Santo Estêvão, Rei Apostólico

Assim como cada indivíduo, também o Estado deve praticar os Dez Mandamentos. Ele existe, antes de tudo, para servir à Igreja e favorecer o Reino de Deus. Esse princípio foi praticado eximiamente por Santo Estevão, e constitui o fundo das concepções políticas de Dr. Plinio.

Santo Henrique, Imperador do Sacro Império Romano Alemão, se interessou pela conversão do povo húngaro, e destinou para isso a sua irmã Gisela, cujo casamento ele promoveu com o rei pagão daquele povo. Pela ação de Santo Henrique, da Rainha Gisela e de pregadores santos que foram para a Hungria, foi possível converter o rei, e com a conversão dele se tornou mais fácil a conversão dos húngaros. Este rei foi Santo Estêvão.

O enorme império dos maometanos

A Hungria passou a ser um baluarte da Cristandade no Ocidente. Nação de um papel muito importante, porque o que são hoje os comunistas para a Cristandade de nossos dias, para a Cristandade até começo do século XVIII — certamente desde o século VII até o século XVIII, portanto, mais de mil anos — foram os maometanos.

Estes, que eram na sua maioria árabes, também conseguiram trazer para seus erros os turcos. Os maometanos ocupavam a metade do litoral mediterrâneo. Além de todo o Norte da África, chegaram a conquistar durante algum tempo quase toda a Espanha, parte da França até Poitiers e grande parte de Portugal. Posteriormente, no Oriente Próximo, eles ocuparam os Lugares Santos, tomaram Constantinopla e algumas zonas territoriais adjacentes, chegaram até a Albânia, a qual, ainda hoje, é mais ou menos maometana. Isso formava, então, um império enorme.

O Mediterrâneo, considerado naquele tempo o centro do mundo — Mediterrâneo, “no meio da Terra” —, estava dividido, portanto, em dois blocos: um grande bloco católico, que tomava todas as nações da Europa, também a Espanha depois que ela foi reconquistada; e o maometano, que abrangia o Norte da África, regiões da Ásia e uma parte dos Bálcãs. Os dois blocos estavam numa contínua guerra de caráter religioso, numa constante fricção.

E os pontos de ataque mais frequentes foram, nos dois extremos de Europa: a Península Ibérica, onde está a Espanha e Portugal e, de outro lado, a Hungria. Os maometanos subiam em hordas, a partir de Constantinopla, e o intuito deles era de chegar à Hungria, depois até a Áustria, tomar Viena e posteriormente descer à Itália para ocupar a Sé de São Pedro.

O Imperador Bajazet, que foi talvez o mais famoso dos chefes maometanos, dizia que ele queria fazer o seu cavalo comer no altar de São Pedro, como numa manjedoura. E os povos que aguentavam, do lado do Ocidente, a invasão maometana eram o espanhol e o português, que se tornaram famosos por causa de seu heroísmo.

Um povo-baluarte

Não focalizamos bastante o papel que tinham nesse ponto os húngaros. Estes, precisamente, suportavam a pressão maometana, para defender o Ocidente na Europa oriental, do outro lado do alicate, ou da tenaz maometana. E com batalhas heroicas, guerras, santos lutando do lado deles, com milagres, etc., algo que pode legitimamente ser comparado, nos seus pontos altos, ao heroísmo dos espanhóis e portugueses contra os maometanos.

A conquista desse povo-baluarte, ao qual a Europa deveu em grande parte a sua integridade contra as investidas maometanas, e que também soube resistir muito bem ao protestantismo — a Hungria era uma nação de fortíssima maioria católica, apenas uma parte dela passou para o protestantismo —, a conversão dos húngaros teve, portanto, uma série de consequências para a História do Ocidente, para a História da Cristandade.

Tudo começou com a conversão de Santo Estêvão e se consolidou com o reinado de Santo Américo, filho de Santo Estêvão e educado por ele.

Tudo quanto diz respeito e esses primórdios da Cristandade na Hungria nos deve interessar profundamente. Então, comentarei uma ficha(1) que nos fala do modo pelo qual Santo Estêvão instruiu seu filho, Santo Américo, na arte de governar.

”Ninguém deverá aspirar à realeza se não for católico fiel”

Santo Estêvão deixou para seu filho, Santo Américo, uma instrução em dez artigos, sobre a maneira de bem governar.

Esses dez artigos são como que florões que deviam ornamentar a coroa real. O primeiro desses florões é o seguinte. Diz Santo Estêvão:

Como ninguém deverá aspirar à realeza se não for católico fiel, demos o primeiro lugar das nossas instruções à nossa santa Fé. Recomendo-vos, antes de tudo, meu querido filho, se quiserdes ilustrar a coroa real, professar com tanta firmeza a Fé católica que possais servir de modelo aos súditos, e fazer com que todos os filhos e ministros da Igreja vos reconheçam como verdadeiro cristão. Pois aquele que professa uma falsa crença, ou que, professando a verdadeira, não a pratica em suas obras, esse não reinará com glória nem participará do Reino eterno. Porém, se conservardes o escudo da Fé, tereis o capacete e o elmo da salvação. Com essas armas podereis combater legitimamente os inimigos visíveis e invisíveis, pois disse o Apóstolo: “Só será coroado aquele que combater legitimamente.” É esta a Fé a que me refiro — relembra o Símbolo de Santo Atanásio.

Se, pois, alguém sob o vosso domínio procurar dividir, diminuir ou aumentar essa Trindade Santa, ficai ciente de que é filho da heresia e não filho da Santa Igreja. Evitai, pois, seja alimentá-lo, seja defendê-lo, sob pena de parecerdes seu amigo e querer favorecê-lo, pois as pessoas dessa espécie contaminam os filhos da Santa Fé; sobretudo perderiam e corromperiam miseravelmente esse novo povo da Santa Igreja. Velai, acima de tudo, para que tal não aconteça.

Primeira tarefa do rei: ser bom católico

Santo Estêvão se refere a um Credo chamado “Símbolo de Santo Atanásio”, que se conserva até hoje na Igreja, contendo as principais verdades da Fé. Ele, então, deixa ao filho esse Credo e diz que contém a verdadeira Fé católica. Se alguém quiser acrescentar ou tirar algo desse Credo, seja maldito. Porque o acréscimo não será feito pela Igreja, mas por uma iniciativa puramente individual e contra o espírito da Esposa de Cristo. A sua redução é uma mutilação da obra da Igreja.

Só quem pertence verdadeiramente à Igreja merece apoio do rei. Aquele que não é filho da Igreja, que não aceita o Credo católico, não deve ser apoiado pelo monarca; o rei não deve nem alimentá-lo, nem ajudá-lo em nada, mas sim isolá-lo e isolar-se dele, porque o herege contamina aquele que tem Fé. E seria uma tristeza que esse reino novo, nascido há pouco da Fé católica, se contaminasse com a heresia.

E Santo Estêvão acrescenta que a primeira tarefa do rei é ser bom católico. A finalidade do reino é de ser um reino católico. E por causa disso o monarca, por cima de tudo, há de dar provas de que ele é um bom católico, respeitar os ministros do Altíssimo, amar o povo de Deus; ele deve ser o chefe deste povo de Deus na luta.

Se for bom católico, continua Santo Estêvão, então ele terá glória como rei. Se for mau católico, não terá esta glória e vai acabar se perdendo, porque só tem salvação aquele que adota a verdadeira Fé católica.

Procurar antes de tudo o Reino de Deus e sua justiça

Esse princípio é muito verdadeiro. Os países, como os indivíduos, têm obrigação de crer em Deus, servi-Lo e amá-Lo sobre todas as coisas. Um país é comparável a um indivíduo, pois constitui o que se chama uma pessoa jurídica. Essa pessoa tem as mesmas obrigações do indivíduo. Um país, coletivamente, o Estado, tem a obrigação de conhecer e professar a Fé católica. E assim como cada um de nós tem por principal missão nesta vida praticar a Fé e propagá-la, o Estado tem como primordial missão ser instrumento da Igreja para a difusão da Fé católica.

Antes de cuidar de finanças, boa administração, diplomacia, exércitos, ou de qualquer outra coisa, o Estado deve tratar de, dentro de suas próprias fronteiras, servir a Igreja Católica, favorecer a influência dela por todos os meios que estejam ao alcance do poder temporal; e perseguir os inimigos da Igreja, ajudar os amigos dela, fazer com que todos os instrumentos do poder público sejam utilizáveis pela Igreja para influenciar o país.

Se o Estado fizer isso, alcançará todas as outras coisas, pois se aplica a ele o mesmo que Nosso Senhor Jesus Cristo disse aos indivíduos: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo.”

Quer dizer, se em algum lugar um rei faz todo o possível para servir a Igreja, ele terá realizado o resto; possuirá bons súditos e será amado por eles. O bom súdito é corajoso, leal, bom pagador de impostos, ordeiro, trabalhador, tem grandeza de alma, amor ao maravilhoso, idealismo, entusiasmo pelo sublime, produz uma grande cultura, uma grande civilização. A questão é ser bom católico.

Se, pelo contrário, não é bom católico, não produz nada que preste.

A verdadeira felicidade está muito mais nos bens da alma do que nos do corpo. E abaixo da virtude, o primeiro bem da alma é o equilíbrio mental. A prosperidade de quem não é católico, com desequilíbrios, maluqueiras, crimes, não é verdadeira prosperidade. É preciso procurar o Reino de Deus e sua justiça, e todas as coisas serão dadas de acréscimo.

Santo Estêvão e Santo Américo foram profundamente venerados pelos húngaros de todos os tempos que se seguiram a eles.

Santo Estêvão recebeu uma coroa enviada pelo Papa, e que até hoje se venera na Hungria como sendo o símbolo do poder. E, com a coroa, foi outorgado pelo Sumo Pontífice a Santo Estêvão o título de Rex Apostolicus — Rei Apostólico —, porque ele tinha feito um tão magnífico apostolado, a Hungria estava de tal maneira como uma ponta-de-lança apostólica voltada para as nações bárbaras, a fim de convertê-las e jugulá-las, que mereceu este título. E com um privilégio que nenhum rei da Terra tinha: em toda parte onde ele fosse, podia ser precedido por um dignatário que levava diante dele a Cruz de Cristo. E era tão elevado esse título de Rei Apostólico, que os imperadores da Áustria, até o último deles, que também eram reis da Hungria, se chamavam “Vossa Majestade Imperial Apostólica”, porque o Rei Apostólico era o Rei da Hungria.

O Estado existe para favorecer a Igreja

O que é melhor para um rei: ter esse prestígio ou uma polícia supermoderna, com espias, com escutas, etc.? É evidente que esse prestígio vale mais do que todas as polícias. Significa dominar as almas, influenciar pelos corações. E quem destrói um poder espiritual? Ninguém.

Dou uma prova lindíssima disso: houve um rei que, na Boêmia, teve o papel de Santo Estêvão na Hungria; foi São Venceslau. Até hoje a estátua de São Venceslau está no centro de Praga e não houve comunista que ousasse abatê-la. Os comunistas acabaram com tudo, fecharam as igrejas, e até prenderam o clero. Na estátua de São Venceslau ninguém tocou. E até hoje, quando há movimentos de protesto contra o regime comunista, a estátua de São Venceslau amanhece cheia de flores. É a marca deixada num povo por um rei que procurou antes de tudo o Reino de Deus e sua justiça, e, por isso, todas as coisas lhe foram dadas por acréscimo.

Quem me analisar encontrará no fundo de minhas concepções políticas esta ideia, esta doutrina católica de que o Estado existe, antes de tudo, para servir a Igreja e favorecer o Reino de Deus; e, quando ele realiza esta missão, torna-se grande em todos os sentidos e debaixo de todos os pontos de vista.

(Extraído de conferência de 17/1/1970)

1) Não possuímos referências bibliográficas da obra citada.
2) Mt 6, 33.

Santo Estêvão, cheio da graça divina

Destacando-se entre as mais arrebatadoras páginas da Escritura Sagrada, o nobre holocausto do protomártir da Igreja se reveste de ainda maior brilho, considerado à luz desses tocantes  comentários de Dr. Plinio.

Após comemorar as radiantes alegrias do Natal, a Igreja celebra em 26 de dezembro a memória de Santo Estêvão, seu primeiro mártir. O holocausto desse extraordinário herói da Fé é assim narrado pelos Atos dos Apóstolos:

Naqueles dias Estêvão, cheio de graça e de fortaleza, fazia prodígios e grandes milagres entre o povo. Ora, alguns da sinagoga, chamada dos libertos, dos cirenenses, dos alexandrinos e dos que eram da Cilícia e da Ásia, levantaram-se para disputar com ele. Mas não puderam resistir à sabedoria e ao Espírito que o inspirava. (…)

Tendo ouvido seu discurso, seus corações foram feridos pelo ódio e eles rangiam os dentes contra ele. Mas Estêvão, que estava cheio do Espírito Santo, tendo elevado os olhos ao Céu, viu a glória de Deus e Jesus, de pé, à direita de Deus, e disse: “Vejo os Céus abertos e o Filho do Homem à direita de Deus”.

Eles levantaram então grandes gritos, taparam os ouvidos e se atiraram todos contra ele. E arrastando-o para fora da cidade, lapidaram-no. E as testemunhas depuseram seus vestidos aos pés de um homem chamado Saulo. E lapidaram Estêvão que rezava e dizia: “Senhor Jesus, recebei meu espírito”. Depois, tendo ajoelhado, gritou com voz forte: “Senhor, não lhes imputeis esse pecado”. E dizendo isso, adormeceu no Senhor.

Prodígios que suscitam o ódio dos maus

A narração é de extrema beleza, e cada frase mereceria um comentário próprio, pois a cena se desenvolve em lances sucessivos, com significados peculiares. O primeiro fato é que Estêvão opera maravilhas, definidas pelo Livro Sagrado com uma linguagem tão cheia de imponderáveis que nos deixa encantados. Logo no início encontramos uma bonita expressão, empregada para indicar a virtude do santo: cheio de graça e de fortaleza.

Quer dizer, era um homem na plenitude do vigor — não só de ânimo, mas também do sobrenatural, da graça que atua nele —, realizando prodígios e milagres entre o povo. Ora, à vista desses feitos espetaculares, a pertinácia dos que desejavam perseguir Estêvão é bem apontada pelos Atos dos Apóstolos: tomados de ódio, levantaramse para discutir sofisticamente com ele e atacá-lo. É o  segundo lance.

Porém, seus opositores não puderam resistir à sabedoria e ao Espírito com os quais Estêvão falava. De modo que, depois de ter operado prodígios, ele também argumentou de maneira  maravilhosa, confundindo completamente os maus e os deixando sem palavras para lhe replicar. E estes que odiavam os milagres, detestaram ainda mais os seus argumentos. Trata-se, portanto, de uma ira crescente, à medida que Santo Estêvão vai manifestando as excelências depositadas por Deus em sua alma. Como se viu, a primeira manifestação dessa grandeza maravilha são seus  feitos prodigiosos, contra os quais se declarou a sanha dos adversários, em forma de discussão. Tendo o santo argumentado de forma irretorquível, aumenta-lhes o rancor — gratuito, em relação  ao bem enquanto bem.

Outra não é a razão dessa raiva. Enganado estaria quem pensasse ter ela eclodido porque Santo Estêvão foi inábil, porque cometeu algum equívoco ou porque não entenderam algo do que disse. Eles compreenderam perfeitamente, deram-se conta das maravilhas que Estêvão operava e ouviram argumentos contra os quais não tinham respostas. Então o odiaram, porque era bom e sem erro.

É semelhante, aliás, o procedimento de muitos fautores do mal. Atacam o bem e a verdade, porque não podem suportá-los. E quanto maior a manifestação da verdade e do bem, tanto maior o ódio que suscita nos maus. Esses que se mostraram hostis a Santo Estêvão eram da mesma laia dos que decidiram a morte de Nosso Senhor, dos que preferiram Barrabás ao Cordeiro imaculado. O ladrão, o facínora, foi considerado mais simpático, mais atraente e agradável do que Nosso Senhor, por causa do amor ao mal.

Nesses episódios se patenteia a iniqüidade e a malícia do pecado daqueles aos quais a Escritura chama de “filhos das trevas”, dos que cometem a falta, não por fraqueza ou debilidade, mas scienter et volenter. Daqueles que aborrecem o bem que não observam e se comprazem com o mal que praticam, e professam uma doutrina má em virtude da qual detestam a boa causa por sabê-la  benéfica.

Santo Estêvão teria sido imprudente?

Prosseguindo, a narração sagrada nos evoca a atitude de Santo Estêvão que, “tendo elevado os olhos ao Céu, viu a glória de Deus e Jesus, de pé, à direita de  Deus, e disse:

‘Vejo os Céus abertos e o Filho do Homem à direita de Deus’.”

É interessante fazer aqui uma composição de lugares, e imaginar o modo como Santo Estêvão externou essa magnífica afirmação. Há de ter sido de maneira tal que os ouvintes perceberam toda a sua veracidade, e viram que ele tinha razão. Reluzia nele um tamanho reflexo daquilo que dizia, uma superior evidência da autenticidade do que falava, que suas palavras eram irrecusáveis! O fato nos faz recordar outro, ocorrido no século XIX, e comentado por Dom Chautard. Conta este que um advogado esteve em Ars para assistir a um sermão de São João Batista Vianney. Depois, ao ser interrogado por seus amigos acerca do que presenciara naquela cidade, exclamou: “Vi Deus num homem”.

Ora, se isso se deu com São João Vianney, imaginemos como Santo Estêvão, no momento do seu êxtase, estaria transbordando de sobrenatural! Foi um resplandecer de graça mística tão imenso  que seus perseguidores não puderam suportar, e cresceram em ódio a ponto de resolver matá-lo.

Poder-se-ia perguntar se Santo Estêvão não foi imprudente, enfrentando desse modo a ira dos maus. Não agiria melhor se tivesse ido embora, sem forçar, por assim dizer, aquela gente a cometer  um assassinato sacrílego? Pelo contrário, ele cada vez se afirmava mais, aumentando a raiva dos seus contendores, até que chegaram ao homicídio.

Este crime não ocorreria, e Estêvão não perderia sua vida de apóstolo, se fugisse. Então, não procederia de forma mais sapiencial se ficasse quieto e procurasse escapar?

A primeira resposta a essa pergunta, encontramos na própria Escritura: Santo Estêvão estava cheio do Espírito Santo. Portanto, agia corretamente, sob a inspiração divina. O fato é que ele se achava engajado numa luta cujo desfecho era incerto. Nessa pugna, tentava ele com insistência penetrar naquelas almas, por meio de uma nova maravilha que operava. Para comovê-las e  conquistá-las, ele foi afirmando verdades sempre mais elevadas. Quando atingiu o ápice de seu apostolado, seus interlocutores, empedernidos no recusar o que Santo Estêvão dizia ou fazia,  cometeram o assassinato.

O método apostólico que ele empregou foi perfeito. Procurou tocar aqueles corações, iluminar aquelas inteligências. A cada rejeição, ele respondia com uma misericórdia maior, deixava  transbordar de seu íntimo uma graça mais intensa, exprimia um argumento mais fulgurante, realizava um prodígio mais admirável. Até o ponto em que eles recusaram tudo. Sua atitude foi  altamente sábia e apostólica. Ele poderia ter convertido aqueles homens se estes tivessem aberto suas almas ao efeito da ação salutar da santa vítima.

Porém, não quiseram ceder à bondade e à virtude de Estêvão. Ergueram-se contra ele e só açaimaram quando perpetraram o ignominioso assassinato.

A morte plácida dos justos

Cometeram-no — descrevem os Atos dos Apóstolos — depois de lançar grandes gritos e “tapar os ouvidos”, como se costumava fazer diante de alguém que proferisse uma blasfêmia. E num ódio que movia a todos,  atiraram-se contra Santo Estêvão, apedrejando-o mortalmente.

E pode-se bem imaginar que a sanha dos malfeitores crescia, à medida que o primeiro mártir da Igreja tomava atitudes cada vez mais sublimes, enquanto as pedras caíam sobre ele. Um curioso detalhe salientado pela Escritura é que “as testemunhas depuseram seus vestidos aos pés de um homem chamado Saulo”. Saulo, o futuro São Paulo, naquele tempo fariseu e encarniçado  Perseguidor dos cristãos.

A vida de Santo Estêvão vai se extinguindo sob a brutalidade da lapidação.

Procuremos imaginar a cena maravilhosa. Ele, qual segundo Cordeiro de Deus, olhos voltados para o céu, ferido e deitando sangue por todo o seu corpo, com contusões horrorosas, faz apenas esta  oração: “Senhor Jesus, recebei o meu espírito! Senhor Jesus, recebei o meu espírito!”

Que extraordinária impressão essa atitude devia causar nas almas boas!

E depois, “tendo ajoelhado, gritou com voz forte: Senhor, não lhes imputeis esse pecado!”

Então, a primeira prece — “Senhor Jesus, recebei meu espírito” —, ele a disse de pé. Mas, é natural, vergado pela violência das pedradas, não pôde mais se manter ereto. Caiu de joelhos, e nessa postura tão supremamente conveniente para a oração, ele pediu a Nosso Senhor que não lhes imputasse aquele pecado. Ou seja, ainda com voz forte, rogava o perdão para os seus próprios agressores.

No auge da tragédia, ele tem uma frase de uma simplicidade e de uma serenidade sublimes.

“E dizendo isso, adormeceu no Senhor.”

Tudo acabou, e veio a morte plácida dos justos. A tormenta se tinha transformado num sono, o martírio estava consumado, ele estava dormindo em Deus. Ao exalar o último suspiro, aquele  homem todo ensanguentado, certamente terá tido uma expressão de fisionomia tranquilíssima. Sua alma subia ao Céu. Como esse martírio é digno de ser o primeiro da história da Igreja, exemplo para os demais holocaustos dos que morreram testemunhando sua Fé em Cristo Jesus, Senhor nosso!

Plinio Corrêa de Oliveira