Esplendor que reparava a imerecida miséria

São Silvestre foi o Papa a quem, tendo vivido no tempo de Constantino, coube presidir a transformação importante que foi o fato de a Igreja deixar de ser perseguida para ser rainha, abandonar as catacumbas e começar a ocupar palácios.

Ele foi o Pontífice que acompanhou o surgimento da Igreja para fora das catacumbas como um Sol que nasce. Sob suas diretrizes e inspiração teve início a obra pela qual a Igreja foi sendo cercada de um luxo e esplendor, que reparava os anos de imerecida miséria passados por ela nas catacumbas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/12/1966)

Meditação sobre o Natal – II

Quais seriam nossas emoções se, logo após o nascimento de Jesus, entrássemos na gruta de Belém e contemplássemos a majestade, a acessibilidade e a misericórdia do Menino-Deus, bem como o ambiente que O cercava? Eis o tema do segundo estilo de meditação explanado por Dr. Plinio.

Passarei a fazer uma meditação inteiramente diversa da anterior(1) para, depois, efetuarmos a comparação.

Suponhamos que cada um de nós tivesse a alegria de entrar na gruta de Belém e ver Nossa Senhora com São José, o Menino Jesus, os pastores, o boi e o asno. E visse também os Reis Magos — entre os quais o Rei negro Baltazar — vindos do Oriente, se aproximando com suas caravanas, seus cortejos, a estrela; adoram o Menino-Deus e Lhe oferecem ouro, incenso e mirra.

Como imaginariam a cena? Sob que aspecto ela lhes causaria mais alegria na alma e por onde se sentiriam mais próximos do Divino Infante?

N’Ele, poderíamos considerar, entre muitos outros pontos, a infinita grandeza, a infinita acessibilidade, e também o infinito amor.

Infinita grandeza do Menino Jesus

Quanto a sua infinita grandeza, podemos imaginar uma gruta enorme, alta, quase como uma catedral, que não tivesse evidentemente uma arquitetura definida, mas suas pedras nos fizessem pressentir vagamente as ogivas de uma catedral da futura Idade Média. O berço do Menino Jesus estaria colocado bem no ponto majestoso da encruzilhada das várias naves laterais, naturais, e uma luz celeste toda de ouro pairaria sobre Ele naquele momento.

O Divino Infante, embora deitado em seu presepe e sendo uma criança, é o Rei de toda majestade e toda glória, o Criador do Céu e da Terra, Deus encarnado e feito Homem, tendo desde o primeiro instante de seu ser — portando já no ventre de Nossa Senhora —, mais grandeza, mais manifestação de força e de poder do que todos os homens que houve na Terra, incomparavelmente mais inteligente do que São Tomás de Aquino, mais poderoso do que Carlos Magno, Napoleão, Alexandre; Ele sabia todas as coisas extraordinariamente mais do que qualquer cientista moderno, e na fisionomia sempre variável do Menino Jesus, de vez em quando esta majestade feita de sabedoria, de santidade, de ciência, de poder, haveria de aparecer.

Então, imaginem que encontrassem isso misteriosamente expresso na fisionomia deste Menino. Que Ele, às vezes, se movesse e no seu movimento se percebesse um rei; abrisse os olhos e o fulgor de seu olhar tivesse uma profundidade tal que se sentisse n’Ele um grande sábio; haveria uma atmosfera circundando-O e que nimbasse de virtude todos aqueles que d’Ele se acercassem; algo puríssimo, de tal maneira que as pessoas não poderiam aproximar-se dali sem antes pedir perdão por seus pecados, mas ao mesmo tempo atraídas e incentivadas a se corrigirem de suas faltas, pela santidade que emanava daquele local.

Majestade de Nossa Senhora

E aos pés d’Ele Nossa Senhora, Ela também como uma verdadeira Rainha — a Virgem Santíssima era e é Rainha —, com uma dignidade e imponência, que não precisava de roupas nobres nem de tecidos de grande qualidade para se fazer valer.

Todos sabem que Santa Teresinha do Menino Jesus era tão imponente que seu pai a chamava “minha pequena rainha”. O jardineiro do Carmelo, no processo de canonização, contou uma vez que viu uma freira, que estava de costas, fazer tal coisa e era Santa Teresinha. Então o advogado do diabo perguntou: “Mas como o senhor sabia que esta freira, estando ela de costas, era Santa Teresinha?” A resposta foi: “Pela majestade da santa, porque ninguém possuía a majestade que ela teve”.

Podemos imaginar Nossa Senhora majestosíssima, transcendente, puríssima, rezando para o Menino Jesus, os Anjos invisivelmente cantando, em volta, canções de glorificação, e toda a atmosfera saturada de valores tais que se diria haver, naquela pobreza e miséria, um ambiente de corte.

E nós nos aproximando do presépio, sentindo a grandeza do Menino Deus e, como contrarrevolucionários que somos, amando n’Ele tudo quanto é nobre, belo, santo, intransigente e combativo; adorando aquele Menino que, ao mesmo tempo, atrai junto a Si todas as formas de grandeza que dimanam, são reflexos e uma participação na santidade d’Ele, e rechaça para longe de Si o pecado, o erro, a desordem, o caos, a Revolução, que nem sequer ousa levantar os olhos para aquela cena magnífica em que a ordem, a hierarquia, a pompa e o esplendor dominam completamente.

Acessibilidade do Divino Infante

Consideremos agora outro aspecto: o Menino Jesus imensamente acessível.

Suponhamos que esse Rei tão cheio de majestade, em certo momento abrisse os olhos para nós e notássemos — mas cada um deve imaginar-se visto por Ele — que o olhar puríssimo, inteligentíssimo, lucidíssimo do Divino Infante penetra em nossos olhos profundamente, vê o mais fundo de nossos defeitos bem como o melhor de nossas qualidades; e naquele momento toca a nossa alma, como tocou, trinta e três anos depois, a São Pedro, e nos dá uma tristeza profunda de nossos pecados.

Conta o Evangelho que o olhar de Nosso Senhor para São Pedro foi tal que este se retirou e chorou amargamente. Então, imaginemos o olhar d’Ele nos dando o horror de nossos defeitos e nos mostrando seu amor às nossas qualidades. E também o seu amor à nossa condição de criatura feita por Ele; apesar de nossos defeitos, fomos criados por Ele e destinados a um grau de santidade e perfeição, que o Menino Jesus conhece e ama enquanto podendo existir em nós.

De maneira que, embora pecadores, quando menos esperássemos, por um rogo amável de Nossa Senhora, Ele sorrisse para nós e, apesar de toda a sua majestade, sentíssemos as distâncias desaparecerem, o perdão que invade a nossa alma, e algo nos atraísse de tal forma que caminhássemos para junto do Menino-Deus, e Ele afetuosamente nos abraçasse e pronunciasse o nosso nome: “Fulano, Eu te quis e te quero tanto, desejo para ti tantas coisas, perdoo-te tanto, não pense mais nos teus pecados, daqui por diante pensa apenas em servir-Me. E em todas as ocasiões de tua vida, quando tiveres alguma dúvida, lembra-te dessa condescendência, dessa amabilidade, desse beneplácito e recorre a Mim por meio de minha Mãe, e Eu te atenderei, serei o teu amparo, a tua força que há de levar-te ao Céu para ali reinares ao meu lado por toda a eternidade”.

Sua compaixão sem limites

Imaginemos a misericórdia do Menino Jesus, olhando não só para o que há de bom e mau em nós, mas também para nossa tristeza, para a condição miserável de todo homem na Terra, para o sofrimento que cada um de nós traz em si, para o sofrimento passado e o sofrimento futuro que Ele conhece. Contemplando inclusive o risco que nossa alma corre de ir para o Inferno, para os tormentos eternos; todo homem, enquanto vive nesta terra, está exposto a ir para o Inferno. E o Divino Infante olhando para o Purgatório e os tormentos que ali nos aguardam, se não formos inteiramente fiéis. Então é um olhar de compaixão, de pena, de uma participação profunda na nossa dor; e um desejo de removê-la em toda medida que for possível, de nos dar forças para suportá-la na medida em que a dor for necessária para nos santificarmos.

Então, notarmos n’Ele aquilo que consola tanto o homem, e que Jesus não teve quando chegou sua hora de sofrer. Qualquer pessoa, no momento da dor — está na natureza humana e é reto —, se consola em ter alguém que sinta pena dela, pois a compaixão divide o sofrimento. O homem é feito de tal maneira que, quando ele está alegre e comunica a sua alegria, esta se duplica, quando está triste e comunica a sua tristeza, esta se divide. Assim também, e a “fortiori”, passa-se conosco em relação ao Menino Jesus.

Então, em todos os sofrimentos de nossa vida, quando a taça para beber for muito amarga, repetiríamos por meio de Maria Santíssima a oração de Nosso Senhor: “Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice, mas faça-se a vossa vontade e não a minha”(2). Quer dizer, pediríamos, em todos os momentos, que a dor passasse, mas se fosse a vontade d’Ele a dor viesse sobre nós. Assim, durante nossos sofrimentos, teríamos compaixão d’Ele, como se nos dissesse: “Meu filho, Eu sofro contigo. Vamos padecer juntos porque sofri por ti, e há de chegar o momento em que tu participarás eternamente da minha alegria”. E o olhar compassível de Jesus não nos abandonará um momento em nossa existência.

Três presépios representando cada um desses aspectos

Então, ao fazermos essa meditação durante todo o tempo de Natal, ao longo das vicissitudes da existência quotidiana, devemos nos lembrar destes três pontos: a majestade infinita, a acessibilidade infinita, e a compaixão sem limites do Menino Jesus em relação a nós. E ter a recordação sensível, porque procuraríamos compor um pouco o quadro.

Alguém me diria: “Mas Dr. Plinio, o presepe não poderia ter esses três aspectos ao mesmo tempo”. Não é verdade. Em Nosso Senhor todas as perfeições, todos os estados de alma perfeitos coexistiam na sua natureza humana em graus e modos diversos, conforme as circunstâncias da vida. Portanto, Ele era cheio de majestade, de acessibilidade e de compaixão para com os homens desde o momento em que entrou na Terra. E é natural que, apesar de ser Menino, conforme as almas que d’Ele se acercassem, ora uma qualidade, ora outra, aparecesse.

Seria até muito bonito que numa igreja, em vez de um presépio, houvesse em três altares diferentes três presépios, em que as figuras e toda a ambientação representassem, em cada altar, um desses aspectos para facilitar às almas a meditação sobre esses pontos como, aliás, sobre outros que também se poderiam considerar.

Como pintar o olhar do Menino-Deus?

Aqui estaria um outro tipo de meditação sobre o Santo Natal. O primeiro é um estilo de meditação que chamaríamos mais teórico, mais doutrinário; o segundo seria uma recomposição mais sensível, tocando-nos mais de perto.

Na segunda meditação, há lógica também, pois sem lógica não há meditação; mas a parte do embebimento da fantasia, da sensibilidade para preparar o jogo da lógica é muito grande. A primeira é muito mais seca. Aí está a diferença entre as duas escolas. A geração posterior à minha é muito apetente de embebimento e de preparação desta natureza, conforme a segunda meditação.

Como eu gostaria de ter em nosso Movimento pintores ou desenhistas que soubessem, por exemplo, pintar três presépios de acordo com esta concepção, ostentando toda a grandeza, ou toda a acessibilidade, afabilidade, ou toda a compaixão de Nosso Senhor! Como seria bonito! Mas o difícil é que seria preciso saber pintar aquilo que é o centro do presépio: um Menino recém-nascido que, sem perder as características de menino, tivesse tudo isso e, sobretudo, um olhar onde essas perfeições se refletissem. Como pintar um olhar infantil capaz de dizer tudo isso? Antes de ser pintor, que psicólogo o artista precisa ser para imaginar este olhar! E, depois de imaginado, como pintar? Este seria o pintor que iniciaria nossa escola de pintura, porque tenho a impressão de que, no pintar expressões de olhar, nossa escola estaria largamente representada.

”Minha alma é eminentemente inaciana”

Essa meditação sobre o Santo Natal conduz à seguinte convicção: convém fazer um estilo e outro, porque há diversas vias espirituais, e não devemos nos fixar só num estilo. Vale a pena alternarmos, meditando ora de um modo, ora de outro, para atender aos anseios de todas as almas.

Se me perguntassem o que me impressiona mais, eu responderia que, embora tendo composto o segundo tipo, me impressiona mais o primeiro, talvez por ser mais próprio de minha geração ou do meu feitio de espírito. Aquilo que é inteiramente racional e que eu posso ver amarrado por um raciocínio inexorável, me enche e me basta. Compreendo que outros não sejam assim, a tal ponto que tomei o trabalho de compor, para uso de outros, uma meditação diferente, e dou o meu tempo por muito bem empregado.

Nessa opinião transparece a seguinte posição: na Igreja há várias escolas espirituais, todas aprovadas por ela. Em geral, inauguradas e seguidas por santos, essas escolas são esplêndidas, e cada um deve seguir o que sua alma lhe pede. Minha alma é eminentemente inaciana e o sistema de Santo Inácio me encanta. O raciocínio simples, claro, límpido, que conclui e que arrasta, e a respeito do qual não há tergiversação nem sofisma, me deixa entusiasmado! Sejamos cada um como Deus o fez para a glória d’Ele.

Que Nossa Senhora nos ajude para que possamos tirar proveito de qualquer dessas meditações, de maneira a compreendermos cada vez mais a Ela e ao Menino Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/12/1973)

1) Revista “Dr. Plinio”, n. 189, p. 20-25.
2) Cf. Mc 14, 36.

A Sagrada Família

Imaginando aspectos da Santa Casa de Nazaré, Dr. Plinio comenta as sublimes realidades do dia-a-dia da Sagrada Família, bem como o enlevo e a admiração do Santo Casal por seu Filho-Deus.

É comum encontrar estampas com pitorescas representações da casa onde viveu a Sagrada Família. Muitas são respeitáveis e bastante apropriadas. Em geral, combinam uma pureza diáfana com uma luz que não era apenas a de um dia belamente luminoso — luz persistentemente matinal de um horário que já não é matinal. Em síntese, apresentam uma simplicidade absoluta junto a uma limpeza absoluta.

Isto é o que nos apresentam tais figuras, mas fica-se sem saber o que dizer a respeito do que acontecia na Casa de Nazaré. Imaginemos, então.

Imaginando aspectos da casa e do dia-a-dia

O que comentar, por exemplo, da limpeza desta casa?

Era Maria Santíssima que, diante dos coros angélicos extasiados, fazia a limpeza da Santa Casa. Às vezes era São José, seu castíssimo esposo, quem a fazia. Noutra ocasião, quando estavam cansados, era o Menino quem limpava a casa para que os pais a encontrassem em bom estado… É difícil crer, mas nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la.

Num canto da casa, há um simples jarro, do qual se levanta uma açucena, reta como a virgindade. É a única coisa que fala de arte; o resto é tão simples…

Entretanto, olhando para qualquer madeira tosca, para o pé de uma cadeira, por exemplo, ou para uma prateleira que suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado! Não se sabe o que dizer diante dessas “sublimes bagatelas”, tão comuns na vida de qualquer um, mas, que por estarem postas naquela casa, assumem um caráter todo especial.

Sublimes realidades

Imaginemos São José sentado, torneando alguma coisa, enquanto Nossa Senhora faz alguma costurinha, e o Menino que, tão pequeno ainda, brinca com duas ou três pedrinhas, em pé, apoiado numa cadeira vazia.

Não há palavras que bastem para nos explicar o que, na realidade, está se passando: este Menino — verdadeiro menino, nascido da linhagem de David — foi gerado pelo Espírito Santo nas entranhas de Nossa Senhora, a flor do gênero humano!

Enquanto o Menino Jesus brinca com suas pedrinhas, e n’Ele a natureza humana se desenvolve segundo a ordenação posta por Deus, que repercussão estará havendo nas relações das Três Pessoas da Santíssima Trindade? Entretanto, tudo tão simples, tão elementar.

Enlevo e admiração pelo Filho-Deus

Pode-se imaginar o enlevo sem fim que o casal tinha por cada olhar ou movimento do Menino. Enquanto trabalhavam em alguma coisinha, Maria e José ficavam atentos ao mínimo gesto de Jesus e procuravam não perder sequer uma emissão de voz d’Ele.

Quem não ficaria atento? Afinal, eles sabiam que era o Homem-Deus que estava assim Se movendo.

Isto representava para eles um tesouro sem conta.

O dia-a-dia da Sagrada Família

Como seria o relacionamento no seio da Sagrada Família?

Conversariam sobre a virgindade fecunda de Nossa Senhora? Teriam uma interlocução por onde, constantemente, faziam referência à natureza divina? Ou somente falavam sobre estes assuntos nas grandes ocasiões, quando, por exemplo, baixavam do Céu luzes extraordinárias, ou quando contemplando o Menino tinham êxtases místicos?

Eu sou propenso a acreditar que, na maravilha desse convívio interno, as situações mais diferentes se sucediam simultaneamente, e isto constituía uma forma de convivência celeste.

A vida comum de uma pobre família operária, e o encanto das considerações metafísicas e sobrenaturais de Nossa Senhora e de São José, que viviam inundados pela presença do Menino, uniam-se no dia-a-dia da Casa de Nazaré.

Numa ocasião comum, Nossa Senhora perguntaria:

— José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Ireis porventura sair, levando o banco que acabastes de fazer?
— Senhora, responderia São José, preciso ainda ficar aqui por algum tempo, exceto se vossa vontade for outra.

Acrescentaria ele:

— Senhora, Vós Vos distraístes — ele bem sabia que Maria tinha estado conversando com os Anjos — e o almoço vai longe em nosso pequeno fogareiro; vede um pouco… Quem sabe ao certo como se davam estas coisas? Pode-se imaginar tudo.

Previsão do sofrimento e da glória

Noutra ocasião, o Menino — que quando adulto, no Tabor, reluziria entre Moisés e Elias de um modo tão esplendoroso —, no momento inopinado em que vinha pedir licença aos pais para brincar um pouco no jardim, apareceria diante deles com um brilho deslumbrante. Eles passavam alguns instantes sem poder responder ao Menino — o qual esperava reluzente a resposta —, completamente transportados para outra esfera: estavam diante de Deus.

Em certos momentos, Eles viam que o Menino Lhes aparecia brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas: era o precônio da cruz.

Ficavam, então, com o coração partido, olhando o Menino Jesus andar determinadamente de um lado para outro na casa, fazendo um gesto ao Padre Eterno. Era um ato figurativo da Agonia no Horto.

Tudo estava impregnado por uma respeitabilidade, uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma só palavra, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes!

Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/82)

Sentinela, mesmo após a morte

São Tomás Becket, assassinado por defender os direitos eclesiásticos contra os abusos do poder temporal na Idade Média, foi mártir da liberdade da Igreja.

Homenageado pelos ingleses durante quatro séculos, teve seus restos mortais profanados e destruídos por ordem do Rei Henrique VIII que, ao proclamar-se chefe da igreja anglicana, deliberou injuriar as relíquias daquele que morrera para que tal usurpação não se desse.

Nessa execução póstuma há uma verdadeira glória para São Tomás Becket: ser odiado pelos maus e sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Este Santo, até depois de morto, constituía uma barreira para os inimigos da Igreja. Foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse continuar. Ora, um homem que, deitado inerte no seu jazigo, representa ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a, é uma verdadeira beleza!

Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez isto: quatrocentos anos após seu martírio, seu corpo era uma trincheira e um pavor para os adversários.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/12/1968)

Reflexões para o final do ano

Recordando fatos que marcaram profundamente a História — como a queda de Constantinopla e a reconquista da Espanha, a partir de Covadonga —, Dr. Plinio nos ensina a ver a importância dos pequenos sintomas, quer relativos ao mal, quer referentes ao bem.

Chegamos a mais um fim de ano! Qual é a reflexão que me vem ao espírito a respeito disso?

A civilização medieval foi sendo corroída gradualmente

Quando examinamos a história da Revolução e depois a história da Contra-Revolução(1), notamos existir um princípio que é preciso ter muito em vista, ao se considerar a enorme rotação do auge do esplendor da civilização medieval até a paganização dos nossos dias. Aos poucos se foi manifestando um verme roedor, que corroía gradualmente aquela ordem de coisas magnífica, a qual prometia subir indefinidamente até altitudes inexcogitáveis pelo espírito humano; e, em determinado momento, ela caiu e chegou até os dias atuais, em que o processo baixou a profundidades inimagináveis.

Tão alto se elevou que não se podia imaginar antes que pudesse subir tanto; e foi apenas até a metade do caminho! Tão fundo caiu, tanto se degradou, tão completamente se conspurcou, que não se poderia imaginar também que caísse mais baixo e fosse pior do que está.

Por que razão essas coisas se deram?

Porque um determinado princípio de sabedoria comum — mas que é negligenciado por um grande número de pessoas de responsabilidade decisiva em acontecimentos históricos — não foi tomado em consideração, não foi aplicado nos momentos em que deveria ter sido. O resultado é que a História apresenta essas derrapagens tristes; e poderia manifestar, pelo contrário, ascensões magníficas se se tivesse levado em conta esse princípio.

Que princípio?

Com relação ao bem e ao mal nada é sem importância, por menor que seja

Devemos considerar que, com relação ao bem e ao mal, nada é sem importância, por pequeno que seja, nada é sem perigo, por insignificante que seja, nada é digno de ser passado por alto sem tomar uma providência, um remédio, por débil que seja. E assim que notamos em qualquer ponto da mentalidade de uma pessoa alguma concessão ao mal, devemos procurar remédio imediatamente; só não devemos combater energicamente quando essa pessoa já está entregue ao mal.

Felizes são aqueles com quem se pode ser enérgico! Por exemplo: notando numa pessoa um começo de mal, chamamo-la e dizemos: “Fulano, você tem ido bem, eu lhe quero, tem sido para mim fonte de muita satisfação, mas você me inquieta por tal sintoma”. E mencionamos uma coisa na aparência insignificante, porém é um sintoma que tem um significado profundo. Pode ser uma simples irritação no rosto que, entretanto, é um sintoma de uma grave doença. Então, chegamos junto dele e avisamos: “Isto é sintoma de um mal muito grave, e você precisa ser operado amanhã — feliz dele porque pelo menos suporta o trauma da advertência —, está sendo avisado hoje porque você tem força, coerência, amor de Deus e, advertido já, você está apto para resistir”.

Pelo contrário, infeliz é aquele em quem se nota um defeito e se percebe que não está preparado para receber a advertência. Então a primeira coisa que precisamos fazer é sorrir para ele e fazer de conta que não notamos nada. Deixamos passar o tempo até que apareça uma boa ocasião para falar, porque do contrário a psicologia dele reage em sentido oposto. Não quer dizer que ele se revolte — pode se revoltar conforme o caso —, mas recebe com modorra, com indiferença, com preguiça, essa advertência. Por isso, temos que retardar o momento de fazê-la e com isso ele vai se arriscando.

Então, aquele que diante dos menores fatos, que são sintomas de situações espirituais ou sociais, ou quaisquer outras, sabe discernir logo o mal e pula em cima dele e o apaga, pode ser um homem de Deus.

Mas não é homem de Deus aquele que tem um otimismo tranquilo diante dos pequenos sintomas de mal, pois isso é uma prova de que perdeu uma das condições mais preciosas da integridade da alma, da integridade da virtude, que é compreender a importância enorme dos pequenos sintomas para intervir logo, antes que eles se tornem monstros.

Vemos instituições ruírem, desaparecerem, civilizações caírem, acontecer tudo, diante destes olhos fechados para o mal que fazem com que a pessoa não compreenda o que querem dizer os sintomas, fecha os olhos por preguiça de combater, de ser solerte, enérgico, e por causa disso as coisas vão ruindo, vão se esboroando.

A queda de Constantinopla

Eu creio já ter tratado aqui da tomada de Constantinopla pelos turcos, no século XV.

Constantinopla era um dos portos mais famosos do Mediterrâneo naquele tempo; e até hoje é um porto importante. Uma cidade lindíssima que era a capital do Império Romano do Oriente. Era um império que fora muito poderoso. No tempo do General Belisário(2) tinha chegado quase até a orla do Atlântico; ocupou grande parte do Norte da África no Mediterrâneo, enquanto o Império Romano do Ocidente conquistou todo o litoral europeu. Assim, os romanos podiam dizer orgulhosamente que o Mediterrâneo era um lago romano, o “mare nostrum”, o “nosso mar”. A cidade de Bizâncio — Constantinopla —, era famosa pela sua grandeza, riqueza, etc., e a corte bizantina, famosa pelo seu luxo, esplendor, cerimonial complicado, etiqueta refinada. A cultura dos homens de letras de Bizâncio era extraordinária. Ela era uma das maiores metrópoles do mundo naquele tempo.

Aos poucos, os turcos foram corroendo os territórios bizantinos na Ásia. Depois caíram os territórios bizantinos na África, e Bizâncio ficou quase reduzida à capital, que vivia de umas terrinhas que havia em volta, mas que evidentemente não bastavam para entreter todo aquele luxo. Em vez de reagirem, se oporem e declararem a guerra, preverem que a ruína os estava ameaçando e, portanto, tomarem a situação a sério, pelo contrário, eles foram deixando se arrastar.

Afinal aconteceu que a esquadra turca se impostou diante de Bizâncio e começou o ataque, que foi terrível. O Imperador lutou energicamente contra os turcos e pereceu na batalha; os bizantinos foram quase todos exterminados, muitos fugiram pelos Balcãs e chegaram até a Itália onde os turcos não conseguiram chegar, de maneira que se salvaram levando até objetos de arte, tesouros, que eles vendiam para poder sobreviver. Mas o Imperador morreu em condições tão trágicas, que o corpo dele foi encontrado numa montanha de cadáveres, e só foi reconhecido porque os imperadores de Bizâncio usavam sapatos vermelhos.

Conta-se que um homem foi morto pelos turcos, enquanto tocava calmamente um instrumento musical. Os turcos mataram o homem e quebraram o instrumento. É claro! Não podia acontecer outra coisa, ele tinha preparado isso. A cidade inteira entregue ao drama, aquela Cristandade devastada, sujeita à pior miséria, e ele tocando seu instrumento, calmo, como se estivesse vivendo uma manhã normal. O fim dele foi o símbolo dessas pessoas que não observam esse princípio de obstar, desde logo e no começo, os primeiros sintomas verdadeiramente perigosos.

O bem é mais difícil de ser praticado

Em sentido oposto, muita coisa boa se tem deixado de fazer na História, porque muitos não percebem que, assim como uma coisa pequena e má pode desenvolver-se e transformar-se em um perigo, também uma coisa pequena e boa pode crescer e tornar-se uma salvação.

Portanto, não há princípio que mais favoreça o mal, de tal maneira que as batalhas sejam sempre ganhas por ele. E em virtude disso, o bem, mesmo quando é do tamanho de um grão de arroz, tem a possibilidade de a partir disso fazer algo colossal.

Sabe-se com que facilidade o milho se multiplica. Um indivíduo com um grão de milho pode ser que faça um milharal. Com um milharal é possível que obtenha uma fortuna, porque soube não desanimar quando tinha no bolso apenas um grão de milho.

É bem verdade que, se considerarmos apenas a ordem natural das coisas, veremos que nesta Terra, devido ao pecado original e ao demônio, é mais fácil ao mal vencer do que ao bem. Porque o mal oferece o atrativo de um gosto, de um deleite, de um prazer. E o homem muito facilmente atende o convite do prazer.

O bem, pelo contrário, oferece um ideal, uma grande perspectiva de ordem espiritual, mas pede o sacrifício do corpo e muitas vezes o sacrifício da alma. O bem é mais difícil de seguir, encontra mais resistências. Mas o bem tem de seu lado algo que o mal não possui: a graça de Deus, a ajuda de Nossa Senhora.

Covadonga: uma das vitória mais brilhantes da História

Um exemplo tão conhecido entre nós, mas tão magnífico que não pode deixar de ser mencionado nestas circunstâncias, é da resistência espanhola em Covadonga.

A Espanha foi rapidamente dominada pelos árabes, que a submeteram ao seu poder. No entanto, um grupo pequeno de pessoas, já próximas do mar no norte da Espanha, reunidas na gruta de Covadonga rezavam. E ali, no último momento, Nossa Senhora aparece, lhes promete que Ela dirigirá a reação e que a Espanha será reconquistada.

Qual foi o efeito dessa promessa? Esses últimos resistentes podiam muito pouco, eram em pequeno número e trânsfugas. Eles vinham fugindo, traziam dentro de si todos os defeitos da mentalidade do homem fujão, mas com a mão de Nossa Senhora, “ubi Sanctissima posuit manus”, onde a Santíssima Mãe de Deus pôs sua mão, tudo se resolve! Eles começam uma reconquista que terminou oitocentos anos depois! Por seu lado, os portugueses, em vitórias também gloriosas, expulsaram os árabes de Portugal e a Península Ibérica inteira passou a ser uma península cristã, católica.

Isto tudo quer dizer que um punhadinho de resistentes — que estavam fugindo, com mulheres, crianças etc. —, protegidos pela Providência, por Nossa Senhora, vão até a última vitória. Tiveram de manter viva a esperança durante oitocentos anos, mas a glória deles foi que, durante todo esse tempo, eles confiaram e lutaram. Venceram, segundo a fórmula de Santo Antônio Maria Claret, espanhol catalão: “A Dios orando y con el mazo dando.” Foi uma vitória das mais brilhantes da História. Por quê? Eles compreenderam que um pequeno elemento de resistência poderia vencer todos os obstáculos.

A luta é o sentido da vida

Deus tudo faz segundo sua Providência e, mesmo os acontecimentos que parecem mais absurdos e mais contraditórios, num plano geral se encaixam. Deus quer que haja sol e também trevas, e que as trevas e o sol se sucedam para o bem do homem e não para tensioná-lo, a fim de criar um ambiente em que o homem descanse, e outro em que ele acorde alegre e se sinta em condições para trabalhar. À noite, um ambiente em que o homem se lembra da morte, de sua própria ruína, compreende o efêmero dos dias de sol, e que só uma coisa tem valor absoluto, que paira acima do sol e da noite: é Deus em sua eternidade. Só para Ele devemos olhar, só n’Ele precisamos confiar.

Deus cria com isso as condições para o homem viver na Terra. Uma Terra perpetuamente escura, ou perpetuamente de sol, não é viável; como uma vida de perpétua alegria — quantos homens querem ter essa vida! —, ou uma vida de perpétua desgraça — tantos homens acham mais cômodo se habituar a essa ideia do que esperar, rezar e lutar —, essas vidas são opostas à natureza do homem.

Com essa rotação, Deus nos dá o sinal do seguinte: tudo é efêmero, tudo pode passar, tudo pode levar a resultados inesperados; o homem deve lutar e a luta é o sentido da vida. Luta contra si mesmo, contra seus defeitos que a todo o momento estão procurando renascer e arrastá-lo para o mal. Luta, por outro lado, contra o adversário externo, extrínseco a si: o demônio, o mundo e a carne, que querem arrastá-lo para o pecado. Luta em todos os sentidos da palavra, luta contra a doença, contra as carências, contra a indigência; esta luta se chama o trabalho.

Esta luta é um elemento sem o qual a vida não seria vivível, ela se tornaria mais insuportável do que a vida de um mendigo, de um miserável; ela é o normal da vida. Nesse normal da vida devemos procurar guiar os acontecimentos, conforme a quota de direção que Deus nos entregou a respeito deles. Deus nos deu meios para que, nesta invariabilidade de muitos fenômenos, podermos variar muita coisa. Mas desde que reconheçamos que é preciso lutar e que sem luta não há vida; e, em segundo lugar, com a graça d’Ele, nós temos — é uma palavra que saiu do vocabulário usual — a solércia, quer dizer, a agilidade, a prontidão no julgar, no perceber, no discernir, para agir logo no começo e obter “in ovo” vitórias brilhantíssimas e prolongar assim o glorioso reinado do bem.

Mas de outro lado, devemos também compreender que o mesmo se dá com o mal. Até quando o mal parece mais poderoso, mais possante, sua vitória mais inabalável, quem confia e reza a Nossa Senhora, assistirá ainda a aurora do bem e da vitória d’Ela.

Na passagem de ano, quando estivermos nos esplendores das belas cerimônias que se realizarão, sobretudo quando o Santo Sacrifício da Missa chegar ao seu ápice, quer dizer, a Consagração, em que Nosso Senhor Jesus Cristo renovará de maneira incruenta o Santo Sacrifício do Calvário, lembremo-nos destas considerações. No momento em que o sacerdote pronunciar as palavras da Transubstanciação, peçamos a Nossa Senhora, e por meio d’Ela a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Adveniat Regnum tuum”, para que venha logo o vosso Reino! E teremos passado um ano-bom bem-aventurado!

(Extraído de conferência de 30/12/88)

1) O termo “Revolução e Contra-Revolução” é aqui empregado no sentido que lhe dá Dr. Plinio em sua obra de mesmo nome, escrita em abril de 1959.
2) General Belisário (c. 495-565): Primeiro general do Império sob Justiniano, vencedor dos persas (530), salvou a monarquia de uma sedição (532) e foi instrumento da reconquista bizantina na África (533), na Sicília (535) e na Itália (Nápoles, Roma, Ravena).

Precursor na luta contra a heresia

São João Evangelista foi um dos primeiros lutadores contra a heresia, que nascia em seu tempo, a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como Mãe, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/12/1964)

São João Evangelista

Era uma alma eminentemente virgem, chegada de modo extremo a Nosso Senhor, devotíssima do seu Coração Sagrado.

São João Evangelista, mais que Apóstolo, foi verdadeiro amigo do HomemDeus. Por isso, Nosso Senhor, antes de expirar no madeiro, deixou ao seu discípulo predileto um tesouro inapreciável: Maria Santíssima.

Receber Nossa Senhora, é receber  tudo o que Deus depois de dar-se a Si mesmo pode conceder ao homem. Maria, Virgem, foi dada pelo virginal Filho ao virginal amigo que era São João. Nessa  entrega vemos uma manifestação extraordinária do amor de Deus às almas virgens. E vemos, também, um dos rutilantes traços da grandeza do Apóstolo Evangelista.

Plinio Corrêa de Oliveira

São João Evangelista

Como diz muito bem o Abade Dom Guéranger, “São João Evangelista era parente de Nosso Senhor segundo a carne, e enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus”, a quem Jesus tributava um sentimento mais próximo e íntimo que aos demais.

Na última Ceia, São João reclinou-se sobre o peito do Mestre e ouviu as pulsações do Sagrado Coração: naquele instante, pulsações de amor, mas também de dor e angústia, diante dos abismos de sofrimentos que d’Ele se acercavam.

Alma eminentemente virgem e unida a Nosso Senhor, predileta e devota do Sagrado Coração de Jesus, São João mereceu como recompensa um tesouro sem preço: aos pés da Cruz, recebeu por Mãe a própria Mãe do Redentor, Maria Santíssima. Mais do que isto, abaixo d’Ele, Deus não lhe poderia dar…

São João Evangelista

São João Evangelista, discípulo amado do Divino Mestre, devemos pedir que nos alcance uma piedade semelhante à dele, toda imbuída de confiança e de intimidade em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora; que nos obtenha, portanto, uma devoção à Santíssima Virgem e um amor a Deus como ele os manifestou, marcados ao mesmo tempo por suprema veneração e por filial ternura.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/12/1966)

A paz da noite de Natal

Após ter assistido a uma representação da história do menino do tambor, Dr. Plinio explica que, por ocasião do Natal, o Menino Jesus não só recebe aqueles que O visitam na manjedoura, mas vai à procura de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e lhes diz alguma coisa que de um modo especial lhes toca o coração.

A lindíssima apresentação que tivemos aqui, desses reis magos poéticos, com seus turbantes, desse menino tão mais poético do que os reis magos, com seu chapeuzinho de cone truncado, lembrando um pouco o chapéu de São Charbel Makhluf, daqueles arenais imensos e sem fim, daquelas montanhas que não têm nome, porque o vento as faz e as desfaz. Panorama mutável do deserto, no qual se passa a infância séria, equilibrada, um pouco triste, mas profunda e alegre, daquele menino que, conforme a narração, foi educado pelo seu velho e pobre pai, pois perdera a mãe; portanto na orfandade dos carinhos que não recebeu, e na solidão dos companheiros — muitas vezes, maus — que não teve.

A realidade histórica e a realidade sobrenatural

O menino só conhecia o seu velho pai e a grandeza dos arenais do deserto; retinha um só presente que recebera do progenitor, mas fora galardoado pelo seu pai por um presente muito maior do que todos que poderia ter: a capacidade de alma de se alegrar com um só presente; isso vale mais do que ter mil presentes! E dessa situação ele tirou para si a condição de compositor. Um menino que brinca em produzir ritmos e melodias, que maravilha!

Como é bonita a figura desse menino, bem como a solução dada para o seu caso! Ele, afinal de contas, sabe do Menino Jesus e vai tocar o seu tamborzinho para o Divino Infante. É tocante imaginar o Menino Jesus, para quem os anjos, no mais alto dos Céus, estão cantando sinfonias inapreciáveis, e diante do Qual chega um menino rufando um tamborzinho. O Divino Infante abre os olhos e, com misericórdia, ouve aquele toque, se agrada e atrai aquela alma. Seria, talvez, o primeiro amigo do Menino Jesus. Que vocação maravilhosa!

Tudo isso é muito emocionante, mas se considerarmos um outro aspecto do assunto, talvez nos comovamos ainda mais. Nós temos o hábito de pensar no Menino Jesus, que estava na manjedoura, e as pessoas iam até Ele para adorá-Lo: os Reis Magos, os pastores — bem entendido, Nossa Senhora e São José —, e outros que terão passado por lá. Essa é a realidade histórica.

Mas há uma realidade teológica, uma realidade sobrenatural, que não se dissocia dessa, e é tão mais comovedora e não menos real: o Menino Jesus que, de um modo invisível, na noite de Natal, sai, digamos assim, tocando o seu tamborzinho pelo mundo afora à procura de almas, pedindo a esta, àquela, àquela outra que venham a Ele, que O amem, O conheçam, sejam d’Ele. O Divino Infante tem muito mais do que um tamborzinho para atrair os homens e encantá-los: são as sagradas e inefáveis pulsações de seu Coração.

Ao que corresponde isso de real?

Nosso Senhor se manifesta particularmente para cada um

Se deixarmos a metáfora e formos diretamente ao fato, isso tem de real o seguinte: Considerem as diversas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo; a que mais me toca — já entra nisso alguma coisa de subjetivo, de pessoal —, é o próprio Santo Sudário de Turim.

Não é Jesus Menino, mas Nosso Senhor morto. Não está nos braços de Nossa Senhora, amorosamente carregado, mas jacente no sepulcro. Todas as chagas da Paixão estão n’Ele representadas. Quando eu olho o Santo Sudário, a graça toca a minha alma — como a de todos os católicos. E, em função da minha mentalidade, da forma de virtude que nos planos da Providência devo ter, a graça me toca de um modo especial, de maneira a ver em Nosso Senhor, no seu Santo Sudário, este, ou aquele aspecto.

Então eu O aprecio, O analiso com a objetividade de uma mente, graças a Deus, sã e que vê a realidade como ela é. E aquilo tudo se ressalta de um certo modo, com certa fisionomia, certas características, que foram feitas para que eu as considerasse; de maneira que para mim, homem concebido no pecado original, o Santo Sudário apresenta uma certa forma de beleza, de atração que não mostrará para nenhuma outra alma do mundo, porque Nosso Senhor se manifesta sob um aspecto especial para cada alma.

Nenhuma alma é igual à outra, e cada uma delas, por mais humilde e modesta que seja, em um certo sentido é suprema e tem qualidades que Deus não deu a mais ninguém. Podem ser qualidades do tamanho de um centésimo da superfície de uma ponta de alfinete; mesmo assim o Criador deu somente a ela.

Assim também Nosso Senhor se manifesta a cada alma em consonância com aquilo que lhe deu, de maneira que ela ame a Deus daquele jeito. Portanto, cada homem que passe pela Terra tem a missão de adorar a Nosso Senhor Jesus Cristo, vendo um certo aspecto de sua Pessoa divina, sua santidade inefável, insondável e perfeita. Se tivéssemos aqui uma imagem d’Ele, todos estaríamos vendo a mesma imagem, mas focalizando alguma coisa, condicionada à santidade que Deus quer de cada um.

O Menino Jesus vai à procura de todos os homens

Ora, é noite de Natal. Nosso Senhor está numa manjedoura. E numa cidade católica se encontraria em todas as igrejas um presépio, e também em outros locais, em oratórios, em lugares públicos, numa vitrine de uma casa comercial especialmente adornada etc.

E um homem, que vai andando por meio de todas essas representações de Nosso Senhor Menino, é, de repente, tocado por uma delas mais especialmente destinada a ele, a qual se fixa em sua alma; ele para e diz: “Meu Senhor e meu Deus!”

Às vezes, entretanto, não é no momento. O homem para, olha e depois vai para casa. Em determinada hora, digamos, à noite, ao se preparar para dormir, lhe vem à memória aquela figura. Ele reza: “Meu Senhor e meu Deus!”

E isto mais ou menos se dá para cada homem. Numa noite de Natal aparece, de modo inteiramente definido, este aspecto de Nosso Senhor. Isto é mais subtil, mais complexo, é uma realidade de fundo. A realidade de superfície é menos marcada. A pessoa vê em quatro, cinco Natais, de quatro ou cinco anos consecutivos, uma mesma imagem, ou duas, três, ou cinco imagens diferentes. Em certo momento, na memória, essas imagens se sobrepõem e, de repente, a pessoa observa uma que tem tudo aquilo que ela sentiu nas outras; então, diz: “Ah! Meu Senhor e meu Deus! Aí está Jesus Cristo Nosso Senhor, como eu amo especialmente”.

Isto equivale a afirmar que o Menino Jesus, pela graça, visita todas as almas. E Ele faz o papel não mais daquele que recebe a visita, mas de quem vai atrás de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e os procura nessas noites. E lhes diz alguma coisa que lhes toca o coração de um modo especial.

Ao dar à luz, Nossa Senhora se encontrava num êxtase altíssimo

Há uma prova curiosa disso na canção “Stille Nacht, heilige Nacht”. Todos conhecem como esta melodia nasceu. O vigário da igreja de uma cidadezinha do interior da Alemanha e um professor compuseram a letra e a melodia dessa música, que exprimia a emoção deles diante da manjedoura. A Providência tinha preparado na alma deles uma emoção de Natal, que era para o mundo inteiro.

Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft, einsam wacht. Stille Nacht: Noite silenciosa. Heilige Nacht: Noite santa. Alles schläft: Tudo dorme. Einsam wacht: Fica sozinho acordado, isolado. Nur das traute hoch heilige Paar. O venerável e altamente santo casal.

Quem é o venerável e altamente santo casal? Quando se aproximou a meia-noite, Nossa Senhora e São José estavam em oração. Uma coisa admirável!

A Santíssima Virgem devia estar num êxtase altíssimo, como talvez místico nenhum na Igreja jamais tenha tido, quando bate nos relógios dos anjos a meia-noite. E, de um modo virginal, sem dor nem sofrimento para Ela, o Menino Jesus vem ao mundo: “Stille Nacht! Heilige Nacht”! De Nossa Senhora, virgem antes, durante e depois do parto, nasce o Menino Jesus!

Como a Santíssima Virgem e São José viram o Divino Infante

Como Ele se apresentou para Maria Santíssima? Se para cada homem Jesus tem um aspecto, como era o aspecto d’Ele para sua Santa Mãe? E para São José? São perguntas que se podem pôr. Evidentemente, eu creio não ser temerário afirmar que para Nossa Senhora, à Qual nenhuma outra criatura pode ser comparada, Ele deve ter aparecido, ao mesmo tempo, com todas as majestades, venerabilidades, todos os encantos, doçuras e afabilidades que teve para todos os homens, desde aquele momento até o fim dos tempos. Era a Mãe d’Ele, concebida sem pecado original e que nunca deixara de dar uma correspondência perfeita a cada uma das graças que havia recebido.

É claro que a Santíssima Virgem O viu e O entendeu completamente, como ninguém antes, nem depois; e que Ela O adorou totalmente. A adoração somada de todos os homens até o fim do mundo, a de todos os anjos, não dava a adoração de Nossa Senhora.

Se pudéssemos ver a São José adorando o Menino Jesus naquela noite, talvez ficássemos instantaneamente santos. Ele era o esposo de Nossa Senhora, o que mais se pode dizer? É possível haver honra maior do que ser o esposo, o alter ego, o outro eu mesmo de Nossa Senhora, o pai adotivo do Filho de Deus?

Pode-se imaginar o que nos ocorreria na alma só de ver, por uma fresta das pedras da gruta, São José rezar? Acho que qualquer um de nós podia se converter e tornar-se um grande santo. Acho que só de ouvirmos o respirar de Nossa Senhora, e sentirmos que seu Coração Sapiencial e Imaculado pulsava mais forte porque ali estava o Menino Jesus, nós nos converteríamos. Cada pessoa é chamada a adorar o Menino Jesus de um modo especial

Pois bem, se foi assim para Nossa Senhora, para São José, em proporções menores é para todos os homens. E nos dias que precedem o Natal, que já vêm ungidos com uma alegria natalina, a graça começa a nos trabalhar.

Ouvindo o Stille Nacht, vendo tal ou qual imagem do Menino Jesus, sentimos de um modo um pouco diferente. É Ele que vai atrás do coração de cada um de nós. E, sem percebermos, diz pela voz da graça no fundo de nossa alma: “Meu filho, assim sou Eu para você. Adore-Me, porque desse modo nenhum outro homem Me adorará.”

Percebe-se a beleza que há nisso, e como Nosso Senhor pode ser comparado àquele menino do tambor, neste sentido: o menino foi atrás d’Ele; Jesus vai procurar todos os homens, meninos ou velhos, grandes ou pequenos, sábios ou ignorantes, pecadores — e às vezes pecadores imundos —, e toca seus corações dizendo a cada um: “Meu filho, não queres vir a Mim? Pelo menos desta vez, neste instante, deixe-Me te comover um pouco! Aqui estou Eu à tua procura, no interior de tua alma.”

Esse é o sentido profundo da noite de Natal. Aquele palpitar das almas nessa solenidade é uma manifestação da graça obtida por Ele. E é por essa graça, a qual devemos pedir por intermédio da Virgem Maria, que nossas almas pulsam de um modo especial na noite de Natal.

Eu imagino o Menino Jesus apresentando-Se ao olhar de Nossa Senhora e de São José já com os braços abertos em forma de cruz. Podemos ver nisso o prenúncio não só do santo sacrifício do Calvário, mas das Missas incontáveis que, na noite de Natal, pela Cristandade inteira, e por toda a Terra, se celebra e as pessoas que vêm porque Nosso Senhor as atraiu, falando-lhes na alma de modo especial e que depois voltam para casa com algo que não percebem claramente, mas que é uma especial mensagem do Menino Jesus para elas.

Reúnem-se em torno de uma mesa, e todos estão de acordo, em harmonia entre os vários aspectos do Menino Jesus, que estão presentes na alma de cada um. Forma uma espécie de sinfonia, e esta é a paz da noite de Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1984)
Revista Dr. Plinio 177 – Dezembro de 2012