Mais belos que as estrelas

De súbito o manto negro da abóbada celeste se vê coberto por uma feería de luzes, de corpos fulgurantes que, lançados do solo, abrem-se lá no alto em corolas policromadas, desfazem-se em miríades de gotas esplendentes, como se nuvem fabulosa destilasse sobre a terra uma cintilante chuva de topázios, esmeraldas, safiras e rubis…

Junto ao majestoso palácio ou sobre as plácidas águas do grande lago, envolvendo praças, silhuetas de imagens ou lindos chafarizes, a noite está em festa, regozija-se, enquanto magníficos fogos de artifício cruzam os ares, iluminando e engalanando o céu, conforme os mais audaciosos desejos do homem.

Será difícil negar que esse firmamento assim enfeitado pela esplendorosa ordenação artística e visual que o fogo de artifício nele traça efemeramente, representa para a nossa concepção algo mais belo do que o céu pontilhado de estrelas, arquitetado pela onipotência divina.

Haverá, então, um choque entre a obra de Deus e a do homem? Claro que não. Quando o Criador espargiu a mancheias pelas vastidões do espaço os astros siderais como se fossem grãos de brilhantes, guardava em seus maravilhosos desígnios o proporcionar ao homem a delicada oportunidade de superar em alguma medida o que Ele próprio realizou. Sem dúvida, Deus poderia ter feito fogos de artifício incomparáveis, perto dos quais os nossos mais belos seriam ofuscados. Porém, Ele agiu de maneira diversa. E ao criar as estrelas, provavelmente já tinha por intenção sugerir ao homem a ideia do fogo de artifício, dando-lhe assim a possibilidade de traçar nos céus uma ordem — sob o ponto de vista estético — superior em beleza àquela estabelecida por Ele.

No fundo dessa disposição divina há, na verdade, um requinte de delicadeza e de misericórdia paterna, por onde o Senhor, na autêntica infinitude de seu poder, infundiu no homem uma alma capaz de levar à perfeição o “esboço” que Ele delineou. Trata-se, portanto, da ternura do Pai que nos diz: “meu filho, complete o desenho”; e, ao mesmo tempo, da grandeza fabulosa do Onipotente que nos faz compreender tudo o que Ele nos concedeu: “Meu filho, você é pensante e capaz de acrescentar uma nota de harmonia a tudo quanto Eu criei, porque foi feito à minha imagem e  semelhança.

Eu o amei superlativamente quando o criei, quando me encarnei na sua natureza humana e a elevei, unindo-a à minha natureza divina numa só Pessoa. Todas as coisas que você pode  fazer mais belas do que as realizadas por mim, nada valem em confronto com as maravilhas intelectuais, espirituais, morais e sobrenaturais para as quais você foi criado. Quando, um dia, você passear por  essas vastidões, mais pequenino que um micróbio, sentir-se-á entretanto um perfeito rei, porque entenderá que em ter existido, pensado e amado conforme Eu, seu Deus — você se tornou dono de tudo isso e incomparavelmente mais belo do que isso!”

E antes do que para qualquer homem, Ele poderia se voltar para Nossa Senhora e dizer: “Vós sois minha Mãe, o centro e o ápice dessas maravilhas. Em Vós há mais beleza do que em todo o resto,  e quem contempla o vosso olhar, admira o universo inteiro, todas as estrelas do céu, todos os fogos de artifício da Terra, num grau de formosura e perfeição como não se é capaz de imaginar!”

E Maria Santíssima, por sua vez, no alto do Céu, adorando seu Divino Filho, agrada-se mais em considerar o movimento da graça nas almas dos homens pelos quais Ela intercede, do que em  contemplar todas as outras grandezas da criação. Cada um de nós, porque católico, vale aos olhos d’Ela insondavelmente mais do que a imensidão do universo que nos deslumbra, do que os astros reluzindo no firmamento, do que a feería dos fogos multicoloridos que enfeitam e rejubilam as nossas noites de festa…

Plinio Corrêa de Oliveira

A conversa perfeita

Dr. Plinio reitera a seguir sua visão sobre a arte da conversa como excelente meio de apostolado e amor ao próximo, por amor a Deus; além de constituir um ato que, conforme a promessa de Nosso Senhor, assegura a presença d’Ele entre nós, quando realizado em seu nome. Para ilustrar tal pensamento, Dr. Plinio nos descreve uma das mais célebres conversas da História, ocorrida há dois mil anos no caminho de Emaús…

 

Sobre a arte da conversa há um ponto a respeito do qual nunca será demasiado insistir. Quando tratamos, com espírito de Fé, acerca de assuntos da Igreja ou da civilização cristã, através de nossos lábios toma lugar no diálogo um interlocutor infinito: Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois esta foi a sua promessa formal: “Quando dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles” (cf. Mt 18, 20).

A presença divina sentida pela ação da graça

Devemos notar que o Redentor não disse: “Estarei a maior parte das vezes”, mas sim: “Estarei no meio deles”. Quer dizer, o principal atrativo da conversa entre católicos, versando a respeito de um tema não necessariamente religioso, mas visto sob o ângulo da doutrina da Igreja, consiste em que o grande interlocutor é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essa presença se realiza através da ação da graça, que Ele nos obteve derramando seu sangue infinitamente precioso no alto do Calvário. O Salvador no-la concedeu, a rogos de Maria Santíssima, quando fomos batizados, e ela se desenvolve e floresce enquanto conversamos. Sua atuação é tal que posso conhecer, além da graça dada a mim, a recebida pelo outro. E este, conversando comigo, conhece o dom celestial que me foi outorgado.

Por exemplo, nessa exposição, devido a uma particular atração exercida pelo tema, há consonância, consolação, estímulo, verifica-se um entusiasmo e uma comunicação de alma, tendo Nosso Senhor disposto que a graça seja uma em mim e outra em cada um de meus ouvintes. Em todos, ela é uma participação da vida divina, com fervores peculiares.

Imaginemos duzentas lamparinas acesas. Cada chama tem movimentos diferentes, mas é o mesmo fogo brincando com duzentos pavios. Assim é a ação da graça em nós, da qual nos damos conta apenas de modo confuso, e nem seria normal que o sentíssemos plenamente. Porém, o sabemos pelos ensinamentos e doutrina da Igreja.

Um agir deleitável e envolvente

 Às vezes a conversa aumenta de dimensão e não nos lembramos de que Nosso Senhor está falando mais ricamente no fundo das almas. Porém, se ela se interrompe de modo brusco, temos a impressão de haver cessado algo que não deveria parar. Por exemplo, se me chamassem agora para atender um telefonema urgente, obrigando a me ausentar sem maiores palavras, não ficariam os meus ouvintes com uma sensação de inacabado, de quem descia para um terra-a-terra do qual havia saído sem perceber, mas ao qual voltaria sem estranheza?

Tal é o modo de agir da graça. Ela nos vai falando aos poucos, deleitavelmente, não a percebemos e nos habituamos com ela. Quando emudece, dizemos: “Mas que vazio! Como aconteceu isso?!”

Emaús: a conversa perfeita

Normalmente a graça atua com linda sutileza. Os discípulos de Emaús somente reconheceram Nosso Senhor na hora da comunhão, quando partiu o pão e o distribuiu. Com sua linguagem poética e rica em pormenores, o Evangelho descreve o episódio e o colóquio que então se estabeleceu.

Os dois discípulos caminhavam na estrada, rumo ao lugarejo chamado Emaús, comentando os fatos recentes ocorridos em Jerusalém, a perseguição e a morte do Salvador. Enquanto andavam e conversavam, Jesus se aproximou e começou a tomar parte na conversa, sem que eles O reconhecessem de imediato.

Nosso Senhor lhes pergunta sobre o tema que os trazia tão absortos. Assim faz o bom conversador: não muda de assunto conforme o que está na cabeça dele, mas entra na matéria tratada pelos outros.

Eles se espantam, e dizem: “Mas, como?! Tu és o único forasteiro em Jerusalém, e ignoras os fatos que nela aconteceram nestes dias?” (Lc 24, 18)

Jesus se mostra interessado, continua a lhes fazer perguntas e os ouve narrar os principais acontecimentos de sua Paixão e Ressurreição. À medida que conversavam, o ardor dos dois discípulos aumentava, pois o Redentor lhes concedia uma graça especial que preparava a alma deles para ouvi-Lo. Assim, formavam o trio perfeito.

 Quando chegaram em Emaús, percebe-se, pela descrição, que eles estavam embevecidíssimos. Contudo, apenas no instante em que Nosso Senhor partiu o pão — Ele celebrou uma Missa; portanto, realizou a consagração — os discípulos O reconheceram: “Ah! O Mestre está aqui!”

Isso é propriamente a perfeição da conversa: uma revelação progressiva e, no auge, o interlocutor se mostra de corpo inteiro.

Interessante notar que, momentos antes, Nosso Senhor fizera menção de seguir adiante no caminho, separando-se deles. Então os dois discípulos, enlevados, pedem que Ele permaneça, porém não ousando dizer: “Está tão agradável a vossa companhia! Ficai junto a nós”. Não. Eles buscam um pretexto: “Senhor, permanecei conosco porque já é tarde e anoitece”. Cada um procura solucionar uma dificuldade como pode. Ora, Jesus Cristo é Deus. Que diferença representa para Ele a claridade do dia ou as penumbras do anoitecer?

Na realidade, os dois queriam Lhe dizer coisa diversa: “Vede, Senhor, não desejamos nos separar de Vós, porque nenhuma presença é igual à vossa. E vos apresentamos um pretexto, pois somos tão toscos que não sabemos sequer formular o verdadeiro motivo. Aceitai isso, mais como um gemido do que um argumento. Diante de vossa sabedoria, o que é um raciocínio? E face à vossa misericórdia, o que será esse pretexto?”

Contudo, Nosso Senhor desapareceu. Imaginemos a surpresa deles… O Salvador lhes havia dado o necessário para aquela fase da vida espiritual de ambos. Cumpria doravante se lembrarem sempre desse fato.

Os discípulos de Emaús foram logo procurar os Apóstolos em Jerusalém, para contar o ocorrido. Sem querer, transformaram-se em conversadores. Começaram a narrar o colóquio mantido com Nosso Senhor. Em linguagem caseira, diríamos que foi um atraente “jornal-falado”: “Nós O encontramos, e Ele nos disse tais e tais coisas!”

 Pensemos nos ensinamentos que Jesus lhes transmitiu ao longo da estrada! Provavelmente, a propósito de um bicho que atravessou o caminho, de uma ave que esvoaçou perto deles, de um lago junto ao qual passaram, etc., o Divino Mestre fazia comentários, a par das maravilhosas digressões sobre as Escrituras e profecias que d’Ele falavam.

Foi o modelo da conversa, porque embebida pelo amor de Deus, sendo um dos interlocutores o mesmo Jesus. Percebe-se como Deus, amando a si próprio, acendia nos discípulos o amor que os homens devem ter para com Ele. É o circuito perfeito.

Sob a luz do Espírito Santo

É o que a graça realiza entre nós, católicos. Em certos momentos ela age de tal maneira — é Nosso Senhor que atua, porque autor da graça — causando-nos a impressão de que um terceiro está presente, invisível e infinitamente superior a todas as coisas.

Tal sucede nesta exposição. Imaginemos que amanhã sobreviesse um acontecimento em virtude do qual fôssemos obrigados a nos separar e viver isolados nas mais variadas re­giões do mundo. Em determinado momento, um que se acha no Alasca entra em contato telefônico com outro no Pólo Norte, e lhe diz: “Recorda-se da última reunião de nosso movimento? Dos comentários sobre os discípulos de Emaús? Acabo de reler o texto daquela palestra de Dr. Plinio, e me lembrei que você estava ao meu lado…”

E os dois terão o mesmo pensamento: “Ah! O auditório São Miguel1! Ah, aquela convivência! O que é o viver católico! Naqueles sábados à noite, enquanto tantos jovens e adolescentes procuravam outras diversões, nós estávamos reunidos com Dr. Plinio e nos sentindo muito mais felizes do que aqueles. Estávamos sob as vistas de Nossa Senhora, num ambiente sacral, movidos pela Fé católica apostólica romana. Por isso, a graça de Deus chamejava entre nós. Era um só fogo aceso em muitos pavios. E todos nós nos alegrávamos!”

E assim chegamos ao fim dessa explanação, compreendendo não apenas a teoria da conversa, mas também a do convívio: quando conversamos animados pelo amor de Deus e do próximo, o convívio é agradável. Do contrário, o trato será detestável, sem afabilidade, marcado por um cunho revolucionário. Pois imaginemos uma conversa com determinada pessoa em estado habitual de violar, ao mesmo tempo, todos os Mandamentos. Ela mata, rouba, calunia, etc. O estar com essa pessoa se torna insuportável, um pesadelo. Não há o que conversar com ela.

Por outro lado, suponhamos um colóquio entre duas pessoas que se esforçam por cumprir de modo exímio os dez Mandamentos. É um céu. Sublime exemplo foi o célebre diálogo de Santo Agostinho com Santa Mônica, na hospedaria de Óstia2.

Em suma, a ótima conversa é aquela iluminada pelo Divino Espírito Santo, realizada aos pés da Santíssima Virgem, em cujo Coração vive Nosso Senhor Jesus Cristo.

O resto, no fundo, é fraude, vaidade e aflição de espírito…

 

1) Nome dado por Dr. Plinio ao antigo local onde realizava suas exposições plenárias. Situado na Rua Dr. Martinico Prado, 246, em São Paulo.

2) Cf. na “Dr. Plinio” número 34, uma exposição sobre esse tema.

Precursor na luta contra a heresia

São João Evangelista foi um dos primeiros lutadores contra a heresia, que nascia em seu tempo, a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como Mãe, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/12/1964)

São João Evangelista

Era uma alma eminentemente virgem, chegada de modo extremo a Nosso Senhor, devotíssima do seu Coração Sagrado.

São João Evangelista, mais que Apóstolo, foi verdadeiro amigo do HomemDeus. Por isso, Nosso Senhor, antes de expirar no madeiro, deixou ao seu discípulo predileto um tesouro inapreciável: Maria Santíssima.

Receber Nossa Senhora, é receber  tudo o que Deus depois de dar-se a Si mesmo pode conceder ao homem. Maria, Virgem, foi dada pelo virginal Filho ao virginal amigo que era São João. Nessa  entrega vemos uma manifestação extraordinária do amor de Deus às almas virgens. E vemos, também, um dos rutilantes traços da grandeza do Apóstolo Evangelista.

Plinio Corrêa de Oliveira

São João Evangelista

Como diz muito bem o Abade Dom Guéranger, “São João Evangelista era parente de Nosso Senhor segundo a carne, e enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus”, a quem Jesus tributava um sentimento mais próximo e íntimo que aos demais.

Na última Ceia, São João reclinou-se sobre o peito do Mestre e ouviu as pulsações do Sagrado Coração: naquele instante, pulsações de amor, mas também de dor e angústia, diante dos abismos de sofrimentos que d’Ele se acercavam.

Alma eminentemente virgem e unida a Nosso Senhor, predileta e devota do Sagrado Coração de Jesus, São João mereceu como recompensa um tesouro sem preço: aos pés da Cruz, recebeu por Mãe a própria Mãe do Redentor, Maria Santíssima. Mais do que isto, abaixo d’Ele, Deus não lhe poderia dar…

São João Evangelista

São João Evangelista, discípulo amado do Divino Mestre, devemos pedir que nos alcance uma piedade semelhante à dele, toda imbuída de confiança e de intimidade em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora; que nos obtenha, portanto, uma devoção à Santíssima Virgem e um amor a Deus como ele os manifestou, marcados ao mesmo tempo por suprema veneração e por filial ternura.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/12/1966)

O olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo

Se numa noite sem luar contemplarmos com espírito de Fé o céu estrelado, ele produzirá grande efeito sobre nós. E nos fará lembrar algo infinitamente superior: o olhar do Redentor, no qual há galáxias de santidade, de virtudes que pousam sobre nós como uma abóbada protetora.

 

Quando a pessoa se porta ordenadamente face à ordem do universo, pelo fato de seu próprio senso do ser procurar o maravilhoso nas coisas que constituem o universo que ela procura conhecer, tende ela a ver muito mais os aspectos espirituais do que os materiais nas criaturas que a circundam.

O sentido da vida terrena

Então, no exemplo tantas vezes utilizado da criança que busca o maravilhoso na teteia dourada, vermelha, azul, verde, etc., à medida que a criança vai se desenvolvendo, se ela tem, por exemplo, uma boa mãe, quando esta lhe oferece sorrindo a teteia, em certo momento, ela percebe estar querendo mais bem à mãe do que à teteia. Porque tomando contato, ao mesmo tempo, com dois seres excelentes — um relacionado mais diretamente ao corpo, como a teteia; outro dizendo respeito à alma, que é o carinho da mãe —, por aspirar ao mais maravilhoso, a criança deseja o carinho da mãe.

Ai da mãe que não tem com a criança esse carinho, e que não a ajude a sobrepor esse valor moral ao material! Porque essa é a missão de uma mãe, e ela tem obrigação de cumpri-la.

Mas ai também dos familiares que não criam em torno de seus pequenos um ambiente robusto, suculento e benfazejo de manifestação de qualidades do espírito, no qual a criança vá entendendo desde logo que esse convívio de alma é o fundamental da ordem do universo!

Este é um ponto muito importante, porque as criaturas de uma ordem mais elevada têm uma função normativa e orientadora em relação a todas as inferiores. E os espíritos são o que há de mais alto no universo. Conhecendo-os e estando voltados para eles, conhecemos melhor o que está abaixo.

Então, ser sensível às almas e querer encontrar para si uma ambientação, na qual o nosso senso do ser, do maravilhoso, nosso senso católico se sintam como o navio que atracou no cais e ali está na serenidade, longe das tormentas, este é o sentido da vida terrena.

O ambiente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus

A alma encontra este sentido superior da existência quando é tocada pela graça a propósito de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora e de toda a ordem celeste propriamente dita. Quer dizer, ela “vê” espíritos — sobretudo um valor de alma —, almas de uma categoria, de uma beleza, de uma maravilha tais que ela fica compreendendo ser este o verdadeiro ponto em torno do qual tudo gravita, longe ou fora do qual tudo gira errado, e que a vida está em compreender e desejar isto, ou seja, mais especificamente, o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

As descrições que tenho feito do Sagrado Coração de Jesus, como deve ser visto, amado, dão inteira e linearmente isto. Ele é divinamente superior a qualquer consideração, por um lado. Por outro lado, na sua superioridade, Ele habita em nós mais do que nós mesmos. Ao mesmo tempo em que está no alto de um Céu inatingível por nós, Ele habita no fundo de cada um de nós e tem a possibilidade de tomar contato conosco, fazendo estremecerem cordas de nossas almas que não sabíamos existirem. Assim é Ele!

Para minha sensibilidade — não digo nem um pouco que seja uma coisa obrigatória —, o ambiente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus traz isso. Existem na Europa milhares de igrejas de um valor artístico incomparavelmente maior do que o dela, mas há uma coisa qualquer nessa igreja por onde, estando lá, tenho a impressão de que os seus divinos olhos estão pousando sobre mim naquele momento, e me delicio em sentir-me visto e envolvido pela serenidade afetiva, doce e cheia de sabedoria de Nosso Senhor, mas ao mesmo tempo pelo império d’Ele, segundo o qual Jesus aceita quem for assim e rejeita quem não o for. E o pior que pode haver é ser rejeitado por Ele.

Mais alvos do que a neve

Tudo isso junto, formando um panorama que paira por cima. A sensação de grandeza que se tem, às vezes, quando se olha para o céu muito estrelado não é nada em comparação com essa impressão dos olhos de Nosso Senhor Jesus Cristo — que eu imagino castanhos quase claros — pousando sobre nós, olhando-nos a fundo, e nos fazendo entrar nessas imensidades de serenidade, de força e de tudo o mais que há n’Ele, e que são verdadeiramente incomparáveis!

Para quem não tenha haurido isso tão fundamente na alma que, a bem dizer, quase nem precise ir à Igreja do Coração de Jesus, aconselho irem, e procurarem rezar ali, impregnar-se daquilo, porque há qualquer coisa ali que não é propriamente o olhar de Nosso Senhor para São Pedro, mas é um olhar d’Ele. Nessa igreja, todos os mistérios da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria vêm à tona.

Por exemplo, quanto nós gostaríamos de nos ver fisicamente olhados por Ele! Tenho a impressão de que “asperges me hyssopo et mundabor, lavabis me et super nivem dealbabor”1; o olhar de Nosso Senhor lavar-me-ia completamente, e eu ficaria mais alvo do que a neve!

Ali, diante do olhar d’Ele, eu diria: “Anima Christi, sanctifica me!” Eu estaria tendo o que desejo, o ideal de minha vida! Aquele olhar meio interrogativo, ligeiramente reprobatório, enormemente amoroso, envolvente e, para dizer mais, encomiástico, no seguinte sentido: não há barreiras, venha; elogio é isto!

E tocando, não o grosso bordão dos sinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas o sino leve e alegre de Nossa Senhora, a alegria do perdão. Ela põe junto dessa seriedade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo uma nota qualquer de louçania que fala em perdão, em esperança, em alegria, que a completa admiravelmente. Tudo isso está e tem fundamento n’Ele, mas Nosso Senhor é grande demais para, num olhar só, podermos abarcá-Lo. Então, olha-se para Maria Santíssima, e Ela diz: “Meu filho!” Porque ao cabo de algum tempo aquela imensidade nos faz sentir tão pequenos, tão pequenos, tão pequenos, “petit vermisseau et misérable pécheur”2, que se tem vontade de dizer: “Senhor, não me esmagues de tanto me amar!” Mas entra Ela e dá um repouso, uma distensão, está feito tudo na perfeição.

Portanto, não é que exista n’Ela e não n’Ele; mas é alguma coisa que existe n’Ele e, através d’Ela, se explicita melhor.

Conhecimento por conaturalidade

Esses estados de alma constituem o afeto que devemos procurar na vida. Não tendo esse afeto, não adianta nada, porque nenhuma forma de afeto é autêntica sem isso.

Por exemplo, se alguém me informar: “Fulano de tal quer muito bem a você porque foi educado com você desde pequeno…”, diz-me pouco, porque se nossas almas são diferentes nesse ponto, o que fazer?

Entretanto, alguém que eu tenha conhecido, procedente de Chandernagor, em quem, olhando, percebo esse estado de alma no fundo, minha vontade é de abraçá-lo e dizer:

“Meu irmão ou — conforme a idade — meu filho, há quanto tempo nos esperávamos! Há quanto tempo nos pressentíamos!”

Eu falava há pouco do céu estrelado. Ele produz efeito muito grande, não tem dúvida. Mas se eu, ao contemplar esse céu estrelado, lembrar-me do olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo pousando sobre mim, é algo infinitamente superior ao céu estrelado, mas que tem certa analogia, cujo analogado primário é o Céu, a partir do qual, na imensidade de suas virtudes e qualidades, Ele olha para mim. Há n’Ele galáxias de santidade, de virtudes que pousam sobre minha cabeça como uma abóbada protetora!

A partir daí vem o desejo da boa amizade segundo Deus, amar o próximo como a si mesmo por amor de Deus, podendo dar origem a um relacionamento humano que, com tal plenitude, creio eu, talvez não tenha sido tão frequente na própria Idade Média.

Suponho que se a Idade Média tivesse continuado, o Sagrado Coração de Jesus teria revelado essa devoção de qualquer forma. A grande maravilha d’Ele foi perdoar as rupturas da Idade Média e, apesar disso, chamar para essa devoção.

Infelizmente, essa devoção, de modo geral, foi muito rejeitada ou aceita de uma maneira sentimental, completamente errada.

Quando me refiro à sensibilidade em relação ao ambiente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, às graças, etc., entendo a sensibilidade reta, pela qual o homem tem um conhecimento por conaturalidade.

Em geral, quando se fala de conhecimento, tem-se em vista somente o racional — tão nobre, elevado, digno —, entretanto, julgo necessário frisar o conhecimento adquirido pela sensibilidade para entender que nesse conjunto — razão e sensibilidade — encontra-se a cognição completa. O querer bem é, portanto, ver e entender outrem assim, por conaturalidade. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/2/1986)

Revista Dr Plinio 213 (Dezembro de 2015)

 

1) Do latim: Asperge-me com o hissopo e serei purificado, lava-me e ficarei mais alvo do que a neve.

2) Do francês: vermezinho e miserável pecador.

A hierarquia na criação

Desde um grão de poeira até o mais elevado dos anjos, toda a criação saiu das mãos do Onipotente numa esplêndida harmonia que rege o relacionamento entre as criaturas. Separado desse  conjunto hierárquico, nada é perfeito no universo. Dr. Plinio nos comenta um belo texto de São Tomás de Aquino, o Doutor Angélico.

 

Em anterior exposição tratamos da errônea concepção de um universo como algo fechado, do qual estariam ausentes a intervenção divina e a assistência dos anjos.

Ora, São Tomás condena essa visão, que muitos têm de modo subconsciente, ao discorrer sobre o papel dos espíritos angélicos nos planos de Deus. Pergunta ele se os anjos foram criados antes do  mundo corpóreo, e responde com argumentos tais que deles se espargem centelhas de luz.

O anjo mais elevado se relaciona com a menor coisa na Terra

Assim, afirma: Sobre o assunto, dupla é a opinião dos santos doutores, sendo mais provável a que ensina terem sido os anjos criados simultaneamente com a natureza corpórea. Não  simultaneamente com o homem, porque este foi criado depois da natureza corpórea. A razão:

Pois os anjos fazem parte do universo. Quer dizer, há um só universo e não dois, que nunca se tocam e são alheios um ao outro, como o ensino corrente insinua.

Não constituindo um por si, mas concorrendo, com a criatura corpórea, para a composição do mesmo universo. Portanto, a coisa mais simples na Terra — uma bandeja, por exemplo, como a que  se acha ao meu lado durante esta exposição — constitui um só universo com o mais alto dos anjos que está diante de Deus e O contempla face a face.

Que significa “constituir um só universo”? Os seres existem em cadeia, em inter-relação constante e formam uma única e bela ordem. Por mais admirável que seja o Serafim, a beleza da ordem que há nele é realçada, por exemplo, pela existência da bandeja. Ainda que esta fosse feia, o realce se daria por contraste. Vemos, então, como a idéia da separação dos dois mundos é falsa.

Separado do todo, nada é perfeito no universo

Prossegue São Tomás: O que bem se verá, considerando a ordem de uma criatura em relação à outra, pois a ordem das coisas entre si é o bem do  universo. Portanto, toda criatura se relaciona com outra, e essa correlação entre todas constitui a beleza e o bem do universo. Ora, a bandeja e o anjo são criaturas; logo, a maior beleza não está  nem somente neste, nem apenas naquela, mas na relação anjo-bandeja, que talvez não seja facilmente compreensível por nós, porém o é por Deus, e essa formosura O encanta.

Ora — diz São Tomás — nenhuma parte do universo é perfeita separada do todo.

Há pessoas que consideram o Apolo do Belvedere ou a Vênus de Milo, por exemplo, como tendo rostos perfeitos. Imaginemos o nariz de Apolo ou o de Vênus, esculpido numa parede… Um nariz  absoluto é um monstro absoluto. Ele será bonito por causa de sua harmonia com o conjunto da face. Ninguém dirá de um nariz cortado e lançado no chão: “Que lindo nariz!”, nem de um olho que   foi arrancado de um semblante: “Que linda cor tinha esse olho!”. Isolados, nariz e olho causam horror, enquanto que podem causar admiração quando vistos no todo de uma face.

O pensamento de São Tomás assim se explica: se todas as coisas estão agora nessa relação, o perfeito é que sempre tenham estado, porque a obra de Deus é perfeita.

Logo, Ele criou o mundo angélico e o corpóreo ao mesmo tempo.

A necessária desigualdade entre os seres

Outros argumentos há pelos quais essa sentença se demonstra.

Segundo a opinião de São Tomás de Aquino, a direção dos astros, por exemplo, corresponde aos anjos. E tal fato ocorre por uma necessidade que está na ordem das coisas estabelecida por Deus. Noutra parte, São Tomás explica ser próprio daquele que é mais governar quem é menos. E quando o superior não tem junto de si o inferior, essa ausência lhe é de algum modo prejudicial. Consideremos alguns exemplos.

É próprio de um professor ensinar. Aposentando-se bruscamente, ele sofre por falta de alunos. Não só o mestre é necessário ao discípulo, mas este é necessário àquele. Um músico se apresenta em  oncertos, não apenas por interesse financeiro, pois se fosse rico, ficaria em casa, tocando para si mesmo. Ora, é próprio do homem que sente algo, precisar de alguém a quem comunique seu sentimento. E quem sente mais coisas excelentes, deseja transmiti-las aos que sentem menos e de modo menos perfeito. Essa é a ordem adequada das coisas.

Suponhamos que esse músico fosse o único homem a ouvir, numa humanidade que ficou surda. Só ele apreciaria suas melodias. Resultado: o artista começaria a fenecer e morreria vinte anos mais cedo que o normal, porque ninguém compartilharia com ele os sentimentos e os enlevos pelas suas composições.

Ora, diz São Tomás, os anjos inferiores são espíritos excelentes feitos para mandar nos homens. E o universo angélico seria mal construído se não houvesse pessoas sob a direção dele. Portanto, devemos compreender, com alegria, que somos necessários para nossos anjos da guarda, assim como estes o são para nós. Essa relação se repete entre os seres animados. Os homens precisam dos  animais e dos vegetais para exercer seu mando. E faz parte da natureza animal a necessidade — material, instintiva e não espiritual — de vegetais para se alimentar. Os vegetais, por sua vez,  precisam dos minerais; e estes não necessitam de outros seres para existirem, pois constituem o andar térreo onde o universo se fecha.

Em tudo isso vemos a sabedoria de Deus, cuja obra criadora pode ser comparada a um belíssimo colar: cada um de nós, sendo fiel à graça, é uma pedra preciosa intermediária nessa jóia.

Sentindo a ordem do universo no ato de pisar

Falamos em pedra, e nosso pensamento, por uma natural associação de imagens, evoca a ação do homem de pisar no solo. Recordo-me de que, certa feita, ao visitar a capela de uma fazenda, senti  particular comprazimento em tocar a terra e a vegetação rasteira do campo, o que há tempos não me era possível fazer devido ao desastre de automóvel que me tolheu alguns movimentos.

Naquela  ora, porém, senti esse gosto em pisar no chão, dizendo para mim mesmo: “Como é razoável e de acordo com a ordem do universo esse prazer meio indefinido que sinto”. Eu caminhava  em espírito de meditação, e cada passo que dava me fazia sentir essa ordem, incutindo maior alegria em minha alma ao entrar na capela.

Um hino à boa ordem

Nessa linha, lembro-me ainda de outro fato. Em uma de minhas viagens à Espanha pude acompanhar uma apresentação de sapateado, e admirei de modo especial um artista que dançava e pisava  firme no chão. Pensei: “Curioso, mas esse espanhol faz do solo um instrumento de percussão. Assemelha-se a um passarinho saltitando sobre a membrana de um tambor. O chão é o tambor dos  sapateadores espanhóis.”

A própria castanhola que ele tocava dava a impressão de ser o barulho do piso multiplicado com as mãos. Era um homem magro e de peito largo, e seu estilo de dançar era muito atraente. 

Continuei a elucubrar: “Gosto do sapateado desse artista; ele toca música com os pés. Sinto em mim uma consonância agradável como esse talento. Como pode o contato dos pés com o chão  produzir essa impressão musical, essa coisa borbulhante, cheia de vida?”

Saí do espetáculo levando em minha mente esse problema. Mais tarde, cogitando sobre o assunto, percebi que o ritmo com o qual ele dançava era agradável de se ouvir, e os instrumentos eram os  pés batendo no chão. Se fosse sobre um tambor, não haveria graça. O imprevisto do saltitar era o que conferia aquela sensação de leve, de infatigável, de desafiante: o artista pisa, repisa, salta, com a noção subconsciente de que todas as coisas devem ser ordenadas. Aquela dança, no fundo, é um hino à boa ordem.

Em última análise, como acima consideramos, isso tem uma explicação tomista. Sendo o chão o mais elementar na criação, foi feito para ser calcado. E ao pisá-lo, o homem exerce sua vontade de  governar, próprio de todo ser superior em relação ao inferior, por amor à boa ordem.

A alegria de todo ser está em cumprir seu fim último

Para concluir essas reflexões, voltemos nossa atenção para um outro ponto.

Quando eu estudava no Colégio São Luís, um professor jesuíta levantou a seguinte questão, relacionada com o tema aqui abordado. Dizia ele: “Todo mundo tem alegria em realizar sua própria  finalidade. Ora, a finalidade de certos animais é servir de alimento para o homem ou para outros animais. Pergunta-se: se uma galinha raciocinasse, na hora de ser morta e deglutida, ela se sentiria  eliz?”

Reconheçamos que esse professor apresentava questões sutis… Ele não respondeu, o que, aliás, no bom sentido da palavra, acho muito jesuítico. Parece-me que, às vezes, pode ser pedagógico  fazer perguntas que despertem curiosidade no aluno, com nobre apetite de conhecer a solução, dizendo-Lhe: “Leve essa questão para casa e venha me falar disso daqui a um mês, se quiser.” Seja  como for, o assunto da galinha ficou-me na cabeça e resolvi não perguntar ao padre, mas tentar encontrar a resposta. Cheguei à conclusão de que ele havia construído uma hipótese absurda, porque um ser intelectual não pode querer ser comido. E senti que essa resposta causava bem-estar à minha alma.

Segundo o raciocínio normal, haveria duas soluções: ou a ave teria horror ou gostaria de ser tomada como alimento. À primeira, poder-se-ia objetar: ela não está realizando seu fim? E à segunda: então a galinha está radiante de contentamento…? Percebe-se que qualquer dessas soluções, especialmente a segunda, causa mal-estar. Porém, a partir do absurdo do ente intelectivo ser comido,  compreende-se que, sob certo aspecto, ele poderia gostar.

Por exemplo, o homem não gosta de morrer, porque a morte é um castigo, mas pode falecer contente pela certeza de obter o Céu. Assim, também o chão, se fosse capaz de pensar, ficaria feliz de  ser calcado pelos pés do sapateador espanhol, pois realizaria sua finalidade de ser pisado.

Perguntar-se-ia: o ser intelectivo gosta de ser pisado? Ele foi feito para ser guiado, e isso lhe agrada, não porém para ser pisado, pois seria um domínio com brutalidade, contrário à sua nobreza.  Daí se compreende nossa alegria de termos a Igreja que manda em nós, nossa felicidade por existir uma hierarquia que nos governa.

Consideramos, assim, um importante aspecto da ordem do universo, abordando o papel dos anjos como guias dos homens e de outros seres corpóreos. E quero crer que um conhecimento de  ciências naturais seria incompleto, nem atingira toda sua beleza e pulcritude, se não chegasse ao ponto em que, de algum modo, se percebesse o “sinal digital” do anjo sobre a matéria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 10/8/1979)

Revista Dr Plinio 117 (Dezembro de 2007)

O Sacerdote perfeito

Do amor indescritível pela Igreja Católica, derivava naturalmente, na alma de Dr. Plinio, um entusiasmo respeitoso e admirativo pela mais alta das missões que um homem possa ter neste mundo: ser ministro dessa Igreja, representante de Deus na terra. Numa conferência pronunciada em maio de 1973, ele analisa sob diversos prismas a excelsitude dessa vocação, para chegar ao arquétipo  do sacerdote: Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Após os cânticos de amor e de entusiasmo que acabo de ouvir nesta sessão jubilar, toca-me a mim fazer uma conferência, cabe-me apenas falar. Dura tarefa, malcompensada pelo que tem de realmente formoso o assunto, uma vez que devo entreter os vossos espíritos durante um tempo que terá o mérito de ser breve a respeito de um tema que, a ser bem analisado, contém em si todas as belezas da terra. Eu devo falar a respeito da plenitude do sacerdócio.

Adão no Paraíso, príncipe do mais belo dos reinos

E esta consideração me leva à noite dos tempos, a uma digressão histórica que pega o homem no período, talvez, mais crucial e mais duro de sua história. Nós imaginamos ho-

je que estamos aos bordos, talvez, de  uma  catástrofe sem precedente. Não nos lembramos de que uma catástrofe houve maior do que todas as catástrofes, uma catástrofe houve que marcou logo, desde o início, a história do gênero humano. Aquela catástrofe narrada pelo Gênesis, da desobediência do homem que, tentado pela mulher, tentada pela serpente, duvidou de Deus, revoltou-se contra Ele, não quis seguir os destinos que Deus lhe assinalara e por isso foi expulso do paraíso.

Príncipe do mais belo e mais encantador dos reinos, colocado como senhor de toda a natureza visível cujos segredos ele conhecia perfeitamente e sobre a qual exercia um misterioso império; confortado pelos dons preternaturais que lhe asseguravam, entre outros (benefícios), a imortalidade, Adão pecou, Eva pecou, saíram do paraíso, deixaram aquela terra de bênção e de eleição onde, segundo diz o Gênesis, Deus passeava com Adão, comentando todas as belezas que Ele havia criado.

Saíram daquela terra de eleição e entraram para a terra do exílio. Os dons preternaturais deles se retiraram. A natureza humana, desamparada diante de um ambiente sobre o qual não tinha mais governo, que não mais dominava, sentiu-se apoucada, diminuída, ameaçada pela justa cólera de um Deus que tinha sido ofendido. E com o homem, na terra do exílio penetraram a apreensão, a dor, o sofrimento, a incerteza, seguida, não tanto tempo depois, da imagem terrífica da morte.

O fratricídio de Caim

Adão e Eva que se sabiam, então, destinados à morte, antes de morrerem passaram por esta tragédia terrível de ver o filho da bênção, o filho da predileção, Abel, o doce Abel, o justo, o magnífico, prostrado no chão, morto! Eles nunca tinham visto um morto! Não tinham a idéia plena, talvez, do que fosse a morte, porque aquilo que não se vê, não se conhece inteiramente. E morto por quem? Morto por um outro filho. O fratricídio ignóbil derramando no solo o sangue do justo que, segundo diz a Bíblia, subia até o céu bradando a  Deus por vingança.

E nós podemos imaginar o trágico do primeiro funeral na terra: Eva soluçando, Adão batendo no peito, Caim desvairado sumindo ao longo dos caminhos, os outros filhos abrindo em qualquer lugar a esmo, na terra, uma cova. Fechase a sepultura, encerra-se a história de Abel…

Faz-se o vazio na terra imensa, e a humanidade começa a sua enorme peregrinação, com este sentimento duplo: de um lado, o da própria finitude, o homem vai morrer, morrerá como morreu Abel, será um cadáver como foi Abel, a terra o devorará como está sendo devorado o cadáver de Abel; de outro, o sentimento de precariedade, de incerteza, a natureza revoltada, os animais que agridem, as trovoadas que caem, o alimento difícil de extrair do chão. Tudo somado, dá ao homem uma dificuldade de se orientar na vida, que marca a fundo a existência da humanidade dos filhos de Adão ao longo dessa trajetória que nos conduziu de tragédia em esplendor, de esplendor em tragédia, de esperança em frustração, de frustração em vitória que se arrebenta em novas frustrações; conduziu-nos até este século XX, ápice, ele mesmo pelo menos a seu modo de esplendores, de frustrações e de tragédias.

Diante da infinitude e do mistério, a noção de sacerdócio

Essa posição de finitude e de incerteza do homem diante da sua vida terrena acendeu duas concepções distintas de sacerdócio. Concepções estas que nós encontramos em duas famílias diversas de religiões pagãs.

Em primeiro lugar, as religiões ditas religiões sem mistérios, que correspondem, quiçá, a uma família de almas do gênero humano: as almas mais voltadas para esta terra, que não negam diretamente a existência de uma outra vida, e nem dela se desinteressam, mas que de tal maneira se deixam impressionar pelo dia de amanhã, que o centro de suas preocupações se volta para os afazeres terrenos.

Então os senhores têm, talvez correspondendo a essa família de almas, o aparecimento das religiões ditas sem mistérios. Religiões em que o sacerdote aparece como um mediador entre os deuses e o homem é esta, sempre, a nota característica da noção de sacerdote: é um intermediário entre Deus e os homens -, mas de um mediador que, embora com os olhos voltados para o céu, tem missões caracteristicamente terrenas.

Quais são as missões do sacerdote nas religiões pagãs sem mistérios?

O sacerdote é revestido de poderes mágicos por onde faz crer que ele tem o poder de curar, de matar; tem o poder de, por meio de encantamentos e de sortilégios, governar os trovões, aplacar as feras, etc.

O sacerdote resolve, portanto, problemas humanos: ele executa curas, ele pratica mortes, sendo instrumento de vingança, ele governa os elementos.

Vemos aí uma vaga saudade que o gênero humano tem, nesta decadência, daquele domínio que ele exercia sobre a natureza, quando Adão ainda não havia caído. A nossa natureza pede esse domínio. E os sacerdotes do paganismo, da gentilidade, para satisfazer a esta necessidade de domínio, assim se apresentavam aos homens.

E daí o tipo de sacerdotes exorcistas que enxotam os espíritos malignos capazes de atrapalhar o homem na sua faina diária, de arruinar as colheitas, de espalhar doenças, de fazer fugir o gado, etc.

É também o sacerdote sacrificador, o sacerdote que imola, o sacerdote que diante da vista do homem pecador toma uma vítima um animal, uma fruta, que sei eu? infelizmente, muitas vezes uma vítima humana e a imola para assim aplacar a cólera de um deus que o homem sente irado, brigado com ele, do qual ele tem medo, e por isso deseja de algum modo tornar-lhe propício.

Aqui aparece, então, a figura do sacerdote antigo, segundo o tipo dessa mentalidade mais voltada para os bens terrenos.

O sacerdócio comunicador da vida divina

Mas há uma outra família de almas, talvez mais rara, certamente mais elevada. É a dos homens que vivem compreendendo que, por mais importantes que sejam os problemas terrenos, eles não passam de logística; por mais importantes que eles sejam, não é para resolvê-los que o homem está na terra. São os homens que compreendem não ser a fome o problema central da vida; são os homens que sabem pensar, que param para refletir, e que, abrindo um intervalo nas justas atividades da faina diária, de vez em quando se perguntam:

Que sentido tem isto? Que sentido tem esta vida? Por que nasci? Para onde vou? Depois que eu morrer, o que será feito de mim? Não sei! Preciso indagar.

Essas questões supereminentes dominam a vida humana a qual, sem elas, é inexpressiva.

Para atender às perguntas desse gênero de espírito, a própria gentilidade, embora nos seus desvarios e nos seus erros, levada por um misto de bom senso e de tradição que ela nunca chegou a perder completamente, elabora o tipo de sacerdote de religiões de mistérios. São religiões que praticam em geral às ocultas e em geral para um número relativamente pequeno de crentes ritos que devem operar este efeito extraordinário: algo da vida da divindade passa para o sacerdote, e algo do sacerdote deflui para o público, de maneira que uma certa vida divina circula entre os que praticam e os que presenciam o rito. Vida divina esta que lhes dá mais força nas agruras desta existência, lhes dá mais luz à mente, lhes dá mais energia à vontade. Vida divina esta que se manifesta também pela magnífica promessa de que ela não terá fim. Ela veio do além, ela se insere no homem, ela criam eles não cessa com a morte do homem.

A promessa de uma outra vida, existente de modo menos categórico também nas outras religiões, afirma-se mais definidamente nessas religiões de mistérios. E as almas sequiosas de uma natureza melhor que esta, sequiosas de uma explicação mais alta para seus problemas, de uma orientação para a vida mais profunda do que simplesmente a preocupação de obter o ganho necessário para não morrer de fome, ou para satisfazer ambições e vaidades, esse tipo de almas se encaixa nessa série de religiões.

E assim, vagamente, confusamente, no meio de ritos idolátricos, por vezes abomináveis, e até satânicos, podemos discernir o filão de uma tradição preciosa, o filão do bom senso humano, como também o filão de uma esperança.

Numa noite em Nazaré, fazse a paz entre o Céu e a terra

Com efeito, todas, ou pelo menos muitas dessas religiões, eram animadas pela esperança de que um dia a paz se faria entre o Céu e a terra, um momento chegaria em que os tempos teriam a sua plenitude, e um eleito de Deus, perfeito, amado, haveria de vir ao mundo para restaurar a ordem que o pecado de nossos primeiros pais -lembrado em tantas religiões antigas nos tinha tirado.

Em determinado momento, numa meia-noite, no silêncio absoluto de uma cidade hebraica, uma Virgem tênue, delicada, cândida, trazendo nos olhos uma infinitude (de reflexos celestiais), rezava. Os tempos tinham maturado, o grau de sofrimento e de degradação da humanidade tinha chegado a um ponto tal, que a misericórdia de Deus criara esta Virgem para que Ela, imaculada, conseguisse o que nenhum homem pecador conseguiria: pedir e alcançar a vinda do Messias. E Ela pedia precisamente que viesse o Salvador e que regenerasse todos os povos. O Messias previsto pela raça judaica, que deveria nascer de alguém da estirpe de David, da estirpe de que Ela mesmo nascera, e a que pertencia o seu casto esposo José. Ela rezava na calada da noite, pedindo que esse Messias viesse, e pedia segun-

do piedosas tradições que fosse Ela a escrava, a servidora da mulher bem-aventurada de que esse Messias haveria de nascer.

De súbito, se produz pelos ares um movimento misterioso; algo como um bater de asas, como uma movimentação, como uma vibração diáfana, como uma cintilação da lua marca o ambiente. Ela olha e ouve as palavras tão conhecidas: “Ave, cheia de graça”…

Nasce o Sacerdote perfeito: Nosso Senhor Jesus Cristo

Apenas nós sabemos que depois de Ela ter dito: “Faça-se em mim segundo a palavra do Senhor, sou a servidora d’Ele”, o Verbo se encarnou e habitou entre nós. E veio à terra Aquele que, por excelência, no sentido mais pleno da palavra, no sentido arquetípico da palavra, seria o sacerdote: Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sacerdote no sentido pleno da palavra, porque se é verdade que é inerente ao sacerdócio ser um vínculo, ser uma ligação entre os homens e Deus, ninguém o poderia ser de modo mais perfeito, mais magnífico, do que Aquele que era ao mesmo tempo homem e Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, que ligava a natureza humana à natureza divina. Nosso Senhor Jesus Cristo é sacerdotal por sua própria natureza, porque Ele é o elo, Ele é o vínculo, Ele fundou o sacerdócio verdadeiro, o sacerdócio pleno, o sacerdócio cristão, o sacerdócio católico!

A paz da noite de Natal

Após ter assistido a uma representação da história do menino do tambor, Dr. Plinio explica que, por ocasião do Natal, o Menino Jesus não só recebe aqueles que O visitam na manjedoura, mas vai à procura de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e lhes diz alguma coisa que de um modo especial lhes toca o coração.

A lindíssima apresentação que tivemos aqui, desses reis magos poéticos, com seus turbantes, desse menino tão mais poético do que os reis magos, com seu chapeuzinho de cone truncado, lembrando um pouco o chapéu de São Charbel Makhluf, daqueles arenais imensos e sem fim, daquelas montanhas que não têm nome, porque o vento as faz e as desfaz. Panorama mutável do deserto, no qual se passa a infância séria, equilibrada, um pouco triste, mas profunda e alegre, daquele menino que, conforme a narração, foi educado pelo seu velho e pobre pai, pois perdera a mãe; portanto na orfandade dos carinhos que não recebeu, e na solidão dos companheiros — muitas vezes, maus — que não teve.

A realidade histórica e a realidade sobrenatural

O menino só conhecia o seu velho pai e a grandeza dos arenais do deserto; retinha um só presente que recebera do progenitor, mas fora galardoado pelo seu pai por um presente muito maior do que todos que poderia ter: a capacidade de alma de se alegrar com um só presente; isso vale mais do que ter mil presentes! E dessa situação ele tirou para si a condição de compositor. Um menino que brinca em produzir ritmos e melodias, que maravilha!

Como é bonita a figura desse menino, bem como a solução dada para o seu caso! Ele, afinal de contas, sabe do Menino Jesus e vai tocar o seu tamborzinho para o Divino Infante. É tocante imaginar o Menino Jesus, para quem os anjos, no mais alto dos Céus, estão cantando sinfonias inapreciáveis, e diante do Qual chega um menino rufando um tamborzinho. O Divino Infante abre os olhos e, com misericórdia, ouve aquele toque, se agrada e atrai aquela alma. Seria, talvez, o primeiro amigo do Menino Jesus. Que vocação maravilhosa!

Tudo isso é muito emocionante, mas se considerarmos um outro aspecto do assunto, talvez nos comovamos ainda mais. Nós temos o hábito de pensar no Menino Jesus, que estava na manjedoura, e as pessoas iam até Ele para adorá-Lo: os Reis Magos, os pastores — bem entendido, Nossa Senhora e São José —, e outros que terão passado por lá. Essa é a realidade histórica.

Mas há uma realidade teológica, uma realidade sobrenatural, que não se dissocia dessa, e é tão mais comovedora e não menos real: o Menino Jesus que, de um modo invisível, na noite de Natal, sai, digamos assim, tocando o seu tamborzinho pelo mundo afora à procura de almas, pedindo a esta, àquela, àquela outra que venham a Ele, que O amem, O conheçam, sejam d’Ele. O Divino Infante tem muito mais do que um tamborzinho para atrair os homens e encantá-los: são as sagradas e inefáveis pulsações de seu Coração.

Ao que corresponde isso de real?

Nosso Senhor se manifesta particularmente para cada um

Se deixarmos a metáfora e formos diretamente ao fato, isso tem de real o seguinte: Considerem as diversas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo; a que mais me toca — já entra nisso alguma coisa de subjetivo, de pessoal —, é o próprio Santo Sudário de Turim.

Não é Jesus Menino, mas Nosso Senhor morto. Não está nos braços de Nossa Senhora, amorosamente carregado, mas jacente no sepulcro. Todas as chagas da Paixão estão n’Ele representadas. Quando eu olho o Santo Sudário, a graça toca a minha alma — como a de todos os católicos. E, em função da minha mentalidade, da forma de virtude que nos planos da Providência devo ter, a graça me toca de um modo especial, de maneira a ver em Nosso Senhor, no seu Santo Sudário, este, ou aquele aspecto.

Então eu O aprecio, O analiso com a objetividade de uma mente, graças a Deus, sã e que vê a realidade como ela é. E aquilo tudo se ressalta de um certo modo, com certa fisionomia, certas características, que foram feitas para que eu as considerasse; de maneira que para mim, homem concebido no pecado original, o Santo Sudário apresenta uma certa forma de beleza, de atração que não mostrará para nenhuma outra alma do mundo, porque Nosso Senhor se manifesta sob um aspecto especial para cada alma.

Nenhuma alma é igual à outra, e cada uma delas, por mais humilde e modesta que seja, em um certo sentido é suprema e tem qualidades que Deus não deu a mais ninguém. Podem ser qualidades do tamanho de um centésimo da superfície de uma ponta de alfinete; mesmo assim o Criador deu somente a ela.

Assim também Nosso Senhor se manifesta a cada alma em consonância com aquilo que lhe deu, de maneira que ela ame a Deus daquele jeito. Portanto, cada homem que passe pela Terra tem a missão de adorar a Nosso Senhor Jesus Cristo, vendo um certo aspecto de sua Pessoa divina, sua santidade inefável, insondável e perfeita. Se tivéssemos aqui uma imagem d’Ele, todos estaríamos vendo a mesma imagem, mas focalizando alguma coisa, condicionada à santidade que Deus quer de cada um.

O Menino Jesus vai à procura de todos os homens

Ora, é noite de Natal. Nosso Senhor está numa manjedoura. E numa cidade católica se encontraria em todas as igrejas um presépio, e também em outros locais, em oratórios, em lugares públicos, numa vitrine de uma casa comercial especialmente adornada etc.

E um homem, que vai andando por meio de todas essas representações de Nosso Senhor Menino, é, de repente, tocado por uma delas mais especialmente destinada a ele, a qual se fixa em sua alma; ele para e diz: “Meu Senhor e meu Deus!”

Às vezes, entretanto, não é no momento. O homem para, olha e depois vai para casa. Em determinada hora, digamos, à noite, ao se preparar para dormir, lhe vem à memória aquela figura. Ele reza: “Meu Senhor e meu Deus!”

E isto mais ou menos se dá para cada homem. Numa noite de Natal aparece, de modo inteiramente definido, este aspecto de Nosso Senhor. Isto é mais subtil, mais complexo, é uma realidade de fundo. A realidade de superfície é menos marcada. A pessoa vê em quatro, cinco Natais, de quatro ou cinco anos consecutivos, uma mesma imagem, ou duas, três, ou cinco imagens diferentes. Em certo momento, na memória, essas imagens se sobrepõem e, de repente, a pessoa observa uma que tem tudo aquilo que ela sentiu nas outras; então, diz: “Ah! Meu Senhor e meu Deus! Aí está Jesus Cristo Nosso Senhor, como eu amo especialmente”.

Isto equivale a afirmar que o Menino Jesus, pela graça, visita todas as almas. E Ele faz o papel não mais daquele que recebe a visita, mas de quem vai atrás de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e os procura nessas noites. E lhes diz alguma coisa que lhes toca o coração de um modo especial.

Ao dar à luz, Nossa Senhora se encontrava num êxtase altíssimo

Há uma prova curiosa disso na canção “Stille Nacht, heilige Nacht”. Todos conhecem como esta melodia nasceu. O vigário da igreja de uma cidadezinha do interior da Alemanha e um professor compuseram a letra e a melodia dessa música, que exprimia a emoção deles diante da manjedoura. A Providência tinha preparado na alma deles uma emoção de Natal, que era para o mundo inteiro.

Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft, einsam wacht. Stille Nacht: Noite silenciosa. Heilige Nacht: Noite santa. Alles schläft: Tudo dorme. Einsam wacht: Fica sozinho acordado, isolado. Nur das traute hoch heilige Paar. O venerável e altamente santo casal.

Quem é o venerável e altamente santo casal? Quando se aproximou a meia-noite, Nossa Senhora e São José estavam em oração. Uma coisa admirável!

A Santíssima Virgem devia estar num êxtase altíssimo, como talvez místico nenhum na Igreja jamais tenha tido, quando bate nos relógios dos anjos a meia-noite. E, de um modo virginal, sem dor nem sofrimento para Ela, o Menino Jesus vem ao mundo: “Stille Nacht! Heilige Nacht”! De Nossa Senhora, virgem antes, durante e depois do parto, nasce o Menino Jesus!

Como a Santíssima Virgem e São José viram o Divino Infante

Como Ele se apresentou para Maria Santíssima? Se para cada homem Jesus tem um aspecto, como era o aspecto d’Ele para sua Santa Mãe? E para São José? São perguntas que se podem pôr. Evidentemente, eu creio não ser temerário afirmar que para Nossa Senhora, à Qual nenhuma outra criatura pode ser comparada, Ele deve ter aparecido, ao mesmo tempo, com todas as majestades, venerabilidades, todos os encantos, doçuras e afabilidades que teve para todos os homens, desde aquele momento até o fim dos tempos. Era a Mãe d’Ele, concebida sem pecado original e que nunca deixara de dar uma correspondência perfeita a cada uma das graças que havia recebido.

É claro que a Santíssima Virgem O viu e O entendeu completamente, como ninguém antes, nem depois; e que Ela O adorou totalmente. A adoração somada de todos os homens até o fim do mundo, a de todos os anjos, não dava a adoração de Nossa Senhora.

Se pudéssemos ver a São José adorando o Menino Jesus naquela noite, talvez ficássemos instantaneamente santos. Ele era o esposo de Nossa Senhora, o que mais se pode dizer? É possível haver honra maior do que ser o esposo, o alter ego, o outro eu mesmo de Nossa Senhora, o pai adotivo do Filho de Deus?

Pode-se imaginar o que nos ocorreria na alma só de ver, por uma fresta das pedras da gruta, São José rezar? Acho que qualquer um de nós podia se converter e tornar-se um grande santo. Acho que só de ouvirmos o respirar de Nossa Senhora, e sentirmos que seu Coração Sapiencial e Imaculado pulsava mais forte porque ali estava o Menino Jesus, nós nos converteríamos. Cada pessoa é chamada a adorar o Menino Jesus de um modo especial

Pois bem, se foi assim para Nossa Senhora, para São José, em proporções menores é para todos os homens. E nos dias que precedem o Natal, que já vêm ungidos com uma alegria natalina, a graça começa a nos trabalhar.

Ouvindo o Stille Nacht, vendo tal ou qual imagem do Menino Jesus, sentimos de um modo um pouco diferente. É Ele que vai atrás do coração de cada um de nós. E, sem percebermos, diz pela voz da graça no fundo de nossa alma: “Meu filho, assim sou Eu para você. Adore-Me, porque desse modo nenhum outro homem Me adorará.”

Percebe-se a beleza que há nisso, e como Nosso Senhor pode ser comparado àquele menino do tambor, neste sentido: o menino foi atrás d’Ele; Jesus vai procurar todos os homens, meninos ou velhos, grandes ou pequenos, sábios ou ignorantes, pecadores — e às vezes pecadores imundos —, e toca seus corações dizendo a cada um: “Meu filho, não queres vir a Mim? Pelo menos desta vez, neste instante, deixe-Me te comover um pouco! Aqui estou Eu à tua procura, no interior de tua alma.”

Esse é o sentido profundo da noite de Natal. Aquele palpitar das almas nessa solenidade é uma manifestação da graça obtida por Ele. E é por essa graça, a qual devemos pedir por intermédio da Virgem Maria, que nossas almas pulsam de um modo especial na noite de Natal.

Eu imagino o Menino Jesus apresentando-Se ao olhar de Nossa Senhora e de São José já com os braços abertos em forma de cruz. Podemos ver nisso o prenúncio não só do santo sacrifício do Calvário, mas das Missas incontáveis que, na noite de Natal, pela Cristandade inteira, e por toda a Terra, se celebra e as pessoas que vêm porque Nosso Senhor as atraiu, falando-lhes na alma de modo especial e que depois voltam para casa com algo que não percebem claramente, mas que é uma especial mensagem do Menino Jesus para elas.

Reúnem-se em torno de uma mesa, e todos estão de acordo, em harmonia entre os vários aspectos do Menino Jesus, que estão presentes na alma de cada um. Forma uma espécie de sinfonia, e esta é a paz da noite de Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1984)
Revista Dr. Plinio 177 – Dezembro de 2012