São Francisco Xavier

Grande missionário da Companhia de Jesus no Oriente, comparável aos Santos Apóstolos da Igreja nascente, São Francisco Xavier deixou-se modelar pela abundância das graças que recebeu de Deus, tornando-se um varão de extraordinário espírito sobrenatural.

Exemplo de homem que soube enfrentar as dificuldades, as provações e os reveses desta existência, era como o cavaleiro medieval, que se entregava às vicissitudes das batalhas ávido de perigos e de heroísmos, na defesa da causa para a qual fora suscitado.

Também nós devemos fazer face às nossas aflições e necessidades, como o fazia São Francisco Xavier: resolutos, tranquilos e com inteira confiança na misericórdia divina. É essa a maneira pela qual o homem verdadeiramente cresce na sua estatura moral e pode alcançar o ápice de santidade para a qual é chamado.

Santo Elói Ourives, ecônomo e apóstolo perfeito

Perpetuado numa canção popular francesa, a figura do “grande Santo Elói” resplandece em sua época, unindo o extraordinário talento artístico ao discernimento ímpar de diplomata e, sobretudo, à excelência de suas virtudes. Dr. Plinio nos evoca as principais facetas da vida deste modelo de apóstolo, artesão e político.

Santo Elói distinguiu-se no seu tempo pelas qualidades sui generis que o caracterizaram, tendo sido sua vida semeada de fatos interessantíssimos dos quais nos dá conhecimento uma biografia escrita pelo Pe. Rohrbacher. Desta, algumas passagens merecem ser aqui comentadas.

Hábil ourives e diretor das finanças do reino

Escreve o ilustre hagiógrafo:
“Santo Elói foi dotado de invulgar personalidade. Viveu de 588 a 659. Natural de Limoges [França], revelou desde criança grande aptidão para os trabalhos manuais. Encaminhado para a profissão de ourives, tornou-se um dos mais hábeis artistas de seu tempo. Famoso é o caso da confecção do trono do Rei Clotário, que o queria ímpar e incrustado de pedrarias. Com o ouro recebido para tal fim, Elói fez não um, mas dois tronos igualmente preciosos.”

A ideia de um santo confeccionar um trono para um monarca, contribuindo com sua arte para a pompa real, talvez contrarie não poucos espíritos modernos, adeptos de uma simplicidade equivocada. Mais ainda os chocariam a iniciativa de Santo Elói de fazer algo aparentemente inútil: dois tronos em vez de um só…

“O rei então o nomeou seu ourives e diretor da Moeda.”

ais cargos tendiam a ser conexos naquele tempo, porque as moedas eram de ouro e quem exercia a função de ourives do rei poderia igualmente ser escolhido para dirigir a economia.

Como se vê, não era fácil a existência de alguns personagens daquela época.

Grande político e diplomata

“Sucedendo a Clotário seu filho Dagoberto, Santo Elói tornou-se grande amigo do soberano, revelando-se então insigne conselheiro, hábil político e diplomata.”

Vemos assim a ascensão de Santo Elói: de ourives passou a diretor da Moeda e, em seguida, diplomata.

“Afirma-se que os enviados de príncipes estrangeiros avistavam-se primeiro com ele, antes de se dirigirem ao monarca. Sua influência junto a Dagoberto era suficientemente grande para que o santo pudesse repreendê-lo contra sua moral, bastante relapsa, e também quanto ao seu modo desmazelado de trajar-se.”

Esta circunstância da vida de Santo Elói deu origem à conhecida canção popular francesa “Le bon Roi Dagobert” (ver quadro). Percebe-se, entretanto, que o bom Rei Dagoberto não era tão louvável assim, merecendo algumas censuras. Mas, possuía esta qualidade: simpatizava-se com Santo Elói, apreciava-o e devotava-lhe grande amizade. Mais ainda. Quando o santo conselheiro lhe chamava a atenção, o rei acatava a reprimenda com submissão e alegria.

Muito interessante o fato de Santo Elói corrigir o Rei quanto ao desmazelo de seus trajes, querendo assim que ele se vestisse com distinção e bom-gosto. Essa atitude do homem de Deus pode chocar certos espíritos contemporâneos, notadamente aqueles que chamaríamos de “heresia branca”. Pois, segundo esta, um rei deve usar roupas comuns e baratas, e desejar desfazer-se das galas e preeminências que cercam seu cargo.

Artífice de relicários e fundador de mosteiros

Continua a biografia:
“O tempo que lhe sobrava de seu trabalho na corte, de suas orações e obras de caridade, empregava-o em honrar com sua arte as relíquias dos santos.”

Hoje em dia vemos muitas pessoas aplicarem seu tempo livre em ninharias. O passatempo de Santo Elói era fazer relicários!

Imaginemos uma sala de estilo românico, pressagiando o gótico, cujas porta e janela dão para um pátio. A tarde começa a se confundir com o anoitecer. Nosso Santo, terminado seus afazeres, senta-se junto a uma mesa de ourives no palácio real, acende as velas de alguns candelabros, e continua a trabalhar nos lavores e polimentos de um bonito relicário, ornado de pedras preciosas, no qual ele guardará os restos de um bem-aventurado de sua devoção. Nessa tarefa, emprega ele toda a sua piedade e todo o seu talento artístico! É uma cena maravilhosa.

E se pensarmos que, na linguagem atual, Santo Elói era o Ministro da Fazenda daquele rei, que diferença em relação a certos estadistas contemporâneos!

“Atribuem-se-lhe os relicários de São Germano de Paris, São Denis, São Severino, São Martinho, Santa Colomba e Santa Genoveva. Além desses trabalhos, Santo Elói fundou numerosos mosteiros.”

Cumpre assinalar o extraordinário vigor de Santo Elói e sua intensa atividade. Afinal, era diplomata, político, ecônomo, ourives, artífice de relicários e ainda encontrava tempo e meios de fundar mosteiros! Foi um desses homens dos quais emanam mil obras, todas repletas de pensamento e santidade.

Zelo, sabedoria e bondade

“Tendo sido ordenado sacerdote, foi sagrado Bispo, ocupando a Sé episcopal de Noyon. Como muitos outros prelados da época merovíngia, foi um grande organizador, um apóstolo repleto de zelo, sabedoria e bondade.”

As fecundas ações deste homem de Deus evocam as de São Martinho de Tours, comentadas por nós em oportunidade anterior. Quer dizer, nas épocas de estruturação e organização da Cristandade medieval, a Providência suscitou vários santos que empreenderam inúmeras obras admiráveis. Um deles foi Santo Elói.

“Sua atividade irradiou-se para Flandres, Holanda e, segundo afirmam, Suécia e Dinamarca.”

Isso significa uma alta e árdua missão, pois naquele tempo a Suécia e a Dinamarca eram ainda habitadas por povos bárbaros. E até lá propagou-se o zelo apostólico do grande Santo Elói.

Velado por uma santa

Após essa vida de intenso serviço a Deus e ao próximo, ele receberia afinal o prêmio por suas virtudes. E o Pe. Rohrbacher registra esse tocante fato:
“Era grande sua fama, a tal ponto que, sabendo-o agonizante, a Rainha Santa Batilde fez longa viagem para vê-lo antes de morrer. Mas chegou a Noyon no dia seguinte ao de seu falecimento.”

Portanto, a magnífica existência de Santo Elói se encerra e logo se verifica esta bela cena: a Rainha Batilde, santa ela mesma, tendo notícia de que o Bispo de Noyon se achava à beira da morte, desloca-se por estradas difíceis, correndo riscos, protegida por um grande séquito, rezando para encontrar Santo Elói ainda vivo. Naturalmente, desejava receber algum conselho dele. Porém, alcança Noyon quando aquele já entregara sua alma a Deus.

Podemos imaginar a chegada de Santa Batilde à cidade, o cortejo de autoridades e de pessoas do povo que vão recebê-la e lhe transmitem a notícia da morte de Santo Elói. A Rainha se dirige imediatamente para junto do esquife, venera os restos mortais e eleva suas preces — por ele e a ele. É uma santa ao lado do cadáver de outro santo!

Eis um maravilhoso epílogo para uma vida pontilhada de episódios também maravilhosos, numa época repleta de maravilhoso.

Plinio Corrêa de Oliveira

Santo André, Apóstolo: imitador do Divino Mestre em sua Paixão na Cruz

Ao ler a narração da morte de Santo André, Apóstolo, Dr. Plinio incentiva, uma vez mais, seus filhos espirituais ao amor à Cruz.

A Igreja comemora no dia 30 de novembro a festa do Apóstolo Santo André. Extraídas do Pe. Rohrbacher, como também do Abbé Daras, são as seguintes notas biográficas que passaremos a comentar.

“Santo André, primeiro Apóstolo a reconhecer Cristo, ao qual levou seu irmão Pedro, futuro primeiro chefe da Igreja, teve sempre um grande amor à Cruz. Na hora de sua morte, ao ver o madeiro no qual iriam pregá-lo, saudou-o com alegria.”

A saudação de Santo André à Cruz, feita neste momento, não deve ser considerada como pura literatura, pois cada palavra contém uma gravidade e um significado. Depois de açoitado, e ensanguentado, diante de sua cruz, a qual era em forma de “X” — por isto conhecida como Cruz de Santo André — está postado o Apóstolo mártir. Diante dela ele profere as seguintes palavras:

Cruz belíssima, desejada e amada com doçura

“Ó Cruz belíssima, que foste glorificada pelo contato que tiveste com o Corpo de Cristo! Grande Cruz, docemente desejada, ardentemente amada, sempre procurada, e afinal preparada para meu coração apressado, desejoso de ti.”

Eis a beleza da exclamação de um homem para a hora do sofrimento que Deus preparou para ele, e para a aceitação do cálice que ele tem de beber, a fim de obter sua glória no Céu. Cálice este, que, quando não sorvido, não alcança o prêmio celeste. Chega afinal a hora de seu máximo sofrimento, de seu martírio. Ele conhece o sofrimento, pois refletiu incontáveis vezes sobre a Paixão de Nosso Senhor, que assume sua alma nessa circunstância.

A cruz, que era um objeto de desprezo, um instrumento de punição para criminosos, contudo é por ele intitulada como “cruz belíssima”.

Por que belíssima? Ela foi glorificada pelo contato que teve com o Corpo de Cristo. Então ele acrescenta que a desejara com doçura.

Neste gesto é possível notar os inúmeros anos de amor ao martírio, que lhe tinha sido previsto e profetizado, a espera do momento em que ele faria por Deus este ato de holocausto desinteressado. Por amor a Jesus, ele deixou-se matar, assemelhando-se ao vaso de Santa Maria Madalena, quebrado com unguento junto aos pés do Senhor, sem utilidade prática, num ato de amor  desinteressado, em holocausto que não tinha outra razão de ser, senão seu próprio sacrifício. De forma tal que mesmo não sendo útil às almas, ou edificante para muitos, e ainda que não fosse uma humilhação para os adversários da Igreja, para manifestar a Deus que ele levava seu amor até aquele ponto, desejou a Cruz docemente, como algo suave.

Que beleza é a alma de um mártir, e quão belos sãos os esplendores existentes na alma de um mártir!

O que dá sentido à vida não é o prazer, mas a Cruz

“Grande Cruz, docemente desejada, ardentemente amada,…”

De todos os modos os homens fogem do sofrimento. O sofrimento é exatamente o que não desejam. Qualquer forma de luta contra as paixões, qualquer forma de renúncia ao mal, causa-lhe horror. A ideia predominante é de que a vida foi dada ao homem para que ele possa obter proveitos e vantagens, e que é preciso gozá-la, e o que não é fruir a vida, é morrer.

Pelo contrário, Santo André amava ardentemente sua cruz, compreendendo que o verdadeiro sentido da vida de um homem não é o gozo ou o prazer que tem, mas o sacrifício que pratica. Isto dá sentido à vida de um homem e, portanto, todo homem verdadeiramente sobrenatural, verdadeiramente homem, almeja o encontro com sua grande Cruz, com seu grande martírio.

Este é o filho da Cruz, o amigo da Cruz, como fala São Luís Grignion de Montfort.

Amar a Cruz, da qual todos fogem

“… sempre procurada…”

Não são muitos os homens que no momento de prestar contas a Deus, podem dizer que sempre buscaram a Cruz, e que em todos os acontecimentos de sua vida procuraram o sacrifício. Pelo contrário, geralmente os homens fogem da Cruz, pois não desejam de forma alguma o sacrifício. Entretanto, Santo André pôde dar de si mesmo o testemunho: “sempre procurada”. Assim, no instante de ele aproximar-se de sua cruz, estava disposto ao sacrifício.

Continua:
“… e afinal preparada para meu coração apressado, desejoso de ti.”

Manifesta-se aqui que Deus afinal concedera a Cruz para o coração que tinha grande afã da crucifixão.

O martírio significa o último holocausto. Nosso Senhor afirmou: “Ninguém tem um maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13).

Ninguém pode dar maior prova do amor de Deus, do que desejar desta forma a Cruz.

“Cruz preparada para o meu coração, desejoso de ti, recolhe-me, ó cruz! Realmente abraça-me, retira-me dos homens, leva-me depressa, diligentemente, ao Mestre. Por ti Ele me receberá, Ele que por ti me resgatou.”

Pode haver uma oração mais bela do que esta? Existirá uma alma mais pronta para a visão beatífica do que uma alma que no momento da morte fala de tal forma?

Pode haver cátedra semelhante à Cruz?

“Por três dias esteve pregado na cruz, e durante três dias, do alto da cruz, ensinou aos homens”.

O fato é tão impressionante que pertence àqueles aos quais não competem comentários… Ficar dias preso à cruz, pregando ao povo, e ao cabo desses dias morrer, é um milagre extraordinário.

Apresenta a cruz como a mais grandiosa e augusta de todas as cátedras, cátedra do homem que sofre e, em nome de seu sofrimento, fala ao povo e produz enorme impressão. É uma tão grande plenitude de apostolado, que verdadeiramente não se sabe o que dizer.

Imaginemos um homem que era idoso, atado à cruz, no desconforto tremendo daquela situação, com açoites marcando seu corpo, possivelmente com as mãos e os pés perfurados. Nessa dor tremenda é mantido em vida por um verdadeiro milagre. Continua pregando ao povo, e a um povo ardoroso, contrito, provavelmente genuflexo, que lhe “bebia” as palavras, uma por uma. É uma das mais belas cenas de pregação católica de todos os tempos e de todos os lugares.

Pode-se imaginar quais foram as palavras, os ensinamentos, as graças, enfim, o martírio de Santo André? Que cátedra! Quem durante a vida possuiu uma cátedra semelhante à Cruz?

“Senhor, Rei Eterno da glória, recebei-me assim pendido como estou ao madeiro, à Cruz tão doce. Vós sois meu Deus, Vós a quem vi. Não permitais que me desliguem da Cruz; fazei isto por mim, Senhor, que conheci a virtude da Vossa Santa Cruz.”

E com estas palavras expirou.

Prêmio no Céu e nesta terra

Uma morte tão pulcra, da qual poder-se-ia dizer que apenas a de Nosso Senhor superou em beleza, era merecedora das maiores honras por parte da Santa Igreja, como de fato constatou-se séculos depois.

“Santo André foi sempre objeto de grande devoção por parte dos católicos. Assim foi, com indescritível entusiasmo, que a cabeça do santo foi recebida em Roma por Pio II, a 11 de abril de 1462. O Papa dirigiu-se ao encontro da preciosa relíquia. O cardeal grego, Besarion apresentou-lhe a caixa que a continha, e que estava colocada sobre um estrado. Antes de receber o sagrado depósito, Pio II pronunciou tocante alocução. Depois, beijou, chorando, a cabeça do Apóstolo, rezou diante dela; em seguida tomou-a nas mãos, segurando-a bem no alto, fez a volta no estrado para mostrá-la a todos os assistentes. Neste ponto, cantos e gritos dessa imensa multidão elevaram-se de todas as partes como uma única e grande voz, implorando a misericórdia de Deus.

A cabeça do Apóstolo foi depositada em São Pedro.”

Vê-se a descrição da linda cerimônia com que o Papa Pio II recebeu a relíquia de Santo André. O crânio de Santo André estava no Império Bizantino, infelizmente cismático. E à medida que os turcos invadiam o Império, algumas das relíquias insignes foram sendo retiradas do Império e levadas por mãos fiéis para terras católicas, onde pudessem ser adequadamente veneradas. Assim ocorreu com o crânio sagrado de Santo André.

Esse crânio foi recebido pelo Papa com toda a veneração narrada. Ele mesmo toma o relicário onde estava o crânio, e dá a volta no estrado para mostrar ao povo que o crânio de Santo André estava em Roma. Depois, o crânio, com enorme veneração, é levado até à Basílica de São Pedro e é colocado num relicário embutido numa das colunas da Basílica Vaticana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/11/1964 e 29/11/65)

Na vossa luz veremos a luz

Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz.

Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque  vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge.

Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos. Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa, porque, uma vez, vos contemplei!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Uma porta do céu se abriu para o mundo

Neste ano a Capela da Rue du Bac celebra o jubileu das aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Como melhor modo de associar esta revista e seus leitores a data tão significativa, estampamos a seguir um eloquente comentário de Dr. Plinio sobre aquelas visões de alcance inapreciável para todos os homens.

Quem visita a Capela da Rue du Bac, em Paris, onde Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina Labouré e lhe pediu a cunhagem da Medalha Milagrosa, sente-se envolvido por uma intensa impressão de paz, de calma, de céus abertos, como se não existissem obstáculos entre a Terra e a feliz eternidade. No íntimo de sua alma, o fiel ouve a voz de Nossa Senhora, exorável, disposta a atender todos os nossos pedidos, com sua maternal benignidade transpondo distâncias incontáveis para se tornar acessível a nós. Tudo isso faz daquela capela um lugar de serenidade realmente privilegiado.

Serenidade, calma e paz autênticas, ou seja, toques de sobrenatural que afagam nossa alma com verdadeira unção, verdadeira consolação e verdadeira confiança, e nos infunde a plena certeza de que, em última análise, Nossa Senhora nos alcançará as graças tão desejadas por nós.

A época das aparições da Rue du Bac

As aparições da Santíssima Virgem se deram em 1830, sendo a mais importante delas no dia 27 de novembro, quando revelou a Santa Catarina os tesouros de dádivas celestiais destinados ao mundo com a difusão da Medalha Milagrosa.

Cumpre recordarmos que, naquela época, a par de um grande reflorescimento da prática da religião Católica, havia também fortes manifestações de laicismo e ateísmo hostis à Igreja, de maneira que um fosso abismal separava o catolicismo do anticlericalismo. Ecos dessa animosidade eu mesmo conheci, no Brasil dos anos 20. Portanto, quase um século depois das aparições da Rue du Bac.

Tão profundo era esse valo divisório entre as coisas da Igreja e as da sociedade civil que, ao se transpor os umbrais do ambiente profano e ingressar no religioso, era como se deixássemos um país para entrar em outro. Lembro-me de quando comparecia à bênção do Santíssimo Sacramento na Igreja do Coração de Jesus, após a qual, saindo do templo, observava o edifício daquilo que então era o internato do Liceu, desdobrado em duas alas em torno de todo o quarteirão.

As janelas dos andares inferiores permaneciam fechadas e protegidas por grades. Ao contrário daquelas dos andares superiores através das quais, no lado onde eu sabia situado o dormitório dos meninos, podia-se ver algumas luzes azuis acesas: sinal de que as crianças já dormiam. E o relógio da torre ainda não marcava nove horas da noite…

Recordo-me da impressão que causava em mim o entrar na sociedade profana — insisto, dos anos 20 — e perceber o contraste entre o coruscante, o assanhado, o divertido daquele mundo, e o dormitório extenso, onde um grande número de meninos repousava sob a supervisão de um padre pronto a acordar ao menor sinal de perturbação, para restabelecer a ordem e a tranqüilidade!

Encantava-me saber que aqueles meninos dormiam placidamente, aos cuidados de um sacerdote que representava ali a eterna tradição da Igreja ordenativa, moralizante, disciplinadora. Alegrava-me ver que, enquanto todos se achavam imersos no sono noturno, as luzinhas azuis simbolizavam a maternalidade da Igreja a envolver seus filhos em brumas amigas; a vigilância de quem sabe sorrir sem fechar os olhos, sempre ciente do que se passa. Tudo isso me dava a impressão de haver naquele ambiente uma austeridade, uma sacralidade, uma ordenação que o mundo fora não conhecia. Era outro universo.

Pois bem, numa atmosfera análoga a essa tiveram lugar, na Paris de 1830, as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.

O sobrenatural se desenrola numa modesta capela

Era esta uma freira da congregação das Filhas da Caridade, fundada por Santa Luísa de Marillac e São Vicente de Paulo. Essas religiosas se distinguiram sempre por sua extrema e abnegada solicitude cristã, dedicando-se ao cuidado dos pobres, órfãos, e enfermos nos hospitais e Casas de Misericórdia. Até há pouco eram conhecidas pelo seu hábito característico: túnica escura com gola branca engomada, a cabeça adornada por uma touca bretã, estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Essa cobertura se desdobrava em duas abas largas, lembrando vagamente as asas de uma gaivota em voo. Na cintura, como é natural nos hábitos religiosos, pendia um grande rosário.

Não tive contato assíduo com essas freiras, mas encontrei-me com muitas delas. Em geral pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar desapercebida. Realizavam obras de misericórdia temporal como ocasião para obras de misericórdia espiritual. Ou seja, elas aproveitavam a ocasião de cuidar de um paciente terminal para trazer um padre junto a ele, para convidar uma criança a ir ao catecismo da paróquia, ou se encontravam uma pessoa desventurada na rua, procuravam ajudá-la em todo o necessário, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, as carências materiais e, sobretudo, as espirituais, nos mais variados ambientes por onde costumavam se infiltrar.

A elevação desse apostolado das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo era tão grande, e as admiravam tanto por isso, que costumavam ser tidas como o próprio símbolo da religião numa de suas expressões mais belas e comovedoras.

O seu principal convento situa-se num antigo e aristocrático bairro da capital francesa, o Faubourg Saint-Germain, e se tornou conhecido pelo nome da rua em que foi edificado: Rue du Bac.

Devemos imaginar a cidade de Paris nos idos de 1830, bem menor e menos populosa do que é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem ruídos de motores e luzes de néon. Podemos pensar na rua calçada com pedras, sobre as quais, vez por outra, o eco das patas de um cavalo ou das rodas de uma carruagem interrompia a longa calada da noite. No dormitório das freiras de São Vicente, não havia luzinhas azuis, mas talvez alguns candeeiros acesos. Todas as religiosas repousam, entre elas Santa Catarina Labouré.

Nesse ambiente modesto, puro e elevado, completamente diverso do mundo exterior, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar.

Colóquios com a Rainha do Céu

A primeira aparição ocorreu na véspera da festa de São Vicente de Paulo, em 18 de julho de 1830, como que preparada por uma atitude da vidente repassada de ingenuidade, inocência e caráter filial muito bonitos. Ela ouvira no dia anterior uma exposição sobre a devoção a Nossa Senhora, e sentiu um ardente desejo de vê-La. E foi se deitar com o pensamento de que, naquela mesma noite, encontrar-se-ia com a Santíssima Virgem.

E foi o que aconteceu. Como nos relata a própria Santa Cataria Labouré, por volta das onze e meia da noite, ela ouve alguém lhe chamar. Corre a cortina de seu leito e vê um menino de 4 ou 5 anos que lhe diz: “Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera”.

A santa demonstra um pouco de receio, temendo que as outras religiosas a surpreendessem fora da cama, mas o menino a tranquiliza, ela se veste e começa a segui-lo pelos corredores do convento. Detalhe curioso, registrado pela vidente que muito se admirou do fato: por todos os lugares onde passaram as candeias estavam acesas.

Ela entra na capela e sua surpresa é ainda maior ao notar todas as velas acendidas nos candelabros, como se estivessem preparados para uma Missa do Galo. O menino a conduz até o presbitério, ao lado da cadeira em que se sentava o vigário. Santa Catarina se ajoelhou, enquanto a criança permaneceu de pé. Ela, sempre com o receio de que alguma freira passasse por ali e os encontrasse, pedindo-lhe explicações que não saberia dar…

Afinal, o menino lhe advertiu: “Eis a Santíssima Virgem”. A vidente ouviu um “frou-frou”, um roçagar de vestido de seda, mas ainda não distinguia Nossa Senhora. Então o menino insistiu — já não com voz de criança, mas em tom vigoroso — que a Rainha do Céu estava presente. Nesse momento Santa Catarina viu a Mãe de Deus sentada na cadeira do vigário, deu um salto para junto d’Ela e, genuflexa, apoiou suas mãos nos joelhos de Maria.

Quer dizer, uma cena fabulosa, uma aparição cercada de afabilidade extraordinária. Compreende-se, pois, que Santa Catarina tenha registrado esse instante como o mais doce de sua vida, impossível de ser descrito em palavras. Recebeu ali diversos conselhos e orientações de Nossa Senhora, os quais preferiu manter em sigilo.

A Medalha Milagrosa

Podemos bem conceber como Santa Catarina se sentiu após esse encontro com Nossa Senhora, e como seu coração latejava de um intenso desejo de revê-La. Alguns meses depois, ela seria largamente atendida. O segundo e mais importante encontro se deu na tarde do sábado 27 de novembro de 1830. Assim o relata um cronista das diversas aparições de Maria:

“Na sua capela da Rue du Bac, as Filhas da Caridade — Irmãs e noviças — se reúnem para a meditação vespertina. Recolhimento e religioso silêncio. De repente, em meio à sua piedosa contemplação, Catarina Labouré julga ouvir o roçar de um vestido de seda… A Santíssima Virgem, ali!

“Qualquer pensamento é impossível diante da inconcebível beleza de Maria. Ela usa um vestido de seda alvíssima como a aurora. Da mesma cor é o véu que Lhe desce da cabeça até os pés. Estes repousam sobre volumoso globo, que parece fixo num ponto do espaço. As mãos, elevadas à altura do peito, sustentam graciosamente um outro globo, menor que o pedestal e encimado por uma cruz. A Virgem tem o olhar voltado para o céu. Seus lábios oram. Ela oferece o globo ao Mestre, seu Filho.

“De súbito o globo desaparece e as mãos permanecem estendidas. Os dedos se cobrem de anéis guarnecidos de cintilantes pedrarias, que emitem raios deslumbrantes para todos os lados. Mil fulgores preciosos se fundem num só brilho transcendente. Mil irradiações circundam a santa figura.

“A Virgem pousa os olhos sobre Catarina em contemplação, abismada num mundo de sensações, de sentimentos, de descobertas, de revelações inexprimíveis. No fundo de seu coração, a noviça ouve uma voz que lhe diz:

“— Este globo representa o mundo inteiro, e especialmente a França, e cada homem em particular.
“— A chuva de raios redobra em força, em magnificência.
“— Eis o símbolo das graças que Eu derramo sobre aqueles que mas pedem. As pedras que permanecem na sombra (dirá ainda, uma outra vez, a Santíssima Virgem) simbolizam as graças que se esquecem de me pedir…”

Segundo narração de Santa Catarina, formou‑se em torno de Nossa Senhora um quadro de forma ovalada, no alto do qual estavam escritas em letras de ouro as seguintes palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós” . E novamente ela ouviu uma voz que lhe mandava cunhar uma medalha conforme aquele modelo. E a promessa: Todos os que a usarem, trazendo-a ao pescoço, receberão grandes graças, que serão abundantes para quem a portar com confiança”.

Em seguida, diz a vidente, o quadro pareceu girar e ela viu o reverso da medalha: no centro, o monograma da Santíssima Virgem, composto pela letra “M” encimada por uma cruz, a qual tinha uma barra em sua base. Embaixo, os Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, e o outro, transpassado por um gládio.

Era o desenho da Medalha Milagrosa, como esta seria amplamente conhecida e difundida pelo mundo inteiro, alcançando graças e favores celestiais para incontável número de pessoas, milagres de ordem física, como a cura de doenças, e também de ordem espiritual, reformas de vida e conversões das mais inesperadas.

Desígnios de alta misericórdia para o mundo

Por exemplo, célebre se tornou a conversão de um prelado apóstata, o arcebispo francês Mons. Duprat. Ele abandonou a Igreja Católica e se tornou secretário de finanças de outro famoso bispo renegado, Talleyrand.

Conta-se que Mons. Duprat, sabendo chegado aos seus últimos dias, relutava em se confessar e emendar. Algum zeloso parente ou conhecido, preocupado com a salvação eterna dele, prendeu a Medalha Milagrosa no travesseiro do arcebispo. Foi o bastante para que a graça o tocasse. Dias depois ele pedia que lhe trouxessem um padre: “Mudei de ideia, desejo me confessar”. O sacerdote se apresentou, e o filho pródigo fez as pazes com Deus, com a Igreja e com a sua consciência. Não se passou muito tempo, e morreu readmitido no seio da Esposa mística de Cristo.

Casos como esse se multiplicaram ao longo dos anos e ainda hoje se verificam pelo mundo afora. Assim como tantas outras formas de amparo e benefício oriundos do uso da Medalha.

Lembro-me, aliás, deste outro fato. Uma senhora da aristocracia francesa mantinha no salão nobre de sua residência, magnificamente decorado, um quadro com a Medalha Milagrosa, manchada e amassada no centro. Os visitantes que ela recebia em casa, estranhavam aquilo exposto com tanta evidência num recinto esplêndido, em meio a objetos de alta categoria, e perguntavam a razão disso. A senhora respondia:
“— Guardo esta medalha porque meu filho era um estroina, e estando num mau lugar, levou um tiro. A bala acertou diretamente na medalha, e em vez de perfurá-la, de modo inexplicável apenas a danificou, como para autenticar o fato extraordinário, e caiu no chão. Diante do prodígio, meu filho se converteu e hoje é um católico modelar. Eu desejo, então, que minhas visitas conheçam este favor recebido de Nossa Senhora e saibam agradecer. Por isso esta medalha está aqui.”

É simplesmente incontável o número de episódios semelhantes, onde foram obtidas graças preciosas através da Medalha Milagrosa. Motivo pelo qual ela é objeto de tanta devoção, tendo sido destinada por Maria Santíssima a ser um maravilhoso meio de se realizarem desígnios de sua alta misericórdia para o mundo.

Expressão do carinho materno de Maria

É interessante frisar, ainda, que essa particular proteção da Virgem Santíssima em relação a nós transparece muito na sua prerrogativa de Mãe da Divina Graça.

Quantos já não nos sentimos, ao aproximarmos de uma imagem sob essa invocação, recebidos por um sorriso d’Ela, envolvidos por uma espécie de doçura que nos prometia compaixão, pena, a convicção de sermos atendidos e favorecidos por um ato de inesgotável bondade?

É a certeza de que Nossa Senhora sempre se acha disposta a nos socorrer e amparar com sua clemência, seja em nossas carências materiais e físicas, seja marcadamente em nossas lacunas espirituais, ajudando-nos a vencer nossos defeitos, as tentações e o pecado. Portanto, Nossa Senhora das Graças podia se dizer Nossa Senhora da Misericórdia, que nunca, nunca, nunca nos deixará desamparados.

E creio jamais ser suficiente insistir nesta verdade: Mãe da Divina Graça significa a tesoureira de todas as graças de Deus. As dádivas celestiais constituem um tesouro inexaurível, posto nas mãos de Nossa Senhora e por Ela difundido àqueles que recorrem à sua intercessão.

Maria é a dispensadora de todas as graças e também a Mãe dos que Lhe suplicam favores. Mãe dos miseráveis, dos aflitos, daqueles que quase perderam a esperança, aos quais Ela reanima, e faz reacender em seus corações a chama da Fé.

Basta considerarmos uma imagem de Nossa Senhora das Graças para compreendermos o quanto esse título exprime o carinho materno de Maria em relação a nós. Acolhe-nos de braços abertos, o sorriso nos lábios, repassada de um convite amorável para nos aproximarmos e convivermos um pouco com Ela. Envolve-nos com uma afabilidade e uma promessa de perdão sem limites, insondável. E nos faz ouvir no fundo da alma a sua voz carinhosa: “Tendes a Mim, sou inteiramente sua. E por causa disso, todos os caminhos para o Céu lhe são franqueados…

Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Catarina de Alexandria, virgem heroica e grandiosa

Enfrentou a morte com grande Fé e serenidade. Após seu martírio, os Anjos levaram o seu virginal corpo para o Monte Sinai, a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota.

No dia 25 de novembro, comemoramos a festa de Santa Catarina de Alexandria, virgem e mártir. Sobre sua morte, o Abbé Darras, em sua obra Vida dos Santos, traz a seguinte narração:

”Lavai minha alma no sangue que vou derramar”

Maximiliano, Imperador, ordenou a morte de Santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte. A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

“Lembrai-Vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

“Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

“Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

“Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.”

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os Anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre a pedra sua Lei, que ela guardara tão fielmente escrita em seu coração.

Contrastes da graça: lágrimas das companheiras e serenidade da mártir

Este é um trecho de tal elevação, que até lamentamos ter de comentá-lo. Ficar-se-ia mais satisfeito deixando o texto assim, brilhando ao céu, no horizonte, suspenso e emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

Chama a atenção o fato de se tratar, principalmente, de senhoras de alta condição as que constituem o séquito da Santa mártir. Quantas possibilidades de salvação tem ainda um país onde as senhoras de alta condição acompanham ao lugar do suplício, solidarizando-se e chorando junto a ela, uma mártir fulminada pela cólera do Imperador! Um monarca onipotente, o qual pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, todas essas damas seguem Santa Catarina, e vão chorando.

Vejam a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça: é bom e belo elas irem chorando. Contudo, esse dom das lágrimas manifestado nas mulheres nesse momento contrasta, pela sublimidade, com o fato de Santa Catarina não chorar. Ela permanecia quieta e com uma grande calma, caminhando de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo, de outra natureza, por onde a mártir não derramava por si as lágrimas que a graça queria que as outras vertessem por ela.

Como deveria ser impressionante este cortejo de damas andando entre os soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar todas a manterem a tranquilidade, consolando-as até chegar o momento em que ela deveria morrer.

Palavras que se projetam como raios de luz

Então, no fim da vida, ela emite uma oração com uma forma especial de beleza: um conjunto de afirmações e pedidos que se projetam como raios de luz, e brilham no horizonte com um encanto próprio.

Senhor Jesus Cristo, meu Deus…

Com isso Catarina afirmava ser Jesus Cristo seu Deus, e que ela não reconhecia outra divindade senão Ele. Em seguida, o primeiro pensamento, a primeira palavra, a primeira graça mencionada por ela, no momento de morrer, qual é?

…eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.

Como quem diz: “Eu Vos agradeço por ter pertencido a Vós, que sois a fonte da minha salvação, o ponto de partida de todo o bem que possa haver em mim. Eu sou boa porque Vós sois bom e me destes a bondade. Eu Vos agradeço a Fé que me doastes e a firmeza que me concedestes nessa Fé. Eu Vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que Vós me outorgastes no amor a essa virtude. É esse o primeiro benefício que Vos agradeço, reconhecendo que tudo quanto em mim há devo à vossa iniciativa.”

Sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor

Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

Pode haver uma imagem mais bonita do que essa? O Divino Crucificado que desprende da Cruz seus braços sangrando para acolher a alma dessa Santa, que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele.

Que maravilhosa intimidade nesse encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que bela ideia a do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que elevada e profunda noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor!

Santa Catarina possuía de tal maneira a convicção de estar sua alma unida à d’Ele, e de que a morte selava essa união, que Lhe pedia a abraçasse tão logo ela entrasse na eternidade. Tal era sua certeza de ir para o Céu!

Depois acrescentava:
Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

Ela temia ter cometido, por ignorância, algum pecado. Era isso o que essa alma tinha para acusar contra si própria. Então suplica a Nosso Senhor o perdão das faltas, como se dissesse: “Antes de derramar o meu sangue por Vós e de ir para o Céu, quero que Vós laveis a minha alma no vosso Sangue”.

Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

Monjas contemplativas, no alto do Sinai, velam seu corpo

Tendo pensado em sua alma, suplicando que esta fosse lavada das faltas e recebida por Nosso Senhor, Santa Catarina cogita, então, no corpo dela, e pede que ele não seja deixado em mãos de seus inimigos, daqueles que a odeiam porque têm ódio a Ele.

Vejam o respeito que devemos ter pela santidade do próprio corpo, o qual constitui um todo com nossa alma na prática da virtude.

Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, os Anjos vieram e levaram o seu corpo para a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota, do Monte Calvário: o Sinai, onde a Lei de Deus nos foi dada.

Até hoje os restos mortais desta virgem mártir encontram-se no Monte Sinai, onde há um mosteiro de monjas contemplativas que guardam esse corpo e meditam sobre a Lei de Deus, ali concedida aos homens.

Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.

Portanto, ela intercede desde já junto a Deus para atender todo mundo que por meio dela venha pedir alguma graça.

Pedir a graça da serenidade diante dos riscos

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

A calma e a resolução. Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte, correndo em direção a ela. Não! Ela diz tudo quanto tem a dizer e, terminado isso, entrega-se às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela é atendida.

Qual o efeito, de caráter espiritual, que a consideração dessa grande Santa mártir nos leva a desejar?

Devemos pedir a ela que, quando surgirem circunstâncias nas quais tivermos de enfrentar riscos, ou talvez até perder a vida, na luta contra os adversários da Santa Igreja, tenhamos aquela serenidade que só a graça dá perante a morte.

A morte, essa dissolução da unidade entre a alma e o corpo, é uma coisa tão tremenda, que só se compreende a serenidade diante dela quando o homem está dominado pela graça divina. Vamos pedir, então, que em todas as ocasiões da vida nós tenhamos, diante dos riscos, essa calma levada até o sacrifício extremo, caso seja esta a vontade de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1965)

 

Santo Odon, a formação de elites e o amor aos pobres

A Idade Média, com suas catedrais, castelos, universidades e outras instituições, causa admiração até entre os não católicos. O espírito dessa época histórica nasceu de Cluny, uma pujante Abadia que teve Santo Odon como primeiro abade. Graças à sabedoria deste grande santo, Cluny pôde influenciar toda a Europa.

No dia 18 de novembro comemora-se a festa de Santo Odon. Na “Vida dos Santos”, de Omer Englebert, encontramos a seguinte síntese biográfica deste santo abade de Cluny:

Graças a Santo Odon, a influência de Cluny espargiu-se por toda a Cristandade

Odon era filho de fidalgos que viviam na Alsácia, os quais atribuíam seu nascimento à intercessão milagrosa de São Martinho. Foi mandado ainda criança para a corte de Fulk, o Bom, Conde de Anjou, e mais tarde passou para a de Guilherme, Duque de Aquitânia. Aos 16 anos foi acometido de dores de cabeça, que só foram curadas quando o jovem ingressou no cabido de São Martinho, em Tours. Dedicou-se durante vários anos ao estudo dos clássicos e dos Santos Padres, seguindo em Paris, em 901, os cursos de Filosofia de Remígio de Auxèrre. Aplicou-se também profundamente ao estudo da Poesia e da Música, as quais cultivou durante toda a vida. Após ter sido cantor do cabido e de ter escrito várias obras, Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha, mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade. As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente. Era costume dizer-se que um príncipe, no palácio de seu pai, não recebia educação mais apurada que os alunos de Cluny. Graças ao santo abade, a influência da abadia espalhou-se por toda a Cristandade. Os Papas a ele recorriam em suas dificuldades, e os príncipes chamavam-no para reformar os mosteiros em seus estados.

Nas cortes de Fulk, o Bom, e de Guilherme da Aquitânia

Tudo nessa biografia é digno de nota. É muito bonito observarmos, primeiramente, a nomenclatura dos personagens e lugares envolvidos nessa narração.

Por exemplo, os nobres a quem ele foi mandado para servir, quando ainda menino. Conde Fulk, o Bom: representa de tal maneira o conde medieval, em seu castelo, bom homem, ao mesmo tempo amável, gentil, mas valente no combate, que realmente chama a atenção. Dá-nos a impressão de uma figura de vitral.

Aliás, é preciso dizer que a palavra “bom” não tinha apenas o sentido que se costuma dar-lhe hoje. Não se tratava, portanto, apenas de uma pessoa caridosa, amável, mas de alguém capaz de cumprir eximiamente suas obrigações. Então, Fulk, o Bom, é o conde capaz de levar a cabo aquilo que tem de fazer.

Depois, Santo Odon passa para a corte de Guilherme, Duque da Aquitânia. Vem-nos à mente tudo quanto representa o ducado da Aquitânia, um grande feudo francês, um verdadeiro principado, uma miniatura de reino, na parte talvez mais poética da França, que é a França dos jograis, dos trovadores. E, apesar das heresias e erros morais ali surgidos, representava a França com um dos aspectos da Idade Média que era, precisamente, o aspecto poético.

Podemos imaginar, então, o Duque Guilherme da Aquitânia sentado num trono de carvalho trabalhado, recebendo homenagens de seus súditos à tardinha, no alto de uma escadaria do castelo, que dava para o pátio onde se adestravam os pajens. De repente, toca o Ângelus, todos interrompem suas atividades e rezam. Nesse ambiente é que Santo Odon formou sua mentalidade.

Música filosofada e Filosofia musicalizada

Após ter conhecido personagens tão interessantes, o jovem Odon foi estudar Filosofia, Poesia e Música na Universidade de Paris. Imaginemos um estudante daquele tempo, vestido com uma espécie de batina que vai até os pés, de cores variegadas, com um chapéu encimado por uma pluma, e que anda por Paris com alaúde ou algum outro instrumento; ele para à beira do Sena, toca um pouquinho e sai andando novamente… Eis a atmosfera inteiramente poética em que essa vida se passava.

Que riqueza uma pessoa estudar Filosofia e Música ao mesmo tempo! É aquela síntese da cultura medieval, por onde tudo é Filosofia e Música conjuntamente, e há uma Música filosofada e uma Filosofia musicalizada. Como isso é superior!

É uma tal visão das coisas, que se tem a impressão de serem figuras de vitrais, panoramas de iluminuras, e que toda a luz da Idade Média se irradia. É um prenúncio da luz do Reino de Maria.

Santo Odon cultivou essas duas coisas durante a vida inteira. Pode haver algo mais bonito do que imaginar um abade imponente, majestoso, que, numa hora de silêncio na abadia, entra sozinho na igreja e vai fazer seus exercícios de Música no coro, como grande conhecedor? Esse abade é um santo e sente-se algo da santidade dele modulando o próprio som do instrumento por ele tocado

São Gregório VII foi monge de Cluny

Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha…

Tem-se a impressão de que Baume-les-Messieurs é uma cidade pequena, cultivada, distinta, em cuja praça pública há continuamente “messieurs” conversando de um modo agradável e delicado. É um encanto, uma pedra preciosa engastada numa joia chamada Borgonha, uma das mais fabulosas regiões da França.

…mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade.

Cluny foi a grande abadia beneditina, que chegou a ter sob sua regência mais de mil abadias espalhadas pela Europa inteira, e que deu o espírito da Idade Média. Para não dizer mais nada, São Gregório VII era monge de Cluny. Então esse homem, depois de ter estudado Poesia, Filosofia, Música, vai ser abade de Cluny.

Quem forma elites demonstra compaixão pelos pobres

As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente.

Mostraram-me um documento com as conclusões de um congresso no qual se criticava a Igreja e instituições eclesiásticas por se dedicarem demasiadamente à formação das elites.

Isso significa não compreender as coisas, porque se queremos favorecer a muitos ao mesmo tempo, devemos fazer bem àqueles que depois poderão ajudar os outros. É evidente. Seria um pouco como dizer: “Fulano não tem pena dos pobres porque fundou em tal lugar uma escola de Medicina”. Ora, assim formam-se os médicos que vão cuidar dos pobres. Portanto, quem fez isso demonstrou a máxima compaixão para com os pobres. Quem tem verdadeiro amor ao povo, forma elites capazes de fazer bem ao povo.

Assim, numa época de muito analfabetismo, a primeira coisa que Santo Odon faz é fundar escolas para a elite, atraindo toda a nobreza da Europa. Vem, então, aquele comentário transcrito na ficha: o menino educado em casa não poderia ter, nem de longe, a mesma finura e educação que se fosse educado em Cluny. Eis, exatamente, o empuxe de partida que Cluny deu a toda a Europa por sua influência sobre a nobreza europeia, como também sobre os clérigos.

Saudades de nossa casa paterna: a sacrossanta Idade Média

Como sempre acontecia na Idade Média, os grandes santos eram convidados para serem conselheiros dos Papas e dos reis. Esse homem foi um pilar da Europa também enquanto conselheiro de Pontífices e de monarcas.

Temos, assim, uma vida que mereceria toda ela ser representada em vitrais como os da Sainte-Chapelle, ocupando um lado e outro de uma catedral, começando com o nascimento dele, depois naturalmente os milagres, aparições; ele deve ter tido lutas, episódios como, por exemplo, encontros com o imperador que ia consultá-lo, etc.; até a narração de sua santa morte: ele esticadinho, à maneira medieval, numa cama feita de uns panos caídos por todos os lados, e uma pombinha saindo de sua boca, simbolizando sua alma que voava para Deus.

Como isso serve para matarmos as saudades daquilo que não conhecemos!

Pensa-se que as maiores saudades vêm daquilo que tivemos conhecimento. É muito maior a saudade daquilo que não conhecemos, que sabemos ter sido nossa casa paterna, roubada e destruída séculos antes de nós nascermos, e que é a nossa sacrossanta Idade Média.

Narrações como essa servem para alimentarmos nosso desejo do Reino de Maria.

Que Santo Odon acenda em nós esse desejo e a vontade de rezar para que Nossa Senhora apresse a vinda do Reino d’Ela, porque realmente estamos num ponto em que é preciso empenhar todas as forças da alma e fazer todos os sacrifícios para acelerar esse dia. Devemos ser chamas ardentes a pedir que se apresse a conversão ou a punição dos maus, e a implantação do Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1966)

Santa Isabel da Hungria – Constância em meio à dor

A Idade Média pode ser comparada a uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras foi Santa Isabel da Hungria, glória da Ordem Terceira Franciscana e um dos ornamentos da Cristandade

O calendário dos santos nos traz à memória Santa Isabel, viúva e religiosa, que viveu no século XIII, filha do Rei André II da Hungria e esposa de Luís, “Landgraf” da Turíngia.

O que era um “Landgraf”? Ao pé da letra, “land” significa terra e “graf”, conde. O “Landgraf” é um Conde da Terra. E foi com um grande senhor feudal, um príncipe, que ela se casou.

Muitos santos passam por dramas

Eu gostaria de considerar a biografia de Santa Isabel da Hungria debaixo de um ângulo muito interessante, que é o seguinte:

O itinerário, a linha geral, da vida de muitos santos se parece com o de Santa Isabel da Hungria. É uma situação inicial, um drama que leva a pessoa até ao heroísmo, depois se passam alguns anos de aperfeiçoamento e de estabilidade na quietude e no heroísmo, é a santificação, e por fim a morte.

Pode-se encontrar isso na vida de quase todos os santos que mudaram o seu estado de vida.

O santo mais característico nesse sentido é Santo Inácio de Loyola, um gentil-homem que frequentava a corte, era guerreiro e tinha todas as ambições costumeiras de um fidalgo de seu tempo. Entretanto, abate-se sobre Inácio o drama, que começa com o ferimento no cerco de Pamplona e termina quando ele fundou a Companhia de Jesus; foi uma fase convulsionada e difícil de sua vida. Fundada a Companhia de Jesus, inicia-se outro período de luta, mas com certa estabilidade. Depois de algum tempo ele morre.

Assim foi também com Santa Teresa de Jesus. Ela era tíbia, quer como pessoa do século, quer como religiosa, mas que depois se transformou tanto, a ponto de ser um vergel de santidade até os dias atuais. Mas é o drama: a religiosa tíbia que passa a ser fervorosa e fundadora e tem de enfrentar inúmeras dificuldades e tragédias. Depois, segue um período de estabilidade; a obra está fundada, ela é a Superiora Geral, dirige-a por algum tempo e morre.

No castelo de Wartenburg

A mesma coisa se passou com Santa Isabel. Ela era filha do Rei da Hungria e esposa do Duque da Turíngia. Era, portanto, uma senhora de alta posição social, que vivia na perfeita prática da virtude. Não se pode falar propriamente de sua conversão, mas ela vivia feliz no século. Deus a destinava a ser uma glória da Ordem Terceira dos Franciscanos, para iluminar e tornar-se um dos ornamentos da Cristandade medieval.

A Idade Média pode ser considerada como uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras ornamentais e inspiradoras é exatamente Santa Isabel da Hungria.

Ela foi para o Castelo de Wartenburg, na Turíngia, aos quatro anos de idade. Naquele tempo prevalecia a ideia — pelo menos nas altas camadas sociais — de que era conveniente mandar as meninas para os castelos das famílias onde deveriam se casar. Pois poderiam receber toda a formação do lugar e assumir inteiramente todos os seus costumes, embora elas fossem livres de dizer “não” no momento em que atingissem a maioridade, e de fato não se casassem.

Santa Isabel foi para lá e teve uma vida muito feliz. Ela e seu esposo deram-se muito bem.

O leproso acolhido no castelo

Entretanto, o que acontece na realidade é que os verdadeiros filhos de Deus sempre acumulam em torno de si a inimizade das pessoas más e invejosas. Não existe nenhum verdadeiro católico que não seja perseguido. Nosso Senhor Jesus Cristo já prevenira aos seus de que todo autêntico discípulo d’Ele seria perseguido como Ele o foi.

Santa Isabel tinha contra si toda espécie de odiosidades, que vinham, muitas vezes, devido a sua prática da perfeição. Os ímpios e invejosos exploravam aspectos de suas virtudes que eram incompreensíveis a eles, pois tinham mau espírito.

Assim, por exemplo, em certa ocasião ela acolheu um leproso que viu passar pela rua e o convidou a entrar em seu castelo, deitou-o em seu leito e começou a tratar dele como se fosse o próprio Cristo, à vista daquela palavra de Nosso Senhor de que todos os sofredores representam a Ele. A sogra de Santa Isabel soube disto e procurou a Luís, seu filho, e lhe disse: “Veja o que sua esposa está fazendo! Colocou um leproso em sua cama, para que depois você seja contagiado! Vá até lá e veja que estou falando a verdade!”

Ele foi e encontrou o leproso deitado na cama, e disse:
— O que é isto? O que significa este homem deitado neste leito?

Ela respondeu:
— Meu esposo, este homem é Nosso Senhor Jesus Cristo.

No momento em que ela afirmou isto, deu-se o milagre e o Duque viu, no leproso, a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E sentiu um admirável odor de rosas, que se expandia da pessoa do leproso. Ele ficou profundamente impressionado e a sogra perdeu a partida.

O Duque Luís era muito bom homem. Ele partiu para a Cruzada, foi contagiado pela peste e acabou morrendo.

Terrivelmente perseguida, refugiou-se numa floresta com seus filhos

Desde então, a perseguição se desencadeou contra Santa Isabel de um modo trágico. Ela, que era Duquesa da Turíngia e filha do Rei da Hungria, teve de morar num estábulo de porcos. Foi uma perseguição tremenda, que nos faz ver bem qual é a realidade das misérias humanas.

As pessoas que a desprezaram eram as que tinham sido beneficiadas por ela, mas que agora se manifestavam frias na hora do infortúnio. Em vez de irem ao encontro dela, afastavam-se, mantinham distância, pois estavam com medo das represálias que poderiam sofrer pelos que odiavam a Santa Isabel.

Certa noite ela acabou sendo acolhida num convento, no qual foi muito bem recebida, mas depois teve de se retirar, porque seu cunhado estava se aproximando. Antes de sair, pediu que se cantasse o “Te Deum”, para dar graças a Deus pelos sofrimentos pelos quais ela estava passando. Logo depois que saiu, caiu uma forte chuva sobre ela e seus filhos. E era uma chuva de inverno europeu, água gelada! E Santa Isabel, escondida numa floresta com seus filhos, sofrendo tudo aquilo teve um desfalecimento; parece ter sido tentada a ter dúvidas contra a Fé. Não se sabe qual foi o grau de seu consentimento, mas de qualquer maneira ela se penitenciou a vida inteira por isto. A Providência a perdoou, e ela chegou até a mais alta santidade. A fortuna lhe foi restituída, mas ela não quis voltar para as regalias antigas e dedicou-se de corpo e alma à Ordem Terceira dos Franciscanos.

A partir do momento em que seu marido vai para a Cruzada e morre, se inicia o drama para Santa Isabel: Ela fica sozinha, perde o ducado, é perseguida e começa para ela uma vida muito mortificada e miserável. Passa por dilacerações tremendas, e a boa moça se transforma numa heroína, depois na santa que vive todo o tempo na santidade e por fim morre. São três etapas que se pode verificar em muitas vidas de santos.

Isso também se verifica na vida comum: uma família se constitui, luta para ganhar a vida, formar e santificar os filhos, fazendo deles verdadeiros cumpridores da Lei de Deus. Quando essa batalha é vencida, os pais já estão velhos, têm um período de estabilidade e depois vem a morte.

Provavelmente isso se dará conosco. Nós temos um período de germinação, e depois de um período de lutas também chegará a ocasião de preparar a nossa alma e prestarmos contas a Deus.

A vida não teria sentido se não houvesse a luta

Devemos compreender, portanto, que todos os dramas da vida fazem parte dessa arquitetura e que a existência não teria sentido se não fosse exatamente esse aspecto de luta, de tragédia, de martírio, em função do qual todo o resto se desenvolve. Uma coisa é a preparação e outra é a conclusão, mas o importante é a parte da luta, a fase dramática, na qual o homem dá tudo quanto tem, tudo quanto pode dar!

E precisamos nos preparar para isso com muito entusiasmo, como um cavaleiro se preparava durante sua vigília de armas. Compreendendo que a fase mais importante da vida vai ser essa: algum momento, por vezes interior, em que a pessoa transpira sangue como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras. Mas ela tem um ato de fidelidade e vai para a frente, confiando na misericórdia de Nossa Senhora. É o ápice da vida!

Feliz aquele cuja vida apresenta muitos ápices, que desfecha num ápice central! Compreendemos então a beleza da vida de cada homem, considerada sob este aspecto.

A vida de Santa Isabel da Hungria nos apresenta exatamente um exemplo muito frisante, muito importante. Peçamos a ela que nos dê a coragem nessas grandes horas e o desejo dessas grandes horas.

Devemos ver também na vida desta santa um exemplo de constância em meio às piores desgraças. Há duas formas de constância na desgraça: uma quando a desgraça acontece e a pessoa a suporta. Outra quando a pessoa prevê a desgraça, fita-a com olhos calmos e oferece a Nossa Senhora o sacrifício que vai ter, e faz a oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: “Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”

Essa foi a vida de Santa Isabel da Hungria, e assim deve ser a nossa. Na calma, a resignação de ver as desgraças pelas quais devemos passar e ter a constância no decurso delas. Isso não se pode conseguir a não ser seguindo o exemplo adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo: na hora da aflição vigiar e orar para não cair em tentação. Peçamos isso a Nossa Senhora, cuja prece é onipotente!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/11/1965 e 18/11/1966)

São Gregório Taumaturgo

Se Deus fez grandes milagres para resolver pequenos assuntos, com muito mais razão realizará milagres extraordinários para solucionar questões de altíssima importância, desde que peçamos com muita insistência e confiança, através de Nossa Senhora.

Em 17 de novembro comemora-se a festa de São Gregório Taumaturgo, a respeito do qual temos os seguintes dados biográficos:

Gregório nasceu em Neocesareia, por volta de 213. Foi discípulo de Orígenes e se tornou bispo de sua cidade natal. Ilustre por sua doutrina e santidade, ele o foi ainda mais pelo número e pelo brilho dos milagres extraordinários — razão pela qual foi chamado o Taumaturgo — que o tornaram, segundo o testemunho de São Basílio, comparável a Moisés, aos Profetas e aos Apóstolos.

Por sua oração ele moveu do lugar uma montanha que o atrapalhava para construir uma igreja. Secou uma lagoa que era para seus irmãos uma causa de discórdia. Deteve as inundações do Rio Icus que devastavam os campos, introduzindo no rio seu bastão, o qual imediatamente criou raízes e se transformou numa grande árvore, formando um limite que o rio nunca mais excedeu.

Muitas vezes ele expulsou os demônios dos ídolos e dos corpos e realizou muitos outros prodígios, pelos quais multidões de homens foram conduzidas à Fé de Jesus Cristo.

Possuía também o espírito dos Profetas, e anunciava o futuro. No momento de deixar esta vida, tendo ele perguntado qual o número dos infiéis que permaneciam em Neocesareia, lhe responderam que não era senão dezessete. E dando graças a Deus ele disse: “Esse é o mesmo número dos fiéis, no começo do meu episcopado”.

Escreveu vários trabalhos que, como seus milagres, ilustraram a Igreja de Deus. Morreu entre 270 e 275.

Milagres incontestáveis e não fruto de sugestão

Sem dúvida, é um grande santo!

Cabe-nos analisar um pouco a natureza desses milagres, para entendermos alguma coisa da missão dele.

É interessante que no enorme conjunto de santos a Providência, que sempre faz com que a quase totalidade deles opere milagres, entretanto escolhe alguns para realizar muitos milagres. Isso tem uma razão de ser profunda, porque os milagres operados em grande número pela mesma pessoa indicam mais a ação extraordinária de Deus. Que uma pessoa faça um ato miraculoso, já é inverossímil. Mas que realize muitos e muitos é mais inverossímil ainda, de maneira que esses milagres dão muito mais glória a Deus.

E aqui está um homem que parece ter sido escolhido para mostrar que todos os dons de milagres do Antigo Testamento e da Igreja primitiva ainda se conservavam no século III, em que ele viveu. O que esses milagres têm de interessante é que nenhum deles pode-se explicar pela sugestão.

Posso compreender que um maluco diga que uma cura em Lourdes foi feita por sugestão. Mas nenhum doido pode dizer que uma montanha ficou sugestionada, e por isso mudou de lugar; ou que um lago secou por uma sugestão.

Alguém objetaria: “Ele sugestionou as pessoas que os viram”.

A sugestão não dura a vida inteira. Está um monte aqui, que se move para lá. É uma sugestão das pessoas que viram; quando passa a sugestão, onde se encontra o monte? O monte deveria ter voltado para o lugar anterior…

O lago estava cheio e, por um fenômeno de sugestão, as pessoas tiveram a impressão de que ele secou. Mas se assim fosse, quando passasse essa impressão, o lago deveria estar cheio de novo… Depois, aquele crescimento imediato de uma árvore porque ele colocou o bastão dentro da água. Terminada a impressão, as pessoas deveriam ver o bastão e não a árvore. Ora, viram uma árvore crescer imediatamente, a ponto de mudar o curso de um rio… Portanto, são milagres categóricos, incontestáveis. A Providência deu a este santo esse dom de milagres para que assim se compreenda como a Igreja é divina.

Deus nos atende com liberalidade magnífica

Mas foi só para isso? Não. Há ainda outras razões.

Primeiro, uma montanha que precisava ir embora, para ele poder ter um lugar cômodo a fim de construir uma igreja. Foi um prodígio enorme, feito por ocasião de um pedido não muito importante. Porque, afinal de contas, se não se pode edificar uma igreja aqui, constrói-se lá. Não é irremediável que uma montanha esteja atrapalhando a construção de uma igreja…

Por que a Providência deu a ele a graça de operar esse milagre, a propósito de uma coisa que parece não ser de primeira importância?

É para mostrar como Deus é paterno, como a Providência é materna para conosco. Os milagres não se operam somente quando estamos com angústia, presos pela “garganta” pelas maiores tragédias. Mas Deus é Pai, Nossa Senhora é Mãe, e nos dão graças muito grandes, com uma liberalidade magnífica, mesmo quando não nos encontramos na última aflição.

O “Livro da Confiança” insiste neste ponto: é preciso pedir muito e com insistência, mesmo coisas que não sejam muito importantes, e ser-nos-ão concedidas.

Aqui vemos um milagre enorme realizado apenas para simplificar a vida de um santo, a fim de que um desejo dele pudesse mais comodamente ser satisfeito.

Outro milagre: seus irmãos estavam brigando por causa de uma lagoa, e ele a secou. É uma espécie de malicioso castigo para os irmãos. “Vocês estão se estraçalhando pela posse dessa lagoa? Pois bem, ela se tornará seca e não ficará com ninguém!”

Provavelmente, se ele passasse uma boa descompostura nos irmãos, resolveria a contenda da mesma maneira; é um episódio íntimo, uma briguinha de família que não tem nada de mais trágico. Entretanto, foi feito o milagre para solucionar o caso.

O terceiro milagre era para evitar as inundações de um rio. Também é uma coisa que a humanidade poderia continuar a existir se esse rio transbordasse.

Agir com santa liberdade

Isso nos deve conduzir à ideia de que, se para bagatelas dessas um santo pode ser atendido, podemos ser acolhidos também quando pedimos coisas muito mais importantes. Porque quem faz o mais, faz o menos. E se é mais extraordinário fazer um milagre por uma bagatela, é menos extraordinário realizá-lo para uma coisa que não seja bagatela.

Portanto, pelas necessidades da nossa vida espiritual, quantas montanhas devem ser removidas, quantas lagoas têm que ser secadas, quantas inundações que transbordam e precisam ser remediadas! E com quanta confiança devemos, portanto, nos dirigir a Nossa Senhora pedindo a Ela esses favores!

Alguém me dirá:
— Ah, Dr. Plinio, antes fosse como o senhor diz… Mas a questão é que nós não somos São Gregório Taumaturgo. Ele era um santo e conseguia.

Eu respondo:
São Gregório está no Céu e se encontra ao nosso alcance; para quem olha as coisas sob o ponto de vista sobrenatural, é tudo tão simples. Não consigo obter porque eu sou eu, e não sou São Gregório Taumaturgo. Peçamos, então, a ele no dia de hoje em que se comemora sua festa.

É preciso agir com as coisas do Céu com esta santa liberdade, eu diria quase com essa santa candura. Quanta coisa se recebe por essa forma! E é este o incitamento a que se presta a vida deste santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1965)

Santa Margarida da Escócia

Foi soberana da Escócia e sua padroeira, século XI.

“Santa Margarida era rainha da Escócia e descendia, por seu pai, dos reis da Inglaterra e, por sua mãe, dos Césares.”

“Como a mulher forte de que fala a Epístola, a prática das virtudes cristãs tornou-a mais ilustre ainda. Penetrada do amor de Deus, impôs-se terríveis mortificações e soube, com seu exemplo, levar o rei seu esposo, a uma conduta melhor para com seus súditos, e seus súditos a costumes mais cristãos. Educou os seus filhos com tanta piedade, que vários deles viveram em alta perfeição. Nada nela, porém, foi tão admirável, quanto sua ardente caridade para com o próximo. Chamavam-na ‘Mãe dos órfãos’ e a ‘Tesoureira dos pobres de Jesus Cristo’. Margarida se privava não só do supérfluo, mas até do necessário, comprando assim a ‘pérola preciosa do Reino dos céus’.”

“Purificada por seis meses de sofrimento corporais, entregou sua alma a Deus, em 1093, em Edimburgo. A santidade de sua vida e numerosos milagres operados depois de sua morte, tornaram seu culto célebre no mundo inteiro. Foi designada por Clemente X padroeira da nação escocesa, sobre a qual reinou cerca de 30 anos. Admiremos a obra do Espírito Santo na alma da santa rainha, por Ele escolhida para o desenvolvimento do Reino de Cristo na Escócia e roguemos à santa pela volta desse país à unidade Romana.” (Missal Quotidiano e Vesperal, de Dom Gaspar Lefèbvre).

Santa Margarida é uma princesa que vem trazendo sangue do mais ilustre para a Escócia, que vem trazendo consigo toda a flor da civilização ocidental, ao mesmo tempo que é uma rainha maravilhosa, que deixa vários filhos em estado de perfeição, ilustres por sua virtude, que intercedeu a favor do povo, que deu esmolas, que realizou milagres, e tudo isto, sempre ungido pela coroa real, dá uma ideia tão completa da realeza, mas também de um mundo concreto onde maravilhas são possíveis e onde o extraordinário e o estupendo são realizáveis, que acaba sendo uma espécie de plenitude do princípio axiológico; daquela afirmação de que as coisas podem encontrar ordem, estão naturalmente numa disposição ordenada, e de que a ordem, mesmo a mais maravilhosa e audaciosa é realizada na terra.

É interessante ver como isso contrasta com o minimalismo de certo apostolado de hoje. Quando se consegue que uma pessoa seja mais ou menos boazinha, já é uma festa. Naquele tempo, o apostolado da Igreja era maximalista. As rainhas deviam ser santas e algumas delas o eram. Essas santas de tal maneira difundiam o bom odor de Jesus Cristo por toda parte, que isto acabava sacralizando a própria dignidade régia e criando uma espécie de ambiente de feeria, uma espécie de ambiente de maravilha na civilização medieval, da qual precisamente os vitrais são um reflexo.

Os vitrais, apresentando os santos no meio de fogos incandescentes, no meio de pedacinhos de vidro dourados, cor de rubi, cor de esmeralda, com uma luz na cabeça, aqui a coroa real sobre uma mesa, a santa que derrama flores em torno de si, etc. Tudo isto é a imagem do próprio modo como o medieval concebia a vida, por exemplo, de uma Santa Margarida,  Rainha da Escócia. Isto evitava, naturalmente, que o povo se voltasse para o culto do horroroso, procurando entreter-se com a vida, tão freqüentemente escandalosa, de atores, atrizes e de tantas outras coisas assim. Porque o povo, queira ou não queira, procura o maravilhoso.

A facilidade com que foi possível realizar o culto da personalidade na Rússia, com aquela horrenda “maravilha” que foi Stalin, prova bem isso. Não se apresentando um certo tipo de maravilha, tem-se que apresentar um outro tipo de “maravilha”. E quando o povo não se maravilha com Jesus Cristo, acaba se maravilhando com Barrabás.

… imaginem, por exemplo para se ver o efeito do que seria uma vida de Santa Margarida sobre a alma das pessoas, que agora houvesse uma conversão da princesa Margareth Rose, e que ela começasse a realizar milagres, que ela fosse vista dando esmolas para pobres, não de um modo socialista, que ela tivesse filhos que fossem tidos como verdadeiros santos, e que isso se desse num ambiente de legenda.

Ela seria odiada, contra ela se desencadearia uma perseguição horrorosa, mas ao mesmo tempo, milhares de almas vibrariam de entusiasmo por ela, e a fotografia dela estaria na parede das casas de operários, de camponeses de todos os lugares do mundo. Como esse simples fato impressionaria! E como impressionaria prodigiosamente! O prestígio de uma rainha na Escócia, naquela época, era imensamente maior do que o de uma rainha hoje, a “fortiori” de uma princesa.

Os senhores podem imaginar o que era a fama de Santa Margarida, rainha da Escócia, em toda a Cristandade. Aí é que se compreende o bem que isso poderia fazer!

Plinio Corrêa de Oliveira – excertos de palestra