Mãe de Deus e dos homens

Pináculo de tudo quanto possa haver de meramente criado, Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, Medianeira universal de todas as graças. Esses títulos e as inúmeras invocações que existem ou existirão até o fim do mundo para cultuar Maria Santíssima são uma decorrência da Maternidade Divina.

A importância, para a piedade católica, da Festa da Maternidade Divina da Bem-aventurada Virgem Maria está em que todas as graças extraordinárias que Nossa Senhora recebeu — e que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação —, têm como ponto de partida e razão de ser o fato de Ela ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, Mãe de Deus.

Como os pequenos orifícios existentes nas areias das praias…

A propósito desse tema, é interessante ressaltar o modo pelo qual se estabelece a hierarquia na obra de Deus, como todas as coisas feitas por Ele são matizadas, e como isso é contrarrevolucionário.

O espírito revolucionário é a favor das simplificações. Pelo contrário, o espírito contrarrevolucionário ama o matiz, e quando vê uma coisa meio difícil de compreender e até meio antitética, ama aquilo porque compreende que naquela aparente antítese há, no fundo, uma verdade muito bonita que acabará por encontrar. É uma realidade que, desde pequeno, habituei-me a ver na Igreja.

Tive uma surpresa quando comecei a ver coisas aparentemente esquisitas na Igreja, e eu ficava meio enovelado com aquilo, mas depois aprofundava a análise do assunto e percebia que quanto mais esquisito, tanto mais bonita era sua explicação.

Habituei-me, assim, à ideia de que toda objeção que se pode fazer à Igreja é como aqueles furinhos que há na praia. Vê-se um furinho insignificante do qual estão saindo borbulhazinhas. Mete-se o dedo ali, e de dentro sai um caramujo.

Assim também na Igreja: tudo quanto se nos afigura como esquisito, meio incompreensível, antitético, contraditório, desde que saibamos buscar e esperar a explicação, quando de fato Nossa Senhora nos der a entender aquilo, ali encontraremos uma pérola, uma verdadeira maravilha.

É próprio da Igreja que, numa coisa eriçada de contradições, se encontre sempre uma harmonia profunda resultante de uma verdade.

A união hipostática foi feita com uma criatura humana e não angélica

Para um espírito cartesiano, o que pode parecer mais absurdo do que a figura da Mãe de Deus?

Pensemos em um indivíduo a quem nunca se expôs a Doutrina Católica e que toma conhecimento de que a Igreja, ao mesmo tempo em que ensina ser Deus eterno e puro espírito, afirma que Ele tem uma Mãe. Como é possível um ente espiritual ter essa Mãe material e carnal que, sendo temporal, gera um Ser eterno?

São contradições que, para um espírito protestante, correspondem a um verdadeiro absurdo. Ora, tratando-se da Santa Igreja Católica, nunca há absurdo. Existe, isto sim, uma harmonia profundíssima e superior presa a um princípio extraordinário. A questão está em esperar para compreender.

Consideremos que Deus eterno, perfeito, criou os anjos e, abaixo deles, os homens. Contudo, Ele não estabeleceu com um anjo a união hipostática, e sim com a natureza humana.

Também isso pareceria uma contradição: a superior dignidade dos anjos pediria que a união hipostática fosse feita com eles e, principalmente, com o mais alto, o melhor dentre eles. Ora, Deus estabelece a união hipostática com uma natureza inferior à angélica, e opera uma maravilha maior do que se a estabelecesse com o maior dos anjos.

Porque feita a união hipostática com um anjo, Deus dignificaria somente a natureza espiritual. Porém, ao realizá-la com uma criatura humana, Ele dignifica os anjos — porque o homem, enquanto tendo alma, é participante da dignidade espiritual dos anjos — bem como todo o reino material, pois o ser humano é também composto de matéria. Portanto, é todo o cosmo que se dignifica com essa aparente incongruência de Deus Se unir hipostaticamente a uma natureza inferior.

Um desequilíbrio na consideração da maternidade divina

Decorre daí uma disposição hierárquica admirável, toda ela matizada também. No ápice, Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. Depois, uma criatura humana que é o pináculo de tudo quanto pode existir de meramente criado: Maria Santíssima.

Ela, como Mãe de Deus, está posta como Rainha do Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, investida de todas as outras qualidades, graças e títulos, inclusive de Medianeira Universal de todas as graças, por causa de sua Maternidade Divina.

Assim, essa festa atrai a nossa atenção e a nossa piedade sobre aquilo que, de algum modo, é a própria raiz da devoção mariana: a Maternidade Divina de Nossa Senhora.

Isso é tão verdadeiro, tão ortodoxo! Entretanto, vejamos onde pode entrar um desequilíbrio na consideração dessa verdade.

Há uns vinte anos, eu quis fundar uma congregação mariana em um bairro de São Paulo e convidei para isso algumas pessoas conhecidas naquele lugar, sem saber já estarem elas influenciadas por certas tendências contrárias à sã doutrina.

Depois de confabularem entre si, uma delas me disse:
— A Congregação se chamará “Nossa Senhora Mãe de Deus”.

Título doutrinariamente irrepreensível, mas pouco usual naquela época. Então lhe indaguei:
— Mas por que você escolheu esse título que é pouco usual?

Resposta:
— Porque, afinal, só o que importa em Nossa Senhora é ser Mãe de Deus. Todo o resto não é nada.

Aqui já entra o desequilíbrio. É o mesmo que dizer: na árvore só o que importa é o tronco. A galharia, as folhas, as flores, os frutos, nada disso tem importância. Aceitar a doutrina da Maternidade Divina de Maria, procurando despojá-la de toda essa maravilhosa complexidade e dessa variedade de títulos que dela deflui, para ficar só com o tronco, já é, por si mesma, uma posição errada.

Nota-se nisso o bafo do espírito simplificador, protestante, sob o pretexto de ir às raízes, rejeitando o restante da galharia.

O espírito católico, ao contrário, leva-nos a venerar imensamente esse principal título de Nossa Senhora, respeitando-o como ele merece ser respeitado, mas sequiosos de tirar dele todas as suas consequências. Portanto, tendo o espírito aberto e voltado para as mil invocações que existem e se criarão, até o fim do mundo, para cultuar a Santíssima Virgem, debaixo desse ou daquele aspecto, o que será sempre uma decorrência da Maternidade Divina d’Ela.

Mãe dos homens

Há outro ponto muito importante para nós nessa invocação. Por ser Mãe de Deus, Nossa Senhora é também, por uma série de consequências e a título especial, Mãe dos homens.

Acredito que a mais preciosa graça que se pode ter, em matéria de devoção a Maria Santíssima, é a de Ela condescender em estabelecer com cada um de nós, por laços inefáveis, uma relação verdadeiramente materna.

Isso pode dar-se de mil modos, mas em geral Nossa Senhora se revela principalmente nossa Mãe quando nos tira de algum apuro, de modo a seu amparo nos ficar inteiramente inesquecível. Ou então, quando nos perdoa alguma falta que particularmente não tinha perdão, mas que Ela, por uma dessas bondades que só as mães têm, passa por nós, perdoa e elimina aquilo, como Nosso Senhor Jesus Cristo curava a lepra, de maneira a não ficar nada.

Realmente, nada ali merecia ser perdoado, não havia atenuante e não merecia senão a cólera de Deus; mas Ela, como Mãe, com seu poder soberano e com essa indulgência que as mães têm, com um sorriso apaga aquilo, elimina, e o passado fica completamente esquecido.

Nossa Senhora nos obtém graças dessas, às vezes de um modo tal que, para a vida inteira, fica marcada a fogo na alma — um fogo do Céu, não da Terra — essa convicção de que poderemos recorrer a Ela mil vezes, em circunstâncias mil vezes mais indefensáveis, e Ela sempre nos perdoará de novo, porque abriu para nós uma porta de misericórdia que ninguém fechará.

Creio ser disso que vivemos: um crédito de misericórdia aberto por Maria Santíssima; dessas misericórdias como poucas vezes terá havido. Por essa razão, embora nós não merecendo e fazendo de tudo, Ela ainda tem mais um sorriso, mais um perdão, Ela nos repesca mais uma vez.

Vem-me à memória uma passagem do Apocalipse: “Eis que pus à tua frente uma porta aberta que ninguém poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste a minha palavra e não renegaste o meu nome”(1). Certa vez vi uma aplicação dessas palavras à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e acho imensamente legítima. Parece-me também muito legítimo aplicá-las ao Imaculado e Materno Coração de Maria para conosco.

Não conheço verdade mais palpável, mais digna de nosso amor e de nossa gratidão do que esta.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/10/1963)

Santo Odilon

O famoso abade do mosteiro beneditino de Cluny foi objeto dos comentários de Dr. Plinio durante uma série de conferências proferidas no ano de 1972. Nos seguintes trechos selecionados, Dr. Plinio salienta como até o modo de andar ou de falar de uma pessoa pode demonstrar a santidade de sua alma.

Cada época histórica possui grandes homens característicos. Santo Odilon o foi para a Idade Média: grandioso no sentido verdadeiro da palavra.

Apesar de possuir grande valor pessoal, o que sobretudo transparecia em nosso santo eram as graças sobrenaturais — incomparavelmente mais preciosas do que qualquer valor pessoal — que adornavam sua alma.

Sua personalidade tinha tal amplitude harmônica de aspectos, como não se encontra nos grandes homens do tempo da Revolução.

O modo de andar

Passemos a comentar trechos de sua vida, retirados de uma ficha biográfica(1):

“Comecemos por seus méritos menores. E digamos que esse homem tinha um andar grave, uma voz admirável, ele falava bem. Era uma alegria vê-lo.”

Ao descrever o porte e o modo de ser do santo, o autor ressalta mais os sinais da virtude do que a virtude propriamente dita.

O modo de andar das pessoas as define muito, e por causa disso o biógrafo, contemporâneo de Santo Odilon, julgou que deveria começar a descrevê-lo pelo passo.

O que é um passo grave?

É um passo firme, varonil, de alguém que, ainda que não tenha diante de si obstáculos visíveis, anda vencendo. É um passo cheio de consequências e de ponderação.

Compostura respeitosa

“Cada um de seus movimentos exprimia honestidade. Sua fisionomia era angélica e seu olhar sereno.”

Honestidade, no francês antigo, significava compostura. “Un honnête homme” significava um homem muito composto, muito digno. Vê-se, então, que todo o modo de ser de Santo Odilon era cheio de compostura e de dignidade.

É preciso ressaltar também que na Idade Média o conceito de anjo não era o desse tipo de anjinho gorduchinho, com ares de irresponsável. Não seria um elogio dizer para alguém que ele tem aquela carinha. A ideia que o medieval fazia dos anjos era a que está expressa nos vitrais medievais: os grandes heróis do Céu; príncipes na presença do Altíssimo.

Percebe-se, assim, o que o autor quer dizer quando afirma que “sua fisionomia era angélica”. Este era Santo Odilon, que grande figura

Continua a ficha:
“Cada dobra de seu hábito sacerdotal apresentava dignidade e mostrava o respeito que ele tinha por si mesmo e pelos outros.”

Santo Odilon sabia que era a “alma” do grande movimento de Cluny, o qual, por sua vez, era a “alma” irradiante da Idade Média.

A verdadeira humildade consiste em respeitar-se a si próprio como deve ser respeitado.

Sabendo ser Superior de uma Ordem religiosa, homem sagrado por Deus, ele se respeitava enormemente. Vemos que o porte desse varão de Deus era, ao mesmo tempo, principescamente angélico e cheio de humildade.

Alma luminosa

Continua a narração:

“Ele trazia consigo qualquer coisa de luminoso, que convidava a imitá-lo e venerá-lo. A luz da graça, que estava nele, brilhava, por assim dizer, no exterior, e manifestava a qualidade de sua alma.”

O autor soube fixar essa luminosidade que havia em Santo Odilon, a qual nota-se em tantos santos. Ela é algo difícil de descrever, pois trata-se de uma luminosidade do olhar e de algo que paira em torno da personalidade.

Assim como há algo que distingue um homem morto daquele que apenas dorme, há também uma luz na fisionomia do santo, a qual o distingue de quem não o é.

“Seu rosto exprimia a uma vez a autoridade e a benevolência.”

O autor acentua muito bem os contrastes: autoridade e benevolência.

Imaginemos um claustro medieval, repleto de ogivas, e Santo Odilon andando sozinho. Ao longe, um noviço o vê e se ajoelha, Santo Odilon passa e o abençoa.

É bem o contrário daquilo que a Revolução procura incutir nas mentalidades: quem tem autoridade é uma espécie de fera que subiu e, quando encontra a oportunidade de pisar nos outros, fica contentíssima, como quem diz: “Eu apanhei até subir; agora desconto nos que estão embaixo”.

Uma concepção da autoridade não pode ser mais ordinária do que essa.

Pelo contrário, a autoridade existe para fazer o bem. Sua missão é cumprir a benevolência. Benevolência quer dizer querer o bem dos outros.

“Para os bons, ele se mostrava risonho e acolhedor, mas, para os orgulhosos e rebeldes, se tornava tão terrível que era difícil conseguirem fitar seu olhar.”

Que verdadeira maravilha! Eu tenho entusiasmo por essa arma do homem que é o olhar. Quão poucos homens a possuem! O autor dessa ficha soube ver o olhar terrível de Santo Odilon. Isso é admirável! Terrível como um exército em ordem de batalha!

“Seus olhos brilhavam com brilho singular: eram olhos acostumados às lágrimas.”

Como o mundo moderno não compreende mais isso! O mundo moderno só gosta dos olhos habituados a rir; olhos estultos e néscios, os quais só dizem o que sente o egoísmo. O mundo antigo compreendia qual era o valor dos olhos habituados a chorar pelas coisas santas. Chorar pela Paixão de Nosso Senhor, chorar pelos pecados, pelos outros e por si. O pranto sagrado transforma o interior do olhar e o faz luminoso como uma linda rosácea banhada pelos raios do sol.

“Mesmo em viagem, Santo Odilon trazia sempre um livro nas mãos. Enquanto viajava a cavalo, sua alma refazia as forças através da leitura.”

Não entendamos isso à maneira moderna, onde o indivíduo tira do bolso um livrinho e lê comodamente. Devemos pensar que os livros do tempo de Santo Odilon eram in-fólios, pesadões, feitos em pergaminho.

Apesar disso ele tinha sempre um livro consigo. Quer dizer, ele aproveitava todos os pequenos interstícios para ler alguma coisa e assim desenvolver seu espírito na meditação das coisas celestes.

Ademais, a locomoção não era como hoje em dia! Viajava-se a cavalo ou a burro. E as estradas, como eram? As mais precárias possíveis. As menores distâncias eram transpostas em longos períodos.

Imaginemos, então, que cena pitoresca: o cavalo trotando e Santo Odilon com uma das mãos na rédea e com a outra segurando um pergaminho escrito com umas letras enormes; ele enrola a folha que terminou de ler, pensa um pouco, coloca essa folha num saco, e tira outra página. O animal andando em meio de precipícios, onde Santo Odilon para e pede o auxílio do Anjo da Guarda!

“Gloria tibi, Domine”… E continuava.

Autoridade e benevolência, virtudes indissociáveis

“Santo Odilon difundia a caridade fraterna por sua própria feição, antes de ensiná-la. E ele a ensinava, sobretudo por seus atos.

“Amando seus irmãos com o interno calor de sua alma, o santo queria engrandecer a cada um deles, e levá-los ao amor de Deus. Jamais desprezava ou rejeitava pessoa alguma; por sua caridade — verdadeiramente divina — ele convidava a todo o mundo, sem nenhuma reserva, a aproveitar de sua indulgência, pois aquele que é verdadeiramente grande arde nesse desejo de amar o próximo.”

Santo Odilon foi abade de Cluny numa época em que a íntima conjugação das instituições temporais e espirituais fazia de um abade um personagem de grande importância. E, tomando em consideração que Cluny representava a maior abadia francesa do tempo, ser seu abade significava ser um dos homens mais consideráveis da estrutura política e social da Idade Média.

Ademais, o mosteiro de Cluny possuía os direitos feudais sobre grande quantidade de terras, e isso dava a Santo Odilon não só o poder espiritual, mas também o material. Ele, por sua reputação pessoal, pelo prestígio de sua santidade e cultura, estava elevado muito acima de seus contemporâneos.

Esse homem, tão insigne por uma porção de circunstâncias, sabia, entretanto, ser muito paterno para com os monges colocados sob a sua jurisdição.

Então, o biógrafo mostra como ele se aproximava de cada um com afeto, entrando em seus problemas pessoais para resolvê-los, e fazendo junto a cada um o papel de Bom Pastor.

Continua a ficha:

“Pois, como é natural, quanto mais alto é um homem, tanto maior é a caridade que ele tem para com os seus irmãos.”

Segundo o espírito que sopra no mundo depois do Protestantismo e da Revolução Francesa, tem-se a errada idéia de que quanto mais um homem é elevado, mais ele despreza os que estão abaixo de si; o superior vê no inferior um concorrente, o qual quer subir e necessita ser espancado para não ter êxito; o inferior, por sua vez, vê no superior um tirano que está lhe explorando e precisa ser derrubado. Desse modo, em qualquer lugar onde haja um degrau hierárquico, há uma luta entre superior e inferior.

Na história de Santo Odilon vemos o contrário. Quanto mais elevado está um homem, mais ele deve tender à bondade, à proteção dos inferiores e a exercer uma autoridade benfazeja.

Onde está o fundamento da idéia de autoridade, como ela era exercida por Santo Odilon?

São Tomás de Aquino explica, esplendidamente, que o superior está para com o inferior como uma imagem de Deus. Quer dizer, ele deve proteger o menor, orientá-lo, guiá-lo, à semelhança de como Deus protege todas as suas criaturas.

Na ordem estabelecida por Deus, os anjos são desiguais, o superior guia o inferior.

Isso se verifica também no mundo humano. Os mais eminentes — por seu poder, talento ou autoridade — devem representar a Deus junto aos que estão abaixo de si e fazer-lhes bem.

Segundo essa consideração, quanto mais alta é a autoridade de alguém, maior é a responsabilidade que ele tem de fazer bem aos outros.

Por isso os súditos devem amar especialmente suas autoridades e querer bem aos que estão constituídos numa dignidade especial.

Este é o princípio que rege a Santa Igreja Católica. Por exemplo, numa paróquia, não é razoável que um fiel ame o seu Vigário e espere dele toda proteção e apoio? Mas, o fiel deve amar ainda mais ao Bispo. E, por isso, não há motivos para esperar maior bondade do Bispo do que do Vigário? E o Papa, não deve ser ainda mais venerado? E não há também motivos para esperar mais indulgência dele do que do Prelado?

A “poluição” do mundo moderno

Essas são considerações que nos descansam da brutalidade de todos os dias!

Não é verdadeiro que nos despolui pensar nisso?

Quando leio nos jornais matérias referentes à poluição em nossas cidades, tenho vontade de dizer: “Vocês não percebem que o que mais polui o mundo contemporâneo é o homem contemporâneo? Não há chaminé que polua mais do que a Revolução!” A verdadeira despoluição se daria quando tivéssemos na terra verdadeiros “Santos Odilons”…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23 e 25/9/1972, 2 e 13/10/1972)

1) Não possuímos referência exata para a citação do trecho comentado.

Santa Melânia: Invencível e heróica

Filha de uma família romana nobilíssima e fabulosamente rica, Santa Melânia vendeu judiciosamente todos os seus bens, fez doações às igrejas, aos pobres, resgatou cativos e construiu mosteiros. Tornou-se religiosa e praticou as virtudes de forma vigorosa, autêntica, genuína, coerente, levando até as últimas consequências os princípios que adotara.

Santa Melânia nasceu em 383, filha de nobilíssima família senatorial romana. Aos 14 anos quis se consagrar a Deus, mas seus pais fizeram-na casar com Valério Piniano, somente três anos mais velho que ela.

Possuidora de grande fortuna…

Com esse casamento, reuniam-se dois ramos de uma das maiores famílias do Império, conservando-se também o patrimônio mais rico existente na aristocracia romana.

Depois de ter dois filhos, que morreram em tenra idade, os dois esposos decidiram adotar vida de castidade. Resolveu, então, Melânia, desfazer-se de seus bens e se dedicar inteiramente à oração e ao estudo dos livros santos.

Mas foram necessários anos para que a Santa conseguisse doar sua fortuna, definida por um autor como “mundial”. De fato, além de joias, pratarias e preciosidades artísticas, Melânia possuía latifúndios na Itália, Sicília, Gália, Espanha, África Proconsular, Numídia, Mauritânia, Mesopotâmia, Síria, Palestina e Egito. Essa fortuna era tão grande que um palácio em Roma ficou sem comprador, por não se achar quem tivesse dinheiro para adquiri-lo. O próprio senado romano levantou objeções ao que ele considerou esbanjamento. Mas a Santa persistiu em seu intento, tendo-o levado a cabo após anos e anos de luta.

À medida que ia vendendo seus bens, erguia mosteiros, protegia os pobres, fazia doações às igrejas e resgatava prisioneiros. Ao mesmo tempo, esses negócios obrigavam a Santa a viajar muito, sendo interessante notar que ela procurava fixar residência em lugares onde o bispo era homem de vida santa e conhecedor das Escrituras. Assim, teve contato com grandes santos de sua época, como Santo Agostinho.

Depois de ter conseguido completar a “obra de Marta”, como chamava a preocupação com seus bens terrenos, dedicou-se “à de Maria”, como sempre desejava. Retirou-se para um mosteiro em Jerusalém. Vestiu-se com um saco de penitência, entregando-se à oração, ao jejum e aos estudos das Escrituras. Escreveu muito, e tão bem, que realizou notável trabalho de copista, dado seu grande conhecimento de latim e grego. Incentivou a reza do Ofício Divino durante a noite e foi orientadora espiritual de muitos mosteiros femininos.

Santa Melânia, que morreu em 31 de dezembro de 439, teve sua vida minuciosamente relatada por seu filho adotivo e discípulo espiritual. Considerada uma das grandes figuras de sua época, mereceu grande elogio de São Jerônimo que a citava como exemplo para suas dirigidas.(1)

…quis doá-la para praticar a pobreza

Essa resenha biográfica sobre Santa Melânia só pode ser devidamente compreendida tomando-se em consideração o modo pelo qual as riquezas estavam distribuídas, tanto no Império Romano do Ocidente como no do Oriente.

De um modo geral, em tudo quanto se publica a respeito dos povos pagãos, a historiografia oficial é cheia de elogios aos romanos, aos gregos, à civilização egípcia, à Índia, à China, ao Japão.

Entretanto, não encontramos referências elogiosas, por exemplo, à classe média indiana. Nem sobre o bem-estar dos trabalhadores manuais entre os romanos. A maior parte dos habitantes da cidade de Roma, e do Império Romano, era constituída de escravos. A lei, o senso jurídico dos romanos era fabuloso. Contudo, a maior parte da população estava colocada à margem da lei…

No mundo pagão, vemos se acumularem riquezas fabulosas sem qualquer proporção com a capacidade de fruir — ou mesmo de se ornamentar — do homem. O luxo ordenado não é censurável. Portanto, é compreensível que um potentado tenha grandes palácios. Mas que ele possua tantos palácios que não tenha tempo para conhecê-los nem para deles usar, tantas terras que não disponha de tempo para geri-las, evidentemente há uma desproporção entre ele e esses bens. E existe, portanto, um fenômeno de má distribuição.

Entre os antigos romanos encontramos homens tidos como possuidores de uma riqueza média, por exemplo, Cícero, cujo inventário de bens era considerado como de uma fortuna mediana. Entretanto, era um nababo. Ele mesmo reconhece, em cartas e outros documentos, não saber no que consistia a maior parte de seu patrimônio.

Santa Melânia era herdeira de uma dessas famílias fabulosamente ricas, que tinham patrimônio por todo o Império Romano do Ocidente. E ela, então, realiza uma dessas verdadeiras belezas de sabedoria da Igreja, que é a seguinte: uma nobre que quer não só reduzir a sua fortuna a proporções humanas, mas doá-la inteiramente para praticar a pobreza.

Sabedoria para gerir os bens terrenos

E ela não está nas condições de São Francisco de Assis, que simplesmente tirou a túnica, jogou-a para o pai dele, Pietro di Bernardone, e disse: “Agora eu posso dizer: meu Pai que estais no Céu…”; entregou-se ao bispo que lhe impôs um hábito, e estava liquidada a questão. Deserdado pelo pai, ele só tinha uma túnica para dar, de maneira que era um ato rápido de executar-se.

Santa Melânia, não; ela possuía um patrimônio fabuloso, como vimos: preciosidades artísticas, palácios, riquezas de toda ordem, terras, latifúndios etc. E não podia dilapidar essa fortuna de um modo estúpido. Porque, por mais que quisesse ser religiosa e, portanto, pobre, ela era responsável perante Deus por essa fortuna. E, portanto, deveria vendê-la e aplicá-la ordenadamente. Só depois de tudo vendido e bem aplicado, ela, em consciência, podia entrar para o convento.

Vemos, então, este fato que nas histórias dos povos pagãos absolutamente não se encontra: uma grande dama, de uma grande família, trabalhando para ser pobre. Mas, ao mesmo tempo, esse ímpeto radical de uma pobreza completa se conjuga com a sabedoria de uma boa gestão dos bens desta Terra, e a noção de que essa aplicação deve ser criteriosa.

De outro lado, vê-se a perseverança do propósito dela. Um propósito mais débil, ao longo desses anos e anos de despojamento, em certo momento teria se rompido: “Ah, não! Essa pérola eu deixo para dar no fim, aquela outra joia vai ser a última coisa que venderei; essa tal coisinha eu guardo para mim…”

Essa Santa não agiu assim. Invencível e heroica, perseverou durante todos os anos, vendendo, aplicando, vendendo, aplicando. E enfrentando — a ficha deixa entrever isto — alguma dificuldade, porque a venda dos seus bens produziu um certo regurgitamento no mercado, a tal ponto que um palácio dela valia tanto que não houve comprador. Pois bem, ela acaba liquidando tudo e vai para o mosteiro.

Conversou com Santo Agostinho, foi elogiada por São Jerônimo

Então se manifesta outro aspecto de sua alma. Depois desse despojamento, ela é constituída em dignidade e se torna uma excelente superiora do mosteiro; passa a dirigir almas. E após ter dirigido a destruição de seu patrimônio, ela constrói o patrimônio espiritual de outras almas. Ela aconselha numerosos conventos, orienta toda uma vasta família de almas, em vários lugares. E depois de anos e anos da prática efetiva de uma pobreza completa, ela entrega sua alma a Deus.

Durante esse tempo, dispersando tesouros que todos recolhem e recolhendo tesouros que muitos dispersam. Ela não tem sede de posição social, de dinheiro, de conforto, mas tem sede de almas. Quer ser pobre, sacrificar-se pelas almas dos outros para dá-las a Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Nossa Senhora.

Ademais, procurava o convívio das pessoas virtuosas, indo morar — antes de ser religiosa — em dioceses onde havia homens santos com quem ela pudesse se aconselhar. Teve, assim, a graça e o privilégio extraordinários de conhecer Santo Agostinho e conversar com ele.

Uma virtude assim severa, vigorosa, autêntica, genuína, coerente, igual a si mesma até os últimos desdobramentos das últimas consequências dos princípios que aceitou, mereceria bem o panegírico que teve. Ser louvada por um Santo é uma grande coisa, mas por São Jerônimo é uma coisa grandíssima! Porque São Jerônimo tinha o gênio, o fogo da descompostura. Para arrasar alguém com palavras candentes e merecidas, para dizer-lhe verdades ao pé da letra, não havia como São Jerônimo. Até a Santo Agostinho ele escreveu uma carta dizendo coisas duras, a tal ponto que Santo Agostinho escreveu-lhe depois uma carta, gracejando, brincando, afirmando que afinal não precisava tanto furor, que ele se convenceria com menos zanga, etc. Não era uma intemperança de São Jerônimo, era o feitio do seu espírito, a apreciabilíssima forma de santidade dele.

Coube-lhe ter como comentador da vida dela São Jerônimo, o homem implacável, arguto, que via os defeitos até o fim e que a julgou como um ouro perfeito, no qual não havia nenhuma liga e nenhuma impureza. E ela morreu tendo esta glorificação suprema: foi a dama elogiada por São Jerônimo! O Santo da apóstrofe vigorosa e inflexível, o Santo da severidade completa, analisou-a e achou-a boa. Ela estava inteiramente pronta para ser entregue a Deus.

Grandeza e verdadeira imortalidade dos Santos

O que devemos dizer, em nossa época, a respeito da biografia de uma Santa como esta? Sem dúvida, edifica muito, mas pede, de outro lado, um comentário.

Não podemos julgar que ser uma grande dama, senhora de muitos bens, é contrário à santidade, e que Santa Melânia deixou seu estado anterior por ser incompatível com a santidade. Isto é falso.

Uma grande dama dotada de grandes bens deve, isto sim, fazer grandes esmolas. Ela pode manter largamente sua posição social e a dignidade de sua categoria gozando de todos esses bens, mas doando, na medida do necessário, uma parte do supérfluo. Agindo assim ela pode ser uma grande dama e santificar-se. Não devemos, portanto, nos iludir com o alcance do gesto de Santa Melânia.

Esse gesto foi belo porque constituiu a renúncia de uma situação terrena boa, agradável, na qual ela poderia se santificar. Para se santificar, ela deveria ter o desapego necessário das coisas da Terra, mas isto ela poderia conseguir mesmo no gozo de uma grande fortuna.

Por causa disso houve na História numerosas rainhas santas, numerosos reis santos, pessoas que, do ponto de vista social, eram muito mais do que Santa Melânia e dispunham também de grande quantidade de dinheiro.

Ela, entretanto, foi chamada pela graça para outra forma de vida, e soube obedecer a esse chamado, seguiu-o e santificou-se. E nisto ela andou perfeitamente bem, porque se deve fazer a vontade de Deus. E para com ela a vontade de Deus foi muito generosa, porque a chamou para o estado religioso, que é mais perfeito. Ela, então, se santificou nesse estado com edificação para todos nós e até para a posteridade. Esta é a glória de um Santo.

Certa vez, tendo Vitor Hugo sido eleito para a Academia Francesa de Letras, alguém comentava que ele se tinha tornado imortal, mas não era necessária a glorificação da Academia de Letras, porque o nome dele já era imortal para todos os séculos. Vitor Hugo, que conhecia Dom Bosco, disse: “Imortal é Dom Bosco, porque ele vai ser canonizado. E muito tempo depois de que ninguém mais leia meus romances, e só alguns eruditos conheçam meu nome, ainda a Igreja vai ter no mundo inteiro festas litúrgicas em louvor de Dom Bosco. Não há senão uma verdadeira forma de imortalidade: é a dos Santos da Igreja Católica”. Perfeitamente bem apanhado!

Há uns dez anos, li a notícia de que os livros de Vitor Hugo, que restaram nos estoques das livrarias por falta de leitores, eram vendidos em carrocinhas a peso, nas ruas de Paris.

Santa Melânia viveu há quantos séculos! O que eram as nossas respectivas pátrias no tempo em que Santa Melânia floresceu? Nunca se tinha ouvido falar dessas terras da América! Ela morreu, seu corpo se desfez, não resta nem o pó, mas num lugar onde naquele tempo talvez houvesse uma taba de índios, há gente de várias nações glorificando o nome dela. Isto acontecerá assim indefinidamente. Tal é a grandeza e a imortalidade dos Santos da Igreja Católica.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/2/1972)

1) Não dispomos dos dados bibliográficos desta citação.

Esplendor que reparava a imerecida miséria

São Silvestre foi o Papa a quem, tendo vivido no tempo de Constantino, coube presidir a transformação importante que foi o fato de a Igreja deixar de ser perseguida para ser rainha, abandonar as catacumbas e começar a ocupar palácios.

Ele foi o Pontífice que acompanhou o surgimento da Igreja para fora das catacumbas como um Sol que nasce. Sob suas diretrizes e inspiração teve início a obra pela qual a Igreja foi sendo cercada de um luxo e esplendor, que reparava os anos de imerecida miséria passados por ela nas catacumbas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/12/1966)

Meditação sobre o Natal – II

Quais seriam nossas emoções se, logo após o nascimento de Jesus, entrássemos na gruta de Belém e contemplássemos a majestade, a acessibilidade e a misericórdia do Menino-Deus, bem como o ambiente que O cercava? Eis o tema do segundo estilo de meditação explanado por Dr. Plinio.

Passarei a fazer uma meditação inteiramente diversa da anterior(1) para, depois, efetuarmos a comparação.

Suponhamos que cada um de nós tivesse a alegria de entrar na gruta de Belém e ver Nossa Senhora com São José, o Menino Jesus, os pastores, o boi e o asno. E visse também os Reis Magos — entre os quais o Rei negro Baltazar — vindos do Oriente, se aproximando com suas caravanas, seus cortejos, a estrela; adoram o Menino-Deus e Lhe oferecem ouro, incenso e mirra.

Como imaginariam a cena? Sob que aspecto ela lhes causaria mais alegria na alma e por onde se sentiriam mais próximos do Divino Infante?

N’Ele, poderíamos considerar, entre muitos outros pontos, a infinita grandeza, a infinita acessibilidade, e também o infinito amor.

Infinita grandeza do Menino Jesus

Quanto a sua infinita grandeza, podemos imaginar uma gruta enorme, alta, quase como uma catedral, que não tivesse evidentemente uma arquitetura definida, mas suas pedras nos fizessem pressentir vagamente as ogivas de uma catedral da futura Idade Média. O berço do Menino Jesus estaria colocado bem no ponto majestoso da encruzilhada das várias naves laterais, naturais, e uma luz celeste toda de ouro pairaria sobre Ele naquele momento.

O Divino Infante, embora deitado em seu presepe e sendo uma criança, é o Rei de toda majestade e toda glória, o Criador do Céu e da Terra, Deus encarnado e feito Homem, tendo desde o primeiro instante de seu ser — portando já no ventre de Nossa Senhora —, mais grandeza, mais manifestação de força e de poder do que todos os homens que houve na Terra, incomparavelmente mais inteligente do que São Tomás de Aquino, mais poderoso do que Carlos Magno, Napoleão, Alexandre; Ele sabia todas as coisas extraordinariamente mais do que qualquer cientista moderno, e na fisionomia sempre variável do Menino Jesus, de vez em quando esta majestade feita de sabedoria, de santidade, de ciência, de poder, haveria de aparecer.

Então, imaginem que encontrassem isso misteriosamente expresso na fisionomia deste Menino. Que Ele, às vezes, se movesse e no seu movimento se percebesse um rei; abrisse os olhos e o fulgor de seu olhar tivesse uma profundidade tal que se sentisse n’Ele um grande sábio; haveria uma atmosfera circundando-O e que nimbasse de virtude todos aqueles que d’Ele se acercassem; algo puríssimo, de tal maneira que as pessoas não poderiam aproximar-se dali sem antes pedir perdão por seus pecados, mas ao mesmo tempo atraídas e incentivadas a se corrigirem de suas faltas, pela santidade que emanava daquele local.

Majestade de Nossa Senhora

E aos pés d’Ele Nossa Senhora, Ela também como uma verdadeira Rainha — a Virgem Santíssima era e é Rainha —, com uma dignidade e imponência, que não precisava de roupas nobres nem de tecidos de grande qualidade para se fazer valer.

Todos sabem que Santa Teresinha do Menino Jesus era tão imponente que seu pai a chamava “minha pequena rainha”. O jardineiro do Carmelo, no processo de canonização, contou uma vez que viu uma freira, que estava de costas, fazer tal coisa e era Santa Teresinha. Então o advogado do diabo perguntou: “Mas como o senhor sabia que esta freira, estando ela de costas, era Santa Teresinha?” A resposta foi: “Pela majestade da santa, porque ninguém possuía a majestade que ela teve”.

Podemos imaginar Nossa Senhora majestosíssima, transcendente, puríssima, rezando para o Menino Jesus, os Anjos invisivelmente cantando, em volta, canções de glorificação, e toda a atmosfera saturada de valores tais que se diria haver, naquela pobreza e miséria, um ambiente de corte.

E nós nos aproximando do presépio, sentindo a grandeza do Menino Deus e, como contrarrevolucionários que somos, amando n’Ele tudo quanto é nobre, belo, santo, intransigente e combativo; adorando aquele Menino que, ao mesmo tempo, atrai junto a Si todas as formas de grandeza que dimanam, são reflexos e uma participação na santidade d’Ele, e rechaça para longe de Si o pecado, o erro, a desordem, o caos, a Revolução, que nem sequer ousa levantar os olhos para aquela cena magnífica em que a ordem, a hierarquia, a pompa e o esplendor dominam completamente.

Acessibilidade do Divino Infante

Consideremos agora outro aspecto: o Menino Jesus imensamente acessível.

Suponhamos que esse Rei tão cheio de majestade, em certo momento abrisse os olhos para nós e notássemos — mas cada um deve imaginar-se visto por Ele — que o olhar puríssimo, inteligentíssimo, lucidíssimo do Divino Infante penetra em nossos olhos profundamente, vê o mais fundo de nossos defeitos bem como o melhor de nossas qualidades; e naquele momento toca a nossa alma, como tocou, trinta e três anos depois, a São Pedro, e nos dá uma tristeza profunda de nossos pecados.

Conta o Evangelho que o olhar de Nosso Senhor para São Pedro foi tal que este se retirou e chorou amargamente. Então, imaginemos o olhar d’Ele nos dando o horror de nossos defeitos e nos mostrando seu amor às nossas qualidades. E também o seu amor à nossa condição de criatura feita por Ele; apesar de nossos defeitos, fomos criados por Ele e destinados a um grau de santidade e perfeição, que o Menino Jesus conhece e ama enquanto podendo existir em nós.

De maneira que, embora pecadores, quando menos esperássemos, por um rogo amável de Nossa Senhora, Ele sorrisse para nós e, apesar de toda a sua majestade, sentíssemos as distâncias desaparecerem, o perdão que invade a nossa alma, e algo nos atraísse de tal forma que caminhássemos para junto do Menino-Deus, e Ele afetuosamente nos abraçasse e pronunciasse o nosso nome: “Fulano, Eu te quis e te quero tanto, desejo para ti tantas coisas, perdoo-te tanto, não pense mais nos teus pecados, daqui por diante pensa apenas em servir-Me. E em todas as ocasiões de tua vida, quando tiveres alguma dúvida, lembra-te dessa condescendência, dessa amabilidade, desse beneplácito e recorre a Mim por meio de minha Mãe, e Eu te atenderei, serei o teu amparo, a tua força que há de levar-te ao Céu para ali reinares ao meu lado por toda a eternidade”.

Sua compaixão sem limites

Imaginemos a misericórdia do Menino Jesus, olhando não só para o que há de bom e mau em nós, mas também para nossa tristeza, para a condição miserável de todo homem na Terra, para o sofrimento que cada um de nós traz em si, para o sofrimento passado e o sofrimento futuro que Ele conhece. Contemplando inclusive o risco que nossa alma corre de ir para o Inferno, para os tormentos eternos; todo homem, enquanto vive nesta terra, está exposto a ir para o Inferno. E o Divino Infante olhando para o Purgatório e os tormentos que ali nos aguardam, se não formos inteiramente fiéis. Então é um olhar de compaixão, de pena, de uma participação profunda na nossa dor; e um desejo de removê-la em toda medida que for possível, de nos dar forças para suportá-la na medida em que a dor for necessária para nos santificarmos.

Então, notarmos n’Ele aquilo que consola tanto o homem, e que Jesus não teve quando chegou sua hora de sofrer. Qualquer pessoa, no momento da dor — está na natureza humana e é reto —, se consola em ter alguém que sinta pena dela, pois a compaixão divide o sofrimento. O homem é feito de tal maneira que, quando ele está alegre e comunica a sua alegria, esta se duplica, quando está triste e comunica a sua tristeza, esta se divide. Assim também, e a “fortiori”, passa-se conosco em relação ao Menino Jesus.

Então, em todos os sofrimentos de nossa vida, quando a taça para beber for muito amarga, repetiríamos por meio de Maria Santíssima a oração de Nosso Senhor: “Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice, mas faça-se a vossa vontade e não a minha”(2). Quer dizer, pediríamos, em todos os momentos, que a dor passasse, mas se fosse a vontade d’Ele a dor viesse sobre nós. Assim, durante nossos sofrimentos, teríamos compaixão d’Ele, como se nos dissesse: “Meu filho, Eu sofro contigo. Vamos padecer juntos porque sofri por ti, e há de chegar o momento em que tu participarás eternamente da minha alegria”. E o olhar compassível de Jesus não nos abandonará um momento em nossa existência.

Três presépios representando cada um desses aspectos

Então, ao fazermos essa meditação durante todo o tempo de Natal, ao longo das vicissitudes da existência quotidiana, devemos nos lembrar destes três pontos: a majestade infinita, a acessibilidade infinita, e a compaixão sem limites do Menino Jesus em relação a nós. E ter a recordação sensível, porque procuraríamos compor um pouco o quadro.

Alguém me diria: “Mas Dr. Plinio, o presepe não poderia ter esses três aspectos ao mesmo tempo”. Não é verdade. Em Nosso Senhor todas as perfeições, todos os estados de alma perfeitos coexistiam na sua natureza humana em graus e modos diversos, conforme as circunstâncias da vida. Portanto, Ele era cheio de majestade, de acessibilidade e de compaixão para com os homens desde o momento em que entrou na Terra. E é natural que, apesar de ser Menino, conforme as almas que d’Ele se acercassem, ora uma qualidade, ora outra, aparecesse.

Seria até muito bonito que numa igreja, em vez de um presépio, houvesse em três altares diferentes três presépios, em que as figuras e toda a ambientação representassem, em cada altar, um desses aspectos para facilitar às almas a meditação sobre esses pontos como, aliás, sobre outros que também se poderiam considerar.

Como pintar o olhar do Menino-Deus?

Aqui estaria um outro tipo de meditação sobre o Santo Natal. O primeiro é um estilo de meditação que chamaríamos mais teórico, mais doutrinário; o segundo seria uma recomposição mais sensível, tocando-nos mais de perto.

Na segunda meditação, há lógica também, pois sem lógica não há meditação; mas a parte do embebimento da fantasia, da sensibilidade para preparar o jogo da lógica é muito grande. A primeira é muito mais seca. Aí está a diferença entre as duas escolas. A geração posterior à minha é muito apetente de embebimento e de preparação desta natureza, conforme a segunda meditação.

Como eu gostaria de ter em nosso Movimento pintores ou desenhistas que soubessem, por exemplo, pintar três presépios de acordo com esta concepção, ostentando toda a grandeza, ou toda a acessibilidade, afabilidade, ou toda a compaixão de Nosso Senhor! Como seria bonito! Mas o difícil é que seria preciso saber pintar aquilo que é o centro do presépio: um Menino recém-nascido que, sem perder as características de menino, tivesse tudo isso e, sobretudo, um olhar onde essas perfeições se refletissem. Como pintar um olhar infantil capaz de dizer tudo isso? Antes de ser pintor, que psicólogo o artista precisa ser para imaginar este olhar! E, depois de imaginado, como pintar? Este seria o pintor que iniciaria nossa escola de pintura, porque tenho a impressão de que, no pintar expressões de olhar, nossa escola estaria largamente representada.

”Minha alma é eminentemente inaciana”

Essa meditação sobre o Santo Natal conduz à seguinte convicção: convém fazer um estilo e outro, porque há diversas vias espirituais, e não devemos nos fixar só num estilo. Vale a pena alternarmos, meditando ora de um modo, ora de outro, para atender aos anseios de todas as almas.

Se me perguntassem o que me impressiona mais, eu responderia que, embora tendo composto o segundo tipo, me impressiona mais o primeiro, talvez por ser mais próprio de minha geração ou do meu feitio de espírito. Aquilo que é inteiramente racional e que eu posso ver amarrado por um raciocínio inexorável, me enche e me basta. Compreendo que outros não sejam assim, a tal ponto que tomei o trabalho de compor, para uso de outros, uma meditação diferente, e dou o meu tempo por muito bem empregado.

Nessa opinião transparece a seguinte posição: na Igreja há várias escolas espirituais, todas aprovadas por ela. Em geral, inauguradas e seguidas por santos, essas escolas são esplêndidas, e cada um deve seguir o que sua alma lhe pede. Minha alma é eminentemente inaciana e o sistema de Santo Inácio me encanta. O raciocínio simples, claro, límpido, que conclui e que arrasta, e a respeito do qual não há tergiversação nem sofisma, me deixa entusiasmado! Sejamos cada um como Deus o fez para a glória d’Ele.

Que Nossa Senhora nos ajude para que possamos tirar proveito de qualquer dessas meditações, de maneira a compreendermos cada vez mais a Ela e ao Menino Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/12/1973)

1) Revista “Dr. Plinio”, n. 189, p. 20-25.
2) Cf. Mc 14, 36.

A Sagrada Família

Imaginando aspectos da Santa Casa de Nazaré, Dr. Plinio comenta as sublimes realidades do dia-a-dia da Sagrada Família, bem como o enlevo e a admiração do Santo Casal por seu Filho-Deus.

É comum encontrar estampas com pitorescas representações da casa onde viveu a Sagrada Família. Muitas são respeitáveis e bastante apropriadas. Em geral, combinam uma pureza diáfana com uma luz que não era apenas a de um dia belamente luminoso — luz persistentemente matinal de um horário que já não é matinal. Em síntese, apresentam uma simplicidade absoluta junto a uma limpeza absoluta.

Isto é o que nos apresentam tais figuras, mas fica-se sem saber o que dizer a respeito do que acontecia na Casa de Nazaré. Imaginemos, então.

Imaginando aspectos da casa e do dia-a-dia

O que comentar, por exemplo, da limpeza desta casa?

Era Maria Santíssima que, diante dos coros angélicos extasiados, fazia a limpeza da Santa Casa. Às vezes era São José, seu castíssimo esposo, quem a fazia. Noutra ocasião, quando estavam cansados, era o Menino quem limpava a casa para que os pais a encontrassem em bom estado… É difícil crer, mas nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la.

Num canto da casa, há um simples jarro, do qual se levanta uma açucena, reta como a virgindade. É a única coisa que fala de arte; o resto é tão simples…

Entretanto, olhando para qualquer madeira tosca, para o pé de uma cadeira, por exemplo, ou para uma prateleira que suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado! Não se sabe o que dizer diante dessas “sublimes bagatelas”, tão comuns na vida de qualquer um, mas, que por estarem postas naquela casa, assumem um caráter todo especial.

Sublimes realidades

Imaginemos São José sentado, torneando alguma coisa, enquanto Nossa Senhora faz alguma costurinha, e o Menino que, tão pequeno ainda, brinca com duas ou três pedrinhas, em pé, apoiado numa cadeira vazia.

Não há palavras que bastem para nos explicar o que, na realidade, está se passando: este Menino — verdadeiro menino, nascido da linhagem de David — foi gerado pelo Espírito Santo nas entranhas de Nossa Senhora, a flor do gênero humano!

Enquanto o Menino Jesus brinca com suas pedrinhas, e n’Ele a natureza humana se desenvolve segundo a ordenação posta por Deus, que repercussão estará havendo nas relações das Três Pessoas da Santíssima Trindade? Entretanto, tudo tão simples, tão elementar.

Enlevo e admiração pelo Filho-Deus

Pode-se imaginar o enlevo sem fim que o casal tinha por cada olhar ou movimento do Menino. Enquanto trabalhavam em alguma coisinha, Maria e José ficavam atentos ao mínimo gesto de Jesus e procuravam não perder sequer uma emissão de voz d’Ele.

Quem não ficaria atento? Afinal, eles sabiam que era o Homem-Deus que estava assim Se movendo.

Isto representava para eles um tesouro sem conta.

O dia-a-dia da Sagrada Família

Como seria o relacionamento no seio da Sagrada Família?

Conversariam sobre a virgindade fecunda de Nossa Senhora? Teriam uma interlocução por onde, constantemente, faziam referência à natureza divina? Ou somente falavam sobre estes assuntos nas grandes ocasiões, quando, por exemplo, baixavam do Céu luzes extraordinárias, ou quando contemplando o Menino tinham êxtases místicos?

Eu sou propenso a acreditar que, na maravilha desse convívio interno, as situações mais diferentes se sucediam simultaneamente, e isto constituía uma forma de convivência celeste.

A vida comum de uma pobre família operária, e o encanto das considerações metafísicas e sobrenaturais de Nossa Senhora e de São José, que viviam inundados pela presença do Menino, uniam-se no dia-a-dia da Casa de Nazaré.

Numa ocasião comum, Nossa Senhora perguntaria:

— José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Ireis porventura sair, levando o banco que acabastes de fazer?
— Senhora, responderia São José, preciso ainda ficar aqui por algum tempo, exceto se vossa vontade for outra.

Acrescentaria ele:

— Senhora, Vós Vos distraístes — ele bem sabia que Maria tinha estado conversando com os Anjos — e o almoço vai longe em nosso pequeno fogareiro; vede um pouco… Quem sabe ao certo como se davam estas coisas? Pode-se imaginar tudo.

Previsão do sofrimento e da glória

Noutra ocasião, o Menino — que quando adulto, no Tabor, reluziria entre Moisés e Elias de um modo tão esplendoroso —, no momento inopinado em que vinha pedir licença aos pais para brincar um pouco no jardim, apareceria diante deles com um brilho deslumbrante. Eles passavam alguns instantes sem poder responder ao Menino — o qual esperava reluzente a resposta —, completamente transportados para outra esfera: estavam diante de Deus.

Em certos momentos, Eles viam que o Menino Lhes aparecia brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas: era o precônio da cruz.

Ficavam, então, com o coração partido, olhando o Menino Jesus andar determinadamente de um lado para outro na casa, fazendo um gesto ao Padre Eterno. Era um ato figurativo da Agonia no Horto.

Tudo estava impregnado por uma respeitabilidade, uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma só palavra, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes!

Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/82)

Santos Inocentes

A Santa Igreja comemora, hoje, o martírio dos Santos Inocentes.

No segundo capítulo do Evangelho de São Mateus encontramos a narração das circunstâncias da fuga da Sagrada Família Fuga para o Egito. Foi um êxodo por causa da perseguição ordenada por Herodes, o Grande, que tinha como objetivo matar o Menino Jesus.

Transcrevemos um pensamento de Dr. Plinio a este respeito:

Santo Estêvão quis ser mártir e foi. São João quis ser mártir e não foi. Os bem-aventurados Inocentes — as crianças mortas por Herodes, em sua tentativa de, junto com elas, matar também o Messias que há poucos dias nascera — não quiseram ser mártires e foram. Porque elas não tinham vontade e entendimento, mas foram mártires sem querer.

A respeito, D. Guéranger escreve o seguinte:

“Mas quem duvidará da coroa obtida por estas crianças? Perguntareis: onde estão os méritos para esta coroa? A bondade de Cristo seria vencida pela crueldade de Herodes? Este rei ímpio pode mandar matar crianças inocentes, e Cristo não poderia coroar aqueles que morreram por sua causa?”

Assim sendo, temos uma legião de inocentes que estão no Céu e que rezam continuamente por nós. Compreendemos melhor de que maneira o mundo realiza o plano salvador de Deus. Quando se pensa profundamente no enorme número de crianças que morreram batizadas — sem culpa nenhuma, que vão, portanto, diretamente para o Céu —, compreende-se que são também santos inocentes.

Se tivéssemos um santo canonizado em nossas famílias, nós seríamos muito devotos dele. Ora, certamente, na família de todos existem como que santos canonizados. Isto porque nas famílias de todos, ou de quase todos — se não entre os irmãos, pelo menos entre primos ou parentes mais afastados —, existem crianças que morreram batizadas. Logo, estão no Céu, onde elas têm toda a lucidez de uma alma que está convivendo com Deus face-a-face. Podemos então rezar, recomendando-nos às orações delas, que são padroeiras naturais da família.

(Plinio Corrêa de Oliveira – extrato da conferência de 28/12/1965)

 

Sentinela, mesmo após a morte

São Tomás Becket, assassinado por defender os direitos eclesiásticos contra os abusos do poder temporal na Idade Média, foi mártir da liberdade da Igreja.

Homenageado pelos ingleses durante quatro séculos, teve seus restos mortais profanados e destruídos por ordem do Rei Henrique VIII que, ao proclamar-se chefe da igreja anglicana, deliberou injuriar as relíquias daquele que morrera para que tal usurpação não se desse.

Nessa execução póstuma há uma verdadeira glória para São Tomás Becket: ser odiado pelos maus e sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Este Santo, até depois de morto, constituía uma barreira para os inimigos da Igreja. Foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse continuar. Ora, um homem que, deitado inerte no seu jazigo, representa ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a, é uma verdadeira beleza!

Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez isto: quatrocentos anos após seu martírio, seu corpo era uma trincheira e um pavor para os adversários.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/12/1968)

GLÓRIA A DEUS NO CÉU, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE

As reflexões sobre o Natal es-critas em 1936 por Dr. Plinio parecem feitas, de algum modo, mais para os dias de hoje do que para aquela época, tanto no tocante às nuvens negras que toldam o quadro dos acontecimentos, quanto aos raios de esperança que o perpassam.

Enquanto os Anjos de nossos piedosos presépios ostentam dísticos em que se lê: “Glória a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade”, a imprensa diária está cheia de notícias  terríveis que destoam tristemente da promessa angélica. […] Por toda parte só encontramos ódio, rancor, perseguição.

E, no entanto, cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos que o pânico se apoderasse de nós. Nem na ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos que justifiquem a inércia e o pessimismo.

Cristo, como único Salvador do mundo: lição do Natal

O que a Igreja espera, hoje em dia, de seus filhos, é a realização de uma tarefa ao mesmo tempo muito grande e muito simples. Ela quer que todos os católicos (os católicos dignos deste nome, e  não a turbamulta dos pagãos que usam rótulo católico), com uma persuasão vigorosa e magnífica, se ergam no tumulto do mundo contemporâneo, proclamando o cristianismo como seu único Salvador.

Único, dissemos. E insistimos sobre esta palavra. Erraria crassamente quem supusesse que o Cristo só veio salvar a humanidade de seu tempo. Em todos os tempos, em todos os países, para todos os povos, em todos os perigos, em todas as dificuldades, apesar de todos os pecados, Cristo é o ÚNICO Salvador.

[Alguns países] pensam que podem atingir a prosperidade e a paz, por meio de pequenas receitas políticas em que misturam, em doses variáveis, a autoridade e a liberdade. Loucura e ilusão. Se  eles não aceitarem as normas sociais e morais da Igreja, se não derem ao catolicismo a influência preponderante a que tem direito, não escaparão à ruína. De reforma em reforma, rolarão para o abismo.

[Outros países] pensam que o braço vigoroso de um ditador lhes pode restituir a felicidade. Loucura, ainda, e ilusão. Porque o maior homem do mundo, dotado da mais lúcida inteligência, da mais alta moralidade, da mais vigorosa energia, do mais formidável poder, não conseguiria organizar convenientemente um povo que vivesse entregue à anarquia intelectual e efetiva que, fora da Igreja, é inevitável. Um povo é um conjunto de homens. Um povo disciplinado não pode ser composto de homens anarquizados no mais íntimo do seu ser, como um copo de água pura não pode constar de um conjunto de gotas de água impuras.

Cristo como base da civilização, e as formas do governo como aspectos secundários e acidentais da vida de um povo, eis aí uma das grandes lições do Natal.

Trabalhar, lutar, sofrer e rezar pela Igreja

Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente. Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que o escondem no Céu. Ele não se mostra à humanidade aflita. E esta então corre à busca de outros pastores.

É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim. E há quem não ouse pensar, mas sinta assim! Daí o existirem católicos que têm mais  esperança na ação da política do que na ação do Cristo.

Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “in propria venit, et sui eum non receperunt” (veio para que era seu, e os seus não o receberam).

Ah! São esses os corações que ouvem a palavra do Cristo, vinda do Vaticano, e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo não a conhece:  “lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non conprehenderunt” (a luz brilha nas trevas, e as trevas não a envolveram).

Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na Eucaristia, Ele está tão realmente quanto esteve na Judeia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente quanto falou ao povo de Israel. A Igreja é tão  seguramente guiada por Cristo em 1936, quanto o eram os Apóstolos, antes da Ascensão.

O que Cristo quer fazer, fá-lo por meio da Igreja. O que Cristo quer dizer, di-lo por meio do Papa. Logo, a Igreja em certo sentido é onipotente e onisciente porque é instrumento da onipotência e porta-voz da onisciência de Deus.

Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja. Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificar-se alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação de Natal. Porque todas as  causas e todos os ideais devem vir depois da suprema Causa e do supremo ideal da Igreja.

GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.

Plinio Corrêa de Oliveira (Excertos, com ligeiras adaptações, de artigo do Legionário nº 224, de 27/12/1936. Subtítulos nossos.) 
Revista Dr Plinio 57 – Dezembro de 2002