Escravidão de amor, desponsório místico e troca de vontades

Cada pessoa deve procurar levar uma vida de tal modo unida a Nosso Senhor que seus pensamentos, olhares e gestos, por mínimos que sejam, se conformem à mentalidade do Redentor.

 

Pedem-me para comentar a frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Embora nunca tenha lido comentários de exegetas sobre isso, vou dar a impressão que me causa este texto tão conhecido.

Cada um deve atingir um tipo de santidade para imitar perfeitamente Nosso Senhor

Nosso Senhor Jesus Cristo tem a respeito de cada um de nós um desígnio enormemente abrangente. Um modo superficial de considerar o texto de São Paulo seria afirmar que “não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” significa realizar os desígnios de Nosso Senhor a meu respeito e, portanto, devo abandonar meu próprio egoísmo e fazer a vontade d’Ele. Nisto está a vida d’Ele em mim.

Tudo isso é correto, mas é uma concepção muito limitada a respeito dessa vida d’Ele em cada um de nós. A meu ver, chega-se ao fundo do assunto considerando o seguinte:

O desígnio de Nosso Senhor para cada homem não é apenas que um, por exemplo, seja religioso; outro chegue a uma alta posição num governo e faça um decreto estabelecendo a união entre a Igreja e o Estado, em termos muito convenientes para a Igreja; e que outro funde uma escola, uma Universidade Católica… Sem dúvida, isso tudo faz parte dos desígnios da Providência, mas nunca, absolutamente nunca, os desígnios divinos sobre um homem se cifram exclusivamente naquilo que se poderia chamar a obra da vida dele.

Deus tem o desígnio de que sejamos inteiramente configurados em nossa alma, de maneira a realizar um tipo de santidade, pela qual, sendo cada qual o que é, imite a Ele perfeitamente, dentro desta via que procede das peculiaridades de cada um. E seja, por assim dizer, uma reedição d’Ele. É isso que Ele quer.

A personalidade de Deus é imensamente rica. E todos os homens que Ele criou, desde Adão até os últimos que vão existir, constituem uma série dentro da qual cada um deve imitar a personalidade d’Ele num ponto, como se Ele não tivesse sido senão aquilo. Assim todos os homens repetem de algum modo, num grau maior ou menor, Nosso Senhor Jesus Cristo, à maneira de uma coleção. De maneira que, visto o conjunto, dê uma superimagem de Nosso Senhor que apresente no Céu uma noção global d’Ele. De modo que Ele, olhando a humanidade toda glorificada no Céu, Se veja representado. E nessa representação encontre sua glória.

Esse é um pensamento que tem seu fundamento no fato de Deus ter feito a Criação ao longo de seis dias, e no sétimo descansou. E ao contemplar os seres criados, viu que cada coisa era boa, mas o conjunto era melhor (cf. Gn 1, 31).

O modo de fazer todas as coisas envolve uma perfeição espiritual

Assim também a Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Homem-Deus, vai ser dada essa glória de que todos os homens no Céu, no seu conjunto, representarão a Ele, como a Criação representa a Deus. Cada bem-aventurado no Céu O representa bem, mas o conjunto representa melhor, e proporciona uma noção global d’Ele que nenhum homem deu; exceção feita da Santíssima Virgem. Porém Ela também faz parte do conjunto que representa a Ele, embora seja a parte mais esplêndida, mais gloriosa — de longe! — entre as meras criaturas. A tal ponto que sem Nossa Senhora tudo isso não valeria nada; mas com Ela vale inimaginavelmente.

Então, Ele quer que eu toque toda a minha vida — mas a minha vida abrange meus olhares, meus pensamentos, meus gestos, por mínimos que sejam, e que, no fundo, exprimem algo de minha mentalidade. Ele quer que seja como a mentalidade d’Ele, vista nesse ângulo minúsculo que se chama “a individualidade de Plinio Corrêa de Oliveira”. Mas isso é assim com todos aqueles que andam pela rua, inclusive os que estão se perdendo.

Por exemplo, eu poderia agora querer um copo d’água. Do ponto de vista moral, é inteiramente indiferente que eu beba ou não a água. Mas se eu bebê-la agora de modo oportuno, temperante, agirei de acordo com Ele; se eu ingerir essa água de um modo inoportuno, intemperante, por uma razão sem fundamento, embora o beber água seja neutro, a ocasião escolhida por mim para ingeri-la envolve uma razão moral.

O modo de fazer todas as coisas neutras envolve uma perfeição espiritual, com vistas a fazer a vontade d’Ele e ser a cópia d’Ele em tudo, mas aquela cópia que só eu serei, e mais ninguém. Se eu ratear, ninguém mais fará; e se fizer bem feito, estará bem feito por toda a eternidade.

Isso envolve a nossa vida inteira, em dois sentidos: toma-nos por inteiro, de um lado; e, de outro lado, é por uma vida procedida d’Ele que somos capazes disso. Porque Ele vê que pela nossa mera natureza humana, em consequência do pecado original, somos incapazes de alcançar essa perfeição. Por esta razão recebemos d’Ele a vida da graça, dom criado por Ele, que é uma participação na sua vida divina. Recebemos essa participação e passamos a viver com uma categoria por onde participamos da vida do próprio Deus, o que nos torna capazes de realizar o plano d’Ele a nosso respeito.  

Portanto, se eu considero minha vida assim e me entrego a isso, posso dizer que já não sou eu que vivo; nesse sentido de que não faço os meus planos, senão os planos de Deus.

É Ele que vive, mas de um modo singular, porque não sou como uma marionete nas mãos de Deus. Eu entendo, quero e sinto por iniciativa minha, proveniente da graça d’Ele, como Ele queria que eu fizesse. Ou seja, é um penetrar fundo, como mais profundo não se pode penetrar.

Belezas que dão realidades extraordinárias

Assim, compreendemos também os segredos da misericórdia de Deus, porque entendemos bem o amor que Ele tem a cada um de nós, para chegarmos a tal ponto que estejamos unidos com Ele. Quer dizer, ao sermos criados Deus teve o plano de que tal perfeição d’Ele, que nunca ninguém teria conhecido — ao menos entre os homens e exceção feita, naturalmente, de Nossa Senhora —, brilhasse em nós; é como se Ele tirasse de dentro de Si mesmo um raio de luz e o desse para nós. E é um dos como que infinitos modos de ser d’Ele. Ou seja, fazendo-nos isso, não poderia deixar de nos amar infinitamente, porque Ele é infinito.

O amor que o Criador tem a nós é um reflexo do amor que Ele tem a Si próprio. Compreende-se melhor também por que Nosso Senhor morreu por nós: para termos a graça e podermos realizar esse plano.

Estou apenas coligando dados correntes da Doutrina Católica. Mas esses dados conduzem a um plano suntuoso, fabuloso! E de um gênero de união como não se pode imaginar que exista, nem d’Ele conosco, nem entre nós. Porque como duas quantidades ligadas a uma terceira estão ligadas entre si, vê-se como o nexo existente entre todos os filhos da luz é uma coisa seríssima, gravíssima, dulcíssima.

Há uma realidade mais bonita ainda, que é a seguinte: De fato, nós constituímos assim um todo chamado Humanidade, que Deus honrou unindo a natureza humana hipostaticamente a Ele. Mas essa Humanidade é apenas uma unidade do universo, porque nós fazemos parte da Criação. E na Criação existem os Anjos; se bem que a união hipostática não se tenha dado neles, os Anjos por sua natureza são muito superiores a nós, são puros espíritos. E os Anjos deveriam realizar um universo assim também. Mas eles não realizaram porque muitos deles apostataram, e se tornaram demônios.

Os planos se superpõem, de maneira que nessa sociedade dos homens, tomados os que se salvem e entrem para o Céu, eles preenchem o lugar dos anjos decaídos. E nós ao mesmo tempo formamos com os Anjos um todo à parte. É de uma grandeza desconcertante! E isso, mais o Céu empíreo, mais a Criação que vai continuar — Sol, Lua, tudo isso vai continuar — forma então o todo dos todos, no pináculo do qual está Nossa Senhora, que é mera criatura. E acima d’Ela, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Compreende-se nesta perspectiva a Encarnação, o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14); tudo isso forma, por sua vez, belezas que dão realidades extraordinárias, feitas para serem meditadas por cada um de nós.  

Às vezes nos regalamos, por exemplo, com um dito espirituoso francês. Entretanto muito mais são de regalar as coisas que Deus diz e faz. No Céu nós vamos contemplar isso eternamente.

E pensar que se põe em risco toda esta maravilha, por um mau olhar na rua… Cai-se morto na hora e vai-se para o Inferno. Quer dizer, o que nós nos expomos a perder, a qualquer momento, é uma coisa inimaginável! Somos uns doidos, uns cretinos, nem sei dizer o que somos, quando nos arriscamos a perder isso!

Desponsório místico que se realiza na alma de cada um que se entrega a Nosso Senhor

Há, entretanto, outra realidade a considerar que constitui um universo dentro desse universo.

Está na intenção de Nosso Senhor que certas perfeições d’Ele sejam especialmente representadas por outras criaturas; e para que essas perfeições brilhem bem, Ele quer uma família de almas. Então, às vezes, é uma nação; outras vezes, uma área de civilização; às vezes uma Ordem religiosa. São famílias de almas chamadas a representar de algum modo uma determinada perfeição ou uma constelação de perfeições d’Ele.

De todas essas representações, a família religiosa é a que tem mais riqueza de representação dos que as outras, porque a natureza do vínculo criado por ela é muito mais forte do que nas outras.

Entre os indivíduos de uma mesma pátria, por exemplo, há aquela vinculação natural baseada em tradições e laços históricos. Nesse conjunto natural há também os elementos sobrenaturais, que levam a constituir-se uma grande nação católica a qual pode formar um corpo místico dentro do Corpo Místico.

A doutrina do Corpo Místico chega a tal ponto que, por exemplo, eu vi certa vez uma referência antiga, da Idade Média, ao “corpo místico da Universidade de Paris”. A Universidade de Paris naquele tempo era uma espécie de crisol de ortodoxia muito especial, que a Santa Sé tomava muito em consideração.

Assim também uma família religiosa constitui um “corpo místico”, no qual o Fundador deve representar de modo mais excelente as qualidades que o corpo todo tem que espelhar. Mas cada um dos membros daquela família, chamado a espelhar determinada perfeição de Nosso Senhor, reflete essa qualidade enquanto existente no Fundador, e é uma repetição do Fundador, como o conjunto dos fundadores é uma repetição de Nosso Senhor.

Então, os vínculos de alma entre súdito e Fundador tomam toda a analogia com as relações existentes na sagrada escravidão a Maria, ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort.

A meu ver, a escravidão de amor não é senão o desponsório espiritual visto em seus efeitos. Porque se Nosso Senhor Jesus Cristo é o Esposo e a Igreja a Esposa, isso significa que a alma fiel deve portar-se face a Ele com a receptividade, o amor, a docilidade da verdadeira Esposa em relação ao verdadeiro Esposo.

Cada um de nós é um membro dessa Igreja. Portanto, esse desponsório místico se realiza na alma de cada um de nós.

Então, se alguém resolve fazer-se escravo de Nosso Senhor para ser obediente a tudo quanto os representantes d’Ele nos mandam, isto se dá por causa de um desponsório místico havido anteriormente, e que nós queremos tornar mais efetivo, mais consistente, mais durável, exatamente por meio dessa submissão.

Creio que a troca de vontades é a própria essência dos desponsórios. Feita a troca de vontades, está realizado o desponsório místico, o qual é um processo que se consuma no momento em que as vontades se uniram completamente. Assim, compreende-se que a escravidão de amor, o desponsório místico e a troca de vontades sejam aspectos de um mesmo processo unitivo; eles vão quase se revezando ou se sucedendo numa mesma realidade total.

Mas o ponto de partida é o momento em que nos enlevamos por Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nossa Senhora, pela Igreja, e nos maravilhamos de tal maneira que aceitamos que Ele nos governe como acabo de expor. É a realização da frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 9/7/1988)

QUANDO VIRGINDADE E GRANDEZA RÉGIA SE OSCULAM

Não há louvores que não se possam fazer à virgindade.

Ela é o auge da dedicação em relação a Deus, porque o homem inteiramente casto renuncia às comodidades e aos legítimos  atrativos e aspirações da vida de família para servir um ideal superior. Um ideal que não lhe dá prêmios na terra, mas oferece recompensas no Céu. Trata-se, é claro, de um ideal católico, pois nenhum outro pode ser considerado autêntico e verdadeiro, quando desprovido do sentimento católico.

A virgindade é, então, o ápice da dedicação. É, outrossim, uma forma de grandeza. Mais ainda, é a grandeza por excelência. Consideremos um rei santo. São Luís IX era um soberano puríssimo que tinha, entre outras missões, a de perpetuar a dinastia da França. Casou-se, teve filhos, e guardou plenamente a fidelidade conjugal. É maravilhoso.

Contudo, quando ouvimos falar do Infante Dom Sebastião de Portugal — o rei casto, puro, virginal, imolado numa batalha contra os mouros nos vastos campos de Alcácer-Quibir — sentimos exalar-se um conjunto de idéias e grandezas, que adquire seu maior fulgor no fato de Dom Sebastião ser virginalmente casto.

Resplandece nele aquela auréola da castidade perfeita, não a respeitável castidade do matrimônio, mas a da inteira abstenção de qualquer contato carnal. Um varão régio e virginal, numa couraça lisa e rutilante, brilhando sob o sol da África, com uma lança na mão e uma coroa de Rei Fidelíssimo na fronte.

O trono da França era mais elevado que o de Portugal. São Luís foi um santo autêntico, canonizado pela Igreja. Esta não canonizou o Rei Dom Sebastião, e talvez houvesse certa temeridade em suas ousadias guerreiras, razão para não inscrevê-lo no rol dos Santos.

Não obstante, sua figura é cercada de uma auréola, de uma poesia, de um perfume típico de grandeza que nem o grande São Luís, nem o grande São Fernando de Castela tiveram. Nem o próprio Carlos Magno possuiu. É a aliança entre a majestade régia e a castidade perfeita, entre a virgindade e a coroa.

Nossa Senhora, a morte dos crimes

Certas pessoas podem ter a ideia de que as evoluções do mundo extinguirão os crimes. Verdadeiramente, a morte dos crimes já veio ao mundo com o nascimento de Nossa Senhora. Ela, segundo um lindo cântico gregoriano, é a “Mors críminum”, a “Morte dos crimes”.

Por sua influência, mediação, oração e comunicação de graças, Maria Santíssima mata os crimes, extirpa os pecados e elimina o mal da Terra, triunfando permanentemente sobre ele.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

Oração para a Semana Santa

Jesus é depositado no sepulcro. Na aparência, é o fim, tudo está acabado… Na realidade, em breve tudo começará a renascer.

Junto a Vós, ó Refúgio dos Pecadores, os Apóstolos começam a chorar seus pecados. Logo virão a Ressurreição, a Ascensão e Pentecostes!

Quanto mais vitorioso parece o demônio, mais próxima está a vossa vitória.

Nestes dias em que, pelo atrativo de uma liberdade mal compreendida, está-se chegando a um assombroso desregramento dos costumes, ao caos na cultura e à anarquia nos países, dai-me, ó Mãe, uma fé firme nas promessas que fizestes em Fátima, uma esperança abrasada de que elas não tardam em se cumprir, uma certeza da derrota da Revolução e da instauração de vosso Reino. Amém.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Oração: Ação de graças pelo sofrimento recebido

Ó minha Mãe, eu Vos agradeço por me terdes dado esta ocasião de sofrer por Vós, e Vos digo: quero esta dor! Eu a desejo porque Vós assim o quereis; e a desejo durante o tempo que Vós quiserdes! Ajudai-me na minha debilidade para que eu possa carregar esta cruz como Vós entenderdes. Eu a osculo como Nosso Senhor a osculou no momento de colocá-la sobre os ombros, porque desejo tudo sofrer.

Eu ficaria desolado se minha vida fosse sem cruz. A vida sem cruz é uma vida sem Vós e, portanto, aceito a cruz de todo o coração. Tenho a alegria de receber este sofrimento em união convosco e para Vos agradar.

Dai-me, ó Mãe, o amor e o senso da cruz!

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 5/12/1967)

A Virgem do Bom Sucesso

Nosso Senhor Jesus Cristo foi gerado pelo Espírito Santo em Maria Santíssima, virgem antes, durante e depois do parto. Quando a gestação tem como resultado o bom nascimento do filho, chama-se “bom sucesso”. Assim, Nossa Senhora do Bom Sucesso é o título conferido a Ela enquanto tendo dado à luz, maravilhosamente e do modo mais feliz possível, o Filho Divino que o Espírito Santo gerou em suas entranhas virginais.

A Lei mosaica ordenava que todo primogênito fosse apresentado no Templo e oferecido a Deus. Embora não precisasse cumprir esse preceito, pois seu Filho era o próprio Deus, Nossa Senhora nos deu um lindo exemplo de amor e de obediência à Lei, levando o Menino Jesus ao Templo onde o Profeta Simeão O aclamou como “luz para iluminar as nações” e “sinal de contradição” (Lc 2, 32 e 34).

O Bom Sucesso da Santíssima Virgem foi assim consagrado pela Apresentação do Menino Jesus no Templo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/2/1983 e 1/2/1984)

Oração para combater as afeições meramente terrenas

Minha Mãe e Senhora minha, quão grande foi o elogio que de Vós fez o Evangelho ao afirmar que — depois das inefáveis emoções da Anunciação, da Natividade, da Visita dos Reis Magos e da Apresentação no Templo — consideráveis todos estes fatos meditando-os em vosso Coração. Assim, nas emoções mais intensas que podíeis ter, Vós meditáveis.

Eram emoções indizivelmente ordenadas, e por isto em nada empanaram, antes favoreceram o exercício incomparavelmente lúcido de vossa meditação. Ordenadas, não apenas porque vossa natureza sem mancha não tinha a menor desordem, mas também porque vossas emoções resultavam da Fé e eram todas embebidas de Esperança e Caridade.

Olhai, suplico-Vos, para este filho tão diferente de Vós. Concebido com as desordens do pecado, agravado por toda espécie de infidelidades, ele nem de longe é tão sobrenatural quanto quisera, e por isso encontra-se tiranizado pelas impressões, sensações e tentações.

Fazei com que uma graça, vinda do mais íntimo de vosso Imaculado Coração, toque a alma deste vosso filho, separando-a dos aspectos terrenos, orientando-a exclusivamente para Vós e extinguindo, assim, os ardores das paixões que tanto a nublam, perturbam e tiranizam. Amém.

(Composta por Dr. Plinio em outubro de 1966)

Oração: “Mandai-me um raio de vossa luz”

Agradeço-Vos, ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, por terdes me chamado para a excelsa condição de escravo vosso.

Entretanto, movido pelo desejo de levar até a sua mais alta plenitude essa condição, sinto os obstáculos que as infidelidades anteriores à minha vocação deixaram nesta minha alma tão misericordiosamente amada por Vós.

Entre esses está, sobretudo, o mau hábito de me voltar continuamente para assuntos banais e triviais, neles perdendo a atenção e o tempo concedidos por Vós para me enlevar com o que é nobre, digno e sublime, conforme a Vós, ó minha Mãe, que sois mais elevada do que os céus e mais sublime do que todos os coros de Anjos e Santos.

Sempre que suceder sentir-me atraído para as coisas banais e triviais, mandai-me um raio de vossa luz que reacenda em mim o desejo das coisas elevadas e celestes.

Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, fazei-me humilde, submisso, forte, nobre e  invencível, para que eu seja um perfeito escravo vosso, um enlevado e imbatível Apóstolo dos Últimos Tempos. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Oração composta em 1967)

Nunca abandonar a oração!

Deus não ouve a prece do pecador” — é a desalentadora justificativa que uma pessoa provada poderia alegar para não seguir a máxima de Santo Afonso de Ligório, segundo a qual jamais devemos deixar de rezar. Em outro destacado trecho de seus comentários ao livro “A oração, grande meio da salvação”, Dr. Plinio nos ensina como vencer esse perigoso escolho na vida espiritual.

No espírito de muitos católicos se encontra subjacente uma séria objeção quanto à eficácia da oração do pecador. Não há mistério no fato de Deus atender as súplicas de uma alma reta, posto estar Ele em boas relações com os justos. Compreende-se que uma pessoa poderosa, mantendo bom  relacionamento com outra que lhe é inferior, seja propensa a satisfazer os pedidos dessa última.

O mistério, porém, começa a aparecer quando se trata das preces do pecador, pois este simplesmente não merece ser atendido: seja por se achar em estado de pecado mortal, ou porque, inconstante na vida espiritual, várias vezes se mostra infiel e não costuma corresponder bem à graça. Então, por que Deus há de atender às orações dele?

Dúvida corroborada pela Sagrada Escritura?

Claro, o problema se põe de forma mais aguda se considerarmos a fealdade do pecado mortal, o horror que Deus tem a essa falta grave e a quem a comete, impondo-se a pergunta: como alguém nesse estado esperará a benevolência divina em seu favor? Pode-se compreender facilmente que Deus, por um ato de sua vontade, queira acolher os rogos do pecador.

Mais difícil é, porém, compreender que o pecador possa ter a certeza de que o Senhor queira ouvir sua oração.

A posição razoável de um pecador diante de Deus pareceria ser esta: “Eu O ofendi, e não sei o que Ele fará, já que de vez em quando Ele atende alguns pecadores. Então, vou jogar também a minha ficha na roleta e tentar a sorte rezando alguma coisa. Deus me será propício, conforme esteja ou não de boas. Cabe a mim reconhecer a prerrogativa d’Ele de não me atender, pois eu pequei. O contrário seria afirmar que o pecador tem o direito de ser escutado por Deus, e não sei em que se basearia esse direito numa pessoa em estado de pecado mortal”. Para corroborar essa incerteza,  lemos frases terríveis da Escritura, mencionadas por Santo Afonso de Ligório.

Primeiro, uma do Evangelho de São João: “Deus não ouve o pecador” (Jo 9,31). Outra, mais séria, em Isaías: “Quando estenderdes as vossas mãos, apartarei de vós os meus olhos; e quando   multiplicardes as vossas orações, Eu não as atenderei” (Is 1,15). E do livro dos Macabeus: “Este celerado orava ao Senhor do qual não há de alcançar misericórdia” (Mac 9,13).

Ora, ao ler essas frases, a conclusão parece ser a seguinte: “Se estou em estado de pecado mortal, sou um celerado que reza para Deus e não alcançará misericórdia”. A muitas almas o problema se põe nestes termos pavorosos, e é assim que o devemos tratar nessa exposição.

Deus não desampara o que deseja se salvar

Com base em São Tomás e em outros Doutores, Santo Afonso de Ligório — ele mesmo um Doutor de grande autoridade — interpreta as frases da Escritura acima citadas. É verdade, diz ele, que Deus não ouve o pecador, porém quando se trata do faltoso que pede algo necessário para a realização do seu pecado. A situação é diferente se imaginarmos um pecador que deseje se emendar, mas tem apenas uma veleidade de se salvar… A partir desse ponto inicial, ele fará umas orações para mudar de vida, marcadas por veleidades.

Apesar de todos os pecados, infidelidades, ingratidões e imperfeições, se no ponto inicial ele tiver esse anseio orientado para a salvação, ainda que débil, a oração será atendida porque agrada a Deus.

É preciso analisar bem qual é o alvo da oração, para poder classificá-la. Aprofundando sua explicação, Santo Afonso de Ligório continua: quem está rezando para se salvar, ainda que faça uma oração tíbia, pode estar certo de que Deus não o abandonou, pois sua súplica só pode ter sido inspirada por Ele. Por pior que seja a pessoa, se ela faz um pedido tão meritório é porque em alguma fímbria de sua alma existe esse anelo de ser boa. Se está desejando, é porque em certo sentido vê a Deus e, portanto, Ele não a abandonou.

Com muito acerto, salienta Santo Afonso que Deus não nos dá desejos inúteis. Sabemos pela Fé ser impossível alguém pedir a própria salvação e santificação sem uma inspiração divina. Ora, seria burlesco da parte de Deus inspirar tal pedido, se de antemão Ele resolveu não atender nem santificar aquele que o faz. É impossível, Deus não age assim.

Basta, portanto, ao pecador ter um remoto, longínquo vislumbre de vontade de se santificar e rezar nessa intenção, para estar seguro de que Deus o atenderá. Quanto mais rezar, mais dons do Céu obterá. Havendo uma longa perseverança, ele acabará recebendo de Deus graças extraordinárias e se salvará.

A questão é não deixar de rezar. Santo Afonso de Ligório emprega uma imagem que eu gostaria de transformar em quadro, se soubesse pintar: um abismo sobre o mar, com todos os horrores imagináveis e uma pessoa suspensa por um fio, acima do precipício. Esse fio é a oração. Enquanto ele permanece ligado, há esperanças; caso contrário, a pessoa pode ter certeza de estar se  isolando e se distanciando de Deus.

Nessa ordem de idéias, há outra consideração mais profunda. Até mesmo quem pára de rezar é comparável ao arbusto partido e à mecha que ainda fumega. Assim, enquanto a pessoa viver, Deus lhe concede a graça de querer rezar. Se ela corresponder, o resto vem por si, pois a Providência a auxilia.

Na verdade, tudo se cifra em nunca parar de pedir a própria salvação e santificação.

E fazê-lo com importunidade. Como já vimos em anterior exposição, Santo Afonso de Ligório insiste nesse ponto: Deus quer ser importunado pelas nossas preces, que Lhe serão tanto mais agradáveis quanto mais persistentes. O homem que reza dessa forma pode esperar muito de Nosso Senhor.

Aquele que, por desconfiança da bondade divina ou por qualquer outra razão (como negligência ou preguiça) não puxa a corda da importunidade, pode não ser atendido conforme deseja.

O regime da misericórdia e o da justiça

Desenvolvendo agora mais um aspecto da nossa pergunta inicial, importa saber porque Deus age razoavelmente  atendendo à oração do pecador.

A resposta se filia a outra questão muito simples: por que Deus, depois do primeiro pecado mortal, não tira a vida do pecador, mas permite-lhe passar por um período de provas? Para determinar a solução do problema, devemos recorrer a uma ordem de considerações que diz respeito à diferença entre o ato de vontade do anjo e o do homem.

São Tomás de Aquino explica que a vontade angélica, por natureza, adere ao objeto apetecido, de maneira inamovível, ao passo que a humana o faz de modo movível. Assim, uma vez tendo se decidido por algo, o anjo não volta atrás. Donde, cometido o primeiro pecado, é natural que o anjo fosse precipitado no inferno.

Com o homem, porém, em virtude da natureza variável de seu ato de vontade, não se dá o mesmo. Deus benignamente contemporiza com ele, proporcionando-lhe outras oportunidades, porque conserva em relação ao homem uma solicitude e um amor — por assim dizer — suspensos pelo pecado, mas não destruídos na sua raiz.

Agindo dessa sorte, Deus é como um pai que não se decide a expulsar de casa o filho que lhe dá muitos dissabores. Poderá até castigar o rebento ruim, mas se não o rechaça, é porque conserva intactos uma certa raiz de boa vontade para com ele, e um certo lado por onde ele ama o filho, pois há uma probabilidade de este se converter.

Sim, Nosso Senhor mantém de pé esse ato de amor em relação a todos  os homens vivos neste mundo, e está disposto, a todo momento, a torná-lo efetivo, por pouco que nos voltemos para Ele.

Entretanto, esse regime cessa no momento da morte: a misericórdia termina e começa a hora da justiça. Enquanto isto não acontece, estamos no regime e na era da clemência. Deus Nosso Senhor ampara o homem, e é razoável que o faça.

Então, não será árduo entender que, na economia normal da Providência, toda pessoa possui razões para ter confiança, estando viva. A ideia do indivíduo abandonado, que nem sequer rezando obtém o que pede, é de fundo calvinista. A noção de um destino que se realiza independentemente da vontade humana, não é católica e deve ser banida do nosso subconsciente.

Se estamos vivos corporalmente, temos a possibilidade de readquirir a vida da alma. Em conseqüência, sempre vemos aberta diante de nós a porta da esperança. E ainda que pecador, o homem pode confiar na sua conversão e emenda, com a alegria de se saber vivendo no regime de um Deus bom, que o ouvirá tão logo se volte para Ele.

A confiança, condição para vencer o desespero Essa disposição de alma se faz mais necessária nesta época em que a vida espiritual está mudando sob o signo do desespero. À medida que a existência moderna, com seus horrores, torna-se mais difícil para todo o mundo, as pessoas vão tendo cada vez mais atitudes próximas ao desespero, e vai se multiplicando o número de homens com uma espécie de tendência natural malévola de desconfiança em relação a Deus. Não querem contas com Ele: “Deus é um e eu sou outro. Eu me arranjo por mim, não tenho pacto de amor nem de amizade com Deus. Ponha-se Ele do seu lado como entender; eu vou me arranjar por mim”.

Almas assim têm quase uma espécie de raiva da misericórdia de Deus, a ponto de, às vezes, até não gostarem que outros rezem por elas, pois  não desejam sequer se servir de um guincho para sair de seus problemas espirituais.

Quantos desses espíritos rebarbativos ainda acreditarão na misericórdia, quando chegar o momento de a justiça divina se manifestar? E quantos terão confiança na bondade de Deus, de modo a suportar todos os sofrimentos com a convicção de que, no fim, tudo acabará dando certo? Tenho a impressão de que só os confiantes poderão atravessar essa época de caos e desespero. Quem não confiar, enfrentará muita dificuldade, devido a esse pessimismo espiritual decorrente de um pessimismo em relação à vida temporal.

Nesse sentido, recordo-me de um fato que se deu comigo há certo tempo, e que me causou não pequena impressão. Ao sair da faculdade em que dera aula, tomei um táxi de volta para casa e disse ao chauffeur (pessoa, aliás, inteligente): “Vamos para a Rua Alagoas, 350”. Ele respondeu: “Já sei”. Quando indiquei o melhor caminho a tomar, ele me atalhou: “Já seeei, já seeei…”

Fiquei quieto. Ele continuou: “Eu não prestei atenção em quem entrou no automóvel, mas o reconheci pela voz, porque eu fui pegar o senhor em tal noite de Natal, na Rua Alagoas, 350. Levei-o para assistir à Missa do Galo nas Perdizes. Além disso, o senhor vai muito a uma casa da Rua Martim Francisco, de onde, às vezes, eu o conduzo para a sua residência. Era um chauffeur de um ponto das vizinhanças. Para ser amável, fingi que também o reconhecia, e lhe perguntei-lhe:

— Como é que você vai?
— Eu vou mal! Sou diabético. Era tratado por um ótimo médico, mas ele morreu e não me cuidei mais. Agora como de tudo, sem me preocupar com regimes.— Não faça isso, é um absurdo!
— O que vai acontecer?
— Você vai morrer!
— Esta vida é tão horrível… Deixa eu morrer de uma vez. Eu como à vontade.

Com essas palavras ele queria dizer: “A vida é tão horrorosa, que o único prazer que tenho é a gastronomia. Então é melhor aproveitar este deleitezinho e depois morrer, do que continuar vivendo”.

Para assustá-lo, disse-lhe que isso era contra a caridade que se deve ter para consigo mesmo. Não adiantou.

— Você ficará cego! — insisti. Conheço casos de diabéticos que acabaram perdendo a visão.

Ele aí se assustou e resolveu consultar outro bom especialista.

Premunir-se contra o pessimismo por meio da oração

O estado de espírito desse chauffeur é bem característico e freqüente nessa época contemporânea: “Vivo para gozar. Enquanto houver um pouquinho de prazer na vida, quero devorá-lo. Suprimido esse pouquinho, já não me interessa viver. Contudo, se há possibilidade de eu ficar cego e a minha existência piorar, então to tomo providências, porque senão seria uma tragédia.” Ora, hoje em dia as almas precisam se premunir muito contra esse pessimismo, compreendendo bem que, apesar de todas as aparências em contrário e dos horrores em que  estamos, Deus é bom, e a vida  terrena pode dar certo, pelo menos na perspectiva do Céu. E se ela tem  sentido em ordem à bem-aventurança eterna, não é preciso mais nada, pois o Céu explica tudo.

Assim, devemos viver com alegria e coragem. Mas, essas disposições não se alcançam sem a oração. Se  não houver a prece perseverante, insistente, confiante, dando-nos sempre esperança,  ficamos entregues às catástrofes interiores, crises nervosas, pavores, psicoses… Este é, realmente, um dos pontos mais importantes a serem meditados no ensinamento de Santo Afonso de Ligório.

Confiança na prova e na borrasca

Quanto é doce, Senhora, vossa afabilidade! E quão imperscrutáveis vossos desígnios! Vós nos fazeis sentir de mil modos — nos dias de penumbra, como nos de luz — as delicadezas radiosamente sábias de vossas vias. E, ao mesmo tempo, as minúcias de vossas misericórdias. É o conjunto de luzes que acendeis ao longo de nossos passos.

Luz necessária, porque desejais que caminhemos,  o mais das vezes, cercados de sombras, encontrando mil pedras pelo caminho e, não raro, atrás das pedras, emboscadas inesperadas.

Quereis que confiemos na  prova e na borrasca. Mandais uma e outra para que sejamos abnegados. E mandais vossas carícias para que avancemos na Fé. Essa é a majestade régia de vossa via. Ajudai-nos ao longo dela, ó Senhora de Sabedoria e Mãe de Misericórdia. Amém.

(Oração composta por Dr. Plinio)