontecimento de 1854 e o de 1858.

De há muito, vinham sendo os meios católicos da Europa e da América trabalhados por uma verdadeira lepra, que era o jansenismo. Este movia uma campanha insistente contra a devoção a Nossa Senhora, que acusava de desviar de Jesus Cristo, em lugar de conduzir a Ele.

A definição do dogma da Imaculada Conceição foi o primeiro dos grandes reveses sofridos pelo inimigo interno. Para provar que tudo nos vem por Maria, quis a Providência que fosse marial o primeiro grande triunfo.

Mas, para glorificar ainda melhor sua Mãe, Nosso Senhor fez mais. Em Lourdes, como estrondosa confirmação do dogma, fez o que nunca antes se vira: instalou no mundo o milagre, por assim dizer, em série e a título permanente. Até então, o milagre aparecera na Igreja esporadicamente. Mas em Lourdes, as curas mais cientificamente comprovadas e de origem mais autenticamente sobrenatural se dão, a bem dizer, a jato contínuo, à face de um século confuso e desnorteado.

Foi por certo um grande momento, na vida do filho pródigo, aquele em que seu espírito embotado pelo vício adquiriu nova lucidez, e sua vontade novo vigor na meditação da situação miserável em que caíra e da torpeza de todos os erros que o haviam conduzido para fora da casa paterna. Tocado pela graça, encontrou-se, com mais clareza do que nunca, diante da grande alternativa: arrepender-se e voltar, ou perseverar no erro e aceitar, até o mais trágico final, as suas consequências. Deu-se o embate interno. Ele escolheu o bem.

O futuro, só Deus o conhece. A nós, homens, é lícito, entretanto, conjecturá-lo segundo as regras da verossimilhança.

Estamos vivendo uma terrível hora de castigos. Mas esta também pode ser uma admirável hora de misericórdia. A condição para isto é que olhemos para Maria, a Estrela do Mar, que nos guia em
meio às tempestades.

Movida de compaixão para com a humanidade pecadora, Nossa Senhora tem alcançado para nós os mais estupendos milagres. Esta piedade se terá extinguido? Têm fim as misericórdias de uma Mãe, e da melhor das mães? Quem ousaria afirmá-lo? Se alguém duvidasse, Lourdes lhe serviria de admirável lição de confiança. Nossa Senhora há de nos socorrer.

Plinio Corrêa de Oliveira

Excelso socorro dos fracos

Sendo de uma excelsitude inimaginável, Maria Santíssima é também de modo incomensurável a celestial Protetora dos homens, sobretudo dos mais miseráveis. Compreende-se, pois se todas as suas qualidades e virtudes reluzem no mais elevado grau de perfeição, entre elas rebrilha a sua maternal misericórdia.

Assim, Nossa Senhora se compraz em ter uma particular inclinação para os que menos merecem, e assisti-los com a abundância torrencial de sua incansável solicitude.

De maneira que, inimaginavelmente alta, Ela é, mais do que nenhuma outra criatura, o amparo e socorro dos fracos.

Plinio Corrêa de Oliveira

Vaso de Eleição

Destinada desde toda a eternidade para gerar o Filho do Altíssimo, Nossa Senhora é o Vaso de Eleição cuja alma foi adornada de uma coerência extraordinária, uma unidade admirável, sem hesitações nem dilacerações, repleta de fé sobrenatural, de certeza e convicção na existência de Deus, de firmeza nos mais altos como nos menores princípios.

Alma soberanamente límpida e lúcida, soberanamente elevada e grande, soberanamente séria e profunda, na qual se comprouve de modo perfeito o Senhor do Céu e da Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora e a luta entre a Revolução e a Contra-Revolução – II

Diante de uma humanidade em extremo pútrida, quase inidônea para praticar verdadeiramente a santidade, vislumbres de uma misericórdia nova assentada na devoção a Nossa Senhora se fazem sentir. Naqueles que procuram ser bons existe uma luta entre os vícios e uma graça persistente, inefavelmente obstinada, indicando uma enormidade de graça que verdadeiramente não tem  proporção com nada, uma espécie de sinal precursor do Reino de Maria.

 

Vislumbres de uma nova ação de Nossa Senhora nas almas

Há uma coisa curiosa nas revelações a Sóror Maria de Ágreda(1), nas quais ela diz que no Apocalipse há  muitos conceitos especiais contidos de um modo simbólico, que ainda não foram desvendados, a respeito das relações de Nossa Senhora com os Apóstolos, especialmente com São João Evangelista. E só quando chegar a época em que os teólogos de repente entenderem as cifras o Apocalipse a respeito disso, eles conhecerão todo o tesouro que a Revelação contém, e o Magistério da Igreja poderá se exercer na sua plenitude quanto a esse novo panorama.

Isso vai muito de acordo com o que diz São Luís Grignion de Montfort. Quer dizer, forma um todo.

Embora essa ideia de Maria de Ágreda não esteja provada pelo simples fato de ela dizer, não tem nada de heterodoxo.

Haverá, presumivelmente, um momento em que isso vai se desatar, e esse conhecimento vai se consumar.

Então, nós temos este outro dado que é o progresso desse mistério de graça. Houve uma devoção a Nossa Senhora ao longo dos tempos que, em certo momento, pelo desejo d’Ela, começou a tomar uma consistência maior, a qual vai desenvolvendo dentro das almas esse mistério, e é o triunfo dele que acaba com o reino do demônio e estabelece o verdadeiro Reino de Nossa Senhora.

Tenho impressão de que há alguns vislumbres, por onde se compreende algo a respeito dessa ação misteriosa de Nossa Senhora nas almas. E muito ortodoxos, sérios, sólidos, embora à maneira de vislumbres.

Realidade simbolizada no Coração sagrado de Jesus

Houve tempo em que estive lendo a respeito das devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Coração Imaculado de Maria –  inclusive encíclicas a respeito disso –, para responder à seguinte pergunta: Em essência, o que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus? E depois, por conexão: O que é a devoção ao Coração Imaculado de Maria? Nós sabemos que o objeto dessa devoção é o Coração enquanto membro do corpo divino-humano d’Ele, ou do corpo sagrado e imaculado d’Ela, mas que são, sobretudo,  símbolos de algo de ordem espiritual.

Então, qual é essa realidade simbolizada através do coração? As encíclicas respondem bastante claramente a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, e não é difícil fazer a transposição ao Coração Imaculado de Maria. Resumindo: a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, como as encíclicas apresentam, é a devoção àquilo que nós podemos chamar o espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto, a doutrina d’Ele; não apenas a doutrina, porém aquilo que é a sabedoria, a santidade d’Ele, quer dizer, uma doutrina não só enquanto concebida, mas possuída, personificada e vivida. Quer dizer, algo de lógico e algo contido nesta expressão meio imponderável que é o espírito de alguém como, por exemplo, o espírito de Elias.

O que é o espírito de Elias? A comparação até não é muito feliz porque é a graça de Elias. Mas vamos dizer, por exemplo, o espírito da Companhia de Jesus. O que é o espírito da Companhia de Jesus? No seu bom sentido, é o espírito de Santo Inácio. Porém o que é o espírito de Santo Inácio? É o conjunto de doutrinas especificamente dele e enquanto vividas por ele, possuídas por ele, simbolizadas por ele. De tal maneira que ele era o paradigma do próprio espírito dele.

Assim é o espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas enquanto querendo disseminar-se, contagiar, conquistar, quer dizer, um espírito enquanto amoroso dos homens. E como em face de uma  humanidade pecadora o maior triunfo desse espírito não é a justiça, mas a conquista, acaba sendo a misericórdia. Porque pela justiça Deus manda o pecador para o Inferno, pela misericórdia Ele conquista o pecador. O maior triunfo de Deus está em perdoar e em converter.

Então, nós compreendemos o aspecto misericordioso da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que é tão acentuado na piedade popular. Aliás, também bastante realçado em muitos documentos da Santa Igreja: o Coração de Jesus enquanto fonte de misericórdia.

Similitude do Imaculado Coração de Maria

Paralelamente entende-se o que é o Imaculado Coração de Maria, nem é preciso tratar disso. Contudo, quando se presta bem atenção nessas duas invocações e devoções, nota-se haver meandros dentro dos quais cabem algumas coisas que se intuem, mas tem-se a impressão de que não foram inteiramente ditas.

Há uma espécie de comunicação de Nosso Senhor a quem Lhe cultua o Coração, maior, mais completa, mais inteira, do que quem Lhe presta culto nos outros mistérios. Como também há uma forma de comunicação mais plena de Nossa Senhora a quem Lhe cultua o Coração Imaculado. Os que tratam dessas duas devoções  dizem que elas são para os últimos tempos, os fins da História da Igreja, as últimas expansões da misericórdia.

Então, nós voltamos mais uma  vez à impressão de um acréscimo da graça que se opera por maravilhas de misericórdia, progressivamente e mais intensamente a partir do momento em que essas duas devoções foram reveladas aos homens. É, portanto, mais uma tinta para a ideia de um mistério de graça a se manifestar, a se declarar.

Sinal precursor de uma graça superabundante que unirá os homens a Nossa Senhora no Reino de Maria Tem-se a impressão de que essa graça, essa misericórdia nova incidiu sobre uma humanidade em extremo pútrida, quase que tornada inidônea, à força do vício, para praticar verdadeiramente a santidade. De tal maneira decadente do ponto de vista moral, que é uma coisa que indicaria dever vir o fim do mundo.

Vejo, entretanto, naqueles que procuram ser bons, a luta entre uma graça persistente, inefavelmente obstinada, e uma série enorme de repelões em sentido contrário, de recusas, de molezas, de  infidelidades de toda espécie e tamanho.

Não obstante, parece- me ver uma vitória  progressiva dessa graça, marcada de um modo muito interessante pela forma através da qual as pessoas progridem espiritualmente dentro de nosso  Movimento.

Nesse sentido, é tanta misericórdia que sou levado a ver nisso uma espécie de sinal precursor desta graça superabundante, que no Reino de Maria vai prender os homens a Nossa Senhora.

A meu ver isso não seria explicável sem esta graça dada aos fracos, aos pequenos, e que corresponde àquela divisa da Igreja de Filadélfia, conforme diz o Apocalipse: fraca, mas fiel (cf. Ap 3, 8).

Uma graça que sustenta na fidelidade aqueles que são muito fracos. Na humanidade mais capenga, mais pobre, descem graças contínuas as mais imerecidas que, entretanto, vão formando um fluxo de virtude absolutamente indiscutível.

Tantos casos de regeneração moral magnífica, de gente que passa de moleque de rua para o que há de mais recomendável em matéria de piedade e de virtude, e não se pode deixar de reconhecer haver ali um enorme sopro da graça, uma coisa eminentemente sobrenatural, mas comparável aos grandes sopros da graça que a História da Igreja registra. Naturalmente ainda uma coisa de  começo, nos seus primeiros vagidos, nos seus movimentos iniciais, mas existe. Tudo isto indica uma enormidade de graça que verdadeiramente não tem proporção com nada do que se passa hoje.

E esta graça é toda assentada na devoção a Nossa Senhora. Se tivéssemos uma diminuição da devoção a Maria Santíssima que fosse do tamanho de um milímetro – se em milímetros essas coisas pudessem se medir – nosso Movimento estourava agora. Tenho a impressão de que não dava tempo de eu acabar a minha conferência. De tal maneira tudo isso é nascido da devoção a Nossa  Senhora e vive do alento d’Ela.

A devoção à Virgem Maria está em relação a outras virtudes como o motor ao avião. O motor na frente leva atrás de si todo o resto. A devoção a Nossa Senhora é o motor de todas as virtudes. Estando em progresso, o resto vai.

“Pequena Via” e aurora do Reino de Maria

Creio não dever terminar esta exposição sem falar um pouco a respeito de Santa Teresinha do Menino Jesus, e da “Pequena Via” em conexão com isso. Se isto é assim, nós então passamos para uma outra ordem de ideias que parece colateral, mas que nada tem de colateral.

Santa Teresinha do Menino Jesus, em sua História de uma alma, tem também várias referências a uma intensidade nova do amor de Deus, tão poderosa que vai colher aqueles que são pequenos,  insignificantes, pouco poderosos em vários sentidos da palavra, e levá-los para a santidade.

Então, é uma maior efusão da graça divina enquanto conquistadora, da benignidade de Deus, enquanto contentando- Se com pouco para fazer grandes  coisas, uma maior manifestação da eficácia da graça, enquanto tirando o grande daquilo que é pequeno. Santa Teresinha diz que ela se imolou como vítima em holocausto ao amor misericordioso de Deus, para consagrar uma via que  incontáveis almas deveriam seguir. E que ela, no Céu, passaria sua eternidade fazendo cair uma chuva de pétalas de rosas sobre a Terra.

É evidente que as pétalas de rosas significam graças temporais como ela concede, mas para conduzir a graças espirituais, e que é esse maior amor de Deus de que nós acabamos de falar.

Deve haver uma relação entre essa esperança dela de um progresso do amor misericordioso de Deus e a aurora  do Reino de Maria.

Embora ela não tenha expressado isso em termos de Reino de Maria, percebia-se também que o fato deveria se dar depois de sua morte, com uma certa continuidade, não era para começar a aparecer dali a mil anos. Mas a morte de Santa Teresinha correspondia, de algum modo, ao desencadear disso. E que, portanto, a marcha progressiva do amor misericordioso no mundo deveria  ser feita a partir do caminho aberto por ela.

A “Pequena Via” acaba sendo – quando estudada em todos os seus aspectos –, a vários títulos, a via pela qual as almas pequenas de uma humanidade decadente seriam colhidas pela misericórdia e levadas à santidade.

É, pois, a espiritualidade específica daqueles   que querem ser filhos e escravos de Nossa Senhora, e subir nas vias da vida espiritual.

Temos, assim, uma relação entre a “Pequena Via” e essa aurora do Reino de Maria.

Uma novena a Santa Teresinha

Uma coisa puramente individual, mas vem ao caso lembrar: lá pelos idos de 1930, fiz uma novena para Santa Teresinha, em que eu pedia duas graças: uma era de me cair nas mãos um livro que desse andamento à minha vida espiritual.

E a outra, arranjar um bom dinheiro para não ter preocupações financeiras, e poder cuidar do apostolado sem aborrecimentos.

Fui logo atendido quanto ao primeiro pedido. Na semana em que iniciei a novena, fui à Igreja do Coração de Maria, para comprar um livro de vida espiritual. Eu só tinha dinheiro para adquirir um livro, então escolhi muito para, pelo menos, levar o que mais me convinha. E afinal de contas optei pelo livro de São Luís Maria Grignion de Montfort. Mas escolhi-o por uma bagatela, pois estava impresso em vermelho e preto, uma edição muito bonitinha, e porque,  em última análise, o vermelho sempre exerceu uma atração sobre mim. Acabei, assim, decidindo pelo Tratado da  Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

Levei-o para casa e comecei a ler. Então compreendi que era um paraíso! Santa Teresinha foi muito menos rápida em atender a segunda parte do meu pedido, e muito mais parcimoniosa também.

Mas a primeira ela atendeu generosamente. Tenho a impressão de que esta graça do Reino de Maria algumas almas muito eleitas de Nossa Senhora, desde Elias até o fim do mundo, tiveram e terão. Mas eram fatos individuais, que passarão a ser um episódio coletivo quando vier o Reino de Maria.

Elias foi o primeiro, e Eliseu teve porque recebeu o espírito de Elias. Aqui entra outro mistério. O que é essa comunicação do espírito, como se faz, qual é a realidade?

Creio que São Luís Grignion de Montfort teve isso de um modo magnífico. A meu ver, quem quiser ter uma ideia de como foi Elias, pode ler na Bíblia, mas também o livro de São Luís, porque essas pessoas prefiguram e seguem as outras, mais ou menos, como os anticristos prefigurativos ao longo da História.

Acho que São Grignion de Montfort foi eminentemente uma espécie de Elias. E que há assim algo à maneira de gotas de graças “eliáticas” que caem de vez em quando. E que haverá uma era em que essa graça de Elias vai ser patenteada para o mundo inteiro, e então será o Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/7/1967)

1) Religiosa concepcionista, escritora mística, abadessa do convento de Ágreda, na Espanha (*1602 – †1665).

Quadros impregnados de sobrenatural

Ao aplicar seu dom do discernimento dos espíritos na análise de alguns quadros de Giotto, Dr. Plinio descreve, além de traços das almas de diversos personagens, a atmosfera inocente e sobrenatural que os envolve.

Giotto é um pintor italiano do fim da Idade Média, quase Renascença, admirável. Não sei se ele foi um santo como o Beato Angelico — que é o magnata da pintura da graça —, desconfio que sim e desconfio que não. Porque na literatura comum — a que chegou a meu alcance, nunca tive tempo de procurar um livro especial sobre ele — há um silêncio sobre sua pessoa. Ou porque ele foi muito bom, e os maus querem esconder; ou foi muito ruim, e os bons desejam ocultar. Mas há qualquer coisa que não está clara. Enfim, Giotto pintou muitos quadros, a meu ver intensamente impregnados de sobrenatural.

Inocência e dignidade ante a hipocrisia dos prevaricadores

Em Pádua, na Cappella degli Scrovegni, aparecem cenas caracterizadas por uma inocência ainda toda medieval, numa atmosfera sobrenatural magnífica.

Essa famosa capela situa-se num parque muito bem cuidado. Dentro, o chão é todo de mármore esplêndido, com um desenho agradável, um jogo de cores bonito. De um lado e de outro, vemos  estalas reservadas com uma espécie de gradeado de mármore também, muito bonito e bem trabalhado.

São Joaquim e Sant’Ana são os pais de Nossa Senhora. A construção dos fundos simboliza vagamente o que Giotto imaginava como Templo de Jerusalém, mas é muito mais algo medieval com  reminiscências românicas, ou com prenúncios renascentistas, do que qualquer outra coisa. Na primeira fileira, vemos um personagem vestido de cor-de-rosa que conversa com outro; ambos usam hábitos à maneira de batinas, o que era corrente para todo o mundo na Antiguidade. A cor de um desses trajes seria um pouquinho verde-ervilha, misturada com um pouco de dourado. Vejam  como a cor-de-rosa é muito delicada. Um desses deve ser sacerdote judaico; e ao lado do estandarte está São Joaquim.

Ele e Sant’Ana não tinham filhos e isso era considerado uma vergonha, porque quem não possuía filhos estava condenado a renunciar à esperança de ser um antepassado do Messias. A grande alegria era viver com os olhos voltados para o futuro, à espera do Messias que viria salvar o mundo, e seria o centro da História de Israel e da Humanidade. São Joaquim está sendo conduzido para fora, e vê-se na atitude dele uma certa vergonha.

Ele quer resistir um pouco, argumentar porque se sente inocente, mas o outro, muito mais corpulento do que ele e com a autoridade de sacerdote, parece dizer-lhe que não tem remédio e vá  embora. Atrás, um personagem muito mais graduado, com uma capa vermelha sobre uma túnica que parece meio dourada, o qual olha a cena como quem faz executar as suas ordens por um sacerdote de posição inferior. É a humilhação deste homem, que seria um antepassado do Messias.

Notem a cor do céu, a luz espalhada é inocente, não tem nada de comum com a poluição da luz nas babéis modernas, nem com a luz do Sol de hoje em dia. É uma luz diáfana, bonita, encantadora, que parece perpetuamente matutina.

São Joaquim, na humilhação em que ele está, parece muito virginal, muito digno. O sacerdote, meio misterioso. Vê-se que São Joaquim é um homem limpo, até fisicamente. Quanto ao sacerdote, tem-se a impressão de que, por debaixo dessas batinas, há sujeira. E mais suja é a figura de vermelho ali atrás. São Joaquim representa a doçura da Nova Lei, os outros exprimem a hipocrisia e a dureza do sacerdócio prevaricador, no fim do Antigo Testamento.

São Joaquim faz penitência

São Joaquim achou que tinha faltas. Era geralmente admitido que sobre quem não tivesse filhos pesava o castigo de ser estéril para o Messias. Então, ele vai fazer penitência, num lugar ermo, deserto. Vemo-lo aí numa atitude muito digna, triste, confrangida, de quem está fazendo um exame de consciência inútil, porque ele não consegue encontrar a sua falta.

E dois pastores vêm falar com ele. Notem como se vestia um pastor daquele tempo! Como estão bem trajados, e é acertada a escolha de cores nesse quadro penitencial! São Joaquim mais uma vez de cor-de-rosa. Um homem velho, cujo cabelo está entre louro e grisalho, profundamente compenetrado e envergonhado, pedindo perdão das faltas que ele não praticou. Ele não sabia, mas assim expiava as faltas que os outros têm, mas não querem reconhecer. E os pastores com certeza estão querendo oferecer alguma coisa para ele. No chão há umas ovelhas e na frente um cão pastor.

É interessante o seguinte: os pastores estão com trajes meio róseos; os rochedos, que indicam uma natureza um tanto desértica, têm qualquer coisa de róseo também. E a ingenuidade das arvorezinhas que nascem do rochedo é encantadora. Uma criança inocente, que fosse pintar arvorezinhas, pintaria assim, e nós sorrimos encantados com o frescor de alma que elas exprimem.

Mais ainda: o jeito desse cão pastor — que deveria atacar o lobo —, diante desse verdadeiro cordeiro que era São Joaquim, tem simpatia, se sente contente. Observem o salto desse cachorro, o jeito com que deseja ter uma carícia de São Joaquim, que não presta muita atenção nele porque está meditando.

No próprio cão há qualquer coisa de puro. Uma alma virginal que fosse pintar um cão pastor pulando, pintá-lo-ia assim. Essa candura toda agrada enormemente a quem gosta da inocência. O azul do céu contrasta com esse cor-de-rosa com uma harmonia magnífica! Um fato bonito e nobre Vem então a primeira gota de luz, no meio dessas trevas. Sant’Ana está rezando sozinha num  quartinho — que o autor procurou imaginar como seria naquela época — e recebe uma revelação, na qual lhe é dito que ela vai ser a antepassada do Messias, e então sua tristeza vai se transformar em super alegria. Uma criada está do lado de fora com uma espécie de roca — é frequente ver isso em coisas medievais — e alheia à cena. O modo pelo qual Giotto apresenta Sant’Ana inteiramente entretida na revelação, e a criada completamente alheia — esta é terra a terra, pensando nos seus fios, e aquela no terceiro Céu — é muito bonito.

É interessante notar também a ingenuidade do desenho: o quarto de Sant’Ana, um toldozinho de alvenaria, e em cima um terracinho para as noites quentes. Embaixo a criada trabalha. O Arcanjo São Gabriel, que foi quem avisou Nossa Senhora da Encarnação do Verbo, fala a São Joaquim e explica- lhe o que sucederá. O Santo, então, está oferecendo um sacrifício a Deus para agradecer essa grande dádiva, esse grande dom que ele está recebendo. Mas se vê que está com a fisionomia mais animada, mais alegre, e que ele é um sacrificador sério. E se tem a impressão que um bom número da bicharada que está perto dele vai perecer.

São Joaquim teve um sonho a respeito do futuro nascimento de Nossa Senhora. Não é um sonho na casa dele, mas ao ar livre; o teto é a abóboda celeste. Um Anjo desce e comunica-lhe o  nascimento de uma filha. E aqui está o mistério: o direito de primogenitura e os direitos  sucessórios na Casa de Davi se transmitiam entre homens, não entre mulheres; como é que ele, tendo uma  filha e não um filho, seria o avô do Messias? Mas lhe foi revelado, ele crê.

Perto de São Joaquim estão pastores, camponeses, vestidos exatamente como nas iluminuras medievais. É muito bonito o tom que ele dá para o céu, um azul que não é dia, mas uma espécie de claridade noturna que também não é luar, e que circunda um fato tão bonito e tão nobre quanto esse.

Jerusalém era fortificada, como todas as cidades daquele tempo, com ameias um pouquinho à medieval. São Joaquim e Sant’Ana se encontram na Porta de Ouro.

Nascimento de Nossa Senhora

Maria Santíssima nasceu e é apresentada pelas assessoras. Essa vestida meio de verde parece ser uma mulher especializada em assistir senhoras em lances desses; atrás será alguém da família que também está assistindo. E Sant’Ana recebe essa Menina que ela sabe ser a Mãe do Messias. Daí ela acolher a Menina, não como tantas mães recebem uma filha — uma bonequinha e começam a brincar com ela —, mas com profunda seriedade, contemplativa, olhando para a Menina.

A Menina está toda enrolada. De acordo com o hábito, deve ter sido banhada e depois apresentada a Sant’Ana, mas já com o aro de santidade em torno da cabeça. Porque como Ela foi concebida sem pecado original, e recebeu desde o primeiro instante de seu ser uma inteligência muito superior à de todos nós — de São Tomás de Aquino, de Santo Antônio de Pádua, de quem quiserem —, já tem em grau eminentíssimo a santidade. E Sant’Ana está recebendo Aquela que é o Vaso de Eleição, o Vaso Sagrado de toda espécie de graças, e ela olha como quem diz: “Desta nascerá o Messias esperado pelas gerações.”

Notem uns pormenores bem curiosos: a combinação de cores da cobertura de Sant’Ana é bonita? Tem qualquer coisa de contemporâneo. E, dentro de um quadro atual, o preto tomaria um realce que não possui no quadro aqui apresentado. E é agradável de olhar. Posta num ambiente moderno, esta cobertura me daria a impressão de meio modernosa.

Embaixo está a cena. É sucessiva, como história em quadrinhos: um quadrinho no fundo, um em cima e outro embaixo. Nossa Senhora vai ser deitada numa espécie de berço. Então há uma criada que está embalando — ou é um bercinho que deve fazer um pouco de “ninna nanna”, com certeza —, e outra criada faz com que Ela engula algum alimento. A mulher que se encontra no ângulo está com as mãos postas, rezando; ela percebe algo do extraordinário da cena. A profissional tem uma cara profissional, apenas muito atenta ao que está se passando.

São José, modesto, humilde, recolhido e calmo

Maria Santíssima vai ser apresentada no Templo. Essa construção é uma idealização de como esse homem imaginava a parte do Templo onde Nossa Senhora ia ser apresentada. Sant’Ana é essa de vermelho que está carregando a Ela. E São Joaquim me parece ser aquele que está no fundo, vestido com uma roupa um pouco violácea, com as mãos postas e um aro de santidade na cabeça, com barba, etc. Ambos são velhos e vão apresentar no Templo Nossa Senhora.

Mas o que importa especialmente no caso é o seguinte: fazer notar o escândalo dos que falavam contra eles porque não podiam ter filhos. Mas ao mesmo tempo ceticismo: “É verdade, afinal tiveram uma filha. Mas o que adiantava ter uma filha mulher?” De maneira que para eles era uma vitória, porém uma vitória que não dava em nada. Eles estão apresentando calmamente Nossa Senhora que já anda com os próprios pés, é uma mocinha.

Tudo no Templo era muito ornado com ouro, mármores, etc. Vemos ali candidatos à mão de Maria Santíssima, que se apresentam ao rabino levando ramos secos. Aquele cujo ramo florir é quem deve casar-se com Nossa Senhora.

Encontramos São José à esquerda. Aquele cujo ramo de fato vai florir está colocado de lado, é o último. Ele é modesto, humilde, tem o halo da santidade, mas não quer sobressair. Os outros desejam salientar-se e estão apresentando o ramo seco quase como cheques, pois julgam que vão vencer. São José está recolhido e calmo.

Evidentemente só o ramo dele florirá. Ele é quem vai ficar com a mão da Santíssima Virgem. Sua fisionomia é apresentada com certa perplexidade. Por quê? Porque ele tinha feito voto de ser virgem. Ele recebera uma revelação de que deveria casar-se com Nossa Senhora, mas não sabia como seria isso. Mas obedeceu e levou o seu ramo também. Podemos imaginar a surpresa dele quando o seu ramo floresceu.

“Sou muito sensível às cores”

Eu queria chamar a atenção para este ponto particular: eu sou — como já disse, é um modo de ser legítimo como outros — muito sensível a cores. E as harmonias de cores me interessam  especialmente. Giotto joga predominantemente com duas espécies de recursos cromáticos: algumas são cores muito clarinhas, delicadas. Vejam o verde bonito do primeiro portador de ramo. Um que deve ser ajudante do sacerdote tem uma túnica lilás e uma espécie de capa ligeiramente esverdeada, mas combinando muito bem. E atrás há outro portador de ramo cujo traje é de uma cor  que não sei definir, mas é feita de cores muito claras. São José está vestido com cores um pouco mais escuras, mas ainda são bastante claras. Entre eles há um com uma cor mais escura, ou melhor, bem menos clara. Seria uma composição de cor bordeaux com um pouco de azulado. As cores dos outros trajes quase não se distinguem, porque aparecem pedaços pequenos de roupa.

O rabino está com um traje de uma cor um pouco parecida com a daquele personagem de roupa mais escura. Há uma espécie de radicalidade nisso. É a radicalidade no claro e a radicalidade no carregado, que forma no todo um contraste interessante. Imaginem que esse sacerdote estivesse com uma cor clarinha, e o outro que está atrás também. Como ficaria tudo insípido! Esse tom escuro confere uma nota de seriedade ao clarinho, e é um equilíbrio de cores muito bonito.

A cena é tão característica, tão expressiva! Há uma espécie de empenho da parte dos pretendentes a se casarem com Nossa Senhora. Era nobre querer isso. Pode-se desejar alguém melhor do que Maria Santíssima? Entre as hipóteses  possíveis, no momento me alegra imaginar que todos os pretendentes rejeitados eram levados pela graça, e que depois se tornaram grandes devotos de  Nossa Senhora.

Mas o eleito já estava determinado por Deus, que operou o milagre na vara carregada pelo homem casto por excelência.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/11/1988)

Transformando um pecador em santuário

Nossa Senhora, simplesmente pousando a sua mão virginal sobre uma alma cheia de defeitos e vícios, carregada de pecados, pode transformá-la num santuário.

Como pela oração d’Ela, em Caná, Nosso Senhor mandou que a água se transubstanciasse em vinho, assim também a Santíssima Virgem pode, a qualquer momento, obter de seu Divino Filho para um pecador graças tão abundantes, que a pessoa mais asquerosa e infestada pelo demônio volte a pertencer a Ela.

Peçamos a Maria Santíssima que, neste ano, seja feito conosco como nas Bodas de Caná. E nós, que somos hoje, na melhor das hipóteses, água misturada com um pouco de vinho, sejamos o vinho puro das Bodas de Caná.

Eis o pedido que fazemos ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Apoiados pelas preces de São José, esperamos que Ela o apresente ao Menino Jesus, com o nosso desejo de sermos inteiramente d’Ela. Que a Mãe de Deus nos dê a integridade desse desejo para levarmos o cumprimento de nosso dever até os últimos extremos do desempenho de nossa vocação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 12/3/1970 e 23/12/1982)

Revista Dr Plinio 238 – Janeiro de 2018

A grande vitória é pertencer inteiramente a Maria

Eu assisti a muitas festas de ano-novo em outros tempos, em que cada pessoa manifestava, na intimidade de uma roda de parentes e amigos, suas esperanças para o ano vindouro. Um esperava
fazer um bom negócio, outro planejava uma viagem à Europa, etc. Assim, a passagem do ano era repleta de presságios favoráveis.

Hoje quase ninguém ousa fazer prognósticos para o ano que se inicia. Tem-se medo de falar no futuro, entra-se no novo ano como quem ingressa numa sala de operação.

Com efeito, vivemos dias de confusão, cheios de enigmas pesados e terríveis, dias de incerteza em que só uma coisa deve ser certa: é a deliberação de cada vez mais sermos de Nossa Senhora,  sempre mais unidos a Ela e dispostos a lutar por Ela. Porque a grande pergunta que domina todas as incógnitas do mundo contemporâneo é: Como está a luta entre o reino do demônio e o Reino de Maria?

Ao dirigir-me a almas animadas pela mesma Fé Católica, pela mesma devoção a Nossa Senhora, pelo mesmo desejo ardente do advento do Reino de Maria, derrota dos inimigos da Santa Madre Igreja e exaltação, ou seja, glorificação da Santíssima Virgem e do Reinado d’Ela, tenho certeza de que a Mãe de Misericórdia, voltada a nos proteger e favorecer, como a todos os homens, e que não ama nada no mundo tanto quanto a Santa Igreja Católica Apostólica Romana – à qual consagramos a nossa vida e em defesa da qual estamos dispostos a dar todos os instantes de nossa  existência – do alto do Céu sorri para todos esses seus filhos que se colocam a seus pés e suplicam as mesmas graças junto ao Sapiencial e Imaculado Coração d’Ela.

Certo de que Nossa Senhora também atenderá este meu pedido, imploro, com a alma genuflexa, que Ela nos aproxime e nos torne cada vez mais d’Ela.

Se no fim deste ano que agora se abre, apesar de todas as dificuldades e tropeços, nós pudermos dizer que estamos caminhando para o ano seguinte com passo decidido e sempre mais unidos à  Rainha das Vitórias, estaremos vencendo. A grande vitória é pertencer a Ela inteiramente.

Há uma frase na Liturgia da Igreja que pode ser aplicada a Maria Santíssima: “Deus, cui servire regnare est”(1). Ó Maria, servir-Vos é reinar. Nós queremos para nós esta forma de realeza: servir a Maria completa e ilimitadamente, até a hora em que Ela nos acolha no Céu.(2)

1) Do latim: Ó Deus, servir-Vos é reinar.
2) Extraído, com adaptações, de conferências de 1/1/1988 e 26/12/1989.