Sublimidade e pureza

O espírito revolucionário, essencialmente igualitário e impuro, execra tudo quanto é sublime e casto; tem amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso grande foi o ódio suscitado nos revolucionários por ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria.

 

Temos um trecho de uma encíclica de São Pio X(1) onde, ao tratar a respeito do dogma da Imaculada Conceição, depois de discorrer sobre a atual negação do pecado original e suas consequências, o Santo Padre diz:

Anarquismo, a mais perniciosa doutrina…

Ora, creiam os povos e professem que a Virgem Maria foi preservada de toda mancha de pecado desde o primeiro instante de sua conceição: desde logo torna-se-lhes mister admitir o pecado original, a redenção da humanidade por Jesus Cristo, o Evangelho e a Igreja, enfim a lei do sofrimento. Em virtude disto, todo racionalismo e materialismo que campeiam pelo mundo são arrancados e destruídos em suas raízes, cabendo à sabedoria cristã a glória de ter guardado e defendido a verdade.

Além disto, é vezo perverso e comum a todos os inimigos da fé, sobretudo em nossa época, proclamar que se devem repudiar todo respeito e toda obediência à autoridade da Igreja, mesmo de todo poder humano, na crença de que logo lhes será mais fácil banir a fé dos corações.

Aqui está a origem do anarquismo, a mais nociva e perniciosa doutrina que possa existir, tanto na ordem natural quanto sobrenatural. Ora, tal peste, fatal tanto à sociedade como ao nome cristão, baqueia ante o dogma da Imaculada Conceição de Maria, pela obrigação que lhe impõe de atribuir à Igreja um poder em face do qual tem que se curvar não só a vontade, mas também a inteligência. Pois é em virtude de uma tal submissão que o povo cristão canta este louvor da Virgem: Toda bela és, Maria, e não há em Ti a mancha original.2 Daí se justifica uma vez mais o que a Igreja afirma da Virgem, dizendo que “só Ela extirpou todas as heresias do mundo inteiro”.

…e a extrema ponta da Revolução

Esse trecho é de uma riqueza de conteúdo de pensamento que merece ser explanado e resumido. São Pio X tem em vista mostrar como a aceitação do dogma da Imaculada Conceição, por parte dos fiéis, é um remédio para aquilo que, no ensaio Revolução e Contra-Revolução, nós chamamos a Revolução.

Nessa obra apontamos o anarquismo como a fórmula mais avançada da Revolução. Quer dizer, aquele estado de coisas para o qual o comunismo visa caminhar. Os comunistas dizem que deve haver passageiramente uma ditadura do proletariado. Mas, depois que essa ditadura tenha modelado os homens de acordo com as intenções comunistas, os homens estarão num tal grau de evolução, de “perfeição”, que eles não precisarão mais de leis, de cárceres, não cometerão mais crimes, não farão guerras e não haverá necessidade de governo. E então é uma anarquia. Não no sentido de um pandemônio, de uma desordem, mas de uma ordem sem lei onde todos os homens são reis de si próprios, nenhum obedece a outro e reina uma liberdade, uma fraternidade e uma igualdade completas.

Ora, diz São Pio X – a formulação dele empregada aqui é muito interessante – que não se pode conceber um erro pior do que o anarquismo. Não é uma afirmação de caráter histórico – nunca apareceu um erro tão ruim quanto o anarquismo –, mas de caráter doutrinário. Quer dizer, se um homem mais do que perverso e corrompido procurasse o pior dos erros, na ordem do possível, ele não encontraria um pior do que o anarquismo. Portanto, ele é a extrema ponta da Revolução e, segundo este Papa santo, o pior dos erros concebíveis.

Indignação até em meios católicos

Afirma São Pio X que a admissão do dogma da Imaculada Conceição tem como resultado para os homens a aceitação da autoridade da Igreja, pois o modo pelo qual eles sabem que Nossa Senhora foi concebida sem o pecado original é o ensinamento da Igreja. Ela ensina porque se fundamenta no Evangelho. Logo, é a aceitação do Evangelho e, consequentemente, da Revelação e da ordem sobrenatural. É a submissão a um poder diante do qual se devem dobrar não só os atos externos do homem, mas os internos; não apenas os atos da vontade, mas os da inteligência. Portanto, a atitude mais contrária ao anarquismo que possa existir.

O Pontífice mostra como o ato de fé na Imaculada Conceição é soberanamente eficaz para extirpar da alma humana todas as raízes da Revolução, e aplica a Nossa Senhora aquela frase muito bonita que se encontra na Liturgia: “Tu só é que extirpaste todas as heresias do mundo inteiro”. Ou seja, a Santíssima Virgem, pela sua Imaculada Conceição, calcando aos pés a cabeça do dragão, pai das heresias, eliminou-as do mundo inteiro e luta, através de todos os séculos da vida da Igreja, para a extirpação de todos os erros. Eis a ideia contida nesse esplêndido trecho de São Pio X.

Quando o dogma da Imaculada Conceição foi definido por Pio IX, houve na Europa uma verdadeira tempestade de ódios, protestos, indignação que atingiu não só os não católicos, mas também os católicos. Em muitos meios católicos houve um furor porque esse dogma tinha sido definido. Como explicar essa atitude?

Ódio igualitário

Segundo esse dogma, a Virgem destinada a ser a Mãe de Deus foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Essa indignação contra a Santíssima Virgem, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e Mãe da Igreja, explica-se pelo ódio igualitário por vê-La colocada no ponto mais alto em que uma mera criatura possa estar. Ademais, por ser uma mulher, o arbítrio de Deus se apresenta de um modo muito mais forte, porque toma na ordem humana o elemento geralmente considerado secundário e o coloca no alto de toda a pirâmide da Criação. Isso contunde enormemente o espírito igualitário.

Entretanto, fere muito aos igualitários também o fato de que Maria Santíssima tenha sido objeto de uma exceção a uma regra, para a qual nunca houve exceções. A ideia de uma mulher sem pecado original, quebrando uma regra universal e colocada, portanto, numa altura enorme em relação a todos os seres humanos, dá aos revolucionários um verdadeiro furor.

Mas essa fúria tem também outra causa. Não é só por seu aspecto anti–igualitário que a Imaculada Conceição é odiada. Acrescenta-se a isso um ódio do vulgar em relação ao sublime.

Essas verdades – Nossa Senhora concebida sem pecado original, Virgem e Mãe de Deus –, consideradas no seu conjunto, correspondem à sublimidade de um ser de tal maneira puro, imaculado, elevado acima de tudo quanto se possa imaginar, tão virginal no mais recôndito de si mesmo – por não ter nenhum dos impulsos que, mesmo num santo, podem representar o aguilhão da carne.

Nem a isso o ser d’Ela está sujeito, é algo de tão transcendente em matéria de sublimidade, tão alto e requintado em questão de pureza, tão excelso como condição humana, e tão diferente da nossa própria condição, que fica apresentada à nossa admiração uma figura imensamente maior do que nós, pela qual temos uma ideia da sublimidade a que Deus pode elevar a criatura humana, mas à qual nós não fomos elevados.

O requinte da bem-aventurança

Daí decorre para todo o gênero humano uma espécie de honra e de glória que esbarra diretamente no espírito revolucionário, o qual odeia tudo quanto é sublime e elevado, não somente por ser ele igualitário, mas por uma outra expressão do igualitarismo que é o amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso os revolucionários têm um verdadeiro ódio à Imaculada Conceição de Maria.

Esse furor contra a Imaculada Conceição encontra outra expressão no ódio que as pessoas, movidas pelo espírito das trevas, têm àqueles que, como nós, procuram praticar a virtude, particularmente no que tange à pureza, compostura e dignidade.

Tais pessoas são capazes de espalhar as piores calúnias a nosso respeito, só porque guardamos a castidade perfeita. A compostura, a nobreza, a distinção de trato, mesmo daqueles que são de uma condição mais modesta, chama a atenção de todos e atrai a simpatia dos bons. Contudo, aos maus causa um verdadeiro ódio à sublimidade da causa que defendemos. Aqueles que gostam da trivialidade nos detestam porque não somos vulgares e procuramos orientar os espíritos para o alto, comunicar às nossas pessoas a atitude e dignidade de filhos de Deus e de Nossa Senhora, no que se reflete algo da realeza da própria Santíssima Virgem. É precisamente isso que os indigna.

Razão para nós de alegria, porque uma das bem-aventuranças é ser perseguido por amor à justiça. Mas dentro desta bem-aventurança há uma especial, que é como o requinte da bem-aventurança: ser perseguido por amor a Nossa Senhora e pelas mesmíssimas razões pelas quais Ela é odiada.

Aproximando-nos da festa da Imaculada Conceição, peçamos a Maria Santíssima cada vez mais essa bem-aventurança de sermos tão unidos a Ela e trazermos em torno de nós de tal maneira a sua expressão, que se possa afirmar ser realmente por causa de nossa semelhança com Ela que somos odiados.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/12/1964 e 6/12/1965)
Revista Dr Plinio 237 – Dezembro de 2017

Imaculada Conceição de Maria

Nossa Senhora, concebida sem o pecado original, não conheceu nenhum dos efeitos que ele produz nos homens. Portanto, todas as desordens e defeitos que há em nós, nunca existiram em Maria Santíssima. Acrescente-se a isso a graça santificante dada numa abundância inaudita, insondável, e correspondida perfeitamente a cada momento; então se pode compreender o que seria a ordem interna, a pureza, a virtude e a santidade de Nossa Senhora.

Ela vê nossos defeitos, incomparavelmente melhor do que nós, porque não temos uma plena consciência de todas as nossas imperfeições. Nossa Senhora tem, portanto, horror a todas as nossas desordens. Mas, como é nossa Mãe, Ela tem por nós um amor invencível!

Nossa Senhora tem pena de nos ver nesse estado e um ardente desejo de nos tirar dele. E quanto maior for o nosso defeito, maior a certeza de que Ela tem pena de nós e, portanto, maior a confiança n’Ela!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1/12/1964)
Revista Dr Plinio 177 – Dezembro de 2012

Glória da Imaculada Conceição

Concebida sem pecado original, Nossa Senhora esmagou — e esmagará para todo o sempre — a cabeça da maldita serpente (cf. Gên 3, 15). Agindo assim, Ela acrescenta às suas extraordinárias e singulares prerrogativas, a glória da luta.

Ela combateu, opôs um esforço a outro, despendeu todas as energias necessárias para aniquilar o adversário. Ela o derrotou e o tem a seus pés! Esse confronto aumenta a glória da Filha do Padre Eterno, da Mãe do Verbo Encarnado, da Esposa do Divino Espírito Santo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Imaculada Conceição

A Revolução fomenta todo tipo de pecados e, no fundo, é dirigida pelo espírito das trevas. Maria Santíssima, sendo concebida sem pecado original, esmagou a cabeça da serpente, ou seja, do  demônio. A Imaculada Conceição, sob diversos pontos de vista, é a solenidade de Nossa Senhora da Contra-Revolução.

Na Bula “Ineffabilis Deus” de Pio IX, em que ele definiu o dogma da Imaculada Conceição, se encontra o seguinte trecho:

Beleza da afirmação magisterial da Igreja

Por isto, depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignas-se dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito Consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da Fé católica, e para incremento da Religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem–aventurados Apóstolos Pedro e Pau-lo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:

Vejam a pulcritude disso que vamos comentar daqui a pouco, mas a fórmula é linda.

A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

[…]

Ninguém, portanto, se permita infringir este texto da Nossa declaração, proclamação e definição, nem contrariá-lo e contravir-lhe. E se alguém tivesse a ousadia de tentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente e dos Bem-aventurados Pedro e Paulo, seus Apóstolos.

Notem a verdadeira beleza da afirmação magisterial da Igreja que, ponto por ponto, está considerada aqui. É ainda o período dos grandes documentos pontifícios e dos grandes estilos de chancelaria. Analisemos esse texto.

Jejum e oração para preparar a alma

Por isto, depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse de dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo…

Realmente o Papa é infalível, mas é obrigado, sob pena de pecado mortal, a estudar profundamente o assunto antes de definir um dogma.

Quer dizer, ainda que o Papa não estudasse, tendo definido um dogma está definido e não erraria. Mas ele deve estudar, do contrário comete pecado mortal.

Ele precisa rogar a Deus que esse estudo seja bem feito e conte com as luzes do Espírito Santo. E não só deve pedir, mas também procurar obter isso por meio do jejum, da penitência. Então, por causa disso o Papa explica como preparou a sua alma para a definição do dogma: ele jejuou e rezou continuamente para obter as luzes.

Como ele pediu essas luzes? O Papa rezou e fez a Igreja inteira orar ao Padre Eterno, por meio de seu Filho, Jesus Cristo, porque o Mediador necessário que temos entre o Padre Eterno e nós é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vemos aqui mencionada a Santíssima Trindade. O Padre, o Filho e o Espírito Santo intervindo para orientar o Papa no acerto dessa definição.

…depois de implorarmos o socorro de toda a corte celeste…

Ele pediu a todos os Anjos e Santos do Céu e, sobretudo, Àquela que é a “Regina Sanctorum Omnium e Regina Angelorum”.

…e invocarmos com gemidos o Espírito Consolador, por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade…

Quer dizer, inspirado pelo Espírito Santo para dar honra a Deus.

…para decoro e orna-mento da Virgem Mãe de Deus…

Decoro quer dizer esplendor, uma beleza refulgente de dignidade da Virgem Mãe de Deus.

…para exaltação da Fé católica…

“Exaltare” quer dizer tornar alta; para que a Fé católica brilhe aos olhos do mundo inteiro e se levante aos olhos dos homens como um valor de primeira grandeza.

…e para incremento da Religião cristã…

Para aumentar o número de católicos.

Como as badaladas de um grande sino de bronze

Vejam a solenidade desta afirmação:
…com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:
Quer dizer, é um apelo à autoridade de Deus, feito de modo magnífico. A autoridade de Cristo, de São Pedro, primeiro Papa, de São Paulo, que ajudou São Pedro na evangelização do Império Romano, e a autoridade pessoal dele, que é o Pedro redivivo e Cristo redivivo.

Com essa autoridade, o que ele faz? Declara, pronuncia e define. Isso soa como as badaladas de um grande sino de bronze: “Declaramos, pronunciamos e definimos”. Definimos o quê?
A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original…

Nossa Senhora não teve mancha do pecado original por uma graça singular, em vista dos méritos de Cristo e a partir do primeiro instante do seu ser.

…essa doutrina foi revelada por Deus e por isso deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

Ela está fundamentada na Bíblia, na Revelação, na Tradição, portanto deve ser crida.

Agora vem o anátema. Depois da definição do dogma, o castigo para quem se levante contra ele.

Ninguém, portanto, se permita infringir este texto de Nossa declaração, proclamação e definição, nem contrariá-lo…

Quer dizer, depois de ter alçado o estandarte, ele o protege com suas maldições e com a energia dos meios de combate espirituais.

E se alguém tivesse a ousadia de tentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente, dos Bem–aventurados Pedro e Paulo e de seus Apóstolos.

Ou seja, é uma verdadeira maldição. Notem a majestade e a dignidade que isso tem. Pois bem, é uma majestade e uma dignidade invisível, mas é uma coisa verdadeiramente estupenda, quando se considera a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Alegria, glória e resplendor em todo o universo

Tomem em consideração que Maria Santíssima foi preservada depois de milênios em que só nasciam homens concebidos no pecado original; pois tinha havido um fato cuja consequência natural e normal era que todos os homens nascessem com o pecado original. E esse fato era o pecado de Adão. Portanto, todos os homens carregando a tara do pecado original.

Essa espécie de dissociação entre a inteligência e a vontade, de um lado, e os sentidos, de outro lado, pela qual, a todo momento, os sentidos estão em revolta contra a inteligência e a vontade, estas capitulam e os homens ficam expostos então a cair em pecado, e de fato pecam incontáveis vezes.

Isso veio se repetindo durante milênios, mas em determinado momento cessa a lei da maldição; os Anjos assistem atônitos a um fato que era completamente sem precedentes, e que depois não houve outro igual.

Deus quebranta a lei da maldição, expulsa a maldição e, pela primeira vez, cria uma criatura inteiramente concebida sem pecado original.

Essa criatura — que é Nossa Senhora — está completamente fora dessa lei e resplandece, com todo o brilho, com todo o fogo de uma criatura perfeita, que era como Adão e Eva foram criados, sem nenhuma espécie de mancha de pecado original.

Há em todo o universo uma espécie de alegria, de glória e de resplendor especial, e que se torna ainda mais acentuado pelo fato de que a Santíssima Virgem é criada sem pecado original, é a obra-prima de Criação.

Mais alta do que Ela, só a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo já não é mera criatura. Na sua humanidade é uma criatura, mas na sua Pessoa, que é uma só, Ele não é uma mera criatura.

Então, se compreende a convergência dos dois fatos.

Aquela que calcou aos pés a cabeça do dragão

A Bíblia nos conta que, depois de ter feito a obra da Criação, Deus descansou encantado com o que Ele tinha realizado. Mas descansou com projeto de criar uma criatura superior, mais maravilhosa do que tudo isso: uma mulher que fosse Mãe do Verbo de Deus Encarnado. Então, essa obra-prima da Criação se faz nesse momento. E os Anjos, que compreendem toda a harmonia de tudo quanto Deus fez, o reflexo d’Ele nessa harmonia, contemplam pela primeira vez, extasiados, a alma de sua Rainha.

Para terem ideia do que é isso, imaginem uma soberana que entra pela primeira vez na capital do seu reino, numa carruagem de gala, precedida de lanceiros, de trombeteiros, seguida de toda a corte, e a cidade inteira considera extasiada a beleza da rainha.

Isso é nada em comparação com a entrada de Nossa Senhora na corte angélica. No primeiro momento em que Maria Santíssima existiu, Ela teve conhecimento inteiro e lúcido de tudo, e conheceu a Deus. E no instante em que conheceu o Criador, Ela fez um ato de amor, que foi o mais perfeito que se tenha dado a Deus até então; de tal maneira que nunca nenhum Anjo fez ao Criador um ato de amor como Ela.

Ela adorou a Deus, Lhe deu ação de graças e Lhe ofereceu uma reparação pelos pecados dos homens. E esse cântico de Nossa Senhora, um cântico novo, a mais alta oração que jamais o Céu poderia fazer, foi para os Anjos a entrada da sua Rainha. Compreendemos, então, o que foi para os Anjos a festa da Imaculada Conceição.

Nós podemos unir as nossas vozes às dos Anjos no dia da Imaculada Conceição. Segundo as revelações de Santa Gertrudes, Santa Mectilde, Santa Brígida, quando a Igreja festeja um mistério na Terra, no Céu os Anjos acompanham. Portanto, no dia da Imaculada Conceição todos os Anjos vão glorificar Nossa Senhora.

Nós também podemos dar essa glória a Maria Santíssima, dentro do nosso espírito especialmente. Por que dentro do nosso espírito? A Imaculada Conceição é Aquela que calcou aos pés a cabeça do dragão. Aparecendo, Nossa Senhora venceu o dragão porque estava concebida sem o pecado original e, então, se preparava para dar à luz o Messias.

Nossa Senhora da Imaculada Conceição é, debaixo de vários pontos de vista, Nossa Senhora da Contra-Revolução, tornando o demônio esmagado, arrasado. É nesse sentido que nós devemos celebrar mais especialmente esta festa.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/12/1966)
Revista Dr Plinio 225 – Dezembro de 2016

A Imaculada Conceição, obra-prima do Criador

Na Bula “Ineffabilis Deus” com a qual Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição (cuja festa se comemora no dia 8 de dezembro), encontra-se este trecho: “A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi  preservada e imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”.

O Sumo Pontífice afirma, portanto, que Nossa Senhora, por uma graça singular e em vista dos méritos de Cristo, a partir do primeiro instante de seu ser foi isenta da mancha do pecado original.

Essa doutrina foi revelada por Deus, ou seja, está na Bíblia, e por isso deve ser “crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”. Para se avaliar o extraordinário significado da Imaculada Conceição, é preciso ter em conta que, em conseqüência da queda de Adão, todos os seus descendentes haviam de nascer com o pecado original. Lamentável herança em virtude da qual os sentidos do homem continuamente se revoltam contra a sua razão, expondo-o a novos e incontáveis pecados.

Durante milênios verificou-se, inexorável, essa lei da maldição. Em determinado momento, porém, os Anjos assistem atônitos a um fato sem precedentes na história da Humanidade decaída: Deus quebranta a funesta lei, e um ser é inteiramente concebido sem pecado original. É Nossa Senhora que surge imaculada, resplandecente, com todo o brilho e todo o fulgor de uma criatura perfeita, como o foram Adão e Eva ao saírem das mãos do Onipotente.

Pode-se imaginar que, nesse sublime instante, um frêmito de júbilo e de glória percorreu todo o universo, acentuado pelo fato de que Maria, isenta do pecado original, era também a obra-prima da criação. Acima dEla haveria de estar, apenas, a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Narra a Sagrada Escritura que o Padre Eterno, depois de concluída a obra da Criação, repousou na enlevada consideração do que Ele tinha feito. Descansou, porém, tendo-se proposto criar um ser que superasse em maravilha tudo o que até então sua onipotência realizara, uma mulher da qual haveria de nascer o Verbo Encarnado. E foi precisamente no momento da Conceição Imaculada de Nossa Senhora que Deus executou essa sua obra-prima.

Plinio Corrêa de Oliveira

Imaculada e vitoriosa

Conforme nos ensina a Bula “Ineffabilis Deus”, a beleza e a perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque Ela triunfa, vence e aniquila o demônio. Satanás é um escabelo aos pés d’Ela.

Sendo Maria imaculada e soberanamente formosa, não basta que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório Lhe prestem homenagem: importa que o inimigo esteja esmagado sob seu calcanhar.

Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envolve, portanto, a ideia do demônio inteiramente subjugado e humilhado por Ela. Essa vitória sobre Satanás dá um particular brilho à  celestial beleza da Imaculada Conceição.

Plinio Corrêa de Oliveira

Coordenação do Blog: João Sérgio Guimarães

Devoção mariana contrarrevolucionária

A devoção mariana deve se caracterizar também pelo espírito combativo, como o demonstra uma escultura medieval representando Nossa Senhora, com espada na mão, investindo contra o demônio. A piedade adocicada e sem luta surgiu com o Renascimento, fazendo com que os contrarrevolucionários se tornassem moles.

 

A consideração da Imaculada Conceição de Maria toca no tema do embate entre a Revolução e a Contra-Revolução no que tem de mais profundo.

Em relação à Revolução, é preciso ter uma oposição total e vigorosa

Se há tanta gente que é preguiçosamente contrarrevolucionária, isso se deve exatamente ao fato de que para ser contrarrevolucionário é preciso realizar um esforço. O homem, por sua própria natureza, pode ter algumas tendências contrarrevolucionárias. Entretanto, por outro lado, possui várias tendências revolucionárias e, por causa disso, é obrigado a desenvolver uma ação em si mesmo muito categórica, profunda, pela qual não só ele se abstenha de todas as ações revolucionárias, mas também de todos os pensamentos revolucionários, bem como de qualquer forma de simpatia ou menor rejeição para com coisas revolucionárias.

Assim, detestar uma coisa qualquer revolucionária – um monumento, por exemplo – menos do que a carga de Revolução existente naquilo exige, já é um fator para que a atitude contrarrevolucionária da alma amoleça e não tenha todo o vigor devido.

Em presença do mal e, portanto, da Revolução que se exprime, se simboliza por tal objeto ou se manifesta em tal indivíduo, escola literária, de pintura, etc., deve-se conhecer todo o mal que há ali e detestá-lo tanto quanto precisa ser detestado. Se uma pessoa tomar perante esse mal uma posição preguiçosa, indolente, que proporcione uma rejeição menor do que aquela que ele merece, naquilo em que o mal não foi detestado tanto quanto merece a pessoa acaba gostando de alguma coisa revolucionária.

Essa pílula de Revolução que a alma assim engole é suficiente para amolecer nela todas as energias contrarrevolucionárias, e fazer com que o indivíduo desenvolva um esforço que ele imagina colossal para ser contrarrevolucionário, mas não consegue ser se ele não se esforçou para combater tendências más, revolucionárias, que há nele. Porém esse combate é inútil enquanto o homem não combate tudo, não elimina tudo, porque um pouquinho que fique cria uma insistência revolucionária colossal diante dele. Ele é obrigado a desenvolver um esforço enorme para não capitular, mas está sempre voltando ao pé da mesma luta. O indivíduo toma uma atitude contrarrevolucionária, mas não é inteiramente contrarrevolucionário. Na primeira ocasião, ele vai estimar uma coisa revolucionária ou detestá-la menos do que ela merece porque, num outro ponto, foi mole com a Revolução.

Quer dizer, ou existe em relação à Revolução uma oposição total, tão vigorosa quanto ela merece em cada ponto dela, ou o indivíduo amolece.

Análise de um busto de Maria Antonieta

Isso um pouco se dá com o bem e o mal em geral, por exemplo a pureza. Eu já tenho visto pessoas que lutam seriamente para manter a castidade. Às vezes combatem de um modo a ficarmos espantados de ver como elas mantêm a pureza. Mas é uma luta que não é tão séria porque, em muitos casos – não quero dizer que seja sempre assim –, a pessoa em algum ponto conserva uma certa complacência para com a impureza. E isto faz com que, em outros pontos, ela tem para com a impureza uma moleza que não deveria ter. Então ela possui uma tendência para o pecado que não se explica à primeira vista, porque ela consegue com esforço enorme não cometer uma ação pecaminosa, mas vai-se ver no fundo esse esforço é tão grande por causa de uma conivência, uma complacência em que ela consentiu e que determina todo o resto.

Recentemente vi a fotografia de uma porcelana, feita pela famosa fábrica de Sèvres, representando um busto de Maria Antonieta com toda a grandeza que ela tem, mas com uma frieza extraordinária e uma espécie de desdém o qual afasta as pessoas que não estejam inteiramente à altura de estar na presença de uma Rainha da França como ela.

Maria Antonieta provavelmente teve atitudes de alma que correspondiam a isso, mas ela não era só isto nem principalmente isto. O charme e a graça dela foram aclamados e festejados pela Europa inteira. E quem fala em charme e em graça fala evidentemente em afabilidade, em gentileza, em aprazibilidade; uma presença que tem charme é agradável. E em algo a presença desse busto de Maria Antonieta não é agradável porque é de uma rigidez que deixa aparecer a majestade dela em toda a linha, mas sem aquilo que é o complemento harmônico da majestade régia o qual, antes de começar a “máfia” revolucionária contra ela, foi cantado em prosa e verso pela nação francesa, de todos os modos possíveis.

Resultado, a pessoa pega um busto desses, olha e diz:

“Está vendo? Aqui é evidente que ela foi isto. Esses revolucionários, coitados, certa razão tinham para fazer o que fizeram ou para serem como foram. E não se deve ser tão rigoroso no julgamento deles.”

Essa é uma conclusão injusta, não tem fundamento e leva a achar que o crime praticado pela Revolução contra Maria Antonieta tinha alguns lados de um ato de justiça. E em algo se deve ter pena daqueles agitadores ululantes e facinorosos que levaram Maria Antonieta à situação extrema a que ela foi conduzida.

Rainha que foi morta devido às qualidades que possuía

Ao olhar para uma fotografia desse busto, trazida por um amigo, e considerando tratar-se de um busto que, do ponto de vista artístico, é muito apreciável, a pessoa pode conservá-la como um marcador de livros, por exemplo. Uma vez ou outra, ao ler aquele livro, ela vai olhar a fotografia e aquela impressão se radica nela. Quando chegar a ocasião em que essa pessoa precise dar um curso de História, isso vai pesar de um modo revolucionário nesse curso.

Isso porque a pessoa foi mole no considerar esse busto, não tomou em consideração que era unilateral, apresentava um aspecto de Maria Antonieta, que a sua pessoa não podia ser julgada só segundo esse lado, pois ela tinha muitos outros aspectos relevantíssimos. E, sobretudo, é certo que não foi por isso que ela foi morta pela Revolução, mas pelas qualidades que ela possuía, pelo que havia de bom nela, porque a Revolução nunca combate o mal e jamais executa um ato de justiça contra o mal. Quando ela aponta um mal em alguém e finge combater esse mal é porque, no fundo, está combatendo um bem que existe naquela pessoa. Porque a Revolução é um movimento satânico, e satanás não é capaz de outro procedimento.

Portanto, a priori, sabendo o que foi a Revolução, devemos entrar no julgamento da coisa revolucionária certos de que, embora naqueles em que a Revolução executou violências havia coisas a punir, não foi esta a razão da punição; e nem sequer foi uma punição. Essas pessoas foram perseguidas pelos seus lados bons. Não considerar isso é ver a Revolução como ela não é.

Onde falta a luta há um dolo, uma fraude

Ora, isso exige uma firmeza, uma retidão de vontade, uma disposição de combater, uma oposição contrarrevolucionária completa que a maior parte das almas tem preguiça de ter. E por causa disso essas almas se deixam levar para baixo.

É por isso também que, por exemplo, chegando festas como a Imaculada Conceição, nós não tomamos em consideração as coisas que sabemos como teologicamente são, ou pelo menos podem ser vistas debaixo de um certo aspecto e que assim devem ser examinadas.

A imagem da Imaculada Conceição mais frequentemente difundida é a de Murillo. Esse quadro representa Nossa Senhora em pé sobre nuvens, num gesto de completo enlevo para com Deus, com as mãos postas e pensando só n’Ele. Como Rainha que está presente no seu reino e, portanto, completamente distendida, despreocupada, no terreno que Ela domina inteiramente, sentindo-Se objeto de todo o amor e comprazimento de Deus, de maneira que o amor que o Criador tem a todas as outras criaturas somadas não dá o amor que Ele tem a Ela, nem de longe.

A pessoa olha esse quadro e diz: “Que admirável!”

O contrarrevolucionário completo afirma: “É um quadro onde o combate não está presente, portanto, na realidade total, falta-lhe alguma coisa. E no representar a Imaculada Conceição alguma coisa falta. Tudo o que o quadro quer representar, Nossa Senhora tem, está presente. Mas, há algum lado para o qual não se pode fechar os olhos: a luta”.

Onde falta a luta o contrarrevolucionário percebe que há um dolo, uma fraude, que a verdade inteira não está ali.

Na realidade o que nos diz Cornélio a Lápide?

Ele não dá – tanto quanto eu me lembro, pelo menos – uma sentença como certa, mas apresenta como sentença aceita por muitos teólogos eminentes, cujos nomes e obras ele indica, o seguinte: Os que estão no Inferno têm um conhecimento sem delícias, sem alegria, sem amor, amargurado que, pelo contrário, dá-lhes uma situação de desagrado profundo do que se passa no Céu. Eles veem, quer dizer, conhecem Nossa Senhora posta na presença do Altíssimo e inundada de felicidade, etc., e o ódio neles aumenta. E do fundo do Inferno blasfemam contra Ela. Em oposição a essas blasfêmias Maria Santíssima executa neles um ato de justiça, mandando que outros Bem-aventurados respondam a elas. E se trava uma espécie de polêmica, de luta, não à maneira da batalha que houve no Céu quando satanás foi mandado embora por São Miguel Arcanjo, mas uma controvérsia em que os Bem-aventurados aclamam ainda mais a Ela por causa das blasfêmias que os precitos soltaram, e uma atmosfera de combate se torna notória no Céu, e Nossa Senhora é a vencedora que esmaga com o seu calcanhar a cabeça da serpente.

Assim o quadro da Imaculada estaria completo.

Guerra atormentante contra o maligno

Alguém poderá dizer: “Não, Dr. Plinio, devagar! O quadro de Murillo apresenta Nossa Senhora esmagando a cabeça da serpente”.

Não me lembro, mas é facilmente possível. Entretanto, Murillo A pinta como tão enlevada com Deus que nem toma conhecimento dos insultos do demônio. Aquilo é a última ralé para a qual Ela não liga e, portanto, é muito teológico que Ela seja apresentada não pensando no demônio. Se Ela tem a sua glória em que o demônio seja escarnecido, receba o ato de justiça com o vilipêndio atirado sobre ele, é justo que Ela tenha consciência disto. E que em reparação a Deus, que Maria Santíssima sabe estar sendo insultado por esse ato do demônio, Ela faça um ato de adoração. Um ato de adoração pleno como só Ela é capaz de fazer e tem os recursos para realizar, mas no qual o conhecimento da situação belicosa e a participação nesta guerra atormentante do demônio esteja presente dentro d’Ela.

Suponhamos que um católico coloque um quadro desses no retábulo da capela do seu oratório particular em casa. Ao rezar ele não tem a noção da atmosfera de luta em que todos os precitos, todos os demônios que estão no Inferno uivam contra Nossa Senhora, ao menos em certas ocasiões em que Ela majestaticamente, eu ousaria dizer – é impróprio porque Ela é tão maior do que qualquer outra criatura, que a comparação não está bem – “carolingiamente”, mete o pé em cima deles e os esmaga, e isso se dá gloriosamente.

O católico deve ter isso diante dos olhos pelo menos algumas vezes, e precisa sentir que falta alguma coisa quando, na sua devoção mariana, isso jamais lhe passa pela mente.

A Santíssima Virgem, usando um gládio, luta contra o demônio

Nunca me ensinaram isso e eu sentia que, na minha devoção à Nossa Senhora, faltava alguma coisa que procurava e não entendia o que era. Até que os meus olhos caíram sobre esse texto de Cornélio a Lápide.

Eu ali senti que havia um recôncavo da minha alma que estava vazio do necessário da devoção à Santíssima Virgem, e exultei porque me senti cheio de Nossa Senhora. E acho que a devoção contrarrevolucionária a Ela comporta este aspecto de um modo relevante.

Não quero dizer que a imagem ou o quadro, enfim a reprodução, que não se refira a isto seja censurável. Afirmo outra coisa: que quase nunca se veja isto é censurável.

Há uma escultura medieval, representando uma lenda, em que Nossa Senhora está defendendo, com espada na mão, uma alma que o demônio quer roubar. É, portanto, a Santíssima Virgem em luta contra o demônio, mas usando um gládio.

O efeito do Renascimento foi o de passar um pano molhado sobre todas essas realidades. E daí haver essa forma de piedade adocicada e sem luta, fazendo com que a Contra-Revolução não tenha lutadores. Os contendores estão do lado de lá, eles são ferozes; do lado de cá tem essa água com açúcar que conhecemos.

Mas volto a dizer, não é porque quando uma explanação de Nossa Senhora não se refere a isso seja água com açúcar, isso não é verdade. Mas é verdade que no conjunto das noções sobre Nossa Senhora deve-se ter isto presente, sob pena de não sermos verdadeiramente contrarrevolucionários. Tenho certeza de que o nosso espírito contrarrevolucionário brilha especialmente se tivermos o cuidado de sempre ter em vista que Nossa Senhora é assim.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/12/1992)

Aspecto militante do privilégio da Imaculada Conceição

Quando Adão e Eva pecaram, antes que Deus os expulsasse do Paraíso e promulgasse as penas às quais estariam sujeitos, revelou-lhes a missão de Maria Santíssima, que viria ao mundo para esmagar a cabeça da infernal serpente.

Esta inimizade, criada pelo próprio Deus, permanece viva ao longo dos séculos entre os que são da Virgem e os sequazes de satanás. Por isso, não é de admirar que o dogma da Imaculada Conceição tenha causado não pequeno rebuliço. Sobre este aspecto, comenta Dr. Plinio:

Quando o dogma da Imaculada Conceição foi definido por Pio IX, houve uma verdadeira tempestade de ódios, protestos, indignação. Como explicar esse furor?

Vejam o conteúdo do dogma: Maria Santíssima foi concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser.

Ela, como Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, mais recentemente também como Mãe da Igreja, é odiada pelo ódio igualitário de vê-La colocada no ponto mais alto em que uma mera criatura possa estar. Ainda mais sendo uma mulher, e onde, portanto, o arbítrio de Deus se apresenta de um modo muito mais forte.

Isso fere enormemente o igualitarismo, como também a ideia de que esta criatura tenha sido objeto de uma exceção a uma regra para a qual nunca houve exceção, e tenha sido concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser.

Não é só a aversão ao aspecto anti-igualitário, mas é um ódio em relação ao que é sublime. Nossa Senhora concebida sem pecado original, Mãe de Deus, tudo isso considerado no seu conjunto é de uma sublimidade de tal maneira pura, imaculada, elevada, virginal, que transcendente a tudo em matéria de sublimidade.

O espírito revolucionário odeia tudo quanto é sublime, tudo quanto é elevado, e não somente por ser ele igualitário, mas por outra expressão que é o amor ao banal, ao trivial, quando não é o amor ao degradado. Daí decorre um verdadeiro ódio contra a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Ao considerar a Festa da Imaculada Conceição, devemos pedir Maria Santíssima que nos dê cada vez mais essa bem-aventurança: sermos de tal maneira unidos a Ela, de trazermos em torno de nós de tal maneira a expressão d’Ela, que se possa dizer que realmente é por causa d’Ela que somos odiados, por causa daquilo que em nós existe de semelhante a Ela. Isto nós devemos pedir com muito afinco.

Imaculada Conceição, intransigência e combatividade

Uma incomparável noção do bem e do mal. Nascidas desta altíssima noção, a intransigência e a combatividade de Maria servem de modelo para toda a humanidade.

Um comentário que poderíamos fazer a respeito da Imaculada Conceição de Maria seria considerá-La enquanto modelo de insuperável combatividade e intransigência. No que consiste a combatividade e a intransigência, e por que podemos dizer que Nossa Senhora é, enquanto concebida sem pecado original, o modelo dessas virtudes?

Da compreensão e do amor a um nobre ideal nasce a intransigência

A intransigência consiste no seguinte: quando temos inteiramente claro no espírito o que é o bem e como algo deve ser para podermos considerá-lo bom; e quando temos essa noção levada até o ponto de sublimidade, compreendendo a mais alta expressão do bem a respeito daquilo, nasce, então, na defesa desta ideia, a intransigência.

Tomemos, por exemplo, a figura de um bom sacerdote. Uma pessoa que compreenda, em toda a sua sublimidade, a vocação sacerdotal, a virtude de que deve estar imbuído o sacerdote, e forme uma ideia profunda — não uma mera impressão colhida superficialmente — da alta realidade contida nesse estado de vida, ela se torna verdadeiramente intransigente em relação a tudo quanto toca no sacerdócio. Porque, como a pessoa compreendeu e amou um ideal altíssimo, necessariamente ela lançará uma condenação severíssima sobre aquilo que contradiga esse ideal. Por ter compreendido e amado esse bem até o fim, a pessoa pode perceber e sondar toda a malícia que há no contrário, rejeitando este completamente, de modo intransigente, ou seja, não o tolerando.

No contraste com o mal se percebe melhor a excelência do bem

Esta é a intransigência que procede, precisamente, dessa elevada concepção e nobre aceitação da coisa verdadeira e boa, e que gera, então, a rejeição daquilo que é ruim.

Por causa da estrutura do espírito humano, pode-se dizer que de algum modo, formada a intransigência, a visão e a consideração do mal reforçam o amor ao bem. Porque, no contraste com o mal, a pessoa percebe melhor a excelência do bem, encontrando assim um meio de amá-lo ainda mais.

O contrarrevolucionário, entendendo bem, nos seus mais altos aspectos, toda a grandeza da causa à qual se dedica, pode também perceber perfeitamente a dignidade e a excelência dessa vocação, e o que ela exige de quem a recebe. Por isso, ele forma dessa vocação uma ideia altíssima e muito amada por ele, o que o torna intransigente em relação a todas as fraquezas, todas as deficiências na vocação, e para com todos aqueles que, de fora, procuram atrapalhá-la.

Portanto, dessa alta ideia nasce uma recusa ao oposto, mas, na consideração do mal, essa mesma ideia ainda recebe um reforço.

Combatividade, filha da intransigência

A combatividade é uma consequência da intransigência. Quem é inteiramente intransigente deve querer o extermínio completo do mal que ele tem em vista. Do contrário, ele não seria intransigente. Por isso, o desejo de extinguir aquele mal deve encher sua vida como um verdadeiro ideal, não sossegando enquanto não tiver liquidado aquele erro que, de fato, ele queria liquidar.

Surge, então, a combatividade, isto é, aquele desejo de eliminar o mal efetivamente, sem deixar vestígios nem raízes, de maneira que nunca mais possa renascer. Derrotar o mal a ponto de envergonhá-lo, causando em quem considere essa derrota, um horror ao mal e um amor ao bem ainda maiores. Esta posição é, propriamente, a combatividade, filha da intransigência.

”Reduzir a pó pelo fogo”

No Direito português antigo havia uma expressão que indicava de um modo muito sintomático essa execração ao mal: “reduzir a pó pelo fogo”. Na época em que se aplicava a pena de morte, quando um réu era condenado por um crime horroroso, matavam-no — às vezes de um modo cruel, aos poucos, com pauladas ou por meio do tormento da roda —, queimavam seu corpo até reduzi-lo a cinzas, as quais eram, depois, jogadas no mar. Quer dizer, não sobrava nada.

Eis uma imagem da combatividade verdadeira que não quer que reste nem as cinzas, mas apenas uma recordação de horror daquele mal praticado.

Não me refiro à eliminação da pessoa, mas tenho em vista algo muito mais importante e difícil: é a extinção de um mau costume, de uma lei iníqua, de uma ideia má, de uma doutrina falsa. Matar um homem, numa hora de cólera, qualquer um é capaz de matar; há muitos criminosos que assassinam pessoas por aí. Mas querer acabar com uma instituição perversa, uma ideia errada, enfim, com o mal, este é o ponto característico da combatividade nascida da intransigência. Por vezes, essa combatividade poderá ser fria, porém será sempre inexorável.

Modelo de intransigência e combatividade

Qual a relação entre o que até aqui foi exposto e a Imaculada Conceição?

Nossa Senhora, sendo concebida sem pecado original, não tinha em Si absolutamente nada que fosse ruim. E possuía, nesta Terra, todas as facilidades para dar à graça de Deus uma correspondência perfeita a todo momento. De maneira que n’Ela a grandeza natural e a grandeza sobrenatural entravam em uma fusão, em uma harmonia profunda e estupenda.

Em consequência, a Santíssima Virgem estava dotada, como ninguém, de uma elevadíssima noção da glória e da santidade de Deus, da obrigação que têm todas as criaturas de darem glória a Deus; e, por causa disso, um altíssimo horror àquilo que o pecado representa. Donde uma combatividade acendrada, no sentido de execrar toda forma de mal.

Compreendemos, assim, por que Nossa Senhora é comparada a um exército em ordem de batalha: “castrorum acies ordinata”. E também a razão pela qual d’Ela se diz que, sozinha, esmagou todas as heresias em toda a Terra: é exatamente porque Maria Santíssima é o modelo da intransigência e da combatividade, virtudes estas que podemos compreender melhor através do privilégio de sua Conceição Imaculada.

Ao comemorarmos, pois, a Imaculada Conceição de Maria, devemos pedir um altíssimo grau de amor que nos leve a querermos ser intransigentes de um modo insondável, a um ponto inconcebível.

Lembro-me de Santa Teresinha do Menino Jesus manifestar, na “História de uma alma”, o pesar que ela sentia por não poder ser um guerreiro que, até nos confins da Terra, estivesse manejando a lança contra os inimigos de Deus. É assim a alma de um santo! Em todo lugar, quer verdadeiramente combater nas formas mais adequadas e legítimas do combate.

Portanto, nós devemos pedir hoje esse lampejo de combatividade ligado à santidade, correspondente à forma especial de pureza daqueles que verdadeiramente são filhos e procuram ter o espírito de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/12/1966)

Imaculada Conceição

Santa desde o primeiro instante

Conforme a sentença comum dos teólogos, Nossa Senhora, concebida sem pecado original, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no claustro materno possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, nele vivendo como num verdadeiro tabernáculo.

Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a elevada ciência que recebera pela graça de Deus, ainda no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de todo mal no gênero humano.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1963)
Revista Dr Plinio 117 – Dezembro de 2007