Bom gosto…

Embora se trate de um tema delicado e pouco passível de consenso, o bom gosto envolve, contudo, uma circunstância que eu diria indiscutível. Explico.

Quando consideramos as nações nas quais floresceram renomados sistemas artísticos, percebe-se que estes não foram elaborados por especialistas, senão num sentido muito particular da palavra. Podemos comprová-lo nas expressões da cultura católica e da civilização cristã, como também nas de outras civilizações que enriqueceram, com seus belos contributos, o precioso acervo artístico da Cristandade.

Por exemplo, é inegável o valor de certas obras de arte da China e o bom gosto que as modelou, conferindo-lhes tal formosura que são dignas de figurar, no Ocidente, em qualquer palácio real, imperial ou mesmo pontifício. Assim, em diversos lugares nos é dado admirar jarros, tapetes, marfins, gravuras, leques e, de modo todo particular, porcelanas engendrados pelo talento chinês.

Quanto a estas últimas, narram as crônicas que teriam sido descobertas pelos jesuítas na China: maravilharam-se com o produto e desejaram trazê-lo para a cultura ocidental. Não lograram, porém, que os artistas chineses lhes revelassem a fórmula e os procedimentos para elaborá-lo.

Mas, a conhecida sagacidade dos filhos de Santo Inácio não se desarmou diante daquela recusa. Zelosos apóstolos e astutos observadores, ao exercerem seus trabalhos de missionários junto ao povo, notaram que outras pessoas, mais humildes, também confeccionavam porcelana. Com finura e tato, eles acabaram por obter da gente miúda o segredo dessa arte tão esplendorosa. Na primeira oportunidade, enviaram à Europa a fórmula e toda espécie de objetos chineses, para que os ocidentais tivessem ideia das possibilidades de cultura e de civilização que aquela China lhes oferecia.

Não tardou muito, e os europeus começaram a fabricar sua própria porcelana. Surgiram as magníficas peças francesas, inglesas, alemãs e outras, de extraordinária categoria, que logo passaram a competir com a preferência pelos objetos à base de metais preciosos. As baixelas de ouro e de prata, até então soberanas, viram-se ombreadas pelos delicados aparelhos de jantar, pintados em matizes róseos e níveos, bordejados de azuis e vermelhos intensos, ornados de pinturas com paisagens bucólicas, com buquês e guirlandas de extremo bom gosto. Bom gosto…

Plinio Corrêa de Oliveira

Jansenismo e consagração a Nossa Senhora

Dirigindo-se a um grupo de jovens que acabavam de fazer a consagração solene a Nossa Senhora, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio lhes explicou o contexto no qual  esse santo explicitou e desenvolveu suas doutrinas.

Na França do tempo de São Luís Maria Grignion de Montfort, disseminava-se nos meios católicos uma doutrina denominada de galicanismo. Opunha-se à influência de Roma sobre a França, daí o  nome de galicanismo, alusão ao antigo nome do país: Gália. Queria, por exemplo, a independência do clero francês em relação à Santa Sé.

A esse erro somava-se outro, cujo fautor viveu no começo do século XVII: era um bispo holandês chamado Jansênio. Ele fez uma apresentação da doutrina católica que continha, disfarçadamente, muitos erros. Esses erros começaram a circular, até constituir todo um movimento religioso que atingiu a França: o jansenismo, que era uma espécie de calvinismo mitigado.

Os jansenistas queriam, por exemplo, a diminuição do culto a Nossa Senhora e ao Santíssimo Sacramento. Se tomarmos todos os pontos defendidos pelos protestantes contra os católicos ao longo do século XVI, veremos que Jansênio retomou as teses de Calvino.

Mas Jansênio apresentava essas teses de modo disfarçado. Ele não negava o culto ao Santíssimo Sacramento, mas o subestimava. Ele não negava o culto a Nossa Senhora, mas o subestimava. E  subestimar significa dar a esses cultos uma importância muito inferior ao lugar que devem ter na fidelidade católica.

São Luís Grignion de Montfort, um devoto muito especial da Santíssima Virgem, iniciou discussões com os jansenistas e tomou a resolução de desenvolver e explicitar — com especial insistência — a doutrina católica sobre Nossa Senhora, nos pontos mais característicos, que os calvinistas mais negavam.

Doutrinas e profecias de São Luís Grignion de Montfort

À sua obra de teologia marial, que é também uma obra de apologética — quer dizer, de discussão para converter os hereges —, São Luís Grignion acrescentou mais um caráter, que é a bem dizer profético: tomou a doutrina católica tal como era em seu tempo e acrescentou conclusões, tiradas logicamente dos princípios mariais então professados.

Nessa época a Imaculada Conceição ainda não era um dogma. Foi definida como tal pelo Papa Pio IX no século XIX. A infalibilidade papal, que tem ligações com o dogma da Imaculada Conceição, foi igualmente definida por Pio IX. Mas São Luís Grignion desenvolveu, já no seu tempo, quase todos esses pontos, como conseqüências deduzidas da doutrina católica. A partir dessas  concepções doutrinárias, fez uma previsão. Descreveu as condições morais de sua época, mergulhada numa grande crise, comparada por ele com a que antecedeu o dilúvio.

E descreveu as conseqüências dessa crise. Por fim, ele profetizou o “Reino de Maria” na terra.

Em resumo, sua obra é, primeiramente, de luta contra a heresia — o protestantismo disfarçado, chamado jansenismo —, e, em segundo lugar, de glorificação da Santíssima Virgem, o que constituía um aspecto dessa luta. Essa glorificação de Nossa Senhora  levou-o a tirar conseqüências de Mariologia que foram confirmadas depois pela Igreja. Em terceiro lugar, fez profecias sobre o futuro da França e da Europa, em conseqüência dos erros morais que existiam no tempo  dele, prevendo catástrofes que seriam um pouco a Revolução Francesa, um pouco também a Revolução Comunista e a situação na qual nos encontramos.

Além disso, previu o “Reino de Maria”: uma época em que a devoção à Santíssima Virgem seria levada a seu apogeu. Época também em que a santidade entre os católicos seria levada muito longe, deveria crescer muito. Dizia, por exemplo, que os santos das épocas anteriores seriam, em relação aos do “Reino de Maria”, como gramas comparadas a carvalhos.

O “Tratado”

Esse conjunto de doutrinas e profecias é o “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”. São Luís acrescenta a tudo isso uma forma de devoção especial: a escravidão de amor à  Santíssima Virgem.

Do ponto de vista marial, ele faz a defesa dos privilégios da Santíssima Virgem, citando autores antigos, etc. Do ponto de vista apologético, não ataca diretamente Calvino. Mas quem lê as obras de Calvino e as de São Luís Grignion, vê que o “Tratado” é a contraposição de Calvino e, portanto, de Jansênio, um calvinista disfarçado.

Como Jansênio não se declarava inimigo da Igreja a não ser nas entrelinhas, São Luís Maria Grignion de Montfort deu a resposta nas entrelinhas também, algo inteiramente explicável do ponto de vista tático.

Garantia de ortodoxia Uma pergunta cabe aqui: qual é a ortodoxia de tudo isso? Qual a garantia de que essas doutrinas e profecias estão de acordo com a doutrina católica?

A resposta é esta: São Luís Grignion de Montfort foi canonizado. E antes disso, todos os seus escritos foram analisados por teólogos especialistas e depois passaram por um exame do Papa. Na qualidade de Chefe da Igreja, de sucessor dos Apóstolos, de pessoa que possui o carisma da infalibilidade, o Papa declarou que ele foi santo. Assim são feitas as canonizações.

Logo, todas as obras de São Luís Grignion são em princípio ortodoxas.  Quer dizer que nelas não deve ter sido encontrado nenhum erro teológico ou moral; são inteiramente conformes à doutrina da Igreja.

Isto não significa que tudo o que se encontra nas obras dele seja dogmático, mas simplesmente que nada foi encontrado aí que seja contrário à doutrina católica, tal qual ela é definida nesse momento. Mas é possível que algumas definições posteriores a ele não contenham algo que ele disse.

Sobretudo suas profecias sobre o futuro não têm a garantia da Igreja, porque esta nunca autentica revelações particulares. E São Luís Grignion não apresenta suas profecias como uma revelação, mas como conseqüências lógicas da doutrina por ele sustentada, e como conseqüências históricas  previsíveis do quadro geral da França do seu tempo.

E a Igreja apenas certifica que os escritos e as palavras dele são inteiramente conformes ao que Ela já ensinou. Mas isso é totalmente tranquilizador. Devemos, pois, usar nosso raciocínio para verificar a probabilidade de suas previsões. Eis o que se pode dizer a respeito da ortodoxia.

(Continua)