São Romão, doçura e força de oração

Pregar apenas a misericórdia e silenciar a justiça é tão errado quanto fazer o contrário, pois ambas as virtudes são necessárias para as almas. Dois irmãos santos, Romão e Lupicino, nos deram significativo exemplo de como a justiça e a misericórdia se harmonizam.

 

Em 28 de fevereiro, comemora-se a festa de São Romão, abade. A ficha biográfica que irei comentar é tirada do Pe. Édouard Daras, “Les vies des Saints”(1).

Chuvas de pedras cortantes provocadas pelo demônio

São Romão, nascido em 399 na Borgonha, foi fundador de um famoso convento na região do Franco Condado. Desde jovem retirou-se para a solidão, sendo mais tarde seguido por seu irmão, São Lupicino. Conta-se que levavam uma vida que consideravam de paz e felicidade, quando o demônio resolveu interrompê-la. Cada vez que se punham de joelhos para rezar, o demônio fazia cair sobre eles uma chuva de pedras cortantes, que os feria e impediam de continuar. Ambos resistiram por algum tempo, mas vendo que nada conseguiam decidiram abandonar o retiro. Ao chegarem a uma aldeia, foram hospedados por uma pobre mulher, que lhes perguntou de onde vinham. Não sem alguma vergonha, narraram toda a verdade.

“Vós deveríeis, disse a mulher, lutar corajosamente contra o demônio e não temer os embustes e ódio daquele que tão frequentemente foi vencido pelos amigos de Deus. Se ele ataca os homens, é por medo de que eles, por suas virtudes, subam ao lugar de onde a perfídia diabólica os fez cair.”

Ao saírem dessa casa, consideraram a sua fraqueza e quão pouco haviam combatido. Voltaram sobre seus passos e, com orações e paciência, venceram o inimigo.

Dois métodos diferentes no trato com as almas

Mais tarde, tendo já fundado numerosos mosteiros, os dois irmãos visitavam essas fundações com frequência. São Lupicino era severíssimo, não perdoando o menor deslize. São Romão, ao contrário, era bem mais misericordioso.

Aconteceu que São Lupicino, visitando um convento na Alemanha, encontrou na cozinha excessiva quantidade de legumes e peixe. Escandalizado com aquilo, fez cozinhar tudo junto para castigo dos monges. A comida saiu tão repugnante que doze religiosos deixaram a casa, não suportando a penitência. São Romão teve uma visão sobre esse acontecimento, e quando Lupicino voltou, disse-lhe:
— Meu irmão, é melhor não visitar as ovelhas do que ir vê-las para dispersá-las.

Resposta de São Lupicino:
— Não tenhais pena, meu caro irmão. Não é preciso purificar o campo do Senhor e separar a palha do bom grão? Os que foram eram doze orgulhosos em quem o Senhor não mais habitava. São Romão concordou. Mas daí em diante chorava tão profundamente, magoado com a partida dos monges, que Deus, atendendo suas preces, reconduziu mais tarde os doze recalcitrantes ao convento. E a ele se apresentaram voluntariamente para fazer penitência.

Num ambiente sereno, surge a provação

Aqui há uma série de fatos interessantes para considerar, e cada um deles, portanto, vai ter um comentário à parte. Em primeiro lugar, nos encontramos em face dessa admirável floração de santos, depois da queda do Império Romano do Ocidente. Vemos aqui dois irmãos que levam uma vida de grande santidade. E aparece esse episódio deles residindo no ermo, sem amolação nenhuma, sem ver nada das coisas da cidade, nem do mundo, numa natureza amena, bucólica, vivendo felizes.

Então podemos imaginar, nas horas de oração, os irmãos ajoelhados bem direitinho, um ao lado do outro — assim é que os representaria uma iluminura —, e rezando a Nossa Senhora que aparece no alto, sorrindo para eles. Esse seria o primeiro ato. É o ato da felicidade eremítica e bucólica desses dois irmãos que vivem numa atmosfera terrena, encimada por um céu parecido com o ar diáfano daqueles céus azuis de Fra Angelico, o qual poderia perfeitamente ter pintado essa cena.

Vem depois a provação. O demônio tem ódio deles e o modo de castigá-los também é muito interessante: a chuva de pedras cortantes. Sobre eles, tão bonzinhos, tão direitinhos, cai uma chuva medonha de pedras cortantes que os molesta. Os irmãos então procuram rezar direito, mas afinal de contas as pedras caem em tal quantidade que eles resolvem sair.

Lição de uma virtuosa mulher

Por fim, surge uma mulher, a qual é, naturalmente, uma boa mulher, que habita no campo, numa choupana. Ela perdeu o marido e tem apenas um filho, que é monge e reside num lugar distante, e de quem, de vez em quando, recebe uma carta; essa mulher é reumática, tem uma perna inchada, mas reza o tempo inteiro e vive só para Deus. Assim poderíamos imaginar a mulher, pois esse era o ambiente pitoresco da época, o modo pelo qual a graça operava. Não é lenda. É o estilo da ação de Deus naquele tempo.

Então a mulher, provada em dores e cheia de sabedoria, recebe os dois. Naturalmente, primeiro oferece a eles alguma coisa para comer. Ajuda a curar alguma ferida provocada pelas pedras. Depois pergunta o que há. Fora está chovendo torrencialmente, eles estão abrigados na casinha da mulher e contam para ela o ocorrido. A mulher suspira, põe os olhos num Crucifixo e diz: “Irmãos, mui errados andais!” E fala a verdade.

Compungidos, eles passam a noite em prece. Na manhã seguinte, voltam para o ermo e vão lutar contra o demônio. São dois cavaleiros, dois guerreiros contra o demônio, que emergem dessa atmosfera azul-claro, rosa-claro, ouro-rutilante, e que a partir desse momento se transformam em lutadores varonis. É a formação deles que assim se enuncia.

Severidade e brandura

Depois se saltam vários anéis intermediários, e eles nos aparecem numa posição pomposa, majestosa. São dois santos veneráveis, cuja fama de santidade reuniu em torno de si vários monges que lhes obedeciam. Eles são patriarcas, provavelmente já de barba branca, mais sábios e mais provados na vida do que aquela mulher, derrotaram os demônios, enfrentaram os adversários, fizeram viagens perigosas passando por lugares onde havia feras, pontes mal construídas, bandidos, tempestades, tudo enfrentaram por causa de Deus Nosso Senhor. Os dois estão no zênite da vida deles. Porém, mais uma vez, um episódio entre eles se dará.

Há certa medida de severidade e de brandura que deve ser utilizada de acordo com o sopro da graça, e com o modo pelo qual Deus Nosso Senhor quer conduzir os espíritos. Existem certos espíritos que só sabem fazer bem por meio da severidade suma, e realizam um bem admirável. Há outros espíritos que, dentro da medida do razoável, quase se diria que estão no extremo oposto: são muito brandos, muito suaves, e fazem bem pela sua brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros O imitam mais enquanto perdoava Santa Maria Madalena.

De qualquer forma, ei-los que começam a governar esses mosteiros. E um deles, São Lupicino, muito severo, muito duro, vai ao mosteiro e faz o que todos os instintos de minha alma me pediriam para fazer, se estivesse em situação análoga: “Isso aqui não está direito? Está bem, eu vou ensinar.” É reto, rápido, não faz os outros perderem tempo, resolve as coisas diretamente e resolve mesmo. Erradica e põe fora. Está acabado.

Mas exatamente a Igreja é multíplice, e São Romão, o qual tinha o espírito diverso, começa a lamentar o que fez São Lupicino.

Notem a sutileza e o conteúdo teológico interessantíssimo do fato: São Romão começa a lamentar o que realizou São Lupicino e lhe faz uma censura. Este dá uma resposta à sua maneira, esplêndida, e explica tudo. São Romão dá um suspiro e concorda, teve boa-fé. Isso é verdade.

A justiça e a misericórdia se oscularam

Mas a Providência quis que a misericórdia não saísse derrotada. E onde São Lupicino tinha feito bem em expulsar, São Romão fez bem em pedir que os monges voltassem. Este se pôs a chorar. Vê-se, então, o velho com as barbas brancas numa atitude enternecida, pensando naquelas almas, as lágrimas cristalinas de olhos cristalinos que correm ao longo de uma face alva e emaciada, chegam a cair no chão e enternecem o Anjo da Guarda, encontram eco diante de Nossa Senhora, a qual, por sua vez, tem sempre eco diante de Deus. E Maria Santíssima pede pelos monges.

Resultado: o pessoal, que São Lupicino com tão boa vassoura varrera, volta. Mas não regressa como era quando foi varrido. Volta emendado por uma ação excepcional da graça, uma ação que está para além das vias normais da graça; que não é o corretivo de São Lupicino, mas é uma bela superação desse santo. A graça conseguiu a conversão daqueles que a justiça, a tão bom título e tão oportunamente, tinha castigado.

A justiça e a paz se oscularam, diz o Salmo(2). Aqui se poderia dizer que a justiça e a misericórdia se oscularam. E termina assim, num encantador “happy end”, esta ficha.

Que São Romão nos consiga um pouco dessa candura de alma; que no interior de nossas almas haja um pouco desse rosa-claro, desse verde, desse florilégio que é tão extraordinariamente agradável para carregarmos a virtude. E que tenhamos a compreensão dos métodos de São Lupicino, e não apenas a ternura para com os modos de agir de São Romão. Que ambos nos façam parecidos com eles. Que São Lupicino nos dê toda a sua braveza. E São Romão nos conceda sua doçura com sua força de oração; porque, sem sua força de oração, nada faria com sua doçura.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/2/1967)

1) Cf. DARAS, Édouard. Les vies des Saints. Volume II. 7ª edição. Paris: Louis Vivès, 1872. p. 465-471.
2) Cf. Sl 85, 11.