Natal: festa na terra e no Céu

Ao meditar sobre o ambiente onde nascera o Menino Jesus, em Belém, Dr. Plinio narra saudosas recordações dos Natais que passara em seu tempo de menino.

O Natal é o primeiro passo — quão humilde, velado e discreto — que o Rei glorioso haveria de dar no caminho de sua dor, sua luta e sua vitória.

A palavra agonia, em grego, quer dizer luta. Os atletas que lutavam nos circos eram chamados agonistas. E a agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo foi propriamente sua luta heroica durante a Paixão: Ele imergiu na morte para depois ressuscitar, a fim de nos salvar e podermos reinar ao seu lado no Céu.

Numa gruta em Belém…

O Natal evoca um casal colocado na situação mais triste que uma pessoa possa ter na Terra, na ordem humana dos valores.

A casa de David estava de tal maneira posta de lado, que São José era um carpinteiro pobre. Ele, príncipe da estirpe de David, vai registrar-se em Belém para obedecer às ordens de um soberano estrangeiro, César Augusto, que dominava naquele tempo a Terra Santa. O descendente dos antigos reis vencidos obedece ao decreto do imperador vencedor.

Qual a razão desse decreto de César Augusto?

Vaidade! Ele queria saber quantos homens estavam submetidos ao seu poder, e por causa disso mandou que cada um se recenseasse no lugar de onde era sua família. A de São José era originária da cidadezinha de Belém.

Podemos imaginar Nossa Senhora, na posição difícil de uma mãe que está com uma criança para nascer, montada num burrico, e São José andando a pé. Chegando a Belém, batem de porta em porta pedindo hospedagem e ninguém os acolhe. Foram então a uma gruta onde ficavam os animais.

Nessa gruta se deu o acontecimento mais importante da História: o Filho de Deus, feito carne no seio puríssimo da Virgem Maria, veio ao mundo.

Houve ali uma alegria feita de contraste: uma grande miséria, mas uma grande elevação; uma riqueza à qual nada se compara na Terra, o Filho de Deus feito Homem colocado no lugar mais pobre, numa manjedoura de animais.

A glória, à qual ninguém sabe dar valor, exceto aquele casal, está ali representada no estado de um Menino débil, frágil, que chora, tem fome e estende os bracinhos para a Mãe.

E no Céu, na maior festa até então realizada, todos os Anjos — querubins, serafins, arcanjos —, em coro magnífico com brilho extraordinário, glorificaram a Deus pelo Natal de Jesus Cristo. Esta glória impregnou a gruta discretamente, porque era preciso que somente as almas de Fé a sentissem. E, excetuando Nosso Senhor Jesus Cristo, a maior alma de toda a História — a qual vale mais do que todos os Anjos e todas as almas que houve, havia e haverá até o fim do mundo — estava ali reclinada, rezando: Maria Santíssima. E orando a Ela e ao Menino Jesus, o homem que teve a honra de ser escolhido para Seu esposo.

Vemos assim como é dentro de um quadro da maior pobreza que nasce a maior de todas as glórias.

Nossa Senhora e São José viam aquele Menino chorar, dando a entender que queria alguma coisa, ou que estava com frio. E a Santíssima Virgem O vestiu com as roupinhas que Lhe havia preparado, sabendo que Ele era o próprio Deus cheio de glória, uma só Pessoa, embora em duas naturezas. Aquela Criança era o Criador d’Ela, que Lhe abria os braços; e o dono de todo o universo, que chorava desejando receber um pouco de leite e roupa para se cobrir.

Aerologia do Natal

Tendo Ele nascido à meia-noite, podemos imaginar o que seria esse horário num lugar ermo daquelas vastidões do mundo antigo, onde tão pouca coisa se movia. Na cidade de Belém, o silêncio, todos dormiam, tudo estava escuro. Mas dentro daquela gruta, onde estava aquele casal único, havia uma luz brilhante, pois nascera um Menino que era o Rei de todos os séculos, o próprio Deus encarnado.

Isso faz parte do que poderíamos chamar aerologia do Natal, oposta à da Páscoa. Esta é uma grande vitória triunfal que se comunica a todo o mundo. O Natal é um acontecimento divino, mas que se realiza aos olhos de poucos; a maior das glórias reside num Menino e permanece escondida. De maneira que quem contempla aquela cena deseja se recolher, ficar quieto, para senti-la dentro de si, mais do que proclamá-la a grandes brados. Tem reverência enternecida, uma espécie de comiseração de Deus, porque consentiu em fazer-Se tão pequeno; ao mesmo tempo, não sabe como agradecer a honra de tocar de perto em tão alto mistério: o Verbo de Deus assumiu voluntariamente a natureza humana. E encontra dificuldade em exprimir ao mesmo tempo o respeito tão grande, que chega ao temor, e a ternura tão profunda, a qual quase liquefaz a alma.

Então, suma veneração, adoração e ternura, bem como noção de uma honra — perto da qual percebemos que nada somos — e concomitantemente de uma humilhação. Isto explica o que há de noturno no Natal. Não teria beleza abolir a Missa do galo e celebrar o Natal com uma Missa ao meio-dia. Não se compreende que essa festa não seja comemorada à noite, porque sua luz é muito discreta e pede a noite para dentro dela brilhar.

Stille Nacht, a canção natalina por excelência

A alegria do Natal é tão íntima e delicada que teme se expandir inteiramente. O Stille Nacht, a bela música alemã composta no século XIX por um simples mestre-escola, passou a ser a canção de Natal por excelência. Uma de suas genialidades está em que ela consegue exprimir essa delicadeza e intimidade. Dir-se-ia que o coro está na gruta e canta porque ficou tão emocionado, que quase não conseguiu deixar de fazê-lo. Porém, canta baixinho para não acordar o Menino e não perturbar a canção indizível e serena com que Nossa Senhora está embalando o próprio Deus.

Assim, compreendemos o papel do noturno e as mil delicadezas que vibram no Stille Nacht. Essa canção manifesta uma espécie de compaixão em relação Àquele que está sendo celebrado, como que dizendo: é tão pequeno esse Deus infinito, mas tão infinito esse Deus pequeno!

Foram necessários dezenove séculos de meditação para que desabrochasse essa canção, como uma flor dentro da Igreja Católica.

Pressa pelo Natal

Imaginemos a pressa de Maria Santíssima pelo nascimento do Redentor. Pressa que tiveram todos os profetas pela vinda d’Aquele que haveria de pôr as coisas em ordem, esmagar o demônio e os efeitos do pecado original.

Em meu tempo de moço, tal pressa era representada pela expectativa pelo Natal que havia em toda parte na pequena cidade de São Paulo. Essa expectativa — com uma dessas delicadezas de alma que somente a Igreja Católica possui —, para não ficar uma coisa teórica para as crianças, era ao mesmo tempo a pressa da vinda do Menino Deus e também da festa de Natal.

Às vésperas do nascimento de Jesus

Assim como Jesus ficou oculto antes de nascer, a comemoração do Natal se preparava no mistério para as crianças. Os mais velhos confabulavam entre si e combinavam o tamanho da árvore de Natal, seus enfeites, as mesas de doces para a criançada, o que deveria ser diferente do ano anterior, e o presépio a ser posto aos pés da árvore de Natal.

As crianças não podiam assistir a essa conversa. Sentiam que se preparava uma grande festa de alegria não só para o corpo, mas também para a alma. Mais do que isto, era uma festa religiosa: vinham graças de Deus especiais; era como se o Menino Jesus nascesse. Procurava-se ouvir as últimas palavras dos mais velhos, as quais as crianças contavam entre si para conjeturar como seria a comemoração do Natal.

E havia o mistério do presente natalino. As crianças bem novinhas acreditavam que São Nicolau trazia o presente de Natal. Os pais sondavam para saber mais ou menos o que elas queriam, mas nada diziam. E quando as crianças estavam dormindo profundamente, eles colocavam os presentes aos pés das camas.

Lembro-me que dormia na expectativa do dia seguinte. Minha cama era pintada com laca de cor branca, com figurazinhas de santos e cenas pastoris. Havia um quadrinho na parede que dava para o jardim do fundo da minha casa. Atrás desse jardim existia um terreno baldio — São Paulo não era ainda muito habitada — onde havia uma cabana, que datava, creio eu, do tempo dos índios. E dentro dessa cabana, uma quantidade enorme de grilos. Eu adormecia ouvindo os grilos… Parecia-me ser o latejar de todas as coisas à espera do Natal que viria.

Às vezes, minha pressa de receber o presente era tão grande que eu acordava uma ou duas vezes durante a noite e, quando me virava — sempre fui de virar-me muito na cama —, sentia seu peso nos pés, pois em geral, tinha tamanho grande. E eu ficava desejoso de me sentar para ver o presente. Mas não o fazia porque desgostaria mamãe se eu acendesse a luz para olhá-lo; além disso, eu pensava de mim para comigo o seguinte: será mais gostoso ver o presente amanhã cedo e agora continuar a dormir, com a ideia de que ele já chegou e é pesadão, como estou sentindo.

É melhor fruir esta expectativa e amanhã ver o presente, do que destruí-la, brincando excitado com o presente, e depois não conseguir mais dormir. Então eu me afundava nas cobertas e continuava repousando, embalado pela certeza de ter recebido o presente.

Uma manhã de alegria plena

Na manhã seguinte havia o melhor dos acordares para mim. Assim que manifestava alguns sinais de haver despertado, ocorria o que não se dava em nenhuma outra manhã do ano — exceto se eu estivesse doente: mamãe estava — com um olhar que, ao longo de minha vida, nunca recebi igual — aos pés de minha cama, vendo meu acordar, deleitando-se com o prazer que eu iria ter com o presente dado por ela. Porém, mamãe não sabia que para mim a alegria dela era um maior presente do que aquele colocado aos pés da cama. Quando percebia que eu estava inteiramente acordado, ela estendia os braços e dizia: “Filhinho!” E eu, antes de ver o presente, ia para os braços dela, porque sua alegria e a interpenetração de nossas almas valiam mais do que o presente concedido por ela. Ao mesmo tempo em que a abraçava, eu ia olhando para o presente e depois corria para apanhá-lo.

De todos esses presentes, nenhum deixou uma recordação mais profunda em minha alma do que um de grande valor não quantitativo, mas qualitativo: Um grupo de soldadinhos de chumbo, alguns montando bonitos cavalos; tinham couraças de aço e chapéus com a crina caída, e todos com a espada na mão. Esses soldadinhos me deixaram encantado.

E já de manhã havia a distribuição de algumas boas iguarias, pão de mel com manteiga, deixando as mais saborosas para serem servidas à noite. Depois eu ia para o quarto de brinquedos.

Junto à árvore de Natal

A certa hora da noite, todos os primos estavam em nossa casa, com trajes de festa, que eram então roupas de gala para criança, e não esses vestidinhos de hoje em dia. E todos com modos mais respeitosos e elegantes uns com os outros, porque estavam em trajes de gala.

Afinal, aparecia mamãe anunciando que a festa de Natal ia começar. Então íamos para uma saleta onde nos reuníamos, dávamos-nos as mãos e descíamos uma escada externa da casa para o andar térreo, que dava diretamente para o jardim, onde havia uma árvore de Natal. Éramos umas vinte crianças, todas cantando o Stille Natch, e vínhamos trazendo uma imagem do Menino Jesus, que até hoje está em minha casa, a qual todos os anos mamãe adornava com vestidinhos diferentes.

Girando em torno da árvore, cantávamos canções de Natal, já sentindo o cheiro do chocolate com creme chantilly, com o qual iam se enchendo as xícaras; e também o do pinheiro que, ao ser um pouco queimado por algumas velas, deitava um perfume de resina especial, próprio do Natal.

Em tudo isso havia uma alegria cândida, pura, eu ousaria dizer virginal, que não era perturbada por qualquer intemperança. Nenhuma criança fazia travessura, peraltice; todas brincavam entre si com a maior calma, dentro daquela paz que parecia emanar das imagens do Menino Jesus, de Nossa Senhora, de São José e, naturalmente, do boizinho e burrico que em todo presépio não podem faltar.

Essa alegria era algo que não sei exprimir. No fundo, provinha da idéia do Puer natus est nobis — foi-nos dado um Menino —, e participava da felicidade do Céu. Realizava-se como que a repetição do próprio nascimento de Jesus, e sentíamos estar vivendo as graças do primeiro Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/12/1976)
Revista Dr Plinio 141 – Dezembro de 2009

O “canticum novum”

Quais as graças, as cogitações, a poesia e os cânticos que caracterizarão os Natais no Reino de Maria? A este respeito Dr. Plinio tece belos e inéditos comentários.

Gostaria de tratar de alguns aspectos do Natal a partir de conjecturas a respeito de como seria a música de Natal no Reino de Maria. Sobre isso haveria diversas hipóteses que se entrecruzam.

Uma canção natalina que abrangesse desde o Nascimento até a Ascensão de Jesus

A mim pessoalmente agradaria uma música que considerasse o mistério do Natal relacionando-o com o futuro do Menino Jesus. Assim, em determinado momento, desenvolvesse algo sobre a vida contemplativa d’Ele com Nossa Senhora durante os trinta anos vividos em Nazaré. Depois, a dor da despedida, a vida pública, Paixão, Morte, Ressurreição, glória no Céu. Terminando, por exemplo, com esse pensamento: se os Anjos cantaram “glória a Deus no mais alto dos céus e paz na Terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14), o Homem de boa vontade por excelência foi Ele, o Homem-Deus. Ninguém teve boa vontade como Ele, em nenhum sentido, nem de longe. Logo, a glória d’Ele não se iguala à de ninguém. Os Anjos, quando entoaram “glória a Deus no mais alto dos céus”, cantaram a Ele enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade também. E quando cantaram “paz na Terra aos homens de boa vontade”, glorificaram-No enquanto trazendo para a Terra a possibilidade da verdadeira ordem e, com esta, a verdadeira paz.

Depois a luta d’Ele e a Ascensão ao Céu, porque sendo Ele o Homem de boa vontade por excelência que realizou tudo quanto devia realizar, teve uma glória incomparável no Céu. Seria, portanto, uma música muito mais longa do que simplesmente o Stille Nacht.

Cântico do inocente, do penitente, do pecador e do guerreiro

Eu também imaginaria de bom grado canções natalinas para estados de alma diferentes. Então, para a alma inocente que, imersa neste mundo e dentro da luta, tem receio de ver a sua inocência comprometida, agradece a Deus a inocência que tem e pede que essa inocência seja de aço até o fim.

O cântico de Natal da alma inocente seria diferente do cântico da alma penitente. O penitente arrependido, humilde, de cabeça baixa, se acerca da manjedoura e canta a São José e a Nossa Senhora. A São José dizendo não ser digno, mas pedindo ao Santo Patriarca que obtenha da Santíssima Virgem para ele um olhar e uma compaixão. Seguem-se a resposta afirmativa de São José e um apelo a Nossa Senhora. A Mãe de Deus atende e o recebe maternalmente.

O pecador arrependido então pede a mediação d’Ela para chegar até o Menino Jesus. Sentindo-se indigno de entrar na gruta, canta do lado de fora, dizendo: “Até o bafo do boi é digno de estar ali dentro, porque está na ordem de Deus. Mas eu sou o pecador que rompi em determinado momento essa ordem. Portanto, não sou digno de aproximar-me dali. Onde os animais entram eu não posso entrar. Mas se Vós, minha Mãe, me cobrirdes com o vosso manto, eu ouso tudo!” Ela o cobre, e coberto pelo manto, ele recita um Confiteor e recebe do Menino Jesus um gesto, que pode ser interpretado como um movimento instintivo de uma criança, mas na realidade tem o sentido de um perdão. O penitente se retira agradecido.

Outro poderia ser o cântico natalino do pecador atolado no pecado. Que gostaria de sair desse estado, mas não o quer com toda a eficácia. Mas ao menos de longe, de fora, canta implorando a Nossa Senhora enviar-lhe um mensageiro que leve a Ela uma súplica dele. Aproxima-se um passarinho, e o pecador põe a mensagem no bico da ave.

A súplica é entregue, e nela ele diz não ser como o pecador anterior que tendo rompido com Deus, rompeu depois com o pecado. Aquele, quando entrou na gruta, após reconhecer que não merecia estar onde até o boi e o burro eram dignos, já estava reconciliado com Deus. Este, entretanto, não é nem o pecador arrependido nem o boi: ele é a serpente, pois se encontra em estado de pecado mortal. Está carregado de pecados, mas tem tristeza e esperança, e implora de longe a Nossa Senhora, cujo pedido pode obter de seu Divino Filho que um aceno de mão remova as montanhas internas do pecado na sua alma e faça dele um homem que, afinal, se arrependa e se entregue a uma vida de penitência.

Quando o pecador se aproxima de Nossa Senhora, o Menino Jesus sorri, senta-Se e abre os braços. Diante desse gesto, ele pede perdão, é perdoado e sai contrito.

Poderíamos imaginar também o Natal do guerreiro, do combatente, do cruzado aos pés do muro de Jerusalém. Viriam as objeções: “Natal é festa da suavidade, da concórdia, não entra em considerações de guerra.” Mas se essa guerra é lícita, por que não cabe um lugar para ela aos pés da manjedoura onde está o Menino Jesus?

Seriam, portanto, cânticos destinados a vários estados de alma, para dar ânimo aos mais miseráveis como aos mais fortes.

Acréscimo legítimo às comemorações natalinas

Contra tudo quanto acabo de dizer há uma objeção muito séria. É a defesa do não se acrescentar nada ao Natal como atualmente é comemorado. O Natal é uma festa com um significado próprio, preponderante, não de um Deus presente no mundo e já exercendo a sua missão. Mais tarde Ele perdoará os pecadores, moverá as montanhas. No momento está existindo só para Nossa Senhora e São José, e deve ser considerado apenas assim. Por causa disso, é ordenado que os espíritos retos fruam a beleza específica do Natal e mais nada. Misturar todos esses pensamentos seria tirar a especificidade dessa festa. A liturgia da Igreja tem outras comemorações reservadas ao pecador, por exemplo, a Paixão de Nosso Senhor.

O Natal é a festa da candura, da infância, da aliança de Deus com o homem, encarnando-Se e descendo à Terra. É a festa da distância fabulosa no caminho percorrido pelo Verbo de Deus, estando eternamente na Santíssima Trindade, convivendo com as outras duas Pessoas num relacionamento perfeito e ininterrupto, sem começo nem fim, e que Se faz Homem, vem para a Terra, e está ali, no Presépio, entre Maria e José. Isso tudo é tão alto e tão cheio de significado que não se deve misturar com outras considerações.

A meu ver, essa defesa tem seu sentido, mas de fato o Natal existiu não só para que Nossa Senhora, São José, os pastores e os Reis Magos contemplassem o Divino Infante, mas também todos os outros homens. Portanto, o Natal enquanto vivido por todas as outras gerações que, em certo sentido, se aproximam do Menino Jesus merece essa ampliação.

Daí não vem uma censura ao Natal atual, mas o desejo de algo a mais. Ouso esperar que no Reino de Maria esses argumentos sejam ponderados por quem de direito possa realizar esse acréscimo. Temos assim uma ideia apenas esboçada, porque nunca aprofundei esse pensamento, de como seriam os vários Natais do Reino de Maria.

Sacralidade dos Natais de outrora

A isso acrescento um elemento que me parece decisivo dentro do assunto. Havia nos antigos Natais um traço que eu alcancei: uma sacralidade da qual as gerações mais novas não podem fazer ideia.

No meu tempo, nos dois, três dias que precediam o Natal, já um certo aroma, uma certa atmosfera natalina começava a envolver a São Paulinho. No Centro velho, o triângulo formado pelas Ruas Líbero Badaró, XV de Novembro e Direita, depois o conjunto de ruas em torno e dentro desse triângulo, havia lojas que vendiam brinquedos e expunham na vitrine um presepe. Esses estabelecimentos comerciais possuíam gramofones que tocavam músicas de Natal. Então, percorrendo a pé, por exemplo, a Rua Direita, de ponta a ponta ouviam-se as melodias natalinas.
Quando chegava a noite de Natal, as famílias todas começavam a ir em grupos para a igreja, devagarzinho, nas ruas vazias de qualquer gente que não fosse quem se dirigia para a Missa, na paz, naquele andar vagaroso de famílias que saem numa hora na qual costumam estar dormindo. Da igreja saía uma luz forte que iluminava a rua cada vez que se abria a porta, e lá dentro estavam começando a cantar. Em certo momento batia o sino e começava a Missa.

Tinha-se a sensação de uma graça vinda de uma altura, mas de uma altura…! Graça de uma qualidade tal que enchia a pessoa de duas disposições de espírito aparentemente incompatíveis, mas que convivem maravilhosamente: a noção recolhida, humilde e enlevada do sublime, e a doçura de quem recebe uma misericórdia sem limites. Talvez de nada da minha infância eu tenha tantas saudades quanto desse aroma e dessa graça de Natal.

A graça de Natal no Reino de Maria

Como será essa graça no Reino de Maria? Estou certo de que ela se reapresentará. Porém, ninguém pode prever qual vai ser sua magnificência e esplendor. Lendo o que São Luís Grignion escreve a respeito desse assunto, notamos que ele prevê em palavras magníficas a vinda do Reino de Maria, mas não o descreve, porque tem qualquer coisa superior a tudo quanto poderíamos imaginar.
É compreensível, pois o tormento dos justos na época em que estamos é superior a tudo quanto poderíamos conceber. E se esse foi o tormento dos justos, foi também o sofrimento de Maria, que previu e padeceu com tudo isso. Portanto, a um tormento sem proporções com nada deve seguir-se uma glorificação e um gáudio sem proporções com nada.

Eu pergunto: Aos que formos fiéis até a hora do Reino de Maria, não é verdade que a alegria do primeiro Natal deverá ser com graças que ninguém imagina? Mais ainda: às vezes tenho me perguntado se o primeiro dia do Reino de Maria não será um dia de Natal. Quer dizer, na véspera o demônio é derrotado, seu reino acaba e os Anjos levam umas tantas horas para limpar a Terra dos vestígios dos pecadores. A própria natureza torna-se diferente. Tem-se a impressão de que do alto do céu, mas também do fundo da terra saem bênçãos, evolam-se graças, é tudo tão diverso… É a primeira noite de Natal, nasceu o Reino de Maria! É uma possibilidade, não digo que seja certo. É uma hipótese entre outras, e é legítimo fazer hipóteses.

O nascimento de uma nova melodia natalina

Compreende-se como nascem as grandes coisas. Nessa noite uma pessoa dotada de dons poéticos, caminhando rumo à igreja, sussurra aos ouvidos de um companheiro: “Está vindo à cabeça uma poesia em louvor do Menino-Deus e de Nossa Senhora!” E recita um poema que ele mesmo não percebe ser admirável. Isso se espalha, e uma pessoa com dotes musicais começa a cantar, ali mesmo na rua. A certa altura, todos aprenderam a melodia e entram na igreja entoando esse cântico.

Nasceu mais uma música natalina para todos os séculos. O Anticristo, quando vier, ainda encontrará essa canção sendo entoada. Os últimos fiéis, na escuridão de alguma catacumba, ainda cantarão a mesma melodia no último Natal da História. Qual será a surpresa deles quando perceberem que alguém canta muito melhor do que eles essa música, do lado de cima da terra. Eles ficam comovidos e delegam alguém para subir, pé ante pé, e ver o que está acontecendo. Ele volta correndo e extasiado: são os Anjos que estão cantando no céu!

Um gênero de poesia livre da rima e da métrica

Como serão essa música e essa poesia? Vem aqui uma conjectura, mais uma vez toda ela pessoal: A poesia como ela existe hoje, e mesmo como os clássicos romanos e gregos a conheceram, eu admiro muito, é muito bonita. Mas ela tem qualquer coisa que me dá a impressão do que sentiria um homem ao usar um colete para corrigir a desvio na espinha dorsal ou algo semelhante. Aquele sistema métrico, aquela rima que deve bater com a outra… Parece-me que o pensamento e o sentimento ficam meio algemados dentro daquilo.

E eu gostaria de imaginar um gênero de poesia liberta desses entraves, e que fizesse exprimir toda a sua beleza sem a obrigação desse pesadelo da rima e da métrica. Eu, tão desconfiado com a espontaneidade, nesse ponto advogo uma certa espontaneidade. Assim, eu imaginaria algum gênero de composição que fosse poético muito mais pelo pensamento, pelo sentimento, do que pela forma literária. Como seria isso? Também não sei. A canção de gesta tem um pouco disso.

O verdadeiro espírito poético e o “canticum novum”

Como se forma o espírito poético? Nós estamos tão deformados pela Revolução que quando se fala de espírito poético vem à mente a ideia da canção sentimental, com a eterna lenga-lenga do rapaz que queria a moça e ela não queria o rapaz ou vice-versa. Então sai um choro mole, triste, que por vezes dá numa reconciliação, e fica no puro choro e acabou-se. É a última lágrima, o último ponto final da poesia.

Não é isso. O espírito poético verdadeiro é de quem não tem na alma esses vapores tóxicos do sentimentalismo. É uma alma limpa do vício da pena de si mesmo, e que não quer cantar as suas aspirações, a sua vida interna, mas os ideais para os quais vive. Quer dizer, é o cântico da alma generosa que compreende o elevado, o sublime, e quer cantar a sublimidade. Uma poesia onde possivelmente não figure sequer a palavra “eu”, nada egocêntrica. Não canta a sua dor, canta aquilo que adora.

Quem cantou o grande Carlos, quem compôs a canção de gesta? Discute-se. Uma das hipóteses é que um anônimo tenha cantado pela primeira vez, e depois as multidões começaram a repetir, acrescentando episódios, trovas, etc. É quase um imenso autor anônimo que não se preocupou em deixar seu nome para a posteridade, mas desinteressadamente se preocupou em cantar os pares de Carlos Magno. Essas são as almas capazes de poesia.

Na América Latina há mil criatividades à espera da hora da graça, e que Deus não quis que se gastassem na época da Revolução. Estão reservadas para glorificar a Mãe d’Ele quando Ela reinar. Serão o canticum novum(1) que este continente, descoberto pela Europa e povoado muito preponderantemente por filhos daquelas terras, acrescentará ao lindíssimo, ao admirável canticum antigo que a Europa entoou, e que ela conservará e legará para o futuro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/1/1989)
Revista Dr Plinio 237 – Dezembro de 2017

1) Do latim: cântico novo.

O menino do tambor

Há mais de dois mil anos, nos imensos e longínquos arenais da Arábia, vivia um menino muito pobre, que possuía tão somente um pequeno tambor. Órfão de mãe desde muito pequeno, vivia sozinho com seu pai, guardião de um oásis, cujas águas eram abundantes e cristalinas.

Numa fria noite de inverno, enquanto o menino tocava seu tambor, apareceu no céu uma estrela que brilhava mais do que todas as outras. Contemplando o luminoso astro, logo compreendeu que ele prenunciava um feliz e grandioso acontecimento.

Na manhã seguinte, o menino divisou no horizonte uma longa fila de homens e animais. Percebeu não se tratar de uma caravana comum, pois até o menor dos servos vestia-se ricamente. No fim do longo cortejo, sentados no alto de vigorosos dromedários, vinham três nobres senhores, vestidos com trajes coloridos e turbantes de seda. Um deles era um ancião de longa barba, outro um homem maduro de vivos olhos e ruivos cabelos, o terceiro um vigoroso árabe de pele escura. Dir-se-ia que os três eram poderosos reis.

Ao se aproximar a caravana, curioso, o menino dirigiu-se aos reis: “Senhores, perdoem meu atrevimento, mas a que se deve a presença de tão ilustres pessoas nestas desoladas paragens?”

Um dos reis sorriu e explicou-lhe que vinham de muito longe e que seguiam uma estrela que haveria de guiá-los até o local onde nasceria o Messias, o Salvador da humanidade, anunciado pelos profetas. “Então, tomamos ouro, incenso e mirra e pusemo-nos a caminho, a fim de prestar-Lhe homenagens”.

O menino sentiu um irresistível desejo de ir conhecer o Messias prometido e, com a permissão de seu pai, juntou-se aos viajantes.

Alguns dias depois, a caravana fazia sua entrada em Belém de Judá e numa humilde casa, sobre a qual se detivera a milagrosa estrela, os três nobres senhores encontraram um inocente Menino nos braços de uma bela Senhora. Logo compreenderam que aquele lindo Infante era o esperado Messias. Prosternaram-se, adorando-O e Lhe ofereceram ouro, incenso e mirra.

Mas, eis que ouve-se o rufar de um tamborzinho e uma harmoniosa e pueril voz:

Eu quisera pôr a vossos pés
Algum presente que vos agrade, Senhor!
Mas Vós sabeis que eu sou pobre também,
E não possuo mais do que um velho tambor!

Era o “menino do tambor” que cantava para o Salvador uma humilde e bela canção, acompanhada pelos graves acentos de seu tambor. E a face do Menino Jesus iluminou-se com um belo sorriso.

Dois olhos que são um firmamento

O principal ponto de adesão entre Dr. Plinio e sua mãe era o fato de ela estar continuamente voltada para uma “trans-esfera” muito nobre, elevada, doce, serena, lúcida, do alto da qual mantinha  relações com todo mundo. Isso que poderia parecer etéreo se exprime muitíssimo bem no Quadrinho de Dona Lucilia, especialmente nos olhos.

 

Dona Lucilia era uma senhora de família ou, como se diz hoje de uma maneira horrível, “de prendas domésticas”.

Vivia para o trabalho de uma existência de senhora, para dentro de sua casa. Não foi uma senhora de estudos, pois no tempo dela não era costume as senhoras estudarem. Tinha as ideias gerais  das senhoras que viviam no ambiente de homens cultos. Era profundamente católica. 

Estado de espírito sempre nobre, elevado e sereno

Mas eu não ousaria dizer que este ponto fosse o principal da adesão entre mim e ela. Certamente não haveria adesão se ela não fosse assim. Isso é certo, mas não é o fundamental. O principal  ponto de adesão era um modo de ser da alma dela que me parecia estar continuamente voltado para uma “trans-esfera”1 por onde, embora ela tomasse conta de tudo muito bem, o melhor da  atenção, do afeto dela estava voltado para essa “trans-esfera” muito nobre, elevada, doce, serena, lúcida, do alto da qual ela mantinha relações com todo mundo, de tal maneira que se percebia estar  sua alma, ao mesmo tempo, na “trans-esfera” e na pequena coisa concreta.

Lembro-me de que ela gostava muito de uma flor chamada primavera.

Na fazenda do Amparo de Nossa Senhora, onde eu costumo me hospedar, há uma trepadeira com essa flor. Sabendo que mamãe apreciava a primavera, os membros de nosso Movimento ali  residentes cortavam muitas daquelas flores e me davam para levar para ela, cada vez que eu voltava a São Paulo.

Quando chegava, eu lhe entregava as flores, e via os jeitos dela olhar encantada para elas. Às vezes, suave e discretamente, mamãe até parava um pouquinho a respiração e depois fazia algum  comentário. Mas eu notava que o comentário não era nada em comparação com o que estava no espírito dela a respeito daquilo. Entretanto, o que ela dizia estava relacionado com uma  “trans-esfera” da qual aquelas flores não eram senão o símbolo. Em última análise, uma relação com Deus Nosso Senhor, com Nossa Senhora e tudo o mais que tange o mundo sobrenatural.

Desse sentido elevadíssimo no qual Dona Lucilia habitava procediam todos os seus estados de alma, os quais constituíam o meu maior encanto por ela, e que procurei haurir e transformar em  meus, tanto quanto pude.

Este era o principal ponto de atração. É um pouco nebuloso, etéreo, mas a pessoa se dá conta disso olhando o Quadrinho. Porque vendo-o percebe-se o que isso quer dizer de concreto, embora seja um pouco inexplicável.

História de uma obra-prima

Se querem saber qual é o principal ponto de atração da alma de mamãe para a minha, olhem para o fundo do olhar dela no Quadrinho e compreenderão. Aquilo diz muito mais do que qualquer  palavra ou descrição.

Quando um discípulo meu pintou aquele quadro – tendo como base uma das últimas fotografias tiradas dela – fê-lo durante uma longa viagem, dentro de uma “Kombi”, nas condições mais  desfavoráveis que se possa imaginar para um trabalho desse tipo.

O resultado foi que ele terminou a pintura e não gostou. Então, apagou tudo, exceto os olhos, que lhe pareciam ter ficado bons. Assim, no pano restaram apenas aqueles dois olhos. E ele tinha a  impressão de que os olhos dela lhe suplicavam que retomasse a pintura. Ele então fez e, apesar de outras vicissitudes, saiu aquela obra-prima.

Pois bem, eu me comovo imaginando aqueles dois olhos no tecido. Seria quase o que mamãe foi para mim: dois olhos ao longo da vida…

Todo o resto, um tecido. Mas aqueles dois olhos eram, para mim, um firmamento! Recordo-me de quantas e quantas vezes eu olhava para os olhos dela profundamente. E mamãe tinha uma coisa  curiosa: quando ela se sentia analisada, tomava uma atitude bem fixa e se deixava olhar. Eu tinha a impressão de que pegava com a mão no fundo da alma dela, de tal maneira me ficava claro  quem ela era. E ficava encantadíssimo, mas encantadíssimo!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/2/1978)

1) Termo criado por Dr. Plinio para significar que, acima das realidades visíveis, existem as invisíveis. As primeiras constituem a esfera, ou seja, o universo material; e as invisíveis, a trans-esfera.

Santo Filogonio – Fundador de uma luta santa

É uma glória especial dar começo a qualquer boa obra. Por isso costumamos homenagear o fundador de uma cidade, de uma dinastia, de uma diocese, o primeiro povoador de um país.

Portanto, a “fortiori”, devemos homenagear também aqueles que levantem uma luta santa. Neste caso, são os fundadores da reação. Eles possuem o mérito e a glória de terem sido os primeiros a combater quando estavam isolados e não sabiam com quem haveriam de contar. Tendo corrido o risco da aventura de levantar o estandarte, tornaram-se os pais espirituais de toda a luta que veio depois.

São Filogônio deve ser extraordinariamente digno de nossa veneração, porque foi dos que suscitaram a luta contra um precursor de Lutero, chamado Ario.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/12/1965)

Felix Cæli Porta

Na hora bendita entre todas as horas, de um modo só conhecido por Deus, a Mulher bendita entre todas as mulheres, a Feliz Porta do Céu e sempre Virgem — como A exalta o cântico “Ave Maris Stella” — torna-Se, efetivamente, Mãe de Deus, pois a maternidade se completa quando Maria Santíssima dá ao mundo o Filho que Ela gerou.

Há uma belíssima música de Natal que canta de modo muito expressivo, como uma melodia vinda do alto: “Aparuit! Aparuit!” Afinal, apareceu na manjedoura o Verbo de Deus encarnado!

(Extraído de conferência de 2/7/1995)

As Graças do Natal

Queiram ou não queiram os homens, a graça lhes bate às portas da alma, mais sublime, mais meiga, mais insistente, neste tempo de Natal. Dir-se-ia que, apesar de tudo, paira nos ares um luz,  uma paz, um alento, uma estimulo ao idealismo e dedicação, que é difícil não perceber.

Ademais, em inúmeras igrejas, em muitos lares, o presépio ainda nos põe diante dos olhos a imagem do  Menino Deus, que veio para romper os grilhões da morte, para calcar aos pés o pecado, para perdoar, para regenerar, para abrir aos homens novos e ilimitados horizontes de fé e de ideal, novas e  ilimitadas  possibilidades de virtude e de bem.

Que a paz do Natal penetre em nós

Mais uma vez, Senhor, a Cristandade se apresta a Vos venerar na manjedoura de Belém, sob a cintilação da estrela, ou sob a luz ainda mais clara e fulgente dos olhos maternais e doces de Maria. A  vosso lado está São José, tão absorto em Vos contemplar que parece nem sequer perceber os animais que Vos rodeiam, e os coros de Anjos que rasgaram as nuvens e cantam, bem visíveis, no mais  alto dos Céus”.

Eis pequeno trecho de uma meditação de Dr. Plinio, em noite de Natal, diante do presépio, que o encontrava pela capacidade de reviver algo daquela atmosfera indizível reinante na gruta de  Belém. O primeiro presépio da história foi obra de um refulgente santo, há quase oito séculos. Conta Tomás de Celano — o biógrafo do seráfico São Francisco de Assis, e seu contemporâneo — que  este, no Natal do ano da graça de 1223, desejou compor do modo mais real possível a cena vista pelos pastores na Gruta de Belém.

Com seu espírito poético, voltado para o maravilhoso, sua candura e humildade, preparou uma manjedoura coberta com feno e mandou colocar de um lado um boi, e de outro um asno. Fez  celebrar nesse local a Missa e, observando a cena, dirigiu-se aos assistentes,  descrevendo com palavras ardentes de piedade e amor o nascimento do Homem-Deus.

A partir desse fato, difundiu-se por toda a Cristandade o costume de montar presépios por ocasião do Natal. Ativando a imaginação de pequenos e adultos, eles são ocasião de incontáveis flashes —  ara utilizarmos um termo pliniano —, proporcionando-nos algumas das mais inesquecíveis horas de nossa vida.

Considerando esse quadro, quantas e quantas vezes Dr. Plinio elevou suas cogitações até aquele convívio inefável da Sagrada Família, nunca se esquecendo de recordar que essa sublime cena nos  cobra uma determinada disposição de espírito: “Não basta que nos inclinemos ante Jesus Menino, ao som dos hinos litúrgicos, em uníssono com a alegria do povo fiel. É necessário que cuidemos  cada qual de nossa própria reforma, e da reforma do próximo, para que a crise contemporânea tenha solução, para que a luz que brilha no presépio recobre campo livre para sua irradiação em  todo o mundo”.

Contudo, Dr. Plinio destacava igualmente que, nesse dia bendito, Jesus e Maria querem especialmente de nós que nos deixemos impregnar pela doce e benigna atmosfera do acontecimento  grandioso: “Deus, ei-Lo exorável e ao nosso alcance, feito homem como nós, tendo junto de Si a Mãe perfeita. Mãe d’Ele, mas também nossa. […] Ao contemplar isso, nossas almas crispadas se  distendem. Nossos egoísmos se desarmam.

A paz penetra em nós e em torno de nós. Sentimos que em nosso vizinho algo também está enobrecido e dulcificado. Florescem os dons de alma. O dom do afeto. O dom do perdão. E, como  símbolo, a oferta delicada e desinteressada de algum presente”.*

Nessa ocasião do mais augusto de todos os aniversários, aproximemo-nos do presépio e, silenciosos e recolhidos, deixemos que nossas almas sejam inundadas por essa paz luminosa do santo Natal.

* Os trechos acima transcritos foram publicados respectivamente em Legionário, 22/12/46; Catolicismo, dez/52; Folha de S. Paulo, 27/12/70.

Plinio Corrêa de Oliveira

O xale lilás

O xale tem algo de supérfluo que bem manuseado pode dar ares de nobreza, de dignidade. Para uma senhora que tem a idade do Sol quando se põe, convém um xale discreto, distinto, mas que orne os ocasos. E uma das cores adequadas para Dona Lucilia era o lilás, que possui alguma coisa do refletido, do tristonho, do organizado, daquilo que já caminha para o fim.

 

Embora um espírito não tenha cor, pois não é de natureza material, pode-se relacionar estados de alma a determinadas cores, procurando ver nelas o espírito que se reflete. Assim, poderíamos nos perguntar se existe um espírito cor de “amaretto”, nacarado ou dourado. A cor é apenas um símbolo material de um estado de alma espiritual, imaterial.

Cor, aroma, som, sabor e traçado de uma linha

Numa primeira abordagem, a resposta à pergunta resulta em uma banalidade, porque é claro que a estados de espírito correspondem cores. Por exemplo, ao negro corresponde o luto. E não é por  uma analogia, por uma relação convencional, mas por uma correspondência natural. O homem que está morto não vê, não sente. Ele está para com a vida como um cego para a feeria das luzes,  quer dizer, não vê.

Encontra-se numa noite, num escuro “eterno”, em que ele não vê nada. Por outro lado, há cores festivas que indicam estados de alma jubilosos, triunfais, como existem cores e tonalidades que  denotam o repouso. A experiência mostra que os artistas utilizam em suas obras esta ou aquela cor para exprimir um determinado estado de espírito. Logo, essa reversibilidade existe.

Entretanto, poderíamos ir mais longe e perguntar se nos seria possível, tratando com pessoas, perceber que cor corresponde a este ou àquele indivíduo como mentalidade e se, portanto, as pessoas têm cores, nesse sentido. Evidentemente não entra em consideração aqui a etnia. Se estabelecermos com uma pessoa um contato no qual ela não se sinta forçada a representar um papel, não tenha o empenho de se falsificar para se tornar agradável; portanto, tomada a pessoa na sua autenticidade, e suposto um convívio em que, pela continuidade, os vários aspectos dela vão aparecendo e se  completando – o que não implica em um convívio necessariamente muito longo, basta que seja proporcionado ao discernimento do observador –, poderíamos dizer que cada pessoa causa uma impressão dominante. A meu ver, essa impressão dominante seria redutível, simbolizável numa cor.

Até acho mais: se, como vimos, a cada pessoa poderia corresponder uma  cor ou uma tonalidade dentro de uma cor, donde decorreria matizações mais ou menos indefinidas, também a cada família poderia corresponder uma cor, como um aroma, um som, um sabor.

Isso ocorre também com as formas, pois o modo habitual de caminhar na vida, a conduta da pessoa ou da família seria passível se reduzir ao traçado de uma linha. Assim, há pessoas cuja conduta  é simbolizada por uma linha cambaleante, outras por uma linha reta, e outras ainda pela espiral.

O prático e o estético

A única pessoa que eu reduzi a uma cor, muitos anos depois de ter cessado minha convivência com ela, foi mamãe. Realmente o brilho de ametista era bem o “lumen” dela. Pude notar que o meu  gosto pela ametista, já quando Dona Lucilia era viva, correspondia a um modo de querê-la bem. Enquanto ela estava viva, eu nunca fiz esta reversão. A posteriori, quando cheguei a realizá-la, dei– me conta de quanto tudo que cercava mamãe estava imerso naquela luminosidade da ametista, de cor um pouco dada a escura. Não é, portanto, dessas ametistas um pouco esbranquiçadas.

É ametista de valor, de cor nutrida, quase de quaresma. O xale que ela usava continuamente estava em consonância com isso.

Em geral, quando se trata do assunto traje, nas épocas mais ou menos bem constituídas como ainda era o tempo em que ela viveu, ao menos por alguns aspectos, vê-se que há uma espécie de  composição entre o lado prático e o estético. As pessoas se fazem uma certa ideia do lado prático e depois com isso vêm algumas ideias do lado estético.

E fazem disso um total que não se sabe o que prepondera mais: o prático ou o estético. O xale é característico a esse respeito. A ideia é a seguinte. Naquela época havia muito medo dos resfriados.

E se compreende bem, porque não existiam antibióticos como hoje. E para curar um resfriado era preciso muito cuidado, porque senão degenerava com certa facilidade em gripe. E gripe podia  degenerar em pneumonia, e esta em tuberculose. E a tuberculose, que é uma moléstia infecciosa, matava um número muito grande de gente no tempo em que Dona Lucilia era moça. Basta dizer que nas peças de teatro, a maior parte dos heróis e heroínas que são apresentados morrendo, falecem de tuberculose.

De tal maneira essa doença se tornou frequente naquele tempo. E o resfriado era o começo de uma estrada descendente que chegava até a tuberculose. Então as pessoas tomavam um cuidado  enorme contra o resfriado, que hoje não se justifica mais com a facilidade que se tem em combater as doenças infecciosas. A ideia prática para evitar os resfriados, e sobretudo  as doenças de pulmão, era as senhoras protegerem os pulmões por meio do xale. Então vê-se que o xale envolve e protege essa parte mais sensível do corpo contra o perigo das pneumonias.

Ornato para exprimir a mentalidade

Dessa ideia prática apoderou-se a arte. E o xale usado pelas senhoras do tempo foi adotado como uma espécie de ornato, para a expressão da mentalidade delas. Então, o xale – como aquilo que  fica por cima do corpo, e que tem mais relação com o vestido, forma o busto da pessoa – era muito indicativo da mentalidade da senhora.

E numa senhora com xale aparece sobretudo o busto, que é formado pelo rosto, pescoço e a área do xale; e depois a saia. As saias eram longas e chegavam em geral até os pés. Portanto, tinham  outra importância indumentária, em comparação com esses saiotes vagabundos de hoje.

O xale, por outro lado, tinha algo de particularmente nobre, porque o verdadeiro e bonito do xale é ter qualquer coisa de supérfluo. Eram panos longos que a pessoa não colocava só para fechar  exatamente como um pulôver; dobrava-se o xale para um lado, depois para o outro. E o supérfluo bem manuseado pode dar ares de nobreza, de dignidade. De maneira que o xale facilmente  nobilitava a senhora que soubesse usá-lo.

Os modos de pôr, dobrar e arranjar o xale eram quase atitudes rituais. E a senhora mostrava a educação, a linha e a inteligência que possuía, a propósito do xale.

O xale de Dona Lucilia era semelhante aos que tinham incontáveis senhoras daquele tempo. Ela o usava daquela forma e se velava com o xale muito compostamente, suavemente.

Os xales dela tinham um misto de distinção e suavidade no modo de se apresentarem, que realmente me encantava. Uma senhora que tem a idade do Sol quando se põe A cor e os desenhos do xale eram relativos à situação e à idade da senhora que o usava. De maneira que a uma senhora idosa não ficava bem, por exemplo, um xale vermelho ou faiscante de lantejoulas douradas ou prateadas;  seria uma coisa medonha.

Para uma senhora que tem a idade do Sol quando se põe, convém um xale discreto, distinto, que orne os ocasos. E nessas condições, uma das cores adequadas para mamãe era o lilás, que tem ao  mesmo tempo algo do azul, não tem dúvida, mas alguma coisa do refletido, do tristonho, do organizado, daquilo que já caminha para o fim. O lilás ficava muito bem para ela. Aquele xale foi  trazido por minha irmã de uma viagem à Europa. Tenho quase certeza de que ela o comprou em Paris. Minha irmã tem muito espírito prático e ao mesmo tempo sabe vestir-se muito bem. E era  um xale que tinha três finalidades: aquece muito, pesa pouco – é importante que pese pouco sobre os ombros de uma senhora idosa – e orna bem.

Embora seja normal que uma pessoa, vestindo esse xale, o use sobretudo nas ocasiões em que está diante de pessoas estranhas, porque é um bonito ornato, ela de tal maneira gostou dele que  começou a usá-lo todos os dias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 6/7/1980 e 25/8/1983)

Stille Nacht

O Stille Nacht, a bela música alemã composta no século XIX, passou a ser a canção de Natal por excelência. Ao ouvi-la, tem-se a impressão de que o coro está na gruta de Belém e canta emocionado, mas canta baixinho para não acordar o Menino…

 

O comentário, evidentemente, abrange uma interpretação do Natal, visto com uma categoria extraordinária pelo povo alemão.

Há vários descendentes de alemães aqui, que poderiam falar a esse respeito com mais autoridade do que eu… Existe uma característica não muito própria ao latino, mas sim ao alemão: conceber as coisas de tal maneira que tudo quanto é altamente sacral vem acompanhado de muita calma e muito recolhimento.

A concepção italiana da noite de Natal

Um presépio elaborado, por exemplo, em certas regiões da Itália tem as figuras tomando atitudes muito enfáticas, tais como: o Menino Jesus, deitado na manjedoura, estendendo os braços a Nossa Senhora, a qual está debruçada sobre o Divino Infante, numa atitude de ternura profunda, mas borbulhante, que tende a se manifestar em gestos, e só falta falar.

Se o artista conseguir dar a Nossa Senhora e ao Menino Jesus uma impressão por onde alguém diga “Só falta falarem!”, ele fica encantado, porque o falar, se manifestar, é o auge da realização da cena. E São José — ao qual cabe, no diálogo entre Maria Santíssima e o Divino Infante, um papel mais modesto porque ele é apenas o pai jurídico do Menino Jesus — tem também uma atitude, que se não falta apenas falar, falta somente chorar ou sorrir, conforme a interpretação. Mas ele está se exprimindo.

É a ideia de que a emoção religiosa deve exprimir-se por meio de grande vivacidade. E, como é próprio a toda vivacidade, esta, por sua vez, precisa manifestar-se por pensamentos e palavras; os pensamentos devem ser vivos e as palavras enfáticas, calorosas.

A concepção alemã

É exatamente o contrário a concepção alemã da noite de Natal. Em todos os povos, a comemoração do Natal, para ser sacral, tem que produzir nas almas uma impressão profunda. Em certas partes da Itália se entende que essa sensação profunda deve manifestar-se, exteriorizando-se.

Mas para a mentalidade alemã, porque é profunda, tal impressão não deve expandir-se; estando no fundo da alma, o melhor modo de exprimi-la é o silêncio, o recolhimento e a calma.

 Quer dizer, enquanto para uns o auge da expressão é a palavra e os gestos, para outros, pelo contrário, esse auge está numa forma de silêncio e de inação, que dão a conhecer profundidades insuspeitadas da alma humana; e o próprio silêncio indica a importância que a pessoa dá ao assunto, para exprimir tudo quanto ela pensa. Trata-se de uma posição de alma menos exclamativa do que meditativa, elucubrante — eu diria quase filosófica ou teológica —, recolhida.

E a calma não é, entretanto, meramente científica, mas profundamente enternecida. Uma ternura indicando um afeto tão grande que prefere calar-se, a falar.

Então, se alguns têm a eloquência da palavra e do gesto, outros possuem a eloquência do silêncio e do recolhimento. São duas posições diferentes. Muitas vezes as coisas grandiosas, para o alemão começam na imparcialidade, na serenidade, piano, pianino, devagar, para acabar, em certas ocasiões, na barulheira wagneriana. Enquanto que no temperamento latino, do qual, sob alguns aspectos, o italiano — pelo menos de certas partes da Itália — é a expressão mais característica, tudo já se inicia no grande estilo.

Qual das duas posições é melhor? Compreendo que os italianos achem uma coisa, os alemães outra.

E a posição brasileira qual é? Entender perfeitamente ambas as posições e degustar tão bem uma quanto outra. É o que sinto em mim. Eu, como brasileiro — ainda mais tendo a loquacidade do nordestino nas minhas veias —, certamente falaria mais do que o alemão, e estaria um pouco aquém do italiano.

São variedades regionais, através das quais Deus quer ser adorado por cada povo. Não se trata aqui de escolher, mas de contemplar a beleza das variantes. Temos uma variante alemã. Não sei se existe alguma canção de Natal italiana. As francesas não possuem a beleza da alemã. Os Noëls franceses são muito bonitos, mas não como o Stille Nacht, que é propriamente a canção de Natal. A nós compete apreciar a música como vai ser apresentada aqui, característica de uma noite de Natal alemã.

O que o alemão sente na Noite Sagrada

O que o alemão sente na Weihnacht, na Noite Sagrada?

Uma grande calma, sobretudo numa cidadezinha da Alemanha onde foi composta a Stille Nacht. Houve uma dificuldade qualquer na paróquia, em razão da qual não puderam cantar a música sacra tradicional. Então, a pedido do vigário, solicitaram ao professorzinho secundário do lugar que compusesse uma musiquinha para a noite de Natal. E ele, sem julgar estar fazendo uma coisa genial, compôs uma canção que ficou a música de Natal do mundo.

Bem depois, pela difusão dessa canção, esse professor ficou célebre. Conserva-se a casa dele, que é visitada por turistas. Compreende-se muito bem o Stille Nacht, Heilige Nacht vendo fotografias da cidadezinha na neve, os tetos, em forma de cone, branquinhos, as casinhas marrons, tudo parecendo feito de pão de mel para se comer. E uma igrejinha como que feita de marzipã, um brinquedo de criança, como são as aldeias alemãs.

Imaginemos o caminho que conduz para a igreja, um pouco em zigue-zague, feito sobre a neve e bordejado de neve de ambos os lados, as casinhas todas com luzes acesas e suas janelinhas com renda e bem cuidadinhas, como os alemães fazem; o sininho que toca em certa hora e as famílias que aparecem todas agasalhadas — cada indivíduo parecendo uma bolota de lã —, criancinhas que vêm em fila, carregando lanternas — porque esses felizardos não têm iluminação pública. 

A neve, sem fazer barulho, cai em flocos ligeiros. Um imenso silêncio, recolhido, de uma noite sagrada, onde todo o mundo pensa no silêncio que cercava a gruta e a manjedoura. Meia-noite, Nossa Senhora e São José, sozinhos no estábulo. São José recolhido e Maria Santíssima num altíssimo êxtase; em determinado momento, não se sabe como, Nossa Senhora e São José ouvem um vagido: o Filho de Deus entrou no mundo, conservando intacta a Virgem, antes, durante e depois do parto. O maior fato da História, até então acontecido, se deu naquela manjedoura.

Nossa Senhora olha, pela primeira vez, a face de seu próprio Filho e se enternece extasiada; adora-O. São José não sabe o que dizer. Mas tudo é silêncio, eles não comentam nada, mas mil anjos ali estão em revoadas insensíveis. Sem que se ouça uma nota de música, mil músicas são entoadas dentro desse silêncio.

A união de alma da Virgem Maria com seu santo esposo atinge o auge em função do Menino, que nasceu d’Ela, mas sobre o qual São José tem um verdadeiro direito de pai, porque, como esposo, tem o direito ao fruto das entranhas da esposa. De maneira que sem ser o pai, ele tem o direito. Além disso, ele é da Casa de Davi e aquele Menino também o é.

Podemos imaginar o Divino Infante fazendo um gesto para São José, a adoração deste e a afabilidade com que Nossa Senhora lhe entrega o Menino Jesus, exercendo pela primeira vez a sua função de Medianeira.

Aquele silêncio só foi interrompido pela música dos anjos que, vindos do mais alto dos Céus, aparecem e comunicam aos pastores que nasceu o Menino-Deus. Essa música foi pastoril, quer dizer, com a tranquilidade, a candura, a inocência do ambiente pastoril.

Os pastores inocentes acordam e exclamam: “Que beleza!” E perguntam: “O que será?” Depois da explicação, eles começam a andar por extensões ligeiramente onduladas, numa daquelas noites brilhantes do Oriente Próximo, em que as estrelas aparecem num coruscamento quase excessivo para nossa sensibilidade de ocidentais. Uma maravilha! Um céu mais de Paraíso do que desta Terra. Chegam à manjedoura, e encontram Nossa Senhora e São José adorando o Menino Jesus. Tudo é silêncio, calma, harmonia, estabilidade. Temos a impressão de que, se lá estivéssemos, desejaríamos que aquela noite nunca mais terminasse, e por fim lá morrêssemos e fôssemos para o Céu.

O estado de espírito que Stille Nacht exprime

Foi esse estado de espírito — pastoril, angélico, sobrenatural, familiar, íntimo, de uma grande dignidade e um grande alcance metafísico — que a canção quis exprimir.

Vejamos alguns trechos dessa música.

 

“Stille Nacht! Heilige Nacht!”: Noite silenciosa! Noite Santa!

“Alles schläft, einsam wacht”: Tudo dorme, só está acordado

“Nur das traute hoch heilige Paar”: O venerável e altamente santo casal

 

“Venerável e altamente santo casal” — a adjetivação é caracteristicamente alemã.

Nota-se na alegria do Natal uma ternura meio lírica, na qual existe certa compaixão. Dentro do festivo há uma tristeza, devido ao frio e à pobreza em que nasce o Menino Jesus. Mais do que isso: é uma tristeza prevendo a Cruz. Há algo da sombra da Cruz que se projeta sobre a noite de Natal. De onde uma ternura com compaixão para Aquele que veio, afinal de contas, para ser o Redentor, sofrer e morrer.

 

“Holder Knabe im lockigen Haar”: Um Menino com cabelos cacheados

“Schlaf in himmlischer Ruhe!”: Dorme numa tranquilidade celeste

 

A nota de tranquilidade está acentuada de todos os modos. Trata-se de uma serenidade do céu, onde se movem as estrelas; não é a modorra da Terra, do menino preguiçoso.

 

“Stille Nacht! Heilige Nacht!” : Noite tranquila! Noite santa!

“Hirten erst Kundgemacht”: Pastores, aos quais foi feito o primeiro precônio

“Durch der Engel, Halleluja”: O Aleluia dos Anjos

“Tönt es laut von fern und nah”: Faz-se ouvir alto, longe e perto:

“Christ, der Retter, ist da!”: Cristo, o Salvador, está aqui!

 

Nota-se muito a impressão de um problema que se resolveu, pois uma salvação veio à Terra.

 

“Stille Nacht! Helige Nacht!”

“Gottes Sohn, o wie lacht”: Ó Filho de Deus, que sorriso cheio de amor

“Lieb’aus deinem göttlichen mund”: Sai de vossos lábios divinos

“Da uns schlägt die rettende Stund”: E bate para nós as pancadas da hora da Salvação

 

Quer dizer, os lábios se movimentam num sorriso, como se fosse um relógio que desse o timbre da hora da Salvação.

 

“Christ, in deiner Geburt!”: Ó Cristo, no dia de teu nascimento!

 

Vemos que é uma canção muito simples, popular, mas de um sentido profundo. Feliz o povo onde a cultura está tão entranhada em tudo, que um homenzinho do interior, de repente, abre a boca e sai tal música de seus lábios!

A cultura não consiste em ter somente gênios, mas em estar tão disseminada que floresçam coisas dessas inesperadamente, nos vários degraus da sociedade.

Uma magistral lição de vida interior

Tratar-se-ia de perguntar se os meridionais, sobretudo os de aquém-Atlântico, com sensibilidade borbulhante, têm algo a lucrar com isso. Eu responderia que bastante.

Os povos muito intuitivos são por demais extrovertidos e, por isso, se tornam facilmente agitados. Esta calma convida para o recolhimento, a interiorização, a fim de perceber a voz da graça dentro da alma e não estar a toda hora prestando atenção no outro, mas sim em Deus.

Uma magistral lição de vida interior nos é dada por essa música.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/12/1973)

Revista Dr Plinio 153 (Dezembro de 2010)