Ideal de humildade e elevação

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort salienta que os devotos de Nossa Senhora terão especial apreço pelo Mistério da Encarnação, pois desta forma “imitam a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria. Dependência que transparece particularmente nesse Mistério no qual Jesus Cristo se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo d’Ela em tudo” (cap. 8, art. 1, § IV). Exímio nessa imitação do divino exemplo, Dr. Plinio deixou-nos estes comentários expressos numa Festa da Anunciação do Senhor.

 

Ao comemorarmos data de tão precioso significado, devemos considerar que Jesus Cristo tornou-se Escravo de Nossa Senhora desde o momento em que Ela, diante do convite apresentado por São Gabriel, aceitou de dar à luz o Messias, e o Espírito Santo então concebeu em seu claustro materno o Verbo encarnado.

Elevada acima de todos os anjos e santos

A Santíssima Virgem tornou-se, assim, Esposa do Divino Espírito Santo a um título muito particular, e passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos de amor, de consolação, “flashes” (por assim dizer) de uma sublimidade indizível. Graças essas em estreita relação com os vínculos que o próprio Jesus, naquele seio puríssimo, mantinha com sua Mãe. Estabelecia-se, assim, um maravilhoso convívio no qual Nossa Senhora era, ao mesmo tempo, a Filha predileta do Pai Eterno, a Mãe admirável do Verbo humanado e a fidelíssima consorte do Espírito Santo.

Tudo isto foi concedido a Nossa Senhora em virtude do fato da Encarnação. Quer dizer, no instante em que Ela concebeu o divino Filho, tornou-se objeto dessa assombrosa promoção (se pudéssemos empregar o termo), por onde foi elevada a uma condição incomparavelmente superior à de todos os anjos e santos reunidos, o que significa uma perfeição tão imensa que escapa à nossa capacidade de imaginá-la.

O ideal de toda alma humilde

Porém, cumpre ressaltarmos essa verdade: se quisermos crescer na virtude, no amor a Deus, na devoção à Santíssima Virgem, devemos pedir a Nossa Senhora a graça de conhecer, intuir, avaliar tanto quanto é possível à debilidade do intelecto humano, a santidade d’Ela. Se assim o fizermos, cresceremos nós mesmos em santidade. E, portanto, em humildade, sem a qual não há autêntico progresso espiritual.

Para a alma humilde, disposta a obedecer seus legítimos superiores, afeita à admirar os que merecem admiração, amante da modéstia e da discrição, para essa alma, digo, o ­ideal nesta vida é fazer-se escrava de amor da Santíssima Virgem, imitando ao primeiro Escravo d’Ela, Jesus.

Ideal todo particular, pois é o de ser aos pés de Maria — conforme escreveu São Luís Grignion — um vermezinho e miserável pecador, a quem Deus dá a vida e a tira, concede saúde ou permite a doença. Somos completamente dependentes d’Ele, para tudo quanto de nós deseje.

Mas, que felicidade para nós ao pensarmos: “Somos tão minúsculos perto do Criador e, contudo, quanto mais reconhecemos nossa pequenez, mais nos unimos a Ele e mais Ele nos acolhe em seu Sagrado Coração!”

E assim, correspondendo a esse ideal de humildade, servidão e amor, estreitamos nossa união com Deus, com Maria e a Santa Igreja.

Como gota de orvalho transformada em sol

Pensemos, nesta festa da Anunciação, nas glórias concedidas a Nossa Senhora, nos esplendores de perfeição aos quais Ela foi exaltada como Filha do Pai Eterno, Mãe do Verbo encarnado e Esposa do Espírito Santo.

Pensemos, igualmente, como dessas magníficas alturas Ela olha para nós e acompanha com incansável solicitude materna a vida de cada um de seus devotos. Estejamos certos de que a Virgem nos considera com bondade e insondável clemência; obtém-nos o perdão de nossas misérias e fraquezas; dirige, em nosso favor, um irresistível sorriso à Santíssima Trindade, dizendo:

“Meu Pai, meu Filho, meu Esposo. Vejam estes que vos amam no mundo: tenham compaixão deles, ajudem-nos a serem inteiramente aquilo para o que foram criados, a se tornarem fiéis como verdadeiros escravos de amor, fazendo sempre a minha vontade, que é a vossa, Trindade beatíssima.”

Essa é a mais valiosa graça que devemos suplicar a Deus, pelas mãos de Nossa Senhora, nessa festa da Anunciação e Encarnação do Verbo. Tornarmo-nos esses servos amorosos e fiéis, imitadores de Jesus em sua obediência à Mãe, unidos à Santa Igreja a exemplo da própria Virgem Santíssima, de modo a sermos como ela, assim como a gota de orvalho sobre a qual incide o raio solar assemelha-se a um minúsculo sol.

A gota é linda, pura, encantadora. O raio do astro soberano que a toca, a faz brilhar inteira. Mas, o que é a gota em relação ao sol? Pois muito maior, a perder de vista, é a desproporção entre Nossa Senhora e cada um de nós. Porém, podemos e devemos pedir que, como gotas de orvalho, humildes e pequenos, puros e fortes, sejamos um reflexo d’Ela; e que do entusiasmo de nossa humildade, pureza e fortaleza emane um constante ato de amor, obediência e servidão à Rainha do Universo, à Mãe do Verbo de Deus feito carne.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Dimas

São Dimas, o “bom ladrão”, foi escolhido por Nosso Senhor Jesus Cristo para simbolizar a sua infinita misericórdia para com os homens e, de modo especial, os pecadores. Além de padecer tudo o que sofreu por nós, quis o Filho de Deus dar-nos uma suprema prova de como seu perdão é ilimitado: no derradeiro momento de sua vida, pregado na Cruz, Ele perdoou o bom ladrão e lhe concedeu a graça da santificação. Como se nos quisesse afirmar: “Se esperardes numa clemência que desafia completamente o que sois capaz de imaginar, vossa alma será salva!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 14/2/1972)

São Dimas: “Roubaste o Céu!”

O  que se passou com São Dimas é algo inimaginável! É o auge do perdão porque, embora fosse um pecador péssimo, ele não só foi perdoado, mas confirmado em graça, pois ao dizer-lhe “tu, hoje, estarás comigo no Paraíso”, implicitamente Jesus afirmava: “Tu perseverarás!”

Assim, de um ladrão crucificado, o Salvador fez o primeiro santo canonizado. Ele, que tinha podido transformar a água em vinho, podia também transformar um ladrão num santo, e o fez. Feliz ladrão que, ao morrer, roubaste o Céu! Os méritos dele não estavam na proporção de alcançar o Céu, mas ele o alcançou porque Deus quis.

É o símbolo da via misericordiosa das almas que sabem valerem pouca coisa, mas se entregam a Deus Nosso Senhor e são cumuladas pela misericórdia divina.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/4/1971)

São João Nepomuceno Mártir do sigilo sacramental

O problema da Revolução e da Contra-Revolução estava no centro das cogitações de Dr. Plinio. Ao comentar a vida de São João Nepomuceno, que exprobou do púlpito a heresia dos hussitas, ele explica que João Huss e Wycliffe prepararam o campo para Lutero, o qual promoveu a primeira Revolução e arrastou um terço da população da Europa, devido à tibieza dos católicos.

Comentarei hoje uma ficha sobre a vida de São João Nepomuceno, presbítero e mártir.

São João nasceu em Nepomuk, Boêmia, em 1340.

Quando ele nasceu, viram-se luzes extraordinárias sobre sua casa. Quando era criança, a Santíssima Virgem curou-o de uma grave moléstia.

Ordenado sacerdote, dedicou-se à pregação com grande êxito. A cidade de Praga mudou com seus sermões, que eram ouvidos por uma imensa multidão.

Venceslau IV, Rei da Boêmia e Imperador da Alemanha, nomeou-o Preboste de Witchad e deu-lhe o título de Chanceler do Reino.

Mas São João tudo recusou, continuando simples cônego regular. Entretanto, a Imperatriz escolheu-o para seu confessor, e Venceslau o encarregou da distribuição de suas esmolas.

Mas este jovem príncipe perverteu-se, tornando-se tirano de seu povo. E como sua esposa passasse horas na igreja rezando por sua conversão, foi tomado por violento ciúme, chamando São João para que lhe relatasse as confissões da Imperatriz. E assim começou o longo calvário desse santo.

Foi mais de uma vez preso e submetido a tremendas torturas. Era sempre libertado, pois o Imperador temia uma revolta popular a favor do sacerdote.

Ameaçado de morte, nada o demovia. Finalmente, numa ocasião percebeu que seu fim estava próximo. Subindo ao púlpito, começou seu discurso pelas palavras do Evangelho: “Ainda um pouco de tempo e já não mais me vereis”. E predisse, então, claramente as devastações que a heresia de João Huss faria na Boêmia.

Depois quis rezar ainda uma vez aos pés de Nossa Senhora, cuja imagem, juntamente com a Fé cristã, fora trazida para a região por São Cirilo e São Metódio.

Nesse mesmo dia, voltando a Praga, foi preso e ameaçado. Como sua constância fosse a mesma, Venceslau esperou o cair da noite e mandou que o lançassem às águas do Rio Moldava.

Imediatamente, chamas apareceram sobre o rio e rodearam seu corpo. O povo acorreu para ver a maravilha e a Imperatriz mostrou-o ao Imperador que, apavorado, fechou-se em seus aposentos por vários dias.

São João Nepomuceno foi o especialíssimo protetor das mais ilustres famílias da Alemanha. São extraordinárias as graças obtidas por seu intermédio. Em agradecimento, os príncipes da Casa d’Áustria tudo fizeram para sua canonização, que foi obtida em 1729.

Em 1719 seu corpo fora encontrado intacto, como se tivesse sido lançado às águas naquela hora. Sua língua, sem corrupção alguma, era como de um homem vivo, atestando seu martírio como defensor do sigilo sacramental.

A heresia se propaga nos ambientes a ela receptivos

É uma lindíssima biografia. Para nos situarmos bem, temos que recordar um pouco as condições da Europa naquele tempo.

Aquelas paragens da Europa central foram sempre meio rebeldes à influência católica. A Boêmia, a Morávia, etc., eram terras onde a bruxaria, o ocultismo, as heresias de toda sorte nasciam a todo momento.

E exatamente nessa época, em que a Idade Média estava chegando ao seu apogeu — segundo alguns, até já havia iniciado seu declínio —, começou naquela zona a heresia de João Huss e Wycliffe, dois heresiarcas reputados precursores de Lutero.

Com efeito, as doutrinas deles apresentam uma semelhança extraordinária com as de Lutero. Explica-se essa semelhança por dois lados: em primeiro lugar, porque uma doutrina herética nunca é a pura criação do cérebro de um indivíduo. Mas sim, em grande parte — ao menos as doutrinas heréticas que alcançam êxito —, produto da elaboração de um ambiente.

O heresiarca produz uma doutrina da qual o ambiente está ávido. E é exatamente porque essa doutrina encontra ambiente receptivo, que ela consegue espalhar-se. O herege tonto elabora uma doutrina que o próprio ambiente não aceita; naturalmente é rejeitado, e ele não faz parte da História. Mas o herege esperto, que pretende levar muitas almas para o Inferno, prepara uma doutrina que ele percebe corresponder às más inclinações do ambiente onde ele vive; ao menos das pessoas más desse ambiente. Então, essa doutrina tem possibilidade de se propagar.

João Huss percebeu que o orgulho e a sensualidade inclinavam as almas naquelas zonas para uma determinada doutrina. Lutero, mais tarde, retomou as doutrinas de João Huss, já então na Alemanha — porque a situação de deterioração que se tinha produzido na Boêmia repetiu-se na Alemanha.

Mártir do sigilo da Confissão

São João Nepomuceno viveu exatamente nessa época em que a região dele estava passando do Catolicismo para a heresia de João Huss.

No começo, ele era muito bem visto pelo Rei da Boêmia que o apoiava, mas depois se deixou influenciar pelo ambiente mau e se deteriorou, se perverteu, passou a ser um mau homem.

A Rainha, que era uma boa pessoa e de quem São João era confessor por encargo do Rei, passava largas horas na igreja. E o Rei não queria acreditar que a piedade de sua esposa fosse a razão de suas longas ausências; ficou desconfiado de algum pecado, de algum adultério. Então, quis que o santo lhe contasse as confissões dela.

Ora, o sigilo do confessionário é sagrado, e nunca, por nenhum pretexto, um padre pode contar qualquer coisa ouvida em confissão.

Começa então a perseguição. O Rei tortura várias vezes o santo, que se recusa a contar qualquer coisa da confissão da Rainha. Então, o monarca resolve matar São João Nepomuceno.

O santo sente isso e, então, com uma premonição divina, um aviso de Deus, se prepara para a morte de modo tocante. Ele vai ao púlpito e emprega aquelas palavras de Nosso Senhor: “Ainda um pouco de tempo e o mundo não mais me verá; mas vós Me vereis, porque Eu vivo, e vós vivereis.”(1) Quer dizer, Nosso Senhor falava da Morte e da Ressurreição d’Ele. Dessa maneira São João Nepomuceno anunciou sua morte ao povo.

Depois, como todos os santos são grandes devotos de Nossa Senhora, ele foi a um lugar onde havia um santuário, para venerar a primeira imagem trazida para aquelas regiões por São Cirilo e São Metódio, que evangelizaram o mundo eslavo.

Ao retornar para sua cidade, o Imperador mandou capturá-lo e jogá-lo no rio Moldava. Produziu-se, então, um milagre: saíram chamas de dentro da água. Chamas belíssimas! E a Imperatriz chamou o esposo para ver aquele milagre, e reconhecer o crime que ele tinha cometido. O homem ficou muito perturbado, trancou-se dentro do quarto durante vários dias, não quis sair, mas o crime estava praticado.

Começou então a veneração pelo mártir João Nepomuceno. Naquela região seu nome ficou célebre, todo mundo começou a rezar a ele e os príncipes da Casa d’Áustria conseguiram da Santa Sé, mediante provas, que ele fosse canonizado alguns séculos depois, quando já era tido como santo por toda a região.

A heresia de João Huss e a de Lutero

Se compararmos essa história com a do protestantismo, veremos como as coisas se passaram de modo diferente.

Em regiões da Europa central, começa um movimento de deterioração. São João Nepomuceno é atingido por um soberano que é marcado por essa deterioração, a qual haveria de degenerar na heresia de João Huss. Mas que coisas diferentes se passaram por ocasião do protestantismo!

Na Boêmia há um santo que resiste; depois, esse santo é morto e faz um milagre. Existe um Rei, um Imperador, que fica comovido e até se recolhe no seu quarto durante alguns dias, abalado, portanto, com a orientação má que vinha seguindo. E há um povo que se entusiasma tanto com esse santo que, durante muito tempo, o soberano não pode assassiná-lo de medo da revolta popular. Para matá-lo, atiram-no dentro d’água durante a noite, temendo que o povo evitasse o assassinato. Cometido o crime, aparece um milagre.

Notamos o sentido contrário, na época do protestantismo. Não aparece o grande santo, a indignação popular não se produz, os mártires que a certa altura surgem não dão origem a milagres dessa natureza. Tudo ocorre de um modo menos brilhante, em que o sobrenatural aparece menos.

Como podemos explicar essa diferença? Dir-se-ia que era muito mais razoável que a Providência dispusesse favores extraordinários, quando a Cristandade estava mais necessitada. A heresia de Lutero tinha uma capacidade de expansão muito maior do que a heresia hussita, ao menos tudo leva a crer, porque a de João Huss foi esmagada e a de Lutero não foi.

Era o início da maior tragédia na História da Igreja, a expansão da Revolução religiosa pelo mundo.

Por que Deus parece abandonar sua Igreja?

Por que nessa ocasião Nossa Senhora não assistiu a Igreja com iguais milagres, com iguais maravilhas? Por que faltaram os homens providenciais? Por que, a partir do momento em que a Revolução eclodiu, os milagres e as manifestações do sobrenatural foram diminuindo? De outro lado, os grandes santos que aparecem vão rareando, e tem-se a impressão de um crepúsculo, de uma perda de força da Igreja, de uma potência em face da qual o inimigo faz o papel de um jovem, e a Igreja, que é eterna, divina, indestrutível, faz quase o papel de uma anciã.

Dir-se-ia que a Providência já não ama tanto a Igreja e não odeia tanto os maus. Qual é o fundo da explicação desses fatos?

Para quem considera as coisas à luz da Teologia da História, a explicação é muito simples: se os católicos daquele tempo fossem verdadeiramente católicos, se os que permaneceram fiéis à Fé católica a amassem como deveriam amar, essas coisas não aconteceriam.

Dois terços da Europa continuaram católicos, um terço ficou protestante. Se esses dois terços fossem constituídos de católicos fervorosos, o terço que ficou protestante não teria alcançado as vitórias que alcançou. E o protestantismo não poderia depois ter irradiado, se não os seus erros teológicos, pelo menos o seu espírito, sobre dois terços da Europa católica.

E como os católicos não reagiram contra as heresias como deveriam reagir, houve uma retração de graças da parte da Providência. E chegamos a esse paradoxo de que um erro parece tão forte e uma verdade parece tão débil.

A tibieza fecha as portas ao milagre

Mas é só isso?

A maldade dos inimigos da Igreja tem algo de comum com a tibieza dos filhos d’Ela. É a mesma raiz. Muitos católicos cedem habitualmente à mesma tentação. Cedem em graus diversos, de maneira diversa, mas a tentação é a mesma. E quando os filhos da Igreja são muito tíbios diante de um erro, os líderes desse erro em geral são péssimos. Por isso aquela época deu àquele erro uma adesão horrorosa.

Razão pela qual nós também nos encontramos numa situação em que o mal toma um vigor, uma pujança extraordinária. E a Providência não opera milagres, em parte para não jogar pérolas aos porcos, mas também porque o milagre não adiantaria.

Há muita gente que diante de um milagre não se converteria, absolutamente. Eles têm o estado de espírito que Nosso Senhor menciona naquela parábola do rico Epulão, o qual pede para voltar à Terra a fim de explicar a seus irmãos que eles não deveriam levar a má vida que ele levou, pois podiam ir para o Inferno; Deus, então, lhe diz: “Não adianta! Eles têm a Lei e os profetas e não se emendam.” E quem não se corrige com a Lei e os profetas, não se emenda com milagres também. Milagres não adiantariam.

Consideremos uma grande cidade de nossos dias, com uma população na qual a Fé já perdeu de tal maneira o terreno, que as pessoas verdadeiramente católicas constituem uma minoria. Se todos os habitantes dessa suposta cidade vissem o cadáver de um santo flutuando sobre as águas, das quais saíssem chamas, será que essa cidade fecharia seus lugares de perdição e faria penitência? Eu não acredito.

Um número muito pequeno de pessoas se impressionaria com isso, mas diria: “Ah, que curioso! Deve haver alguma explicação”. Mais nada!

No dia seguinte, por meio de um comunicado, os cientistas dão uma explicação, dizendo que foi jogada tal substância no rio, que formou um bolsão, etc. Pode sair qualquer coisa, porque quando querem negar o milagre, há explicação para tudo.

São esses estados de fechamento em que se põem certas civilizações, certos povos e que não têm solução.

Temos assim uma perspectiva na qual podemos encontrar a justificação para possíveis castigos que a Providência envie sobre a humanidade.

Isso é o que me ocorre dizer a respeito de São João Nepomuceno.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/5/1971)

1) Jo 14, 19.

Glorioso São José

A primeira das glórias terrenas de São José é a do homem recusado às portas das estalagens de Belém; a de se  refugiar num lugar ermo e ali ver nascer o Filho de Deus; a de ser um homem apagado, o “carpinteiro”, rejeitado por amor à justiça. A glória, exatamente, daquele que, enquanto comovedora prefigura, tomou sobre si as humilhações, a ignomínia, todo o peso do opróbrio que um dia recairiam sobre o divino Redentor.

São José

De todas as gloriosas palavras sobre São José, outras não dizem tanto quanto a simples afirmação de que foi esposo de Nossa Senhora e pai legal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois Deus, tão magnificiente no predestinar, modelar e cumular de graças a Mãe do Verbo Encarnado, se-lo-ia menos no escolher e formar o homem destinado por Ele a ser esposo dessa Virgem Mãe e pai jurídico desse Filho?

São José, nobre e virgem

São José teve de modo supereminente a nobreza e também a pureza que é a virtude mais conveniente a um nobre.

Nosso Senhor Jesus Cristo, ao morrer, quis entregar sua Mãe Virgem a um apóstolo virgem. Não teria querido também que Ela estivesse sob a guarda de um esposo virgem? Para ser esposo da Virgem das virgens, alguém poderia não ser virgem? É uma coisa verdadeiramente inconcebível.

Em São José brilhava a dignidade, a categoria, a largueza de visão, a segurança de um homem que é patriarca, rei e príncipe. E, ao mesmo tempo, o fulgor da virgindade. Um varão segundo o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/10/1966)

São José, modelo de confiança em meio à perplexidade

“Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José, filho de David, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados. (…) Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa” (Mt 1, 18-24).

Como nos mostra Dr. Plinio, nessa passagem do Evangelho transparece uma das eminentes virtudes de São José: sua inabalável confiança na superior vontade de Deus.

 

A grandiosa figura de São José sempre foi exaltada da maneira conveniente ao esposo de Maria Santíssima e pai adotivo de Jesus. Contudo, não será de todo supérfluo ressaltarmos uma faceta dessa luminosa alma, cujo brilho deve atrair de modo especial nossa admiração. Trata-se da heroica confiança por ele manifestada em decisivas ocasiões de sua vida ao lado de Maria e do Homem-Deus.

Voto de castidade e casamento

Como se sabe por fontes não inspiradas — as quais, entretanto, foram incorporadas pela Igreja na sua iconografia e na piedade popular — São José, por uma moção interna da graça, fizera voto de virgindade. Disposição esta que o afastava de uma existência matrimonial.

Ora, algum tempo depois, ele e outros varões da Casa de David são chamados a comparecer diante do Sacerdote a fim de participar da escolha de um esposo para Nossa Senhora. Reza a piedade católica que o eleito seria aquele cujo bastão florescesse miraculosamente. Para a surpresa de São José, em seu cajado brotaram lindos lírios brancos…

Assim, depois de a Providência incutir em sua alma os mais nobres desígnios de castidade perfeita, parece agora contrariá-los, realizando um milagre a fim de mostrar que ele deveria abraçar o casamento. Se nos colocarmos por um instante no lugar de São José, não será difícil compreendermos o dilacerante de tal perplexidade!

Deus estaria permitindo ao demônio ludibriar um desejo de castidade? Não era possível, pois tal anelo acendia na sua alma toda forma de bem. Deus queria seu casamento? Não podia admiti-lo, pois tal ideia, legítima e louvável para qualquer outro, nele determinava o fenecimento de tudo aquilo que o levava para o ideal, para a renúncia, enfim, para o perfeito amor a Deus.

Então, que caminho trilhar diante de duas vozes de Deus, diretamente contraditórias?

Dilaceração cruel. Entretanto, inteiramente submisso à vontade divina, confiando contra toda confiança, ele se dispõe a casar com Nossa Senhora.

Perplexidade das perplexidades

Os dois cônjuges, levados por mútuo desejo de perfeição, revelam um ao outro seu propósito de manter a virgindade perpétua. Imensa alegria, profunda compreensão das duas almas, e o mistério se resolve.

Por pouco tempo. Os meses passam e, num determinado dia, São José percebe que Nossa Senhora está esperando um filho. A dilaceração cruciante se lhe apresenta uma vez mais. Maria era tal que ele não podia duvidar de sua virtude. Mas, o fato era inegável, patente aos olhos de qualquer um. Como explicá-lo? Como não duvidar?

São José não duvidou. Foi embora. Preparou-se para abandonar o lar, pois não lhe ocorria outra solução.

Imagine quem possa a perplexidade na qual ele se abismava…

Mas, tratava-se de um varão tão confiante nos desígnios divinos que, no pináculo do seu drama, decidiu fazer as coisas de modo racional. Uma vez que partiria para uma longa viagem sem destino certo, devia estar bem repousado e munido de suficientes provisões de água e comida. Talvez terá preparado um meio de transporte animal, além de uma série de providências, em que cada coisa era um estrangulamento de sua alma. Mas, um estrangulamento tão pacífico, tão sereno, tão repleto de confiança que adormeceu sobre isso.

É interessante notar que o esposo castíssimo de Maria, embora se encontrasse na perplexidade das perplexidades, entretanto conseguia dormir. E quão mais belo o fato de ele ter dormido do que se permanecesse acordado, pois aquele terá sido dos sonos mais sublimes da História!

Em sonhos, a revelação do anjo

Com efeito, foi durante o repouso que ele recebeu em sonhos a revelação do anjo, anunciando-lhe que o Filho esperado pela Santíssima Virgem era o Verbo encarnado, concebido pelo Espírito Santo nas entranhas virginais de sua esposa.

Dir-se-ia que essa revelação encerrava um fator de certeza menor do que o oferecido a Nossa Senhora durante a Anunciação, uma vez que uma aparição feita em sonho pode não passar de simples sonho. Porém, devemos crer que tal manifestação do Céu tenha sido acompanhada de elementos de persuasão interna, os quais racionalmente não permitiam qualquer dúvida.

Assim, São José se tranquilizou, readquiriu a serenidade, não porque tivesse “tocado” no anjo (o qual, é claro, sendo puro espírito não pode ser apalpado), mas porque aquela explicação era talvez a única possível para o mistério diante do qual se achava. E esse homem de confiança heroica, deve ter feito o seguinte raciocínio: “Embora eu conheça as altíssimas virtudes de Maria, não tive a luz suficiente para imaginar que Ela fosse a Mãe de Deus. Porém, no sonho tudo se explicou, e agora vejo inteiramente confirmado tudo quanto me foi dado contemplar da personalidade d’Ela. Eis-me tranqüilo”.

Então, pode-se dizer ter sido São José mais bem servido pelo fato de o anjo lhe aparecer “em sonhos” e não quando estivesse acordado. Porque, ao raciocinar daquele modo, ele fez um ato de fé extremamente belo e de incomparável louvor a Nossa Senhora.

Encontro com a Santíssima Virgem após a aparição

É-nos dado conjeturar que São José não tenha acordado com a aparição do anjo, mas permaneceu em repouso até a manhã seguinte. Quando despertou, estava todo impregnado pela suavidade e esplendor da revelação recebida.

Como terá sido o primeiro encontro dele com Nossa Senhora depois desse fato?

Quiçá, tivera Ela conhecimento das palavras do anjo a São José e não se surpreendeu quando este se apresentou para Lhe manifestar seu preito de amor e veneração à futura Mãe de Deus.

Ambos se encontravam numa linda composição de situações. Admirando Nossa Senhora, São José pensava: “Eis minha esposa, tabernáculo de meu Deus”, e adorava o Verbo encarnado no seio puríssimo de Maria. Esta, por sua vez, durante a refeição, por exemplo, humildemente lhe perguntava se queria um pouco mais de ensopado…

A partir de então, o que se depreendeu é algo de tanta beleza que ultrapassa nossa pobre capacidade imaginativa.

Em meio às nossas incertezas, apelo a São José

Recordo, ainda, outra perplexidade à qual São José, em companhia de Nossa Senhora, viu-se exposto: a perda do Menino Jesus em Jerusalém.

São Lucas nos descreve o episódio, e da narração evangélica se conclui que Jesus não quis participar aos seus pais a decisão de permanecer na Cidade Santa. Resultado, Nossa Senhora e São José, aflitos, passaram três dias à procura do Menino, e finalmente o encontram no Templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os.

Considere-se o contraste dessa situação. Maria e José estavam no auge do abatimento quando entraram no Templo e acharam Jesus. Este, já com o uso da sua inteligência, discutindo com os sábios, causando assombro e admiração ao seu redor. Nossa Senhora e São José O viram e a angústia se transformou em alegria, em júbilo. Tanto mais que ambos estavam certos da inocência e da retidão do Homem-Deus, o qual teria tomado aquela atitude movido por altos desígnios.

Mas a perplexidade floresce na pergunta: “Filho, por que fizestes assim conosco?”

Uma indagação sem desconfiança, de quem deseja ser ensinado por Jesus. São José sofreu com aquela provação, assim como Nossa Senhora, porém manteve a confiança inabalável nas superiores disposições de Deus.

Creio não haver melhor modo de encerrar essas considerações senão recomendando que, em nossas dúvidas e perplexidades, quando nos sentirmos abalados na virtude da confiança, apelemos a São José, perfeito modelo de homem que soube confiar em meio às maiores provações.

Plinio Corrêa de Oliveira

São José, bem-aventurado entre os homens

Patriarca e Padroeiro da Igreja, São José era objeto de veneração e admiração profundas da parte de Dr. Plinio, quer por suas insignes virtudes, quer por ter sido escolhido para Esposo da Mãe de Deus e pai nutrício de Jesus. Admiração e veneração que Dr. Plinio procurava despertar também em seus discípulos, tecendo-lhes comentários como os transcritos a seguir, onde sobressaem os luminosos predicados da alma de São José.

 

Ao celebrarmos as excelsas virtudes de São José, talvez conviesse salientarmos, primeiramente, um aspecto da vida do glorioso patriarca pouco ressaltado nos comentários que sobre ele temos lido.

A glória de ter sido recusado

Refiro-me ao fato de ele, ao procurar um abrigo para Nossa Senhora prestes a dar à luz o seu divino Filho, ver que lhes recusavam lugar nas hospedarias de Belém. São José, Príncipe da Casa de David, nobre da família real ao mesmo tempo deposta e no seu apogeu, pois dela ia nascer o esperado das nações, bate às portas e é rechaçado.

Despedem a quem representava algo que a mediocridade de alguns homens sempre rejeitou, ou seja, a distinção, a majestade, enfim porque simbolizava a grandeza e a sublimidade do próprio Verbo Encarnado que Maria Santíssima trazia consigo.

Foi esta a primeira glória de São José, sua especial bem-aventurança de ter sido recusado no momento mais augusto da História. Nesse sentido, prenunciava em sua pessoa a renúncia tão mais acerba que Nosso Senhor Jesus Cristo sofreria mais tarde, culminando na crucifixão e morte no Calvário.

Sucessivas glórias e bem-aventuranças

Logo depois, teve São José a glória de conduzir Nossa Senhora aos arredores de Belém, e de com Ela se refugiar num lugar ermo, numa gruta que servia de habitação aos animais. Ali A acomodou e ali esteve, por amor à virtude, sozinho e abandonado dos outros homens. Ali também foi-lhe dada a suprema dita de presenciar o nascimento do Salvador.

A partir de então podemos dizer que as glórias se acumulam sobre São José, mas — oh! paradoxo! — quase todas negativas. Por exemplo, a de ser um homem apagado, do qual não se fala, ou a ele se referem com menosprezo. “Este (diziam os que motejavam de Nosso Senhor) não é filho daquele carpinteiro? Um filho de mero carpinteiro não pode ser Deus”. O que significa tomar São José como um fator de descrédito para o próprio Messias.

Os evangelistas são lacônicos ao mencionarem a figura do pai do Menino Jesus. Sobre ele pouco se sabe. Transparece nesse quase anonimato a glória daquele que padeceu, previamente, as humilhações e todo o peso da renúncia que devia cair sobre Nosso Senhor.

Bem-aventurado São José, que sofreu por amor à justiça, assim como bem-aventurado porque nele se cumpriam todas as bem-aventuranças que o Divino Mestre enumerou no sermão da montanha. Varão bem-aventurado entre os homens, abaixo do próprio Jesus e de Maria Santíssima, limpo de coração como nenhum outro, porque esposo virginal da Virgem por excelência.

Único homem à altura de Maria

Esposo de Nossa Senhora! Todos os louvores e exaltações, todas as enaltecedoras palavras sobre São José não podem dizer tanto quanto a simples afirmação de que ele foi o esposo de Maria e o pai adotivo do Menino Jesus.

Compreende-se que a Divina Providência, ao eleger a mãe do Verbo Encarnado, adornou-a de qualidades e atributos insondáveis inerentes a tão excelsa prerrogativa. Donde excederem a toda capacidade de intelecção humana o conceber os limites desses atributos e qualidades existentes na pessoa de Maria Santíssima. Ela é, inconteste, a mais perfeita dentre as simples criaturas. Se tomarmos a soma das excelências de todos os anjos e de todos os homens que já existiram, existem e existirão na face da Terra, não teríamos sequer pálida ideia da perfeição da Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ora, então pergunta-se: se Deus foi tão magnificente no predestinar e modelar a mulher que daria ao mundo o Salvador, e em cumulá-la das mais preciosas graças, seria Ele menos pródigo no escolher o homem que deveria ser o esposo dessa Virgem e dessa Mãe?

Evidentemente não. Um homem tinha de ser considerado proporcionado a essa esposa: por seu amor a Deus, pela sua justiça, pureza, sabedoria e todas as demais qualidades. Esse homem, escolhido por tal adequação à pessoa de Nossa Senhora, foi São José.

Proporcionado ao Filho

Em segundo lugar, o pai deve ser proporcionado ao filho. E só nesse aspecto a grandeza de São José se nos apresenta indizível. Cumpria que o homem escolhido para tal missão a desempenhasse com incomparável dignidade, e assumisse a posição de verdadeiro pai do Redentor, mostrando-se à altura d’Ele. São José foi este homem. Estava na proporção de Jesus Cristo, assim como estava na proporção de Nossa Senhora.

Para formarmos alguma ideia do que representa essa maravilhosa condição de pai e protetor do Verbo Encarnado, pensemos, por exemplo, nas imagens de Santo Antônio que se veneram em certos altares: o santo traz em seu braço o Menino Jesus, e para este dirige um olhar embevecido, repassado de uma felicidade imensa porque, em razão de um milagre, teve o Filho de Deus em seus braços durante alguns instantes. E nós, do nosso lado, fitamos a imagem igualmente embevecidos, exclamando em nosso interior: “Feliz Santo Antônio, ao qual foi dada essa honra inefável de carregar o Menino-Deus”.

Ora, quantas vezes São José terá conduzido o Divino Infante em seus braços? Dias, meses, anos ele O viu crescer, rezar, praticar todos os atos de sua vida comum.Ouvi-O, e teve, ele mesmo, os lábios suficientemente puros e a humildade suficientemente grande para fazer essa coisa formidável: responder a Deus, dar ao Menino os conselhos que Este lhe pedia, sabendo que era a criatura aconselhando o Criador…

Vemos, então, essa glória única de São José, a de ser o homem capaz de governar a Sagrada Família, de cuidar das necessidades terrenas de Nossa Senhora e de Jesus Cristo, inteiramente adequado e proporcionado à altura dessa dignidade.

Modelo de devoção mariana

Devemos acrescentar a tais excelências essa outra: São José é o modelo do devoto mariano. Com efeito, ninguém representa melhor a devoção a Nossa Senhora do que o homem escolhido para ser seu esposo, aquele que — podemos imaginar — A contemplava continuamente, admirando-A nos seus gestos e nas suas palavras, haurindo dessa contemplação ricas lições de sabedoria, recebendo a propósito dela graças extraordinárias, e a todo momento conformando sua alma à d’Ela.

Por isso mesmo, além de perfeito devoto de Nossa Senhora, São José é também o modelo do espírito contemplativo, do espírito afeito ao cultivo da vida interior, para o qual elevar-se às altas cogitações e considerar todas as coisas em função de Deus constitui a genuína felicidade de sua existência. Glorioso São José, modelo de sabedoria, de força, de pureza.

A verdadeira face de São José

Concluo esses comentários com uma ponderação colateral, porém a meu ver oportuna.

Não raro nos deparamos com gravuras e imagens que representam São José com um perfil moral muito aquém de todas essas excelsas qualidades e virtudes que acima salientamos. Donde me parecer não devermos aceitá-las como legítimas manifestações da verdadeira personalidade do pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Creio que, para se ter alguma ideia do semblante espiritual de São José, seria preciso deduzir, à maneira de suposição, o caráter de um homem que esteve à altura de ser o pai d’Aquele cuja Sagrada Face está estampada no Santo Sudário de Turim. Quer dizer, o homem que foi o educador, o guia, o protetor do senhor daquele rosto impresso no sudário; um homem que foi da mesma linhagem, parente e esposo da Mãe d’Ele.

Conceber algo menor que isso é não ter ideia da extraordinária figura de São José, modelo de fisionomia sapiencial porque consorte da Sede da Sabedoria, do Espelho da Justiça, Maria Santíssima. Modelo de fortaleza, porque pai do Leão de Judá, Nosso Senhor Jesus Cristo.

A este verdadeiro São José devemos elevar nossas preces, rogando-lhe interceda por nós junto à Virgem Santíssima e a seu Divino Filho, e nos alcance a graça de o imitarmos nas suas magníficas virtudes.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 19/3/1966 e 18/3/1967)

Nobreza e lógica de São José

Amor à hierarquia e espírito lógico são características fundamentais do contrarrevolucionário. Dr. Plinio analisa as razões pelas quais São José pode e deve ser cultuado enquanto nobre, e louva a lógica, levada até o heroísmo, do Patrono da Santa Igreja.

 

O texto que pretendo comentar é tirado do capítulo VII do livro “Suma dos dons de São José”, do Padre Isidoro de Isolano, dominicano do século XVI, um dos primeiros teólogos católicos a atacar Lutero. É de longe o mais importante Doutor da Teologia sobre São José. Esta ficha parece conter dados muito interessantes a respeito deste Santo e o espírito da Contra-Revolução.

Carpinteiro e príncipe da Casa de Davi

Não está muito conforme com os mistérios das Sagradas Letras essa nobreza de sangue tão louvada em São José.

Aqui o autor cuida de São José enquanto nobre de sangue. Ele era, ao mesmo tempo, trabalhador manual, carpinteiro e, como tal, pertencente — ao menos do ponto de vista econômico — à camada mais modesta da sociedade. Mas, de outro lado, descendia do Rei Davi e de toda uma linhagem de reis de Israel.

A Casa de Davi decaiu e, com o tempo, perdeu o trono e afastou-se do poder. Seus membros continuaram a morar em Israel, mas essa Casa era cada vez menos influente, menos poderosa e menos rica. A tal ponto que quando, afinal, da raça de Davi nasceu Aquele que, na intenção de Deus, era a razão de ser da raça, Nosso Senhor Jesus Cristo — a esperança e a alegria de todo o povo, e que deveria ser um filho de Davi —, a Casa de Davi estava no auge de sua decadência.

E São José era um trabalhador manual, um mero carpinteiro. É bem verdade que, nessas sociedades muito rudimentares, as classes sociais e econômicas não se diferenciam de um modo absolutamente tão nítido quanto nas sociedades mais desenvolvidas; e nem sempre é um sinal de muita decadência econômica o fato de a pessoa ter pertencido a uma grande família e passar a exercer um trabalho manual.

Conheço zonas do interior do Brasil, por exemplo, em que das grandes famílias do lugar há gente que é, por exemplo, chauffeur de praça, carregador da estação, ou algo análogo, mas que se casa com ramos mais ricos da família e, depois, ascende novamente na escala social.

Portanto, essa situação de São José não queria dizer necessariamente tanta prostração quanto seria a de um descendente de reis que chegasse a ser, hoje em dia, trabalhador manual. Mas ao menos se pode afirmar que era, na ordem econômica das coisas, o mínimo que uma pessoa pode ser.

Então, São José pode e deve ser cultuado enquanto operário, mas também enquanto príncipe da Casa de Davi. É por essa razão que, falando a respeito dele, o Papa Leão XIII, um dos Pontífices que mais inculcaram a devoção a São José, disse taxativamente que este Santo deve ser cultuado não só como modelo do príncipe, mas também como o modelo, o ânimo, o estímulo de todos aqueles que pertencessem a grandes linhagens decadentes; para que essas pessoas compreendam como, pela virtude, pela fidelidade a Deus, podem erguer-se ao mais alto grau da santidade e realizar esplendidamente os desígnios da Providência sobre elas.

Argumentação tomista

O Padre Isidoro de Isolano está analisando, precisamente nesse capítulo, São José enquanto aristocrata. Então, escreve ele: São José foi eleito para conhecer a verdade do Verbo de Deus. São Paulo disse: “Não há, entre vós, muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Antes escolheu Deus a estultice do mundo para confundir os sábios, e a fraqueza para confundir os fortes” (1Cor 1, 27). Logo, não se deve louvar a nobreza de São José, escolhido por Deus.

Percebe-se que o autor adota o método de São Tomás de Aquino. Ao tratar desse tema, o Doutor Angélico perguntaria, por exemplo: “Deve ser São José louvado também enquanto nobre?”

Então ele daria, em primeiro lugar, as razões pelas quais parece que não deve. Citaria um, dois, três argumentos negativos. Depois apresentaria os argumentos positivos, como quem faz um cálculo de conta corrente: tem o débito e depois o crédito. Por fim, tira a conclusão: Se tais são os argumentos pró e tais os contra, como responder? Então ele refuta os argumentos da tese que ele quer refutar, faz alguma grande citação em abono da ideia dele — sobretudo citações da Sagrada Escritura — e depois tira a conclusão. É o método lógico perfeito.

Nota-se, então, que o Padre Isidoro adota esse mesmo processo. Começa por dar os motivos pelos quais não se deve louvar a nobreza de São José. E aqui está uma razão tirada de São Paulo que, dirigindo-se aos primeiros católicos, diz: “Entre vós não há muitos que sejam cultos, nem nobres, nem poderosos de acordo com o mundo. Mas desde que sirvam a Deus, isso basta.” Então, daí se tira um argumento contra a nobreza, a cultura, o poder, que são coisas sem importância e não devem ser louvadas. É o primeiro argumento, que depois ele vai rebater. E continua:

Isso mesmo se confirma com a autoridade da Glosa sobre essas palavras do Apóstolo: “O Deus humilde veio a buscar os humildes e não os poderosos, entre os quais são considerados os nobres pelos mortais.”

Esgrima da inteligência

No século XVI os nobres eram considerados poderosos. Na reviravolta das coisas de hoje, um diretor de sindicato é, o mais das vezes, mais poderoso do que um duque. Então, ele diz: “Se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo, ao encarnar-Se, não veio procurar os poderosos — os nobres, portanto —, não há importância em ser nobre. Logo, não se deve louvar São José enquanto nobre.”

E passa adiante:

A humildade de Deus foi extrema na Encarnação. Mais humilhação era escolher um pai putativo pobre do que um nobre. Logo, não deve elevar-se a nobreza de São José. A argumentação está muito bem desenvolvida. Nosso Senhor Jesus Cristo veio para Se humilhar. Por isso escolheu um pobre como pai putativo, isto é, a quem se atribui a paternidade, mas que não era o verdadeiro pai. Então, não tem importância que esse pobre seja nobre. Nosso Senhor também não olhou para isso, mas apenas para o lado da pobreza. Portanto, ser nobre não vale nada.

Continua o autor: A nobreza não parece ser outra coisa senão a antiguidade das riquezas, como disse Aristóteles. E José, pobre até o ponto de ter que exercer o ofício de carpinteiro para ganhar o pão de cada dia, não podia gabar-se de ser nobre.

O argumento também é interessante. Diz ele que, segundo Aristóteles, a verdadeira nobreza é ter uma fortuna muito antiga. Quem tem uma fortuna que passou por várias gerações, esse ficou nobre. Ora, São José não tinha nenhuma fortuna e, portanto, já não era nobre. Logo, não era o caso de louvar a nobreza dele.

Esses argumentos parecem-me muito bem feitos, o autor sabia objetar bem. Deve fazer parte da destreza do nosso espírito que apreciemos esse florete da argumentação, gostemos de ver argumentos feitos ainda que sejam contra nossas teses para, depois, dar a nossa resposta. É como uma esgrima. Muito mais alta e mais bela do que a esgrima da espada é a esgrima da inteligência. Aqui estão quatro estocadas bem desferidas contra nós. Vamos ver, agora, como o nosso bom padre responde a essas estocadas.

Descendente de rei, de sacerdote e de profeta

Para solucionar essa dificuldade, tenha-se em conta que a nobreza humana pode considerar-se em sua causa, em sua essência e em sua ação.

Está muito bem lançado! Para responder, começar por ver o que é a nobreza, para depois desencaixar daí os argumentos contrários. E, para saber o que é a nobreza, ela deve ser considerada em sua causa, em sua essência e em suas ações, ou seja, no que a causou, no que ela é e no que ela causa. Está perfeito. Não falta nada!

Considerando-a em sua causa, é a nobreza de origem, no que foi singularíssimo São José, pois tem sua origem numa tríplice dignidade: corporal, espiritual e celeste. Ou seja, uma dignidade real, sacerdotal e profética, que é celestial, pois predizer o futuro é só de Deus. Davi foi rei, Abraão foi patriarca, Natã, profeta, e os três foram antepassados de São José.

Ao analisar a causa da nobreza de São José, o Padre Isidoro explica que ele descende de varões dignos a três títulos diferentes: segundo o corpo, por ser descendente de rei; conforme o espírito, por descender de estirpe sacerdotal; segundo as coisas sobrenaturais, porque era descendente de profeta.

Ora, descender de rei, de profeta e de sacerdote confere a mais alta nobreza que uma pessoa possa ter. É esplendidamente bem argumentado.

Que relação há entre rei e corpo? O rei é o chefe do Estado. O Estado cuida, entre os homens, daquilo que diz respeito ao corpo.

O sacerdote faz para a alma o que o Estado realiza para o corpo. Ele cuida das coisas da alma, do espírito.

O profeta é o representante de Deus, o porta-voz da palavra do Altíssimo. Sobretudo quando se trata do profetismo oficial, de um homem mandado por Deus e cuja missão era garantida com milagres, e que falava oficialmente em nome do Criador, como o embaixador fala oficialmente em nome de seu rei. Evidentemente isso é uma altíssima situação, uma altíssima missão.

São José tinha, portanto, as três causas mais altas de nobreza, representativas de três aspectos da vida do homem: o aspecto material, o espiritual e a representação de Deus. É muito bem tratado, superiormente inteligente.

Vejamos agora o que ele diz sobre a essência.

Varão justo, esposo da Rainha do Céu e pai nutrício de Jesus

São José era nobre em sua essência, quer dizer, na sua própria pessoa, porque encontramos nela tríplice nobreza: ele foi justo em sua alma, alcançou a dignidade de esposo da Rainha do Céu e teve ofício de pai nutrício do Filho de Deus.

Consideremos que aquele fotógrafo, Antony Armstrong-Jones, que se casou com a Princesa Margaret, irmã da Rainha Elizabeth da Inglaterra, antes do casamento foi elevado à dignidade de Conde de Snowdon, porque para se casar com a irmã da Rainha tem que ser nobre.

Mas que pouca coisa é ser casado com a irmã da rainha, em comparação de ser esposo da Mãe de Deus! Se isso não constitui nobreza, e se o homem que se casou com a Mãe de Deus não é nobre, então não há nobreza na Terra! O estado dele é, por definição, nobiliárquico.

Nossa Senhora é Rainha do Céu e da Terra, não por uma alegoria, uma imagem, mas Ela o é efetiva e autenticamente. Se a Rainha Elizabeth fosse católica e reconhecesse, portanto, a realeza da Santíssima Virgem, ela, aparecendo diante de Nossa Senhora, teria que se ajoelhar e colocar a coroa dela aos pés da Mãe de Deus. Porque onde Nossa Senhora está ninguém é rei, ninguém é rainha. Somente Ela é a Rainha e tem todo o poder. Os reis e as rainhas não são senão os representantes d’Ela. Nossa Senhora é que manda, porque todo o poder que Deus tem sobre o universo, Ele deu a Ela. Maria Santíssima é a Rainha de todo o universo. Ora, aquele que se casa com a Rainha de todo o universo é nobre, evidentemente.

Notem a coisa interessante: antes de mencionar a nobreza de São José como fidalgo casado com Nossa Senhora, o autor refere a nobreza de São José porque ele era justo, um varão virtuoso que vivia na graça de Deus.

Temos aí uma tese muito interessante em matéria de nobreza. Aos olhos dos homens, um nobre pode valer mais do que um plebeu, porque não está escrito na fronte de ninguém se ele está ou não na graça divina. Mas, aos olhos de Deus, o plebeu em estado de graça vale incomparavelmente mais do que o nobre que esteja em estado de pecado. Quer dizer, o primeiro foro de nobreza é a graça de Deus. É uma coisa evidente.

De tal maneira que no Reino de Maria, se houver uma nobreza, sou da opinião de que os nobres que vivam oficial e publicamente em estado de pecado percam a nobreza. Mas, depois, o Padre Isidoro diz bem: São José não foi apenas o esposo de Nossa Senhora, mas também o pai nutrício do Menino Jesus. Ora, ser o pai nutrício do Filho de Deus é a mais alta honra a que um homem possa chegar, depois da honra de ser a Mãe do Filho de Deus, que é, evidentemente, maior.

Mais do que governar todos os reinos e impérios do mundo

Também em suas obras ele deu provas, ao mundo inteiro, de uma singular nobreza, pois recebeu em sua casa o Salvador do mundo, conduziu-O são e salvo através de vários países, serviu-O e alimentou-O durante muitos anos com seus trabalhos e seus suores.

Quer dizer, ele não só foi nobre porque se casou com Nossa Senhora, mas porque Deus o investiu na mais alta função de governo que possa haver na Terra, abaixo de Maria Santíssima. Exercer uma alta função de governo, de acordo com os conceitos da sociedade tradicional daquele tempo, nobilitava, conferia nobreza. Ora, ser o pai do Menino Jesus, governá-Lo, bem como a Nossa Senhora, é mais do que governar todos os reinos e impérios do mundo. Isso não lhe veio só do casamento; Deus o escolheu para essa tarefa. Compreende-se a nobreza excelsa que lhe vinha disso, evidentemente.

Esses são os novos raios que emite a nobreza do santíssimo José, tornando-a mais resplandecente que o mesmo Sol.

Seguindo, como dissemos, o método de São Tomás, o Padre Isidoro deu os argumentos contra a tese que ele ia sustentar; depois defendeu a tese e apresentou os raciocínios a favor dela. Agora ele vai destruir os argumentos contrários à tese por ele sustentada.

A humildade é o melhor ornamento da nobreza

Respondendo à primeira dificuldade: São Paulo se refere aos pregadores que levariam a Fé ao mundo, que deviam ser de origem humilde e simples, para que não se atribuísse ao seu poder e sabedoria a dignidade das maravilhas que obrava a graça de Deus, mediante o ministério deles; restando daí glória à Cruz de Cristo. Por isso lhes disse a Glosa: se não houvesse um honrado pescador, teríamos poucos pregadores humildes.

O pensamento é o seguinte: era natural que entre os primeiros católicos houvesse poucos nobres, e daí não se tira nenhum argumento contra a nobreza. Porque se entre os primeiros católicos existissem muitos nobres, muitos poderosos, muitos ricos, dir-se-ia que o Evangelho conquistou toda a Terra por causa do prestígio desses homens. Ora, não foi isso. Não houve nem nobres, nem sábios, nem poderosos, nem ricos. Foram homens simples que conquistaram. Donde o milagre fica patente. E não é porque a Providência não gostasse da nobreza, ou não lhe desse valor, mas foi para glorificar mais especialmente a Deus que foram escolhidos homens de uma condição modesta para esse primeiro passo. Está muito bem argumentado.

Agora, outra razão: Mas não era apropriado que o Rei dos reis convivesse na intimidade com quem não era nobre nem de espírito nem de sangue. Não era razoável que Aquele a Quem servem milhões de Anjos, escolhesse por pai a quem não fosse nobre de linhagem; nem tampouco que a Virgem escolhida por Mãe, a Quem admiram os moradores da Jerusalém celeste, fosse desposada por um homem de origem plebeia.

[…]

…sabemos que a humildade não é incompatível com a nobreza, mas que, pelo contrário, é o seu melhor ornamento; pois, quanto maior é uma pessoa, tanto mais deve humilhar-se em tudo. Deus ama singularmente os humildes. Assim disse a Santíssima Virgem: “Porque Ele olhou a humildade de sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48).

Tanto é verdade que a grandeza e a humildade não se excluem, que em Nosso Senhor tiveram uma aliança admirável.

O Magnificat

Foi [Nosso Senhor] pobre em bens de fortuna, mas não na excelência de sua Pessoa, que é o verdadeiro fundamento da nobreza.

Está muito bem argumentado. De fato, Deus ama eminentemente a humildade, porém esta não é uma virtude exclusiva dos plebeus; é também dos nobres, pois é a virtude dos grandes e dos pequenos.

A humildade é a verdade. É humilde aquele que, olhando para si, reconhece a verdade a seu respeito, contenta-se com o que é, não quer ser mais nem menos, porque Deus Nosso Senhor, que manda nele, o colocou na posição que ele tem. Por isso uma pessoa pode ser muito humilde, embora seja de altíssima categoria.

O autor cita exatamente as palavras do Magnificat. Porque olhou a humildade de Nossa Senhora, todas as gerações A chamarão bem-aventurada. Quer dizer, colocou-A no ápice porque era humilde, tinha a respeito de Si uma ideia perfeitamente precisa. Se a grandeza fosse incompatível com a humildade, colocando Nossa Senhora em tal excelsitude, Deus Nosso Senhor A teria impedido de ser humilde. Ora, Ela foi humilde até o fim da vida, sendo a maior das meras criaturas. Logo, entre grandeza e humildade não há incompatibilidade. É um argumento que não permite resposta. É perfeito.

Formas de grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo

Terceiro argumento:

Constatamos que a Encarnação revelou a suprema humildade de Deus:
1º- O revestir-Se da carne humana. “Ele Se aniquilou, tomando a forma de servo” (Fl 2,7).
2º- Por sua humilde vida. “Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29).
3º- Pelas terríveis dores de sua Paixão. “Olhai e vede se há dor comparável à minha dor” (Lm 1,12).

Contudo, nem sempre apareceu no exterior com a mesma humildade; mas, pelo contrário, mostrava sua grandeza quando convinha. Assim vemos que Ele ensinou com autoridade, fez milagres e ressuscitou vitorioso dentre os mortos.

Também está muito bem argumentado. Afirma o autor: tanto é verdade que a grandeza e a humildade não se excluem, que em Nosso Senhor tiveram uma aliança admirável. Ninguém na vida foi mais humilde do que Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ninguém teve grandeza maior do que a d’Ele.

E ele indica três formas da grandeza do Redentor. O ensinamento de Nosso Senhor; ensinar é um atributo da grandeza. Mostra, de outro lado, o seu poder de fazer milagres, a ponto de ressuscitar mortos; é manifestar uma grandeza que ninguém tem. Quando qualquer potentado da Terra, no auge de seu poder, ressuscitou um morto? Só Deus o pode fazer. Mas, terceiro, ressuscitou-Se a Si próprio, o que é um milagre ainda muito maior. Porque, estando morto, ressuscitar-Se a Si próprio é uma grandeza que desafia qualquer palavra. Então, Aquele que foi o mais humilde de todos foi o maior; logo, a humildade não é incompatível com a grandeza. Não há o que dizer! Está perfeitamente respondido.

Mais ainda: a humilhação de Deus na Encarnação não teria sido maior por escolher um pai de origem humilde; foi extrema a humilhação e nada poderia acrescentar-se à humildade que supõe revestir a divindade da natureza humana.

Ele quer dizer o seguinte: falar que Nosso Senhor Se humilhou muito, sendo filho de operário, é uma coisa inteiramente secundária. A humilhação verdadeira d’Ele, sendo Filho de Deus, foi consentir em ficar homem. Diante disso o resto é inteiramente secundário.

Nobreza “en sommeil”

Por último, foi pobre em bens de fortuna, mas não na excelência de sua Pessoa, que é o verdadeiro fundamento da nobreza, como já foi declarado. Além disso, ele careceu do supérfluo, mas não do necessário. Nem tampouco se opõe à nobreza o ganhar o pão com o suor de sua fronte, pois o trabalho evita a degradação, e ninguém pode glorificar-se da nobreza se não souber cobrir suas necessidades com o trabalho de suas mãos. A natureza, que dá essa nobreza aos homens, aborrece a ociosidade, combatendo-a com todas as suas forças. E assim dizia Aristóteles: “Todo o que trabalha ordena sua operação ao obrar”. O trabalho tem a si mesmo por seu próprio efeito; e também Deus e a natureza nada fazem inutilmente.

O princípio que o autor desenvolve aqui é muito interessante. Ele diz que o trabalhar com as próprias mãos de si não destrói a nobreza, porque não há uma incompatibilidade radical da nobreza com o trabalho manual; este não é uma vergonha, não é um pecado. Um nobre pode estar reduzido à condição de trabalhador manual e, com isso, não perde a sua nobreza. Ele pode readquirir, de futuro, a sua posição, porque não fez uma ação vexatória, criminosa. São José foi assim. O que ele fez com seu trabalho manual foi tudo quanto havia de mais nobre e de mais alto e, por causa disso, não se pode dizer que ele tenha desmerecido a nobreza de seus antepassados, trabalhando manualmente.

Certa ocasião li um livro sobre a nobreza no qual o autor mostrava que, em determinadas regiões da Europa, havia essa delicadeza de alma: quando um homem de uma família nobre perdia a fortuna e era obrigado a trabalhar com suas próprias mãos, não se afirmava que ele tinha perdido a nobreza, dizia-se que sua nobreza estava “en sommeil” — a expressão é muito bonita: em estado de sono —, e que ela despertaria no dia em que suas condições materiais lhe permitissem viver no estado nobre. É um infortúnio, ele ficou pobre, está trabalhando, mas não está fazendo nada degradante.

É verdade que para um homem que se tornou, por exemplo, copeiro não é próprio dizer para ele: “Alteza, traga-me um copo d’água!” A nobreza dele entrou num estado de sono; ela está como que dormindo dentro dele. Mas, as circunstâncias melhorando, a nobreza dele refloresce.

O Padre Isidoro de Isolano aplica isso à nobreza de São José. Perfeitamente bem pensado, bem concluído, bem articulado.

Alegria proporcionada pelo raciocínio

Enquanto eu desenvolvia o pensamento desse sacerdote a respeito de São José, notei como as expressões fisionômicas dos ouvintes indicavam adesão e satisfação, não apenas pela tese sustentada por ele, mas também por verem a agilidade de sua argumentação.

Permitam-me, nesta reunião um pouco mais íntima, tratar de algo à margem do tema.

Aqueles que sentiram algum contentamento em ouvir a argumentação desse padre tiveram um prazer por onde se esqueceram, por alguns instantes, das preocupações e dos aborrecimentos da vida de todos os dias; experimentaram certa serenidade, certa tranquilidade.

Façamos uma comparação entre a alegria que dá a torcida e a proporcionada pelo raciocínio, com essa serenidade da alma, quando o homem está no estado de repouso, de distensão, e acompanha o passo majestoso e cadenciado dos argumentos que se seguem uns aos outros como uma bonita parada; em que ele aprecia o gume de cada arma da lógica, e tem esse prazer soberano de ver a arma da lógica entrar no corpo, na carnatura do erro e fender.

O argumento que, como o bisturi de um médico excelente, entra e talha, corta o tumor e o organismo respira satisfeito. Magnífico! O mal ficou inutilizado, prostrado, arrasado.

Assim faz a lógica clara, precisa, elegante, que como um Anjo dardeja um raio sobre o erro e o liquida. Vemos o erro ser apresentado com todos os seus enfeites, mas depois surge a lógica e o joga ao chão com uma sapecada certa, um golpe certeiro.

Esse elogio da lógica seja feito em homenagem a São José, tão lógico, tão coerente, que levou a lógica ao verdadeiro heroísmo durante a sua vida.

Uma calma que só os homens lógicos possuem

Qual foi um lance da vida de São José em que ele levou a lógica até o heroísmo? Foi aquele episódio muito conhecido, quando ele viu que Nossa Senhora tinha concebido um filho do qual ele não era pai. O Evangelho trata disso. Então, ele ficou colocado diante de uma situação absurda. Maria era evidentemente santa, e ele não podia disso duvidar, porque a santidade d’Ela reluzia de todos os modos possíveis; de outro lado, estava criada uma situação que ele não conhecia, mas com a qual ele não podia conviver.

Ao invés de denunciá-La, como mandava a lei hebraica, ele saiu com a única solução lógica: “Quem está demais nessa casa, não é essa Mãe, que é a dona e rainha desse lar; nem o filho que Ela concebeu. Alguém está demais, mas esse alguém sou eu. Vou abandonar a casa e sumir; porque não compreendo esse mistério, mas contra ele não me levantarei. Passarei meus dias longe, venerando o mistério que não entendi.”

Resolveu, então, fugir da casa, deixando Nossa Senhora com o fruto de suas entranhas. Ele tinha que abandonar o maior tesouro da Terra, a Virgem Maria, o que para ele representava um sofrimento inenarrável, inimaginável.

O Evangelho nos conta que ele estava dormindo quando apareceu um Anjo e lhe deu a explicação. Quer dizer, antes desse lance tremendo, São José dormia. Ele ia viajar e tinha que se preparar por meio do repouso para essa viagem. E foi durante o sono que o Anjo veio e lhe explicou tudo. Ele continuou a dormir. Vejam a calma dele! Essa calma só os homens lógicos têm. De manhã, acordou e a vida continuou normalmente. Suma normalidade, suma coerência, suma lógica!

Em louvor dessa lógica de São José, fica este rápido comentário.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/3/1976)