O caminho da dor – II

O caminho do sofrimento é, sem dúvida, o caminho da felicidade. Quanta alegria no meio da dor têm aqueles que, com serenidade e força, procuram unir-se a Deus!

A preguiça leva a criança a não estudar, mas se esta cumpre seu dever e estuda, ela se fortifica e abre para si um caminho de luz. Se, pelo contrário, ela não estuda e vai passear, no fim do ano leva bomba, perde um ano da vida… E o resultado é a frustração.

Tentações de uma criança e de um adulto

E isso se põe de tal maneira que nunca na História o número de suicídios entre crianças e adolescentes foi tão grande como em nossa época. Por quê? O mundo atual convida ao prazer de todos os modos possíveis. As pessoas aceitam e muito cedo ficam com a noção do próprio fracasso: “Fracassei, não vou ser nada, a vida não é nada. Vou entregar-me ao pecado. Ao menos assim, eu saio da realidade e gozo a vida como posso”.

Uma coisa traz outra. A criança adquiriu o hábito de não resistir às tentações, entra numa rampa que ninguém sabe até onde pode chegar.

Mas isso se repete a vida inteira. Entre vinte e cinco e trinta e cinco anos de idade, aparece para o homem outro tipo de tentação, embora as tentações contra a pureza continuem.

Ele vê os de sua idade, que estão fazendo carreira: um já é um médico ilustre; outro recebeu um prêmio para realizar estudos numa universidade da América do Norte ou da Europa, volta laureado e se torna cirurgião de um hospital. Um terceiro é um grande advogado que faz discursos e tira os criminosos da cadeia; quando ele efetua defesas no júri, a sala se enche de gente que vai somente para vê-lo falar e o aplaudem; por fim, o réu é absolvido devido à sua eloquência; então ele se dirige até o banco dos réus, felicita o réu e sai de braços com o mesmo; e as pessoas que foram assistir exclamam “Aahh!”. A vida é cheia de coisas dessas.

Enquanto aqueles vão para a frente, ele está parado, queimando o rojão da vida…

A perseverança na prática dos Dez Mandamentos é heroísmo

Conheci um professor público em Curitiba, Paraná. O pobre homem levou-me até sua casa e eu lhe propus certas atividades católicas; disse-me ele: “Dr. Plinio, não vale a pena o senhor me propor nada. Vou lhe explicar quais são as minhas condições. Eu sou católico praticante, nunca quis assumir compromisso com ninguém, estou numa situação de pobreza e imolando minha vida por minha família, para acabar de educar meus filhos. Meu médico me disse que, para eu não morrer do coração de uma hora para outra, preciso diminuir o número de minhas aulas pela metade. Se eu fizer isso, meus filhos não podem formar-se. Quero que eles estudem numa boa faculdade e isso custa dinheiro. Então estou carregando o dobro de trabalho que meu coração permite e, portanto, vou viver a metade do tempo que me restaria de existência. Diante disso, como assumir mais algum encargo apostólico?”

Tive vontade de dizer-lhe: “Professor, reze por mim!”, porque se respeita e se venera um homem que faz esse sacrifício.

Esse é o caminho da dor. Não é indispensável que sobre o homem caia uma grave doença, como a cegueira ou outra desgraça. Se cumprir bem os Mandamentos, ele vai encontrar em nossa época tantas dificuldades, que a perseverança é um heroísmo. Terá que rezar e refletir muito para manter-se no bom caminho, tornando-se um homem sério. E ainda que os outros o desprezem, desde que ele diga: “Eu me imolo por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Qual morreu por mim na Cruz, e vou para a frente”, ele não só vai para a frente, mas para cima.

Alguém me dirá: “Dr. Plinio, há recompensas nesta vida. Um homem desses é pelo menos um pai tão venerado pelos seus filhos, que seu lar modesto se torna para ele um pequeno paraíso”.

Não se iluda, pois na maior parte dos casos os filhos caem debaixo da influência da Revolução(1) e ficam com raiva do pai que lhes dá exemplo em sentido oposto. Essa é a realidade. Eles seguem um caminho, o pai segue outro e ainda tem o desprazer de ver a ingratidão daqueles pelos quais se imolou. Ele morre abandonado, incompreendido por todos, como Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz. E, no momento de sua morte, poderá dizer em união com o Redentor: “Consummatum est”.

Devemos cumprir o dever, sem choramingar

Numa de suas cartas, São Paulo escreveu o seguinte: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia” (2Tm 4,7-8). De fato, o prêmio da glória ele não viu na Terra, mas no Céu; entretanto, segundo uma bonita lenda, os que assistiram à morte dele viram esse prêmio na Terra. Ele estava ajoelhado diante de um tronco de árvore ou uma pedra, e o carrasco golpeou com a espada a nuca dele com tanta força que a cabeça de São Paulo saltou longe, batendo três vezes no solo. De cada um dos lugares onde ela tocou, nasceu uma fonte. Esse milagre mostrou aos homens para todo o sempre como Deus amou aquela alma que estava na Terra.

Então não podemos ter a ilusão, fazer uma ideia moleirona, de que, depois de nosso sacrifício, vem uma consagração. Às vezes ela ocorre, mas não devemos fazer isso por causa dessa consagração. É necessário estarmos prontos para a ideia de que venha a ingratidão e a incompreensão. Apesar disso, faremos o sacrifício!

O caminho da seriedade é este: fazer sempre aquilo que é o dever, ainda que doa; fazer logo e bem feito, sem choramingar.

Nunca tenham pena de si mesmos! A pena de si é o começo da moleza. Se um homem declara: “Pobre de mim”, tenho vontade de lhe dizer: “É pobre mesmo, porque agora você perdeu todo o mérito anterior. Não tenha pena de si mesmo, meta o peito por cima da espada da dor, custe o que custar, dê no que der! O seu prêmio no Céu será enorme”.

Os prazeres desta Terra nunca saciam

Essa é a dor e a luta do homem que anda bem. Como é a vida do homem que procede mal?

Na aparência pode ser uma vida cheia de delícias, mas acontece uma coisa curiosa em sua alma: o castigo das delícias que ele arranjou. Cada vez que esse homem tem uma delícia, ele fica com vontade de uma delícia maior e, quando não a consegue, ele sofre. E quando obtém mais alguma delícia, ele sofre porque não tem outra; não há o que lhe baste.

Dou um exemplo concreto.

Imaginemos um homem que começa a ganhar dinheiro indevidamente. Ele compra um automóvel Mercedes e, ao ir pegá-lo na loja, para prestigiar-se na família, diz aos de sua casa: “Passarei aqui à tarde, vamos jantar juntos num grande restaurante”. Para a mulher: “Fulana, vista-se bem porque aquele é um restaurante onde você nunca foi!” E aos filhos: “Fulano, sicrano, beltrano, preparem-se, todos com bom apetite!” Vão ao restaurante, comem, divertem-se etc. Naquela hora isso dá prestígio.

Voltam para casa e, entre as cartas por ele recebidas naquele dia, há um convite, mandado somente às pessoas ricas da cidade: “Foi preparado um cruzeiro magnífico no melhor hotel flutuante que há no mundo, o cruzador ‘Queen Elisabeth’, o maior navio de passageiros construído até hoje, no qual há todo o luxo moderno, todas as delícias da vida”.

O homem se lembra de que, conversando com um colega, este lhe perguntara: “Por que você não vai com sua família ao passeio do Queen Elisabeth?” Mas para isso ele não tem dinheiro… 

Sua mulher lhe diz, como se fosse por acaso: “Fulano, vamos fazer um passeio no Queen Elisabeth!” Eles dormem amargurados porque não podem viajar no Queen Elisabeth, quando há um ano atrás eles tinham apenas um Volkswagen qualquer, para se deslocar de um lugar para outro, e usando-o pouco para não estragar a máquina. O indivíduo passava as manhãs dos domingos limpando o Volkswagen como se fosse uma criança, e ele mesmo o consertava. Agora ele tem um automóvel Mercedes. Mas, porque não pode fazer uma viagem verdadeiramente fabulosa pelos pontos mais bonitos da Europa e do Oriente Próximo e, ao cabo de seis meses, estar de volta, ele tem a amargura que sentia no tempo em que apenas possuía o Volkswagen.

Às vezes sentimos isso na própria pele. Porque cada um de nós, em proporção maior ou menor, faz o papel do homem do automóvel Mercedes em comparação com outro indivíduo mais pobre. Todos os presentes neste auditório conheceram meninos mais pobres, que os olhavam como os que estão aqui consideram quem tem um automóvel Mercedes. Os que assistem a esta reunião tinham tudo o que um desses meninos desejava possuir, mas não se sentiam felizes.

Essa era uma reflexão que várias vezes fiz, por causa do bairro em que eu morava, onde havia casas muito boas, casas modestas e até de operários. Em minha residência, que ficava em frente a uma fila de casas de operários, existia do lado de fora uma escada, a qual eu subia e descia estrepitosamente; era barulhento por natureza.

Quando eu saía, uma ou outra pessoa de uma dessas casas metia a cabeça fora da janela para me ver: era uma velha, ou uma mocinha, querendo casar com o moço rico, ou então um rapaz da minha idade que se deslumbrava de ver o luxo que eu tinha. Mas de fato meu luxo inexistia, porque eu era o mais pobre da roda de amigos que frequentava. Era uma regra de três: ele queria ter o que eu possuía, como eu desejava possuir o que um rico tinha; e o rico queria ter o que o mais rico possuía. É uma sede que ninguém sacia.

Serenidade, força e alegria dos bons

Quer dizer, a infelicidade do filho das trevas é maior do que a do filho da luz, porque este possui, na sua infelicidade, a alegria da consciência tranquila; e o filho das trevas tem a recriminação da consciência, que a Escritura compara a um verme roedor, o medo da morte que pode vir de uma hora para outra e, além disso, a frustração nesta vida.

Aquele bom professor com quem conversei podia ter todos os desapontamentos, todas as decepções, passar a vida atracado na dor, carregando sua cruz, mas ele possuía a certeza de que fazia a vontade de Deus, que o estava abençoando; ele tinha a consciência tranquila e a confiança de que iria para o Céu.

Prestem atenção nas Vias Sacras bem escritas, leiam no Evangelho a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo! Verão que não há um momento em que Ele tenta tirar o corpo da dor, ou está adotando um jeitinho para ver se sofre menos. Nosso Senhor vai para a frente, não cessa de caminhar um instante. E cai três vezes sob o peso da Cruz, porque não aguenta mais; readquire um pouco de fôlego, levanta-Se e continua.

Quando Ele chega ao alto do Monte Calvário, dir-se-ia que não tem mais nada para sofrer. Nessa hora Jesus é deitado sobre a Cruz e começa o pior: pregos são cravados, a coroa de espinhos O fere mais ainda, o Sangue verte. Ele sente uma sede tremenda, porque quem perde muito sangue fica com enorme sede, e é erguido no alto da Cruz. E o peso do Corpo começa a rasgar os tendões, as mãos a se crisparem, os pés estão atravessados por um prego, no qual Nosso Senhor procura Se apoiar. Em geral, nas cruzes se põe um pauzinho para apoio dos pés, mas não foi a realidade. Os pés ficavam torcidos e pregados na Cruz, causando-Lhe dores. Então, para sentir menos dor nos pés, Ele era obrigado a fazer força com as mãos para Se soerguer um pouco; sentia dores nas mãos, perdia o aprumo e voltava a Se apoiar nos pés. Era pêndulo de dores contínuo.

E o tempo inteiro Jesus ia cumprindo o seu dever e marchando resolutamente para o fim. E ainda organizando o que Lhe restava: a Mãe e o discípulo bem-amado, São João, que estavam ao pé da Cruz. O Redentor disse-lhes: “Mãe, eis o teu filho. Filho eis a tua Mãe”. Como quem afirma: “Eu vou deixar a Terra, mas quero que minha Mãe fique nas mãos virginais deste meu Apóstolo casto”. O Evangelho diz que a partir desse momento São João A tomou como Mãe.

Afinal, Ele ainda perdoa o bom ladrão, fazendo-lhe uma predição que é sua própria canonização, o que indica o oceano de esperança existente na alma d’Ele e, ao mesmo tempo, uma dor sem fim. Qual era o oceano de esperança? O que Ele disse ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”, o que queria dizer: “Hoje estarei no Paraíso”.

Depois Ele pronunciou as palavras de sua própria liberação: “Consummatum est”. Sua Alma santíssima desprendeu-se do Corpo, Ele morreu e terminou a Paixão. Desceu ao Limbo, onde foi recebido com uma alegria sem fim por todos os justos que lá estavam; anunciou-lhes que tinha havido a Encarnação do Verbo, explicou-lhes tudo. Ressurgiu e subiu ao Céu.

Quanta alegria no meio da dor! Disso não devemos nos esquecer. A serenidade, a força, a alegria daqueles que procuram unir-se a Nosso Senhor e Maria Santíssima, os ímpios não têm.

Certa vez, eu caminhava no entroncamento da Av. Ipiranga com a Rua da Consolação, no centro velho de São Paulo, onde havia então pouco trânsito. Eu tinha sido deputado, não fui reeleito e aceitara dois empreguinhos para manter a minha mãe. De longe reconheci um colega deputado que estava fazendo uma grande carreira na vida. Encontramo-nos, abraçamo-nos, e ele, que era um homem muito cordial, me perguntou alguma coisa sobre minha vida e eu lhe respondi. Depois nos despedimos, cada um tomou seu caminho e eu pensei: “Ele tem o que desejou; eu tenho o que quis”.

Um ou dois dias depois, lendo no jornal a secção “Falecimentos”, encontrei a notícia: Deputado fulano morreu logo depois de chegar a sua casa, dando-se um tiro na cabeça.

Minha ilusão seria: aqui está um homem feliz. Pela Fé, eu sabia que não o era, mas as aparências humanas indicavam que era feliz. Provavelmente ele se despediu de mim pensando: “O Plinio é que escolheu o caminho da felicidade”. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/8/1986)

1) Revolução: Dr. Plinio assim denominava o processo multissecular que procura destruir a Igreja e a civilização cristã. (cf. Revolução e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo, 5ª edição em português.)