Significado da Realeza de Jesus Cristo

O Reino de Deus está dentro de nós. Ora, apesar de pequeno como extensão, ele possui um valor infinito porque custou o Sangue de Cristo. Por isso, cada um de nós deve conquistá-lo para Nosso Senhor, destruindo tudo aquilo que, em nosso interior, se oponha ao cumprimento de sua Lei.

 

o domingo em que a Santa Igreja de Deus celebra a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, encher-se-ão, no mundo inteiro, os templos católicos com uma multidão piedosa, que irá depositar aos pés dos altares suas súplicas e suas orações. Contemplando em espírito essa imensa multidão, composta de pessoas oriundas de todas as raças e de todos os pontos do globo, tão numerosa que, segundo a previsão do Apocalipse, “ninguém a pode recensear” (Ap 7, 9), um pensamento se apodera de mim. E ao mesmo tempo experimento o desejo imperioso de o comunicar aos meus leitores.

Uma verdade áspera e dolorosa

Ser-me-ia, sem dúvida, muito mais grato e fácil cingir-me exclusivamente a considerações de ordem geral sobre a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho, porém, a certeza de que tais considerações outros as farão. Mas o pensamento que está em mim, posso eu porventura ter a certeza de que todos os demais o tiveram, e de que, em hipótese afirmativa, o externarão? Uma dolorosa negativa me responde a esta pergunta. E por isso, deixando a outros uma tarefa, aliás, incontestavelmente indispensável e fundamental, vou fazer a mais ingrata, obscura e desagradável, porém mais necessária: a de dizer uma verdade áspera e dolorosa neste grande dia de festa.

Os bons pensamentos têm isto de característico que, quando aproveitados, servem de remédio tanto a nós mesmos quanto ao próximo. Quando, porém, nós os rejeitamos em nossa vida interior, ou os calamos em nossas relações com o próximo, eles se transformam, segundo São Paulo, em carvões ardentes que nos causticam e calcinam a alma. Ai dos que receberam e, por egoísmo ou covardia, não atenderam aos bons conselhos! Ai também dos que, por covardia ou egoísmo, calaram os bons conselhos que poderiam ter dado! Estes conselhos salutares, que eles não externaram, queimá-los-ão a eles próprios pelo interior, como brasas ardentes. E no dia do Juízo serão levados à conta de talentos inaproveitados.

Quando pronunciou, em Lisieux, sua magistral alocução, o então Cardeal Pacelli, já predestinado pelo Espírito Santo a reger futuramente a Igreja de Deus, fez uma queixa amarga que nos cabe recordar. Disse ele que, entre os muitos homens que desobedecem hoje às palavras dos Pontífices, há uma categoria que causa especial mágoa ao Papa. Não se trata dos que não têm Fé e nem dos que, tendo uma Fé morta e inoperante, não procuram ouvir o que o Papa lhes diz. Os que mais fazem sofrer o Papa – e este é o ponto que nos interessa – são os que, aos pés do púlpito, em atitude externa correta e reverente, ouvem a palavra do Vigário de Cristo comunicada pela hierarquia eclesiástica, mas não a compreendem, se a compreendem não a amam, e se a amam platonicamente não lhe dão execução!

“Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam”

Assim, no dia de hoje, quantos e quantos católicos, elevados pelo Batismo à dignidade de cidadãos do Reino de Deus, nem sequer cumprirão o preceito dominical! Quantos outros católicos ainda, indo à igreja, ouvirão algum sermão sobre a Realeza de Jesus Cristo, sem saber, entretanto, e sem procurar saber em que sentido se deve atribuir a esta tão clara e tão litúrgica festa!
Quantos católicos, finalmente, acompanhando até o próprio texto da Liturgia Sagrada, lerão as maravilhosas lições que ela contém sobre a Realeza de Jesus Cristo e não a compreenderão! Quantos católicos que procuram implantar o Reino de Cristo no mundo inteiro, esquecidos ou ignorantes de que devem começar por implantar dentro de si mesmos! E quantos outros supõem que podem implantar realmente dentro de si o Reino de Cristo, sem sentir um desejo ardente e devorador de o implantar no mundo inteiro! Em outros termos, não são tais católicos do mesmo jaez daqueles que ouvem corretamente, porém só com ouvidos do corpo e não com os da alma, o que lhes diz a Igreja pela voz dos Pontífices?

A doutrina da Realeza de Jesus Cristo está intimamente ligada à belíssima e piedosíssima prática da entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares. Se se entroniza a imagem do Sagrado Coração de Jesus no lugar mais nobre do lar, é exatamente porque se reconhece que Ele é Rei. Entretanto, quanto lar há por aí em que a imagem está entronizada na sala, mas Cristo não está entronizado nos corações!
Evidentemente, não quero exagerar a tristeza já, de si, tão grande deste quadro, cometendo a injustiça de desprezar o que há de belo e de bom, apesar dessas lacunas. Qualquer ato de piedade, qualquer atitude de reverência para com a Igreja de Deus, por mais superficial e insignificante que seja, deve ser por nós, católicos, apreciado, amado e estimulado com um zelo imenso, reflexo direto de nosso amor a Deus. Longe de nós, pois, um pessimismo de sabor farisaico que nos fizesse contestar todo e qualquer valor a essas práticas de piedade, desde que sejam sinceras, por mais que a frieza ou a ignorância lhes toldem o brilho sobrenatural.
Entretanto, feita esta reserva, a verdade aí está: a queixa de São João ainda hoje é muitas vezes procedente: in propria venit et sui eum non receperunt… (Jo 1, 11)1

Cristo é Rei por ser Deus

Não seria, aliás, difícil conhecer a Doutrina da Igreja sobre a Realeza de Jesus Cristo. Na sua infinita misericórdia, Deus Se dignou de comparar o amor infinito com que nos ama ao amor que nos têm nossos pais. Evidentemente, não quer isto dizer que Ele tenha reduzido na comparação as insondáveis dimensões de seu amor, para as amesquinhar até as proporções exíguas dos afetos de que os homens são capazes. Pelo contrário, se Ele serviu-Se dessa comparação do amor paterno foi apenas para nos dar a entender, de longe, o quanto Ele nos ama. Se dermos à palavra “pai” o sentido que ela tem na ordem natural, Deus não é apenas nosso Pai, mas muito mais do que isto, por ser nosso Criador. Porém, como a função de pai, na natureza, não é senão de coadjuvar a Deus na obra da Criação, se alguém merece na realidade o nome de Pai é Deus. E nosso pai segundo a natureza outra coisa não é senão o depositário de uma parcela da paternidade que Deus tem sobre nós.

O mesmo se dá com a Realeza de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender a autoridade absoluta que, como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus Cristo dignou-Se de Se comparar com um rei. Entretanto, como é por Ele que reinam os reis, e a autoridade dos reis só é autêntica por provir d’Ele, na realidade, o único Rei, Rei por excelência, é Ele. E os reis ou chefes de Estado não são senão seus humildes acólitos, dos quais Ele Se digna servir-Se na obra da direção do mundo. Cristo é Rei por ser Deus. Chamando-O de Rei queremos simplesmente afirmar a onipotência divina, e nossa obrigação de Lhe obedecer.
Obediência! Eis aí um dos conceitos contidos essencialmente no conceito da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cristo é Rei, e a um rei se deve obediência. Festejar a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar seu poder sobre nós. E, implicitamente, nossa obediência em relação a Ele.
Como é que se obedece a um rei? A resposta é simples: conhecendo-lhe as vontades e cumprindo-as com amorosa e pormenorizada exatidão. Assim, pois, o único modo de obedecermos a Cristo Rei é conhecer sua vontade e segui-la.

 

Sejamos soldados de Cristo Rei

Desta noção tão clara, simples e luminosa um programa de vida, também ele claro, luminoso e simples, se segue.
Para conhecer a vontade de Cristo Rei devemos conhecer o Catecismo. Porque é ali, através do estudo dos Mandamentos, estudo este que só será completo com o de toda a Doutrina Católica, que conhecemos a vontade de Deus. E para seguir esta vontade devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos e por nossas boas obras. Finalmente, pela vida interior, isto é, pela leitura espiritual, pela meditação e pela vida vivida exclusivamente à luz do Catecismo, seguiremos a vontade de Deus.
Disse Nosso Senhor que o Reino de Deus está dentro de nós mesmos. Ora, este pequeno Reino, pequeno como extensão, mas infinito como valor porque custou o Sangue de Cristo, cada um de nós o deve conquistar para Nosso Senhor, destruindo tudo aquilo que, dentro de nós, se oponha ao cumprimento de sua Lei.
Finalmente, as Leis de Cristo se aplicam não apenas a um indivíduo em particular, mas aos povos e nações. Que os povos conheçam e pratiquem na sua organização doméstica, social e política, as encíclicas que são a expressão da própria vontade de Deus, e Jesus Cristo será Rei.
Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos, seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.v

(Extraído de O Legionário n. 372, 29/10/1939)

1) “Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam”.

 

Santa Catarina de Alexandria

Sobre a morte da Santa Catarina, virgem e mártir,  o Abbé Daras, na “Vida dos Santos”, tem essa narração:

“Maximiliano, imperador, ordenou a morte de santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração: ‘Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da fé e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a cruz, para receber minha alma, que eu sacrifico à glória de Vosso Nome. Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância e lavai minha alma no sangue que vou derramar por vós. Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam. Baixai vosso olhar sobre esse povo e dai-lhe o conhecimento da verdade. Enfim, Senhor, exaltai em vossa infinita misericórdia aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que Vosso Nome seja para sempre bendito’.

“Em seguida mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe. Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre pedra sua Lei, que ela guardava tão fielmente escrita em seu coração.”

Esse trecho é de uma tal elevação que quase se lamenta ter que comentá-lo. Ficaria mais satisfeito deixando assim o texto brilhando no céu, no horizonte, suspenso, sem apoio nenhum na realidade, emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

“Ela foi conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.”

Se os senhores pensarem que são sobretudo as senhoras de alta condição que encabeçam as extravagâncias hoje em dia, os senhores vêem como as situações têm mudado. E quanto ainda tem de possibilidades um país onde as senhoras de alta condição acompanham, ao lugar do suplício, solidarizando-se com ela, chorando junto com ela, uma mártir que foi fulminada pela cólera do imperador. Um imperador onipotente, que pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, essas damas vão todas, com Santa Catarina, e vão chorando.

O bonito, para verem a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça, é que elas vão chorando e está bem que elas vão chorando. Mas contrasta, pela sublimidade, com isso, com esse dom das lágrimas que as mulheres tiveram nesse momento, o fato de que Santa Catarina não chorava. Ela permanecia quieta, e com uma grande calma. Ela caminhava de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo de outra natureza, por onde ela não chorava para si aquilo que a graça queria que as outras chorassem para ela. E como deveria ser impressionante esse cortejo de damas, andando, no meio dos soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar a todas que tivessem tranqüilidade, que tivessem consolação, até chegar o momento em que ela devia morrer.

Aí, no fim da vida, ela faz uma oração. Essa oração é muito bonita e tem aquela forma especial de beleza que tem certas coisas muito bonitas quando não são inteiramente consequentes na sua lógica. São um conjunto de afirmações, como raios de luz que procedem de um mesmo foco, mas que brilham com uma beleza própria no horizonte. Então, os senhores vêem aqui a ideia dela:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus”…

… é para afirmar que Ele era o Deus dela e que ela não reconhecia outro Deus senão Ele. Então, a primeira coisa que ela diz, no momento de morrer, a primeira graça, a primeira palavra, o primeiro pensamento dela é para essa primeira graça:

“Eu vos agradeço por terdes firmado meus pés sobre os rochedos da fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.”

Quer dizer, eu vos agradeço por ter pertencido a vós. Vós que sois a fonte de minha salvação, Vós que sois o ponto de partida de todo o bem que pode haver em mim, Vós que, se eu sou boa, é porque Vós sois bom e porque Vós me destes o ser boa: eu vos agradeço a fé que me destes e a firmeza que me destes na fé; eu vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que vós me destes no amor à virtude. Isso é o primeiro que vos agradeço, reconhecendo que tudo que em mim há, à vossa iniciativa eu devo.

“Abri agora vossos braços feridos sobre a cruz para receber minha alma que eu sacrifico à glória de Vosso Nome.”

Pode haver uma coisa mais bela do que isso? O Divino Crucificado, com os braços todos sangrando, que os desprende da cruz para receber a alma dela que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele. Que maravilhosa intimidade! Que encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que ideia do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima intimidade com Nosso Senhor! Ela tinha de tal maneira a ideia de que a alma dela estava unida a Ele, que a morte selava essa união, que ela pedia que Ele a abraçasse, logo que ela entrasse na eternidade. Que certeza de ir para o Céu!

Depois dizia:

“Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas …” – ou seja, que somos feitos os dois! – “Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância e lavai minha alma no sangue que vou derramar por vós”.

Quer dizer, ela tinha medo de, por ignorância, ter cometido alguma falta: era o que ela tinha para se acusar. Então, lavai a minha alma no vosso Sangue. Antes de ir para o Céu, antes de derramar o meu sangue por vós, eu quero que vós laveis a minha alma no vosso Sangue.

“Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância… Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam. Baixai vosso olhar sobre esse povo..Agora outro pensamento. Ela, depois de ter pensado em sua alma – pede que seja recebida por Nosso Senhor, que seja lavada das faltas que tenha, – pensa no corpo dela. Então pede que o corpo dela não seja deixado em mãos dos inimigos dela, daqueles que a odeiam porque odeiam a Ele.”

Vejam que respeito pelo corpo próprio! Que respeito pela santidade do corpo que foi um conosco na realização da virtude! Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, que os anjos vieram e levaram o seu corpo. Para onde? Para a montanha mais augusta que há na terra, depois do Gólgota, depois do monte Calvário, e que é o Sinai, aonde a Lei de Deus foi dada aos homens. A coisa mais bela do Sinai é, certamente, a Lei de Deus, e para ali seu corpo foi levado. Os senhores sabem que até hoje o corpo dela está lá, e há um mosteiro de monjas contemplativas, no deserto do Sinai, que guardam esse corpo, e que meditam sobre a Lei de Deus que ali foi concedida aos homens.

“Baixai vossos olhos sobre esse povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.”

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

“Enfim, Senhor, exaltai em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito”.

Ela pede desde já a Deus que atenda a todo mundo que por meio dela pedir alguma coisa.

“Em seguida mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe. Era o dia 25 de novembro.”

A calma e a resolução! Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte correndo em direção a ela. Não, ela diz tudo quanto tem que dizer. E terminado isso, ela se entrega às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela se atende.

“Era o dia 25 de novembro. E numerosos milagres foram logo constatados..

Fala dos anjos que foram lá. E assim nós temos as considerações dessa grande santa, mártir, para algum efeito de caráter espiritual em nós.

Qual é o efeito que nós devemos pedir? Devemos pedir a ela que se, na luta ideológica contra o comunismo, contra outros adversários da Igreja, tivermos que sofrer riscos, ou talvez perder a vida, tenhamos aquela serenidade perante a morte que só a graça dá.

Porque perante a morte só há duas espécies de pessoas serenas: o cretino ou o homem movido pela graça de Deus. A morte é uma coisa tão tremenda – a separação entre a alma e o corpo, a liquidação do ser, o aparente afundar no nada -, que a gente só compreende a serenidade diante da morte ou do cretino, que está cronicamente habituado a não medir a importância do que lhe vai acontecer, ou então do homem que está dominado pela graça.

Vamos pedir, pois, que em todas as ocasiões da vida, tenhamos essa calma diante do risco; e calma que seja levada até o sacrifício extremo, caso essa seja a vontade de Nossa Senhora.

Plínio Corrêa de Oliveira (extraído da conferência de 24 de novembro de 1965)

Santa Isabel da Hungria – Constância em meio à dor

A Idade Média pode ser comparada a uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras foi Santa Isabel da Hungria, glória da Ordem Terceira Franciscana e um dos ornamentos da Cristandade

O calendário dos santos nos traz à memória Santa Isabel, viúva e religiosa, que viveu no século XIII, filha do Rei André II da Hungria e esposa de Luís, “Landgraf” da Turíngia.

O que era um “Landgraf”? Ao pé da letra, “land” significa terra e “graf”, conde. O “Landgraf” é um Conde da Terra. E foi com um grande senhor feudal, um príncipe, que ela se casou.

Muitos santos passam por dramas

Eu gostaria de considerar a biografia de Santa Isabel da Hungria debaixo de um ângulo muito interessante, que é o seguinte:

O itinerário, a linha geral, da vida de muitos santos se parece com o de Santa Isabel da Hungria. É uma situação inicial, um drama que leva a pessoa até ao heroísmo, depois se passam alguns anos de aperfeiçoamento e de estabilidade na quietude e no heroísmo, é a santificação, e por fim a morte.

Pode-se encontrar isso na vida de quase todos os santos que mudaram o seu estado de vida.

O santo mais característico nesse sentido é Santo Inácio de Loyola, um gentil-homem que frequentava a corte, era guerreiro e tinha todas as ambições costumeiras de um fidalgo de seu tempo. Entretanto, abate-se sobre Inácio o drama, que começa com o ferimento no cerco de Pamplona e termina quando ele fundou a Companhia de Jesus; foi uma fase convulsionada e difícil de sua vida. Fundada a Companhia de Jesus, inicia-se outro período de luta, mas com certa estabilidade. Depois de algum tempo ele morre.

Assim foi também com Santa Teresa de Jesus. Ela era tíbia, quer como pessoa do século, quer como religiosa, mas que depois se transformou tanto, a ponto de ser um vergel de santidade até os dias atuais. Mas é o drama: a religiosa tíbia que passa a ser fervorosa e fundadora e tem de enfrentar inúmeras dificuldades e tragédias. Depois, segue um período de estabilidade; a obra está fundada, ela é a Superiora Geral, dirige-a por algum tempo e morre.

No castelo de Wartenburg

A mesma coisa se passou com Santa Isabel. Ela era filha do Rei da Hungria e esposa do Duque da Turíngia. Era, portanto, uma senhora de alta posição social, que vivia na perfeita prática da virtude. Não se pode falar propriamente de sua conversão, mas ela vivia feliz no século. Deus a destinava a ser uma glória da Ordem Terceira dos Franciscanos, para iluminar e tornar-se um dos ornamentos da Cristandade medieval.

A Idade Média pode ser considerada como uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras ornamentais e inspiradoras é exatamente Santa Isabel da Hungria.

Ela foi para o Castelo de Wartenburg, na Turíngia, aos quatro anos de idade. Naquele tempo prevalecia a ideia — pelo menos nas altas camadas sociais — de que era conveniente mandar as meninas para os castelos das famílias onde deveriam se casar. Pois poderiam receber toda a formação do lugar e assumir inteiramente todos os seus costumes, embora elas fossem livres de dizer “não” no momento em que atingissem a maioridade, e de fato não se casassem.

Santa Isabel foi para lá e teve uma vida muito feliz. Ela e seu esposo deram-se muito bem.

O leproso acolhido no castelo

Entretanto, o que acontece na realidade é que os verdadeiros filhos de Deus sempre acumulam em torno de si a inimizade das pessoas más e invejosas. Não existe nenhum verdadeiro católico que não seja perseguido. Nosso Senhor Jesus Cristo já prevenira aos seus de que todo autêntico discípulo d’Ele seria perseguido como Ele o foi.

Santa Isabel tinha contra si toda espécie de odiosidades, que vinham, muitas vezes, devido a sua prática da perfeição. Os ímpios e invejosos exploravam aspectos de suas virtudes que eram incompreensíveis a eles, pois tinham mau espírito.

Assim, por exemplo, em certa ocasião ela acolheu um leproso que viu passar pela rua e o convidou a entrar em seu castelo, deitou-o em seu leito e começou a tratar dele como se fosse o próprio Cristo, à vista daquela palavra de Nosso Senhor de que todos os sofredores representam a Ele. A sogra de Santa Isabel soube disto e procurou a Luís, seu filho, e lhe disse: “Veja o que sua esposa está fazendo! Colocou um leproso em sua cama, para que depois você seja contagiado! Vá até lá e veja que estou falando a verdade!”

Ele foi e encontrou o leproso deitado na cama, e disse:
— O que é isto? O que significa este homem deitado neste leito?

Ela respondeu:
— Meu esposo, este homem é Nosso Senhor Jesus Cristo.

No momento em que ela afirmou isto, deu-se o milagre e o Duque viu, no leproso, a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E sentiu um admirável odor de rosas, que se expandia da pessoa do leproso. Ele ficou profundamente impressionado e a sogra perdeu a partida.

O Duque Luís era muito bom homem. Ele partiu para a Cruzada, foi contagiado pela peste e acabou morrendo.

Terrivelmente perseguida, refugiou-se numa floresta com seus filhos

Desde então, a perseguição se desencadeou contra Santa Isabel de um modo trágico. Ela, que era Duquesa da Turíngia e filha do Rei da Hungria, teve de morar num estábulo de porcos. Foi uma perseguição tremenda, que nos faz ver bem qual é a realidade das misérias humanas.

As pessoas que a desprezaram eram as que tinham sido beneficiadas por ela, mas que agora se manifestavam frias na hora do infortúnio. Em vez de irem ao encontro dela, afastavam-se, mantinham distância, pois estavam com medo das represálias que poderiam sofrer pelos que odiavam a Santa Isabel.

Certa noite ela acabou sendo acolhida num convento, no qual foi muito bem recebida, mas depois teve de se retirar, porque seu cunhado estava se aproximando. Antes de sair, pediu que se cantasse o “Te Deum”, para dar graças a Deus pelos sofrimentos pelos quais ela estava passando. Logo depois que saiu, caiu uma forte chuva sobre ela e seus filhos. E era uma chuva de inverno europeu, água gelada! E Santa Isabel, escondida numa floresta com seus filhos, sofrendo tudo aquilo teve um desfalecimento; parece ter sido tentada a ter dúvidas contra a Fé. Não se sabe qual foi o grau de seu consentimento, mas de qualquer maneira ela se penitenciou a vida inteira por isto. A Providência a perdoou, e ela chegou até a mais alta santidade. A fortuna lhe foi restituída, mas ela não quis voltar para as regalias antigas e dedicou-se de corpo e alma à Ordem Terceira dos Franciscanos.

A partir do momento em que seu marido vai para a Cruzada e morre, se inicia o drama para Santa Isabel: Ela fica sozinha, perde o ducado, é perseguida e começa para ela uma vida muito mortificada e miserável. Passa por dilacerações tremendas, e a boa moça se transforma numa heroína, depois na santa que vive todo o tempo na santidade e por fim morre. São três etapas que se pode verificar em muitas vidas de santos.

Isso também se verifica na vida comum: uma família se constitui, luta para ganhar a vida, formar e santificar os filhos, fazendo deles verdadeiros cumpridores da Lei de Deus. Quando essa batalha é vencida, os pais já estão velhos, têm um período de estabilidade e depois vem a morte.

Provavelmente isso se dará conosco. Nós temos um período de germinação, e depois de um período de lutas também chegará a ocasião de preparar a nossa alma e prestarmos contas a Deus.

A vida não teria sentido se não houvesse a luta

Devemos compreender, portanto, que todos os dramas da vida fazem parte dessa arquitetura e que a existência não teria sentido se não fosse exatamente esse aspecto de luta, de tragédia, de martírio, em função do qual todo o resto se desenvolve. Uma coisa é a preparação e outra é a conclusão, mas o importante é a parte da luta, a fase dramática, na qual o homem dá tudo quanto tem, tudo quanto pode dar!

E precisamos nos preparar para isso com muito entusiasmo, como um cavaleiro se preparava durante sua vigília de armas. Compreendendo que a fase mais importante da vida vai ser essa: algum momento, por vezes interior, em que a pessoa transpira sangue como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras. Mas ela tem um ato de fidelidade e vai para a frente, confiando na misericórdia de Nossa Senhora. É o ápice da vida!

Feliz aquele cuja vida apresenta muitos ápices, que desfecha num ápice central! Compreendemos então a beleza da vida de cada homem, considerada sob este aspecto.

A vida de Santa Isabel da Hungria nos apresenta exatamente um exemplo muito frisante, muito importante. Peçamos a ela que nos dê a coragem nessas grandes horas e o desejo dessas grandes horas.

Devemos ver também na vida desta santa um exemplo de constância em meio às piores desgraças. Há duas formas de constância na desgraça: uma quando a desgraça acontece e a pessoa a suporta. Outra quando a pessoa prevê a desgraça, fita-a com olhos calmos e oferece a Nossa Senhora o sacrifício que vai ter, e faz a oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: “Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”

Essa foi a vida de Santa Isabel da Hungria, e assim deve ser a nossa. Na calma, a resignação de ver as desgraças pelas quais devemos passar e ter a constância no decurso delas. Isso não se pode conseguir a não ser seguindo o exemplo adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo: na hora da aflição vigiar e orar para não cair em tentação. Peçamos isso a Nossa Senhora, cuja prece é onipotente!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/11/1965 e 18/11/1966)

Dedicação da Basílica de São João de Latrão

“9 de novembro do ano de 324 foi o dia da dedicação da Basílica de Latrão. Em 315 o Imperador Constantino tinha ordenado a construção da Basílica.”

Constantino foi o imperador que libertou a Igreja e A tirou das catacumbas. Então, coerentemente com o seu gesto, ele ordenou a construção da Basílica, local onde parece se erguia o palácio da sogra dele, da família dos Laterani. Eu não sei se isto é inteiramente indiscutível na historiografia de hoje, mas algum tempo atrás se admitia como sendo assim, e provavelmente é. Esse lugar ficou se chamando a Basílica de Latrão e o Papa Silvestre consagrou a Basílica ao Santíssimo Salvador, cuja imagem, mostrada então aos fiéis depois de séculos de perseguição, lhes pareceu uma aparição divina.

Pode-se imaginar qual foi a emoção, qual foi a alegria dos católicos de Roma quando, depois de séculos de catacumbas, séculos de perseguição, vêem aparecer uma basílica grandiosa em Roma, afirmando o esplendor do culto católico pela primeira vez, na mais importante cidade do mundo. Os senhores podem imaginar a alegria deles quando viram, ao ar livre e à luz do dia, uma imagem grandiosa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora, os senhores imaginem em Roma, a própria imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo exposta aos olhos de todos e recebida por todos com veneração, e o culto pagão quebrado, proscrito e fora da lei.

Continua a nota biográfica:

“os Papas fizeram sua residência num palácio próximo da Basílica. Realmente, o palácio anexo a Latrão foi durante muito tempo residência dos Papas, que se tornou assim sua catedral e que por isso foi chamada Cabeça e Mãe de todas as igrejas, de Roma e do mundo. Dois incêndios que sobrevieram no século XIV, e o abandono em que ela foi deixada durante a presença dos Papas em Avignon – os peregrinos que iam a Roma encontravam o gado pastando dentro das igrejas, por causa da erva que crescia lá dentro. Galinhas, pombos, outros bichos, morando dentro de igrejas e ocupando, inclusive, os altares…”

“sua construção quase inteira. A Basílica foi novamente consagrada, desta vez em honra de São João Batista e de São João Evangelista.”

Então a Basílica do Santíssimo Salvador tem esses dois padroeiros secundários. Quem visita Roma nota uma diferença que chama atenção, entre a Basílica de Latrão e a Basílica do Vaticano. A Basílica de São Pedro é nova, é “chibante”, é gloriosa, é magnífica, parece construída ontem, tem todo o esplendor da Renascença.

A Basílica de São João de Latrão é muitíssimo menos sensacional; é muito mais discreta, mas tem um tom de “grande dame”, tem uma nobreza, tem uma grandeza, tem uma paz, tem uma consciência de sua própria dignidade que a Basílica de São Pedro não tem.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – extratos de conferência de 9-11-1965