A Epifania do Senhor

A Epifania — palavra grega que significa “manifestação” — celebra a primeira aparição de Jesus a todos os povos, representados pelos Reis Magos ajoelhados diante do Menino-Deus.

Sentado no colo da Virgem-Mãe, como se fosse num trono, Nosso Senhor começou a receber a adoração de todas as nações que, no decorrer da História, haveriam de desfilar, reverentes e transidas de amor, aos pés d’Ele, em um longo cortejo. E a todas, o Redentor cumulará de graças, favores e dons celestiais.

Plinio Corrêa de Oliveira

Diante do Presépio

“Deus, ei-Lo exorável e ao nosso alcance, feito homem como nós, tendo junto de Si a Mãe perfeita, Mãe d’Ele mas também nossa, …e São José, o varão sublime, que reúne em si a maravilhosa antítese das mais diferentes qualidades.

Ao contemplá-Los, nossas almas crispadas se distendem. Nossos egoísmos se desarmam.

A paz penetra em nós e em torno de nós…”

Plinio Corrêa de Oliveira

O Menino-Deus e sua Mãe

Quais seriam os pensamentos do Menino Jesus recém-nascido, reclinado no presépio?

Evidentemente, Ele pensava nos esplendores da Santíssima Trindade, dos quais a Segunda Pessoa participa em estado de união hipostática com a sua Humanidade. E deveria cogitar também em Nossa Senhora, a obra-prima de toda a criação, sua Mãe, a qual Ele tanto amava e se extasiava em considerar e acariciar.

Naturalmente, o Divino Infante se deleitava em ver a Santíssima Virgem conhecendo-O sensivelmente e adorando-O. Ela guardava em seu Coração todas essas coisas e as meditava, procurando pelos traços fisionômicos d’Ele fazer a ligação de tudo quanto sabia por sabedoria, interpretação da Escritura e revelação a respeito do Redentor.

E o Menino Jesus recebia essa adoração com verdadeiro encanto e prazer, ao mesmo tempo em que amava intensamente Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1974)

Apresentação do Menino Jesus

Em tudo, Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima são para nós modelos que devemos imitar. Ela estava acima da lei que obrigava as mulheres a se purificarem depois de ter dado à luz, e Ele, da que preceituava o oferecimento e resgate dos primogênitos. Entretanto, por amor a essas leis, ambos se dirigiram ao Templo para cumpri-las.

Assim se realizavam os desígnios da Providência: a fim de que Nossa Senhora guardasse em seu coração as esplêndidas profecias do velho Simeão a respeito de Jesus, e para que Mãe e Filho se tornassem exemplos de observância aos Mandamentos divinos.

Plinio Corrêa de Oliveira

Como nas Bodas de Caná

Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, se considero minhas insuficiências e infidelidades, tenho todos os motivos para estremecer.

Mas me refugio na vossa misericórdia como a criança faltosa nos braços de sua mãe.

Eu me ofereço todo a Vós para que leveis a cabo em mim a obra que eu mesmo jamais conseguiria executar. Fazei de mim um perfeito escravo vosso.

Aceitai, ó Mãe dulcíssima, minhas fraquezas e até as minhas faltas, e obtende que umas e outras se transmudem em virtudes como obtivestes que a água se mudasse em vinho nas Bodas de Caná.

Oh, minha Mãe, aqui está um filho pecador, infiel e ingrato. Mas dizei uma só palavra e se operará a mudança fundamental que fará de mim um verdadeiro filho vosso. Assim seja.

(Composta em 14/1/1968)

Plinio Corrêa de Oliveira

Batismo de Nosso Senhor

Um dos belos afrescos de Giotto na Capella degli Scrovegni, em Pádua, retrata a cena do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Neófito, o Catecúmeno a ser banhado nas águas pela figura grandiosa de São João Batista, é apresentado em toda a sua majestade divina. Resplandecem n’Ele uma seriedade e uma tranqüilidade extraordinárias, que Lhe realçam ainda mais a condição de Rei e Senhor do Universo.

Embora apareça com o tronco desnudo, sem nenhum atributo dessa realeza, Ele desperta profundo respeito e veneração, expressos na atitude inclinada do Batista. Enquanto isso, no céu chamejam raios e a glória de Deus transparece. É o momento em que uma voz ecoa da eternidade, exaltando o Messias: “Tu és o meu Filho amado; em ti eu pus as minhas complacências…”

Plinio Corrêa de Oliveira

Os sacratíssimos Nomes de Jesus e de Maria

O Nome de Jesus é um símbolo sacratíssimo que tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror nos demônios. Intimamente relacionado com ele está o Nome de Maria.

A Igreja comemora em janeiro o Santíssimo Nome de Jesus, a respeito do qual diz a Sagrada Escritura: “Que ao Nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na Terra e no Inferno” (Fil 2,10).

O nome de algo deve designar sua natureza

Qual a razão pela qual se festeja o Santíssimo Nome de Jesus? Naturalmente, tudo quanto se refere a Nosso Senhor Jesus Cristo merece nossas homenagens, nossa veneração e, portanto, deve ser comemorado.

Mas por que essa insistência especial no que diz respeito ao Nome de Jesus? Por que grandes santos da Igreja afugentavam os demônios com o Nome de Jesus? O que é o nome aqui? Não dizemos também “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”? Quando fazemos algo de muito importante, por exemplo, no início da Missa o padre se persigna; na redação de um testamento, diz-se:

“Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, eu, Fulano de tal, faço meu testamento.”

De acordo com a ordem profunda das coisas, que foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana era capaz de exprimir adequadamente os seres, dando-lhes um nome. E esse nome era ma palavra que definia aquilo que havia de mais interno, mais substancial, mais característico no ser para o qual ele era aplicado.

O nome de uma coisa deve designar sua natureza mais íntima, e os orientais têm uma certa ideia disso — quando não dão às pessoas nomes como os nossos; por exemplo, alguém pode chamar-se Plinio, que para ele não quer dizer nada. Mas os orientais dão nomes com um sentido próprio. Como por exemplo, lembro de ter tomado conhecimento de que um nome oriental, do qual não me recordo, significava “Chuva de Primavera”. São nomes poéticos para indicar algo da nota dominante daquela alma. Depois do pecado original e da torre de Babel essas coisas se perderam e a linguagem humana não tem mais essa precisão. Entretanto, ficou-nos essa vaga ideia de que entre o nome e a natureza da coisa há uma relação.

Conta o Gênesis que quando os animais passaram diante de Adão, ele foi dando um nome a cada um. Ou seja, dava uma definição para, por meio de uma palavra, exprimir adequadamente — por uma relação natural entre o vocábulo e a coisa, e não apenas algo convencional — aquilo que era o ser.

Tomemos, por exemplo, a águia. Nós a chamamos com esse nome, mas não há uma relação necessária entre a palavra “águia” e o conteúdo dessa ave, aquilo que é o típico dela. É uma coisa convencional. Mas na linguagem usada por Adão, não. Entre os sons, a música, a estrutura da palavra “águia” e a realidade da águia, havia uma relação verdadeira e profunda.

A Igreja quer uma ordem sacral e hierárquica

Então o Santíssimo Nome de Jesus é, de um modo misterioso, a própria definição daquilo que na Pessoa adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo existe de mais definitivo, de mais capaz de mencionar aquilo que Ele é. E, relacionado a Ele, o Nome imaculado de Nossa Senhora. Ambos trazem consigo bênçãos, graças especiais, porque são o símbolo, a expressão misteriosa e inefável da realidade santíssima que n’Eles existe. Então podemos compreender por que Deus concede tantas graças aos que usam com frequência os Nomes de Jesus e Maria.

E, nesse sentido, o nome é uma imagem, um símbolo da pessoa, e o Nome de Jesus — do qual, aliás, o Evangelho fala com muito cuidado — é um símbolo sacratíssimo que, enquanto símbolo, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror dos demônios. E o Nome de Jesus se resume naquelas três iniciais “IHS — Iesus, hominum Salvator”, Jesus, Salvador dos homens — que se coloca abaixo da cruz, nos documentos e em certos papéis. A cruz e o Nome de Jesus são os dois símbolos perfeitos.

Um estandarte com esses Nomes — por exemplo, o de Santa Joana D’Arc — é um meio de afugentar os demônios, de atrair as graças de Deus, de conquistar a boa vontade dos anjos.

Isto tem alguma relação especial conosco? Tem, naturalmente. O Nome de Jesus, sendo a palavra que indica sua glória, é a manifestação desta. E nós queremos a glorificação dos Nomes de Jesus e de Maria. Um dos estandartes que serão lançados na alvorada do Reino de Maria, com certeza vai ser gloriosamente pintado com o Nome de Jesus, e outro com o Nome de Maria.

O que deseja a Igreja quando glorifica o Nome de Jesus? Ela quer que se dê honra a Jesus, que o Nome de Jesus esteja por cima de todas as coisas e que tudo Lhe esteja sujeito; quer uma ordem sacral baseada na única Fé verdadeira, que é a Católica, Apostólica e Romana; uma ordem que nada tenha de laicista nem de igualitário. E a festa do Nome de Jesus é uma das numerosas solenidades da sacralidade, da hierarquia e da civilização cristã.

A saudação ”Salve Maria!”

Nós temos essa prática de nos saudar, dizendo “Salve Maria!” É uma saudação na qual se repete, a todo o momento, o Nome de Nossa Senhora. Ao invés de dizermos ao outro “Bom dia”, afirmamos: “Que a Santíssima Virgem seja glorificada!” O “Salve Maria!” é uma honra, uma glorificação, um ato de amor a Nossa Senhora. Ao conscientizar o valor dessa saudação, podemos adquirir mais méritos. O “Salve Maria!” não deve ser pronunciado às pressas, nem de forma atrapalhada, mas como uma oração que lucraria em ser dita com mais piedade, mais unção, mais propósito, porque, às vezes, nos esquecemos de Nossa Senhora e o transformamos num “Bom dia”.

O “Salve Maria!” tem um alto valor próprio, que devemos ter em mente. Daí minha insistência para um máximo de piedade ao pronunciar essa saudação, em vista do valor do Nome de Nossa Senhora ou do valor infinitamente maior do Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Esses são os pensamentos que nos devem animar e é adequado pedirmos que o Nome de Jesus seja cercado de toda a glória. Que Jesus seja conhecido e adorado por todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são conformes a Ele. Que a Revolução seja derrotada e que a Contra-Revolução vença, porque esta é a própria vitória do Nome de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 1/1/1965 e 1/1/1966)

Nome acima de todos os nomes

Por isso Deus O exaltou soberanamente e Lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na Terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11).

Fazendo suas essas ardorosas palavras do Apóstolo, o Martirológio Romano recorda, no dia 3 de janeiro, a Festa do Santíssimo Nome de Jesus. Para Dr. Plinio, tal comemoração encerra um especial significado, assim descrito por ele:

“Por que razão se exalta o Santíssimo Nome de Jesus?

“Naturalmente, tudo quanto se refere ao Verbo Encarnado merece nossas homenagens, nossa veneração e é digno, portanto, de uma festa. Porém, poder-se-ia perguntar qual o motivo dessa particular insistência no que diz respeito ao Nome do Filho de Deus. Por que grandes santos da Igreja expulsavam e afugentavam os demônios, invocando o Nome de Jesus? E por quê, ao realizarmos alguns atos comuns ou importantes de nosso quotidiano, nos persignamos e fazemos uma pequena oração que sempre se inicia com o Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? 

“Que valor possui, afinal, um nome, e o Nome de Jesus?

“De acordo com a ordem profunda das coisas que foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana era capaz de distinguir de modo conveniente os seres criados, dando-lhes um nome adequado, um vocábulo que definisse o que havia de mais interno, substancial e característico na criatura nomeada.

“Assim, segundo a narração do Gênesis (2, 19-20), cada animal recebeu de Adão um nome que os caracterizava e que era a definição mais apropriada de seus respectivos predicados.

“Nesse sentido, pois, o nome é uma imagem da pessoa que o porta. E mais que todos, o Nome de Jesus é um símbolo d’Ele e uma representação sacratíssima que, como tal, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e o poder de causar terror nos demônios. É interessante notar que, na iconografia católica, o Nome de Jesus se resume nas três iniciais — “IHS (isto é, Iesus Hominum Salvator”, Jesus Salvador dos Homens — colocadas em alguns documentos eclesiásticos, com uma Cruz sobre o “H”. Juntos, o Nome e a Cruz, os dois símbolos perfeitos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Ao celebrar, portanto, de forma especial o Nome do Divino Redentor, pretende a Igreja salientar a obrigação dos fiéis de honrar a Jesus, de glorificar o seu Nome, para que este se situe acima de todas as coisas e que tudo lhe esteja sujeito. Quer a Igreja, com essa solenidade, frisar seu anseio por uma ordem sacral, baseada numa fé católica, apostólica e romana autêntica, uma ordem na qual a festa do Nome de Jesus seja uma das grandiosas comemorações da Civilização Cristã.

“Tais são os pensamentos que nos devem animar na recordação dessa luminosa data do calendário litúrgico, e inspirar em nossas almas o pedido de que o Nome de Jesus seja de fato cercado de toda a glória. Que Nosso Senhor seja conhecido, adorado, reverenciado por todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são conformes a Ele. Que a Revolução seja esmagada e a Contra-Revolução vença, pois a vitória dela é a própria vitória do Nome de Jesus.”

Auge desigual de perfeições

As almas que têm o verdadeiro senso da hierarquia amam os que lhes são superiores e têm encanto em admirar o que é inferior. Assim, na humilde casa de Nazaré, Dr. Plinio cogita o  relacionamento da Sagrada Família com base na contemplação mútua das perfeições desiguais, harmônicas e culminantes de cada um de seus membros.

Narra o Evangelho que o Menino Jesus crescia em graça e em santidade perante Deus e ante os homens (Lc 2, 52). Se é verdade que Ele crescia, de qualquer natureza que fosse esse crescimento,  era algo de uma perfeição perfeitíssima.

Ascensão contínua de graça e santidade

Ao lado do Menino Jesus, Nossa Senhora, concebida sem pecado original e confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, portanto, também Ela sem defeitos — e o importante da  consideração está nisto —, Ela crescia de ponto em ponto constantemente.

Ao lado deles estava São José. É difícil fazermos um elogio de um homem, de qualquer grandeza terrena, depois de ter lembrado a grandeza de São José, o homem casto, virginal por excelência, descendente de Davi.

Diz-nos São Pedro Julião Eymard numa das suas conferências — ele não cita o documento, mas afirma — que era o chefe da Casa de Davi e o pretendente legítimo ao trono, ocupado, derrubado, com Israel dominado pelos falsos reisinhos dos reinos em que se tinha dividido e dominado pelos romanos. Mas o pretendente legítimo era ele, varão tão perfeito que o Espírito Santo modelou  para ter proporção com Nossa Senhora.

Pode-se imaginar o que isso representa? Nossa Senhora, uma mera criatura, mas que chegou na ordem do criado a uma tal altura que d’Ela só não se pode dizer que é Deus. Como é o homem  formado pelo Espírito Santo para estar na proporção de sua Esposa? A que altura, a que píncaro esse homem deve ter chegado? As palavras humanas não podem exprimir.

É verdade que também ele — eu pessoalmente não tenho dúvida nenhuma — era confirmado em graça. Então, na humilde casa de Nazaré, que depois os Anjos levaram para Loreto, na Itália, havia uma ascensão em graça e santidade das três pessoas excelsas que moravam lá. Se na quele tempo houvesse relógio capaz de fazer tique-taque, diríamos que a cada tique-taque aquelas três pessoas cresciam em graça e santidade perante Deus e perante os homens.

Perfeições que chegaram ao cume Em certo momento a Providência leva São José. É o padroeiro da boa morte porque tudo leva a crer que Nossa Senhora e Nosso Senhor assistiram à morte dele e o ajudaram a morrer. Não se pode ter ideia de uma morte melhor do que a dele, admirável, perfeita. Ao seu lado estava Nossa Senhora e Nosso Senhor ajudando- o a levar, até ao último momento, a sua alma àquela perfeição pinacular para a qual ele fora criado.  Não era a perfeição de Nossa Senhora, era uma perfeição menor. Ele, se chegasse ao extremo de sua perfeição, chegaria a uma altura menor do que a de Nossa Senhora, mas era a perfeição enorme para a qual ele fora chamado.

Nossa Senhora, a cada momento subia a uma perfeição maior. Não se sabe o que dizer, só os Anjos poderão cantar no Céu para nós apreendermos o que é essa perfeição. Por cima disso, de modo supereminente, Nosso Senhor.

São José, quando o seu olhar embaçado já ia se apagando para a vida, olhando para a sua Esposa e para Aquele que juridicamente era seu Filho — porque ele tinha direito paterno sobre o fruto das entranhas de Maria —, ele, ainda nos últimos instantes, contemplava aquilo que foi o seu enlevo a vida inteira: ver aqueles dois subirem, subirem, subirem.

E vendo-Os subir, por sua vez subia também. Essa ascensão contínua foi, a meu ver, o encanto de Deus e dos homens na humilde casa de Nazaré. De tal maneira essa reflexão me encanta, que eu, que sempre tive desejo de ir à casa de Loreto, mas por essas ou aquelas razões não tive tempo nem meios de ir, formei aqui o propósito de ir à casa de Loreto, ajoelhar-me — qualquer que seja a dificuldade daí decorrente — e oscular o chão daquela casa, pensando em Jesus, em Maria e em José. Mas pensando n’Eles especialmente daquele ângulo: três perfeições que chegaram todas ao auge ao qual cada uma devia chegar.

Auges desiguais

Entretanto, esses auges não eram iguais. Eram desiguais e se amavam e se inter compreendiam intensamente, e nos quais a hierarquia que Deus quis era em ordem admiravelmente inversa: aquele que era o chefe da casa, no plano humano, era o menor na ordem sobrenatural; o Menino, que deveria obediência aos dois, era Deus. Quer dizer, era uma espécie de inversão que faz amar ainda mais as riquezas e as complexidades de toda a ordem verdadeiramente hierárquica.

Eram perfeições altíssimas, admiráveis, mas desiguais, realizando uma harmonia de desigualdades admirável como não houve no resto da Terra jamais uma coisa igual, ali dando lugar à alma fiel que quisesse fazer uma reflexão sobre esse assunto para que pudesse começar o hino de grandeza, de admiração e de fidelidade a todas as hierarquias e todas as desigualdades.

Extremos da hierarquia

Estas hierarquias Deus as quis assim. Leão XIII mostra especialmente que Deus quis outro mistério dessas complexidades nobilíssimas da ordem hierárquica: Ele quis que São José fosse o  representante da Casa mais augusta que houve na Terra. Porque nas outras Casas nasceram reis; o que dizer da casa onde nasceu um Deus? Os únicos cortesões à altura são os Anjos do Céu,  evidentemente.

Deus quis, ao mesmo tempo, que este chefe da Casa de Davi fosse trabalhador manual, carpinteiro. Quando essa circunstância é lembrada no Evangelho — “Nonne hic est fabri filius? Este aqui não é o filho do carpinteiro?” (Mt 13, 55) —, é dita como quem diz: “Homem que não vale nada, não é nada, não representa nada”. Nosso Senhor quis exatamente que as duas pontas da hierarquia  temporal se ligassem n’Aquele que é o Homem-Deus. Ele tinha a condição de príncipe pretendente da Casa de Israel. Isso talvez nos faça compreender aquela insistência dos Apóstolos de quando viria o reino d’Ele, porque Nosso Senhor tinha o direito de ser rei. Eles, aliás, pareciam desejar isso com cupidez, para ter lugares importantes.

De qualquer maneira, a coincidência dessa perfeição com a do operário no extremo oposto da classe social, em ambos os aspectos — Criador-criatura; em aspecto incomparavelmente menor, Rei-operário — reunindo os extremos para reforçar a coesão dos elementos intermediários da hierarquia.

É como quem aperta, vamos dizer um pouco prosaicamente, uma sanfona dos dois lados, comprime aquela parte intermediária e faz com que fiquem inteiramente juntos. A hierarquia nos aparece aqui não mais só como um conjunto de cimos tão altos que a nossa vista física e mental custa a alcançar tudo quanto isso representa, mas mostra-nos também um amplexo hierárquico desigual, mas afetuoso da ordem social inteira. De maneira que o que está mais alto abraça afetuosamente o que está mais baixo e diz: “Na natureza humana todos nós somos um.”

Nossa Senhora sozinha em Nazaré

Morre São José. Depois vem o momento duro da despedida de Nosso Senhor. Ele vai começar a sua vida pública, e havia vivido trinta anos com Ela.

Podemos imaginar o que é o afeto de mãe ardentíssimo d’Ela para com Ele, a adoração d’Ela para com Ele, como também a primeira noite de vazio da casa de Nazaré depois que Nosso Senhor foi embora… Sendo que Nossa Senhora sabia, pela profecia de Simeão, que um gládio havia de atravessar o Coração d’Ela. Ela entendeu bem que aquilo era uma coisa com o Filho divino d’Ela, e, portanto, lhe foi muito mais dolorido do que se Ela soubesse que era uma coisa com Ela. Nossa Senhora percebeu que Ele partiu para aquilo que nós poderíamos chamar a “tragédia” senão fosse o  épico da glorificação final. Ela ficou sozinha, São José no Limbo, Nosso Senhor entregue às feras, começando a sua vida que havia de terminar como nós sabemos. Na humilde casa de Nazaré uma janela aberta, pela janela entrando o luar, e Ela sentada, sozinha, no escuro, talvez nem sequer uma candeia acesa, rezando intensamente e lembrando-se do passado.

Para Ela, o que tinha graça a não ser lembrar o passado e pensar no futuro que era a crucifixão do Menino Jesus? Frequentemente nos presepes o Menino Jesus aparece com os braços abertos para simbolizar a cruz em que Ele haveria de ser pregado.

Ela devia ter noção exata ou quase exata disso, e pensava em tudo isso. Saber um fuxico na aldeia  de Nazaré, o que aconteceu, qual é o próximo funcionário romano que ia governar a província, a  política do lugar, talvez por condescendência, por bondade para poder atrair uma alma, Ela ouvisse com uma espécie de atenção, mas não era tema para Ela, absolutamente.

Qual era o tema que A atraía? Era aquela ascensão que Ela viu continuamente e que contemplou da seguinte maneira: Qual é o modo pelo qual cada um deles considerava a sua própria ascensão? Porque eles sabiam que estavam se santificando.

Nosso Senhor nem se fala, São José também sabia que estava se santificando, que estava subindo. E, inevitavelmente, ele pensava em tudo quanto havia de bom nele no começo, depois como  aquilo foi progredindo, em que estado ele estava e ia vendo até que ponto ia subir.

De maneira tal que provavelmente ele pressentiu a morte quando notou que não cabia mais perfeição nele.

Vamos refletir um pouco sobre São José, pensando nas formas antigas de sua perfeição, quando ele, Nossa Senhora e o Menino Jesus entraram naquela casinha, se instalaram lá, nos primeiros momentos de vida ali.

Cogitações de Nossa Senhora

Imaginemos Nossa Senhora, morto São José, ausente Nosso Senhor, refletindo em tudo isso. Relembrando aqueles graus de perfeição menor que tinham ficado para trás, e quão para trás, mas que Ela amava tanto e considerava com um sorriso.

Aquelas perfeições em que o Menino Jesus tinha crescido, mas que Ela tinha conhecido, por assim dizer — a palavra é incorreta —, “pequeninas”. Eu só digo “pequeninas” porque Ele era  pequenino, mas eram perfeições fulgurantíssimas.

Nossa Senhora talvez sorrisse comprazida relembrando tal episódio, tal circunstância. Depois a reação de São José e também ele depois como cresceu. Percorrendo várias vezes no seu espírito e no seu Coração aquela gama de perfeições a que Ela os tinha visto subir, pensando Ela mesma — é inevitável — nas várias perfeições pelas quais Ela mesma tinha subido rumo à perfeição maior.

Qual era a atitude d’Ela diante da perspectiva das perfeições que Ela tinha que adquirir até ao momento de sua morte? De sua dormição, diz numa linda expressão a linguagem dos fiéis e a  Liturgia, porque teve uma morte tão leve que foi como um sono, Ela ressuscitou logo.

Até esse momento Ela não deixou de progredir e tinha ideia de aonde ia. Estava, vamos dizer, a três quartos da escalada, tinha ainda alguma coisa a alcançar, mas atrás d’Ela a ascensão era vertiginosa.

O amor que Ela tinha ao que tinha ficado para trás era um amor menor do que o amor que A atraía para o alto, porque no alto estava Deus, e evidentemente o sentido teocêntrico de toda alma que visa a perfeição é um sentido fortíssimo, porque o centro é Deus e para o centro é que todos nós devemos caminhar.

Alegria e comprazimento

O sentimento interior das três pessoas da Sagrada Família é de uma altura que, entretanto, se sente abaixo de uma outra altura, que ama a altura que tem porque sente em si a perfeição do que tem e a do que é, que ama em si o que foi posto por Deus. Nossa Senhora tinha que amar o que Deus pôs n’Ela.

O cântico do Magnificat exprime isso bem: “Magnificat anima mea Dominum. Et exsultavit spiritus meus in Deo salvatore meo” (Lc 1, 46-47). Vemos que Ela tinha a alegria de sentir o Espírito Santo e a graça presentes n’Ela. O Magnificat desenvolve isto: aquela alegria de sentir o que é, e como aquilo que Ela é tem relação com Deus. Uma alegria de lembrar com afeto o que foi, quer  dizer, aquilo que é menos do que Ela era naquele instante, mas que é em ponto menor tão parecido, tão harmônico, tão afim com Ela — era Ela! — em estado menor. Lembrando-se e sorrindo com comprazimento, com alegria.

Isso indica uma forma de enlevo, de deleite espiritual, de amor de Deus, pelo qual Ela amava a Deus  em cada um dos graus sucessivos em que Ele A tinha feito subir. Amava a Deus daquele tipo de amor que correspondia àquele grau. Ela amava a Deus e amava o amor que Deus tinha posto n’Ela.

Esse amor, amando o amor, formava uma harmonia interior que se poderia comparar ao tecido de seda, de boa qualidade, fazendo fru-fru quando uma parte encosta na outra. Era a categoria amando a categoria nos seus vários graus, na matéria mais alta que é a espiritual, perto da qual todas as que ficam abaixo são figuras, não são nada.

Essa é a grande categoria, é o amor da santidade menor pela santidade maior, é o amor da excelência menor pela excelência maior. Há nisto uma harmonia, um deleite, uma alegria, uma forma de respeito que é o encanto de admirar, de venerar, de servir aquilo que ela vai ser. O próprio dinamismo do progresso espiritual contém isto e caminha para isto.

Há nisso um desprendimento completo. Hierarquia do puro amor Escolhi o exemplo de São José, de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo para compreenderem essa hierarquia no que ela tem de mais puro, de mais perfeito, de mais límpido, onde não entra egoísmo, não entra nada, porque entra esse puro amor de Deus gerando este amor às várias hierarquias sem a preocupação de “megalice” de ser e de fazer muita coisa, de poder muita coisa. Nada disso. É o puro amor, pelo amor do Amor, amor a Deus.

Nesta Terra as almas que têm o verdadeiro senso da hierarquia, é deste modo que elas amam os que são superiores. A palavra majestade tem para as almas retas um sentido, tem um mistério, um lumen especial que torna de tal maneira respeitáveis e veneráveis os reis e imperadores, às vezes até quando estão no estado de não merecerem por suas qualidades pessoais a homenagem que recebem por serem nobres. Mas se eles são quem são, eles têm aquilo, eles foram chamados para alguma coisa mais alta, e em relação àquilo em algo eles correspondem.

E esse algo, por pequeno que seja, é como um perfume de uma flor incomparável da qual se tira uma gota que vale mais do que um tonel de qualquer perfume do mundo. É uma coisa especial.

A sensação que se tem diante de uma majestade é uma sensação assim. Exemplo: a Rainha de Inglaterra, o Tzar da Rússia. Ele, um greco-cismático; ela, uma anglicana. Entretanto, quem de nós ousaria dar uma bofetada neles? Quem não teria sensação de praticar um sacrilégio? Apesar do horror que tenho ao cisma e à heresia, e do amor exclusivista que tenho ao Papado, a verdade é esta: neles há o aroma de uma gota espiritual, não sei de que gênero, que produz sobre o homem reto um efeito como o da santidade maior produz na santidade menor, com alguma analogia no que se passava na Sagrada Família entre as três pessoas indizivelmente excelsas — uma divina — que a compunham.

Há uma analogia que se estende depois à aristocracia como tendo esse perfume mais difuso e menos acentuado também, mas que faz lembrar o perfume da majestade. A aristocracia é um halo mais diluído da majestade real que se constitui em torno dela, como em torno de uma gota de perfume muito intensa o que se respira à distância é mais tênue, mas é uma irradiação do que na gota se encontra. Assim é a aristocracia.

Dignidade do que é modesto

Assim se dá com as outras classes sociais, mas com este traço: de que a majestade e aquilo que se irradia da majestade isto morre nos limites da aristocracia. Quando os limites da aristocracia acabam, começa outro limite de uma coisa muito elevada: é a dignidade. E a dignidade que pode ser tão digna, que diante dela não se tem o que dizer.

Ainda ontem à noite osculei uma relíquia de Beata Ana Maria Taigi. Ela era uma cozinheira do século passado, da Casa dos Príncipes de Colonna, em Roma. Ela tinha um ar tão majestoso e tão  digno que a presença da graça punha nela, que as pessoas que a encontravam na rua — apesar dos trajes humildes que ela usava — comentavam: “Parece uma rainha!” O que é isso? É a dignidade do ofício humilde, modesto, honesto de uma cozinheira, na qual vem habitar a graça de Deus, iluminar aquilo por dentro e fazer notar alguma coisa que já não é aquilo, mas é parecido com aquilo, e que perfuma de um encanto especial, de uma atração especial todo o lar digno onde se ama verdadeiramente a Deus, onde o pai é rei, a mãe é rainha e os filhos são os súditos. Havia na França do “Ancien Régime” essa expressão: “O pai é o rei dos filhos, e o rei é o pai dos pais”.

Portanto, na dignidade da casa mais modesta e mais humilde, como aquela luz irradiada da coroa, passando por camadas atmosféricas diferentes, transpondo as legítimas alterações, chega para dar toda a sua beleza, toda a sua simplicidade, todo o seu encanto à casa modesta do operário, de tal maneira que se poderia dizer que a casa de um operário onde mora um santo era a melhor expressão da casa de Nazaré.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/11/1992)

Mãe do Redentor

Tendo a Virgem Maria dado sua carne e sangue para formar a humanidade santíssima do Filho de Deus, que n’Ela estava pronto para nascer, a união entre ambos atingiu um ápice insondável na noite de Natal, e Ela estava preparada para ser, em todos os sentidos da palavra, a Mãe do Redentor.

Que alma Nossa Senhora precisava ter para ser a Mãe santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo! Sua alma chegou à perfeição para o papel de Mãe de Deus no momento em que, na noite de Natal, num êxtase enorme, Ela foi elevada a uma intimidade superlativa com a Santíssima Trindade e deu à luz, virginalmente, o Verbo Encarnado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1968)