Castelos de Espanha

Fronte erguida, olhar distante, característico de quem está meditando em horizontes sublimes; a ressequida mão estendida de modo firme, própria do homem que, sem se abaixar nem se rebaixar, assim recorre à caridade alheia: “Se tiver o que me dar e quiser fazê-lo, dê-me por amor a Deus. Porque dEle eu sou filho e, portanto, mereço que me socorram com aquilo de que necessito. Quer me dar uma esmola, pelo amor de Deus?”

Esse perfil do mendigo espanhol, superiormente retratado pelo escritor Antero de Figueiredo, revela muito bem a altivez e a dignidade com que a mendicância tinha lugar na terra do Cid   Campeador e de Santo Inácio de Loyola. É este o mesmo senso da grandeza e da respeitabilidade que permite aos mais subidos nobres espanhóis usarem um belíssimo título: Grande de Espanha.

Quando se ouve semelhante denominação honorífica, tem-se quase a impressão de que seu portador é um ente fabuloso: Fulano de tal, Duque e Grande de Espanha!

Uma alma verdadeiramente católica, que sabe admirar e amar as diferentes qualidades postas por Deus nos diversos povos do mundo, rejubila-se com esse senso da grandeza, tão distintivo dos nobres, dos guerreiros, dos santos e dos mendigos de Espanha.

E dos seus castelos. Sim, essa ideia da própria magnificência se acha presente também nos castelos espanhóis, de tal maneira que, para se referir a alguém que estivesse arquitetando sonhos e inalcançáveis anelos, cunhou-se nos vários idiomas europeus a expressão: “construindo castelos em Espanha”. Quer dizer, edificações formidáveis, miríficas, inexistentes, mas das quais os castelos de Espanha se aproximam de algum modo, dando a ideia de um ambiente onde o tal sonhador quereria viver. Daí alguns imaginarem o castelo na Espanha mais ou menos como os antigos concebiam o Olimpo…

Na verdade, sonhos postos à margem, certos álbuns de castelos da Espanha nos fazem conhecer variados  aspectos da grandeza dessa nação. As fortalezas neles retratadas são tão altivas, tão  altaneiras — e altanaria não quer dizer orgulho, e sim noção do próprio valor e dignidade — são tão corajosas, têm torres tão feitas para avistar ao longe o atacante mouro, que realmente encantam.

É curioso notar que esse modo de ser tem igualmente seu reflexo na vida de família dos espanhóis. Ou seja, a par de um elevado grau de carinho cercando os membros de uma mesma casa, a autoridade paterna conserva algo da supremacia do antigo castelão e senhor feudal junto aos seus vassalos. O pai quer ser inteiramente respeitado, e o filho se compraz em devotar-lhe essa completa deferência. As fórmulas de afeto e de cortesia existem, porém sempre envoltas nesse panejamento de dignidade e de incontestável força paterna, em virtude do que o filho não se atreve a  discutir com o pai, e menos ainda a ridicularizá-lo com algum gracejo.

É o hispânico senso da grandeza, que deste modo enobrece as relações domésticas.

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Trata-se do mesmo senso que envolve de uma aura mítica as antigas fortalezas ibéricas. Ora é um castelo que se diria inexistente. De fato, ele está ali; mas, se fôssemos idealizar uma construção fabulosa, mirífica, imaginaríamos algo como ele. É um castelo cujos vários aspectos são realizações de sucessivos desejos de algo mais belo, mais grandioso, mais extraordinário. Insaciáveis aspirações que, por fim, se concretizam em admirável conjunto: um castelo de Espanha!

Ora são panos de muralha erguidos num ambiente que a natureza lhes tornou particularmente adequado, sob um dossel de nuvens volumosas, inconstantes, e em meio a um cambiante jogo de luz que lhes confere uma aparência fugidia, deixando-lhes partes profundas meio escuras, e outras muito iluminadas.

Por vezes resta apenas uma ruína. Mas, que força maravilhosa tem essa ruína! Em vez de incutir pena, ela sugere a ideia da grandeza que outrora possuiu. Ela faz reviver um esplendoroso passado, tão magnífico que se pode perguntar se essas pedras derruídas não nos levam a imaginar um passado mais bonito do que este foi na realidade.

Entretanto, é o próprio das coisas que tiveram seus dias de grandeza: todo o seu passado permanece como uma espécie de imensa cauda que desce do Céu até elas. É a continuidade histórica, é o que foi e, uma vez extinto, deixou sua lendária memória no espírito humano: “Fui. Não sou mais. Contudo, se eu fui o que deveria ter sido, de algum modo para sempre o serei!”

Quem, pois, não se toma de respeito diante dessas ruínas? Elas também foram, e continuam sendo, castelos de Espanha…