Cátedra de São Pedro

Uma lenda antiga nos conta que à beira de certo lago havia um rochedo que crescia à medida que as ondas o acometiam, de sorte a nunca ser submergido, ainda nas maiores tempestades. Hoje em dia, este rochedo é a Pedra, é a Cátedra de Pedro, que tem avultado com as revoluções, zombando das heresias, crescendo em vigor à medida que seus adversários crescem em rancor.

Há já vinte séculos, ela vem espargindo água benta sobre os adversários prostrados no caminho. (…) Neste mar revolto do século XX, naufragam homens, idéias e fortunas. Só ela continua e será “via, veritas et vita”, devendo ser aceita pela humanidade, para levantar um voo salvador sobre o próprio abismo que ameaça tragá-la…

Plinio Corrêa de Oliveira (Do “Legionário”, nº 130, de 15/10/1933)

São Pedro e São Paulo – Arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo

As figuras dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo, como as retrata a iconografia católica, sugere a Dr. Plinio os comentários transcritos a seguir, pontuados de devoção e enlevo por esses baluartes da Igreja, os quais — juntos — confessaram com seu martírio a fé inabalável no Filho de Deus.

 

Certa feita, mostraram-me a fotografia de uma iluminura que representava o enterro de Nossa Senhora. Em linguagem piedosa, dá-se o nome de “dormição” (dormitio em latim) ao passamento de Maria Santíssima, a fim de significar que sua provável morte foi como um doce e aprazível sono. Seja como for, a ilustração apresenta o sepultamento da Mãe de Deus, cujo caixão é conduzido pelos Apóstolos, de modo saliente por São Pedro e São Paulo. E sobre estes cabe um comentário.

Vigor e venerabilidade próprios ao chefe da Igreja

São Pedro aparece como um ancião venerável, resoluto, de barba branca, abundante, caudalosa, voltada para a frente, indicando vigor e mais hombridade do que se fosse direcionada para baixo. O pintor o imaginou calvo, com uma moldura de cabelos formando tufos copiosos nas laterais do rosto. Tudo nele indica vitalidade, não possuindo as características rugas da velhice. Sua face é quase corada, rósea. É o grande São Pedro que ainda deverá lutar tanto pela Igreja Católica. Assim, à robustez da juventude ele alia a venerabilidade da idade madura, cujo aspecto respeitável é bem expresso pelo artista, dando-lhe o tônus conveniente ao primeiro Papa, chefe da Igreja.

Resolução e força de São Paulo

São Paulo, por sua vez, parece ser bem mais moço que São Pedro. Forte, sua fisionomia transpira resolução: o que ele deseja fazer, executa. Percebe-se nele o homem que percorrerá as regiões em torno do Mediterrâneo, enfrentando imensos perigos. Por exemplo, certa vez, para fugir dos que o perseguiam, ele desceu de um sobrado por uma cesta amarrada a uma corda, e se afastou correndo a fim de não ser capturado e morto. Noutra circunstância, estando num navio, sobreveio uma tempestade que fustigou a embarcação e os tripulantes durante vários dias, até naufragarem perto de uma ilha à qual todos chegaram sãos e salvos.

No martírio de São Pedro, a homenagem ao Papado

Os dois Apóstolos são vistos inundados de glória, participando do triunfo da Santíssima Virgem e, sobretudo, empenhados em exaltá-La. Sabe-se que esses dois atletas, arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo, padecerão juntos o martírio e morrerão no mesmo dia.

Presos pelos romanos pagãos, sofreram diversos suplícios. São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, o que devia significar um doloroso processo de morte, pois o sangue, atraído pela lei da gravidade, aflui ao cérebro e não tarda em produzir derrame ou apoplexia. A crucifixão poderia ser feita por meio de cordas que amarravam o corpo à cruz, ou por cravos que pregavam no madeiro as mãos e os pés dos condenados, como sucedeu com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os que crucificavam o Príncipe dos Apóstolos não tinham ideia de quanto, procedendo daquele modo, prestavam homenagem ao Papado. Disse o Divino Mestre ao primeiro Papa: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).

Para São Paulo, a celeste coroa de justiça

De outro lado, sendo cidadão romano, São Paulo pereceria pela espada. Prestes a ser decapitado, talvez tenha se lembrado de suas magníficas palavras, as quais me comprazo em recordar por muito admirá-las: “Bonum certamen certavi, cursum consummavi” (2Tm 4, 7) — “combati o bom combate, completei o circuito da carreira inteira que eu deveria percorrer”. Era uma alusão aos que disputavam corridas no circo romano. E acrescenta: “Guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa de justiça que o Senhor justo juiz, me dará” (2Tm 4, 7-8).

Vale notar a extrema beleza do modo pelo qual a Providência guia as almas. São Paulo revela aqui a certeza de que ele não tem perdão a pedir, porque já está perdoado de tudo, tendo levado uma vida ilibada após a sua conversão. Nisto ele demonstra uma extraordinária segurança. Em linguagem contemporânea, dir-se-ia que São Paulo lança um “cheque” para o Céu: Resta-me agora receber a coroa da justiça. Senhor, Vós prometestes vossa glória a quem combatesse o bom combate e percorresse a carreira inteira que deveria percorrer. Eu o fiz. Agora, dai-me o vosso prêmio!”

Difícil não apreciar este modo varonil de se exprimir, próprio de um homem de fé que crê em Nosso Senhor Jesus Cristo, na Santa Igreja, e por isso não tem dúvida alguma de que será recompensado.

O carrasco cortou-lhe a cabeça e esta — segundo uma bonita lenda — ao cair no chão saltou três vezes. Em cada lugar do solo tocado pela venerável cabeça do Apóstolo teria nascido uma fonte. Donde o local em que houve este milagre ser chamado de “tre fontane”: as três fontes.

Objetos de inimaginável perdão

Frisamos o que há de imensamente belo no trato da Providência com os homens. Tal sobressai quando uma pessoa possui grande vocação e, apesar de suas infidelidades, a graça continua a lhe fazer insistências extraordinárias. Pode a alma se encontrar numa lamentável situação, mas o chamado de Deus conserva todo o frescor primitivo. Disso constitui a vida dos dois Apóstolos excelente exemplo.

O olhar de Jesus para São Pedro, durante a Paixão, é característica manifestação desse misericordioso procedimento divino. O Redentor teve pena dele, fitou-o e São Pedro, então receoso e pusilânime, passou a ser outro.

São Paulo, o Apóstolo das Gentes, confessa ter entrado para o colégio apostólico como um ente abortivo, depois de ter perseguido brutalmente a Igreja. Chegou a ser cúmplice do martírio de Santo Estevão, tendo vigiado as vestes daqueles que apedrejaram o primeiro mártir do cristianismo (AT 7, 58; 8, 1). Ora, em determinado momento este homem é convertido de modo extraordinário e levado por Nosso Senhor ao deserto, onde recebe graças que não foram concedidas a nenhum outro apóstolo. Quer dizer, Jesus o chamou do fundo da ignomínia e lhe deu aquele dom incomparável.

É uma tão sublime lição em meio a tantos perdões, e um tal perdão ao lado de tantas lições, que nossa pobre cogitação não alcança medi-los…

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências  em 20/7/1988 e 22/11/1991)

Catedra de São Pedro

Na gloriosa corrente constituída pela Santíssima Trindade, Nossa Senhora e o Papado, este último vem a ser o elo menos vigoroso: porque mais terreno, mais humano e, em certo sentido, estando envolto por aspectos que o podem menoscabar.
Costuma-se dizer que o valor de uma corrente se mede exatamente pelo seu elo mais frágil. Assim, o modo mais excelente de amarmos essa extraordinária cadeia é oscular o seu elo menos forte: o Papado. É devotar à Cátedra de Pedro, em relação à qual esmorecem tantas fidelidades, a nossa fidelidade inteira!
Plinio Corrêa de Oliveira

Incondicional amor à Cátedra de Pedro

Ao comentar um filme documentário sobre a vida no Vaticano na época de Pio XII, Dr. Plinio manifestava, uma vez mais, sua fidelidade à Igreja na pessoa do Papa.

 

Acima de qualquer poder temporal, o Papado é o mais alto poder existente na Terra. É o mais alto, pois tudo quanto diz respeito ao sobrenatural vale mais do que aquilo que se refere ao natural, e o espírito vale mais do que a matéria. Ademais, o Papa tem um poder universal sobre todos os povos, em todos os lugares, enquanto as outras soberanias existentes no mundo são limitadas.

Alguém pode ser rei de um país ou presidente de outro; não há rei do mundo, nem presidente do mundo. Ora, o Papa é o Pastor do mundo inteiro, ele tem uma jurisdição sobre as almas de todo o orbe. O resultado é que, mesmo sob esse terceiro título — o menos importante de todos, mas que é tão importante — ninguém pode se comparar ao Papa.

Então, a ideia é a seguinte: sendo o Papa o representante de Deus na Terra e, portanto, do mais sobrenatural dos poderes, toda a ordem da graça está na mão dele, a ele compete exercer em sumo grau as faculdades de ensinar, de guiar e de santificar, próprias à Igreja Católica. Por exercer esse ministério de uma ordem tão transcendente, ele é o maior hierarca de toda a Igreja e, por isso, também deve estar cercado das maiores manifestações de respeito que a um homem possam ser tributadas.

Respeito, amor e força na monarquia papal

Por causa disso, toda a vida ao redor do Papa há de ser organizada de maneira a torná-lo objeto desse respeito e desse amor. O governo papal sobre a Igreja é uma monarquia que corresponde a três ideias: a ideia do respeito, a ideia do amor e a ideia da força.

A ideia do respeito, em primeiro lugar. O Papa deve ser venerado, como eu já disse.

Em segundo lugar, a ideia do amor. Se o Papa é o representante de Cristo na Terra, todo o amor que os homens tributam a Nosso Senhor Jesus Cristo deve ter como seu ponto de aplicação imediata o Papa, que representa Cristo na Terra.

Depois, a ideia de força. O Papa é um pastor. Os senhores não podem conceber um pastor que não tenha um papel de força a desenvolver, porque o pastor precisa defender as ovelhas contra o lobo. E, portanto, ele deve aplicar a força contra o lobo. O poder de governar as ovelhas tem como elemento intrínseco o de combater o lobo pelas armas espirituais.

Então os senhores veem em torno do Pontífice uma pompa que é religiosa, ao mesmo tempo paterna, mas também é uma pompa de força. E a nota força precisa ser um pouco salientada. Os senhores veem ali as guardas pontifícias: a Guarda Suíça, a Guarda Palatina, a Guarda Nobre — composta exatamente de elementos da nobreza romana —, que serviam ao Papa gratuitamente e se revezavam no serviço papal. Essas três milícias guarneciam os palácios do Papa. É claro que com uma primeira preocupação imediata de garantir a integridade pessoal do Pontífice, a ordem naquele enorme movimento de pessoas e a incolumidade dos colossais tesouros de arte que ali se encontram.

Uma visita que valia por um verdadeiro exercício espiritual

Assim, tudo era organizado de modo a que, em torno do Papa, esses sentimentos pudessem se exprimir. De maneira a ser dada a todos os que fossem ver o Papa a oportunidade de ter os seus sentimentos de devoção, de respeito, de amor, de temor diante da força, levados ao mais alto grau. Portanto, toda a organização ali visava a incutir nos fiéis os sentimentos que eles deveriam possuir.

Por esta razão, uma visita à Basílica de São Pedro e ao Palácio do Vaticano valia por um verdadeiro exercício espiritual do qual o fiel saía com sua alma mais aderente, mais unida ao Papa do que anteriormente.

Quando apareceu o cinema, a possibilidade de realizar filmes como esse e de passá-los ao mundo inteiro levou para os que não podiam ir até lá o espetáculo magnífico e cotidiano dentro do qual a vida de um Papa se desenvolvia.

É natural que, sendo o Papa a cabeça visível da Igreja, pessoas do mundo inteiro procurem ir a Roma para vê-lo. E o número dos que viajavam para ver o Sumo Pontífice — desde São Pedro, primeiro Papa, até nossos dias — foi se multiplicando à medida que os meios de locomoção se tornavam mais fáceis. De maneira a Roma passar a ser, sobretudo nos últimos cem anos, um ponto de atração dos estrangeiros, católicos de todas as partes do mundo chegando continuamente lá.

Os senhores viram, no filme, feridos de guerra, freiras que querem falar com o Papa. Havia de tudo. É um resumo do mundo que quer falar com o Papa. É preciso falar com o Papa!

Os senhores prestem atenção nas fisionomias das pessoas quando falam com o Papa, sobretudo depois de sua passagem. É quase a fisionomia de quem acaba de comungar. Recebeu do Pontífice uma palavrinha só, mas que palavrinha! É guardada na alma para a vida inteira: o timbre de voz, o sorriso, a temperatura da mão, como a mão apertou, como não apertou, os eflúvios, os imponderáveis que o Papa traz em torno de si, tudo isso a pessoa guarda para a vida inteira, e até para a hora da morte, porque é para a hora da morte que guarda.

Estar unido à Cátedra de Pedro até na hora da morte

Eu tive a experiência disso. Eu levei vários objetos para serem abençoados por Pio XII, entre eles algumas velas. As velas que se levavam para o Papa benzer eram velas lindas, que se vendiam na Via de la Conciliazione, todas trabalhadas, com relevos, com figuras, etc. Ele abençoou. Eu guardei de novo na minha pasta, com muitos outros objetos.

Quando cheguei ao hotel, pensei o seguinte — eu tinha a intenção de pôr uma vela dessas na sede do nosso Movimento e dar outra a minha mãe — eu pensei com meus botões: “O que é que eu vou fazer com essas velas? Uma dessas velas deve ser guardada para quando eu morrer. O agonizante católico morre com a vela na mão, e eu quero que a vela com a qual eu morra seja a vela abençoada pelo Vigário de Cristo. Assim estarei unido à Cátedra de Roma até quando eu estiver sem sentidos, até quando me encontrar entre a vida e a morte, e o meu intelecto não articular mais nenhum pensamento. Por minha recomendação, minha mão vai ser agarrada a esta vela que representa tudo aquilo que eu amo na Terra: o Papa, com o qual tudo quanto há na Terra é digno de amor e sem o qual nada é digno de amor, apenas de desprezo, porque está marcado pelo pecado original e pelo domínio do demônio.” É o movimento natural da minha alma.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/1/1976)