A glória excelsa de Maria Santíssima

Por mais grandiosa que seja a Criação, há entre as meras criaturas e Nosso Senhor Jesus Cristo um abismo infinito. A Santíssima Virgem é o grampo de ouro que une toda a Criação ao Divino Redentor.

 

Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças. Portanto, através d’Ela sobem a Deus todos os pedidos feitos pelos homens e vêm todos os favores concedidos pela Divina Providência.

Princípio da gradatividade

Para entender bem a importância de Maria Santíssima na Doutrina Católica é preciso compreender, antes de tudo, o papel de Nossa Senhora nos planos de Deus, Quem é Ela e qual sua fisionomia espiritual.

Quando observamos a natureza material que nos circunda — os bonitos panoramas, a mudança de cores e de luz durante o dia, etc. —, notamos serem frequentes formas de beleza, as mais excelentes, que se manifestam por meio de tonalidades intermediárias.

Por exemplo, o arco-íris: ele é composto por uma série de tonalidades intermediárias que combinam entre si e se sucedem, não de um modo brusco, mas harmonioso. Quando contemplamos os dois extremos de um fragmento do arco-íris, percebemos que, através de cores intermediárias, Deus fez a ótica humana passar harmoniosamente de um extremo de uma cor ao extremo de outra. Nessa conjugação de dois extremos, através de formas intermediárias de beleza, está verdadeiramente o encanto do arco-íris.

Nota-se algo semelhante em certas flores cujas pétalas vão mudando gradativamente de cor à medida que se distanciam da corola.

O princípio da gradatividade é um dos mais belos da natureza, segundo o qual todas as coisas se dispõem em graus. Há uma harmonia constituída de elementos diversos que se justapõem, fazendo-nos passar de um extremo a outro paulatinamente.

Ao avaliar colares, por exemplo, os joalheiros dão muita importância a este princípio. Há colares compostos por pérolas de diferentes tamanhos, nos quais as pérolas bem pequenas ficam junto ao fecho e, à medida que se aproximam do centro, elas vão aumentando sucessivamente, até dar numa pérola bem grande. É preciso que a diferença de uma pérola para outra seja proporcional. Esses graus sucessivos e harmônicos dão tal beleza ao colar a ponto de os joalheiros darem, muitas vezes, mais valor a um colar com pérolas de tamanhos diversos e gradativos, do que um colar onde todas as pérolas são grandes e iguais. Aliás, é mais difícil encontrar uma série de pérolas com tamanhos inteiramente adequados, e há uma forma de beleza mais artística nessas pérolas que formam, assim, uma coleção, do que um conjunto de pérolas grandes circundando o pescoço de uma senhora.

Observa-se este mesmo princípio em toda a natureza criada.

Minerais, vegetais, animais

Tomemos o brilhante mais estupendo, ou a pérola mais magnífica, e o comparemos com uma folha de alface, a mais ordinária que possa haver. Embora o brilhante tenha uma beleza extraordinária e um preço enorme, a folha de alface possui um predicado que deixa o brilhante longe: ela tem vida. Qualquer ervinha vale, do ponto de vista ontológico, incomparavelmente mais do que o brilhante.

Subindo a escala dos seres, a superioridade de um animal em relação a uma planta é simplesmente fabulosa! Pelo fato de que o animal tem sensibilidade e a planta não.

Se nos dermos ao trabalho de examinar, por exemplo, um gato andando sobre um telhado, veremos o mundo de finura e sensibilidade empregadas pelo felino. Cada passo é dado com “critério”; ele olha em volta de si e, quando percebe que a situação não é muito segura, não se precipita; examina, move um pouco a orelha, e quando está muito “preocupado” ele mia. Um gato só se joga quando percebe que pode jogar-se. Então, ele dá o pulo, cai com naturalidade e sai andando como se não tivesse acontecido nada; e às vezes são alturas vertiginosas! É uma sensibilidade muito aguda, muito perfeita, que o gato tem. Para algumas coisas, é mais perfeita do que a sensibilidade humana.

Comparem isso com uma árvore frondosa que deita galhos enormes onde pousam os pássaros, e cobre grande extensão de uma planície. Sem dúvida, é uma glória; mas que cativeiro! Ela está atada ao chão pelas raízes, incapaz de se defender. O próprio solo, do qual a árvore suga os elementos vitais, é a prisão onde ela permanecerá até morrer.

O ser humano, miniatura do universo

Acima dos animais estão os seres humanos, compostos de espírito e matéria e também dispostos hierarquicamente. Em seguida vêm os anjos, seres puramente espirituais.

Quando examinamos o universo dos seres intelectuais — homens e Anjos — notamos existir também uma gradação.

Os Anjos estão distribuídos em nove categorias dentro das quais não há um igual ao outro. Se fôssemos representar graficamente o mundo angélico, deveríamos imaginar, no caso dos Anjos bons, uma fileira fabulosa de espíritos, cada vez mais lúcidos, mais fortes, mais virtuosos e mais próximos de Deus, até chegar aos supremos, os Serafins que têm uma visão mais clara e direta do Altíssimo do que todos os outros Anjos, e repetem eternamente o “Sanctus”: “Sois Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos Exércitos…”, aquela adoração muda e, ao mesmo tempo, feita continuamente de exclamações, no mais alto de toda a série dos Anjos.

Vemos, portanto, em todo o universo uma gradação: os seres sem vida, minerais; os vegetais, seres vivos sem nenhuma forma de conhecimento; os animais, com conhecimento meramente instintivo; os homens, dotados de conhecimento instintivo e intelectivo, mas ainda imersos na matéria; os Anjos, pairando acima da matéria. Assim, há uma escala que vai da última pedra, ou da poça de lama mais ordinária até Deus Nosso Senhor, por meio de uma gradação magnífica, na qual há uma hierarquia e uma harmonia extraordinárias.

Outro aspecto deste princípio é a ideia de que em todos os conjuntos hierarquicamente constituídos deve haver um elemento máximo, em torno do qual se ordena a beleza de todos os outros.

Quando nos perguntamos qual é o mais alto desses seres criados, devemos naturalmente dizer que é um Serafim. Mas as obras de Deus são cheias de subtilezas, entre as quais esta:

Sem dúvida, no alto da hierarquia das criaturas temos os Serafins, mas é verdade também que o homem apresenta uma qualidade especial: só ele contém em si o universo inteiro. Nós temos espírito como os Anjos, corpo como os animais, vida vegetativa como as plantas, e materiais tirados do mundo mineral. O homem é uma espécie de miniatura do universo.

Diz a Bíblia que Deus, depois de ter criado todos os seres, viu que cada um deles era bom, mas o conjunto era ainda melhor. E se é verdade que o Anjo é superior a nós por ser puro espírito, poderíamos, forçando um pouco a nota, dizer a ele, depois de lhe ter feito, evidentemente, uma profunda reverência à qual ele tem direito: “Vós sois incomparavelmente mais nobre do que nós, enquanto puro espírito. Contudo, o conjunto, em nós, está representado mais adequadamente do que em vós”.

Trata-se de um aspecto da realidade, cuja enorme importância no plano da Criação veremos a seguir.

Com a Encarnação do Verbo toda a Criação uniu-se a Deus

Como explica a Teologia, uma das razões pelas quais convinha que a união hipostática se desse com a natureza humana é precisamente o fato de que Deus, unindo-Se a um homem, honrava de modo especial todos os graus da Criação. É tão grande a dignidade de sermos um compêndio de toda a Criação, que motivou essa honra especial a qual o Verbo de Deus quis nos dar: Ele Se fez carne e habitou entre nós. Creio que Ele Se teria feito carne e habitado entre nós ainda que não tivesse havido o pecado original, para assim, na sua misericórdia, honrar todas as criaturas.

Vemos, por estas considerações, quanto é belo e piedoso o pensamento expresso por diversos autores segundo os quais, quando Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, houve uma alegria em toda a natureza, e esta se revestiu de um novo esplendor: os astros brilharam com mais intensidade, o ar tornou-se mais puro, as águas das fontes ficaram mais cristalinas, as plantas tomaram maior viço, os animais se alegraram e se tornaram mais saudáveis; os homens bons adquiriram mais esperança. Por quê? Porque vinha ao mundo Aquele que, sendo o próprio Deus, ligara a Si todo esse conjunto por meio da natureza humana.

Quando olharmos a menor das pedras, a menor das plantas, o menor dos bichos ou o menor dos homens, devemos pensar isto: a natureza deles está, de algum modo, presente em Nosso Senhor Jesus Cristo e, assim, ligada a Deus, participando de sua glória no mais alto do Céu, no oceano de esplendor de santidade da Santíssima Trindade.

Um abismo preenchido pela Santíssima Virgem

Contudo, pelo mesmo princípio de gradatividade acima mencionado, o espírito humano, sequioso de ordem e de razoabilidade em todas as coisas, busca um ser que preencha o abismo infinito ainda existente entre Nosso Senhor Jesus Cristo e a mera Criação: um ser tão próximo do Homem-Deus, que estivesse acima dos Anjos; mas que, sendo pura criatura humana, englobasse também todas as demais naturezas.

Esse ser é precisamente Nossa Senhora. Ela foi colocada numa altura insondável, e numa plenitude de glória, de perfeição e de santidade inimagináveis. Acima d’Ela está somente seu Divino Filho e a Santíssima Trindade.

Por um mistério também insondável, Maria Santíssima gerou virginalmente Nosso Senhor Jesus Cristo, permanecendo virgem antes, durante e depois do parto por ação do Espírito Santo, de Quem se tornou, assim, verdadeira esposa.

A dignidade de ser Mãe do Verbo encarnado, Esposa do Espírito Santo e Filha dileta do Pai eterno coloca-A, embora sendo uma criatura puramente humana, acima dos Anjos.

Criada com a missão de obter a vinda do Messias

Dante, na “Divina Comédia”, depois de ter passado pelo Inferno e pelo Purgatório, percorre os vários círculos dos bem-aventurados no Céu. Quando chega aos mais altos Serafins, vê acima deles Nossa Senhora que sorri para ele. Então, ele olha para dentro dos olhos de Nossa Senhora e ali contempla o reflexo da Santíssima Trindade.

Depois de ter contemplado os olhos celestes e virginais de Maria Santíssima, resta apenas ver a Deus face a face, no Céu. O olhar humano chegou tão alto quanto podia chegar. Fitou o olhar puríssimo, sacratíssimo, sumamente régio e indizivelmente materno de Nossa Senhora! A mais alta das cogitações humanas foi feita, a “Divina Comédia” terminou.

Esta concepção nos faz ver que o princípio da gradatividade por mim enunciado comporta uma aplicação excelente em Nossa Senhora. Porque Ela é o grampo de ouro que liga toda a Criação a Nosso Senhor Jesus Cristo, colocada no alto de todo o universo e contendo em Si toda a beleza das meras criaturas.

Qual é o papel dessa criatura tão excelsa em relação a nós? Qual é a missão de Nossa Senhora na história de cada homem e na História da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, ou seja, no centro da História da humanidade? Porque o centro da História da humanidade é a História da Santa Igreja Católica.

A Santíssima Virgem sempre foi representada como estando em oração, no momento em que recebeu o anúncio do Arcanjo São Gabriel.

Sem dúvida, Ela pedia a vinda do Salvador que haveria de resgatar a humanidade e fundar a instituição a qual dispensaria a graça de Deus em tal abundância, que os homens afinal se tornassem, mais frequente e facilmente, virtuosos e, assim, a verdade, a beleza, o bem, a grandeza, o amor de Deus pudessem constituir-se no mundo e levar as almas ao Céu.

Nenhuma outra criatura humana tinha valor e virtude suficientes para impetrar e alcançar tal graça. Assim, Ela foi criada especialmente com a missão de obter a vinda do Messias esperado.

Seus sofrimentos durante a Paixão

Em certo momento, a Virgem Santíssima recebeu a revelação da Paixão pela qual passaria seu Divino Filho e dos sofrimentos atrozes que viriam sobre Ele e sobre Ela. Nossa Senhora deveria padecer em união com Aquele que sofreu como nunca nenhum homem tinha sofrido e nem sofreria até o fim do mundo. À “Passio” — Paixão — de Jesus se uniria a “compassio” — a compaixão, o “co-sofrimento” — de Maria.

Para que os homens pudessem ser salvos e dar glória a Deus, Ela consentiu em ser a Mãe do Redentor e suportar esses tremendos sofrimentos.

É possível conceber o que Nossa Senhora sofreu durante a Paixão?

Imaginemos o que sentiria qualquer mãe que, andando pela rua, ouvisse de repente um alarido e, aproximando-se, visse seu filho sendo chicoteado, deitando sangue por todos os poros, padecendo dores indizíveis, carregando uma cruz, objeto da selvageria de um populacho brutal, vil, dando risada dele, dizendo atrocidades e levando-o, junto com essa cruz, para ser crucificado e morrer no mais horroroso dos martírios, no alto de uma montanha.

Essa mãe desmaiaria, ficaria psicótica, louca, conforme o caso poderia até morrer.

Ora, Nossa Senhora queria a Nosso Senhor Jesus Cristo incomparavelmente mais bem do que qualquer mãe possa querer a seu filho. Em primeiro lugar, porque Ela é a melhor Mãe que houve e haverá; mas também porque Ela teve um Filho incomparavelmente melhor do que qualquer outro.

É difícil imaginar a graça e encanto manifestados por Nosso Senhor como Filho: todo o respeito, a ternura, a veneração, a delicadeza, a grandeza! Como terão sido os trinta anos de intimidade entre Ele e Nossa Senhora, durante os quais Ela O viu crescer em graça e santidade diante de Deus e dos homens e amou, com amor perfeito, cada estágio da perfeição d’Ele que ia se desenvolvendo? Qual era o abismo de adoração no qual Ela se desfazia em relação a Ele?

Pois bem, Ela vê esse Filho, o próprio Deus, a própria Santidade, tratado assim por aquele populacho!

Quando Ela teve o encontro com Ele durante a Via Dolorosa, quando O abraçou, O osculou, e recebeu a glória enorme de ter o seu rosto virginal e sua túnica tintos com o Sangue divino; quando Ela recolheu os gemidos d’Ele, e foi a seu lado subindo até o alto do Calvário; quando Ela viu seus estertores finais e Ele gritar: “Eli, Eli lamá sabactâni” — Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonastes? —; e depois dizer: “Está tudo terminado”, inclinar a cabeça e exalar o espírito: ao contemplar tudo isso, qual terá sido do sofrimento d’Ela?

Ela pedia o perdão para cada um de nós

Nesses momentos em que Maria Santíssima sofreu de um modo indizível, Ela manteve uma serenidade tão perfeita que Se conservou de pé o tempo inteiro junto à Cruz, com uma resignação e uma força que fazem d’Ela o modelo da criatura humana posta no sofrimento.

Até o último momento, Ela dizia ao Padre Eterno: “Eu consinto em que aconteça isso a meu Filho, para que Ele Vos dê a glória devida, salve as almas para Vós, ó meu Pai, e para que elas gozem da felicidade eterna junto a Vós no Céu”.

Dizem os teólogos que do alto da Cruz Nosso Senhor, cuja inteligência é infinita, conhecia todos os homens pelos quais Ele haveria de derramar até a última gota de seu Sangue. Via, individualmente, todos os pecados que cada um cometeria, sofria por todos esses pecados, e dava a sua vida para resgatar os pecadores que correspondessem à graça da Redenção.

Creio que para a compaixão de Nossa Senhora ser completa, Ela também nos conheceu individualmente naquela ocasião, e rezou em favor de cada um de nós. De maneira que, enquanto o Verbo de Deus via aquela multidão de pecados que se desprenderia dos homens ao longo dos séculos, Ela pedia perdão para cada um, e Ele ia perdoando pelo pedido d’Ela, pois, sendo inocente, Ela merecia o perdão que nós não merecíamos.

Foi, portanto, por causa das súplicas de Maria que cada um de nós obteve o dom de ser batizado, de conhecer a Igreja Católica, de receber os demais sacramentos, de ter devoção a Ela, e de manter-se fiel à Igreja nesses dias tormentosos em que vivemos. Será também pelo favor d’Ela que alcançará o Céu.

Nossa Mãe e Advogada

Eis o papel de Nossa Senhora como nossa Mãe e Advogada:

Mãe de Cristo, Ela é a Mãe de todos aqueles que nasceram para a graça pelo Batismo. Mãe do Redentor, tornou-Se também a Mãe dos pecadores, desempenhando um papel que, de algum modo, o próprio Deus não poderia exercer. Porque Deus é juiz, mas Nossa Senhora, como Mãe, é naturalmente a advogada dos filhos.

É próprio ao papel de mãe defender o filho, por mais miserável, imundo, asqueroso, por mais crápula que ele seja. A mãe perdoa e pede a Deus que o perdoe também. A mãe está solidária com o filho até quando o pai o abomina completamente.

Nossa Senhora, Mãe supremamente boa, reza por cada um de nós e, considerando que as chagas de Nosso Senhor foram causadas, em parte, por nossos pecados, Ela pediu a Ele: “Meu Deus, meu Filho: pela minha inocência, pela minha virgindade, pelo amor que Vós sabeis que Vos tenho, Eu Vos peço por este filho pecador. Em nome dessa chaga que Vós sofreis por causa dele, peço-Vos que o perdoeis”. E assim cada um de nós foi perdoado.

Foi, então, por meio de Maria Santíssima que Deus veio a nós na Encarnação e deu-se o Natal do Salvador, e é por intermédio d’Ela que vamos a Ele e recebemos os benefícios da Paixão e Cruz, isto é, da Redenção.

Por isso, morto Nosso Senhor, Nossa Senhora continuou a ser a grande intercessora junto a Ele, a Advogada que nunca abandonou homem algum, por mais pecador que fosse. A ponto de ensinar a Teologia que se São Pedro, depois de ter cometido o pecado horroroso de negar o Divino Mestre, não desesperou, arrependeu-se e se salvou, foi pelos rogos de Maria que lhe obteve a graça do arrependimento e o perdão.

E se Judas Iscariotes, o mercador péssimo que vendeu Nosso Senhor por trinta moedas, tivesse recorrido a Nossa Senhora, Ela o teria recebido com toda bondade e misericórdia, e obtido o perdão também para ele.

Após a morte do Salvador, é a Santíssima Virgem Quem reúne os Apóstolos em torno de Si, está junto a eles em Pentecostes, acompanha a Igreja nos primeiros passos e é a sua grande protetora ao longo de toda a sua existência, presente nas batalhas onde os guerreiros católicos venceram os exércitos inimigos da Fé, presente nos combates contra as heresias, e na luta que noite e dia cada homem trava contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que não nos lembremos de Nossa Senhora, Ela está Se lembrando de nós do alto dos Céus, pedindo por nós com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar. Basta nos voltarmos para esta misericordiosa Mãe para que, cheia de bondade, Ela nos atenda e nos limpe a alma, dando-nos força para praticarmos a virtude e nos transformarmos de pecadores em homens bons.

Nunca nos faltarão forças para os sacrifícios necessários à prática da Lei de Deus, desde que as peçamos a Nossa Senhora. Aqueles que se voltam a Ela recebem tudo; aqueles que se afastam d’Ela não recebem nada.

Rainha do universo

Maria Santíssima é chamada pela Igreja a “Porta do Céu”. É por esta Porta que todos os homens obtêm as graças: por Ela nossas orações chegam a Deus, e também todas as graças descem para os homens. Tudo nos vem por intermédio de Nossa Senhora.

São Luís Grignion de Montfort utiliza uma bela imagem para ilustrar essa realidade.

Imagine alguém do povo que quer presentear o rei, mas não tem outra coisa para oferecer-lhe a não ser uma maçã. Mas não tem coragem de oferecê-la ao monarca, por ser um presente muito comum. Então, pede à mãe do rei que oferte ao rei essa maçã.

A mãe do monarca coloca a fruta numa bandeja de prata e lhe diz: “Meu filho, essa pessoa é minha filha também e pede-me para vos oferecer isto”.

O rei sorri e a recebe como se fosse uma esfera de ouro.

Por vezes, as melhores ações dos homens têm o valor de uma maçã; mas, oferecidas pelas mãos virginais e acompanhadas com o sorriso de Maria, Deus as recebe com encanto, agradece, e as recompensa. Quanto mais unidos a Nossa Senhora, mais poderemos praticar a virtude e nos tornarmos agradáveis a seu Divino Filho.

Como ensina a Doutrina Católica, se Nossa Senhora é de tal maneira a distribuidora de todos os dons, Ela é a Rainha do universo. E se Ela governa o universo inteiro, é também verdade que devemos nos consagrar a Ela como seus servos, deduz São Luís Maria Grignion de Montfort, para em tudo fazer a vontade d’Ela.

Alguém me dirá: “Mas Dr. Plinio, eu sinto minha fraqueza, minha imperfeição. Será que Nossa Senhora quererá uma elevação dessas a mim, tão cheio de pecados?”

Eu respondo: Não tenho dúvida, porque Ela não recua diante do pecado de nenhum homem.

Símbolo eloquente da misericórdia de Nossa Senhora

Há na Venezuela um santuário consagrado à padroeira nacional, Nossa Senhora de Coromoto, onde se encontra, num ostensório, um pergaminho no qual está gravada a figura de Nossa Senhora sentada num trono, com o Menino Jesus nos braços e com um olhar de Rainha e de Mãe. A história dessa imagem da patrona da Venezuela é maravilhosa.

No tempo da colonização, havia na Venezuela uma tribo de índios chamados Coromotos, a alguns dos quais — entre eles o cacique — Nossa Senhora apareceu.

Os indígenas ficaram deslumbrados com aquela Rainha gloriosa que perguntou ao cacique se ele queria morar na cidade onde Ela reinava. Ele respondeu que sim. Então Nossa Senhora disse-lhe para procurar os homens que lhe colocariam água sobre a cabeça e lhe ensinariam o caminho do seu Reino, ou seja, o Céu.

O cacique mudou-se, com outros de sua tribo, para a região a eles reservada e, durante algum tempo, recebeu com gosto a catequese. Entretanto, em certo momento revoltou-se, abandonou tudo, voltou para a sua choça e deixou a Religião.

A Santíssima Virgem lhe reapareceu na entrada da cabana, risonha, amável, convidando-o para voltar às graças d’Ela.

Tão péssimo era seu estado de alma que ele tomou o arco e tentou atingir com uma flecha a celeste visitante. Não obtendo êxito, procurou agarrá-La, quando subitamente Ela desapareceu deixando-o com os braços paralisados. Quando o miserável conseguiu movê-los, encontrou entre eles a bela estampa que hoje é venerada no santuário.

Um verdadeiro milagre! Não obstante, ele, com raiva, escondeu a estampa no teto de sua choça. Mas Nossa Senhora, ainda assim, o perdoou. Infatigavelmente perseguia esse homem para convertê-lo.

Em determinado momento, ele não resistiu mais à graça, pediu perdão, recebeu o Batismo e morreu em paz, reconciliado com Nossa Senhora.

Quer dizer, depois das maiores ofensas, a Rainha do Céu o venceu e o perdoou. Este é o símbolo mais eloquente da misericórdia de Nossa Senhora, mostrando como nem os piores pecados daqueles a quem Ela ama são capazes de constituir uma barreira à bondade e à misericórdia d’Ela.

Em nossa época, a Santíssima Virgem está sofrendo agressões piores do que as recebidas da parte desse índio. Os pecados do mundo contemporâneo são muito mais cheios de malícia do que os desse miserável aborígene.

Nossa Senhora, entretanto, não quer o fim da humanidade, mas deseja o perdão para ela. E quando, em Fátima, Ela prenunciou castigos para o mundo, e disse até que várias nações desaparecerão, ao mesmo tempo anunciava a misericórdia, pois, diante dos castigos, pelo menos certo número dos homens contemporâneos vão se arrepender e ainda irão para o Céu. E muitos hão de viver perdoados por Ela para entrarem no Reino de Maria. Assim, Ela afirmou: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

Nós devemos pedir a Maria Santíssima que, em relação a cada um de nós, Ela use da graça que teve para com o índio Coromoto: vença nossos obstáculos, aniquile nossas maldades e que seja verdadeira para o mundo contemporâneo, como para cada um de nós, a promessa do triunfo de seu Imaculado Coração, tornando-nos apóstolos dos últimos tempos, perfeitos filhos e escravos d’Ela, para que, por essa forma, o Reino de Maria substitua o reino do demônio sobre a face da Terra.

É isso que devemos pedir a Nossa Senhora depois dessa meditação sobre a glória excelsa d’Ela.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/2/1971)

Maria, Medianeira da Graça

Maria Santíssima exerce um papel preponderante na santificação de uma alma. Com efeito, Ela é a medianeira através de Quem recebemos as graças..

Imaginemos uma cidade no Tirol, ao pé daquelas grandes montanhas, para as quais vão pessoas do mundo inteiro, a fim de praticarem alpinismo. Havia lá um moço impossibilitado de se mover. Porém, de manhã vinha à sua casa um médico que lhe dava um remédio misterioso, desconhecido por todos, sob a ação do qual ele se curava e subia as montanhas corajosamente. À noite, tendo voltado para sua residência, cessava o efeito do medicamento e o jovem voltava a ficar imóvel na cama.

Esse moço não poderia dizer: “Eu sou um grande alpinista!” Ele poderia, isto sim, dizer: “Meu médico e eu somos grandes alpinistas!” Pois, na realidade, ele atingia o pico dos montes porque colaborava com o remédio fornecido pelo médico. Do contrário, permaneceria na imobilidade. Jovens que chegavam ao alto das montanhas, havia muitos. Médico que dava ao paralítico o meio de subi-las, existia somente um. De maneira que a ação do médico foi o principal fator do ato, embora o moço também tenha exercido seu papel: suou, segurou-se nas cordas, correu o risco de se espatifar no chão, teve o mérito do alpinismo. Mas apenas começou a mover-se a partir do momento em que o médico lhe deu aquele remédio.

Suponhamos que certo dia o remédio atuou mais longamente, e o rapaz, regressando da montanha, descansou em sua casa e depois foi passear na cidade, vangloriando-se junto a seus companheiros. Em determinado momento, passou o médico que cumprimentou o jovem, o qual respondeu à saudação de modo desdenhoso. Perguntaram-lhe, então, seus amigos:

– Quem é aquele senhor?

– É um velhinho que conheço e, às vezes, de manhã me visita, respondeu o moço.

O médico não teria o direito de ficar indignado com o rapaz? Afinal, se ele não fosse no dia seguinte à casa do jovem, este permaneceria na horizontal! Então, aquela vaidade é nada. O médico é quase tudo nos feitos do moço.

Este conto não nos dá uma ideia inteiramente exata, mas sim próxima, da realidade; ajuda-nos a compreender alguns aspectos do problema da graça e, portanto, de sua ação em nós, ou seja, a virtude. Todo homem é completamente paralítico para a virtude. Porém, a partir do momento em que recebe a graça, ele se torna capaz de praticá-la.

Quando temos vontade de adquirir virtudes que julgamos não estarem ao nosso alcance, podemos dizer a Nossa Senhora: dai-nos. A devoção à Santíssima Virgem é fundamental elemento de nossa vida espiritual; aquilo que Lhe pedimos, Ela nos obtém.

É claro ser necessária a nossa cooperação, pois Deus, que nos criou sem nosso auxílio, não nos salvará sem nossa colaboração. Embora indispensável, essa cooperação é secundária. O principal fator de nossa salvação é a atuação da graça em nós, a qual recebemos por meio de Nossa Senhora, Rainha e dispensadora de todos os dons divinos.

Quando Nossa Senhora nos concede a graça, somos como o jovem cheio de disposição para subir as montanhas, mas se não a pedirmos, ficamos estendidos na cama, paralisados. Esse é o papel da Santíssima Virgem em nossa santificação.  

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/5/73)

O Magnificat, hino de sabedoria, humildade e grandeza

Único cântico que se sabe proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, o “Magnificat” despertava na alma de Dr. Plinio enlevadas considerações que ele, em mais de uma ocasião, comprouve-se em transmitir a seus jovens discípulos. Como essas, que abaixo transcrevemos.

 

Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa Isabel, o “Magnificat” é um maravilhoso hino inspirado pelo Altíssimo, é Deus cantando sua própria glória pelos lábios da mais amada das suas filhas. É, também, uma linda mensagem, coerente, lógica e séria, que Ele transmitiu a todos os homens de todos os séculos, pela voz virginal de Maria.

O cântico se inicia com a palavra “Magnificat” do latim “magnus”, isto é, grande para enaltecer Aquele que é a Grandeza personificada, reconhecendo que Deus merece este superlativo de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.

A exultação em Deus, seu Salvador

Então a alma d’Ela se apressa em extravasar o seu sentimento de profunda gratidão, proclamando como o Senhor assim se revelava o magno por excelência.

Em seguida, vem a alegria: “Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo” (“E o meu espírito exulta!”).

Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os seus investimentos renderam um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria pequena, perto daquela que se exprime pela palavra “exultação”.

Por isso Nossa Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em relação a Deus, o seu magnífico Salvador.

Essa felicidade se mostra tanto mais intensa quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela considera a sua pequenez e vê como Deus a salvou de modo extraordinário, super-excelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel admirável que sabemos.

Legítima alegria por ter sido engrandecida

Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: “Quia respexit humilitatem ancillae suae – porque Deus olhou para a humildade da sua Serva”. Em conseqüência dessa atenção do Senhor para com Ela, “ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes”, eis que “todas as gerações”, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”.

“Quia fecit mihi magna qui potens est” – porque me fez grande Aquele que é poderoso”. Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-se grande pela força d’Ele.

Há, nessa passagem, um interessante ensinamento que deve ser considerado.

Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa Senhora ao mesmo tempo se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que a cobre de felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.

Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando, auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo que essa glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.

Eis outra importante lição a ser colhida do “Magnificat”.

O temor se divide em servil e reverencial. O temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve a ele.

Um exemplo maravilhoso de temor reverencial encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu vos amara; ainda que não houvesse inferno, eu vos temera”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena aqueles que se revoltam contra Ele, por temor de Deus experimentavam, antes de serem tocados pela graça e se converterem.

Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na via de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu do cavalo, perdeu a visão, e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo dos gentios. Era uma extraordinária ação da misericórdia divina muito provavelmente a rogos de Maria estendendo-se sobra uma alma que até então não temia a Deus.

Queda dos soberbos e exaltação dos humildes

“Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – Manifestou o poder do seu braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.

“Et sanctum nomen eius – E o Seu Nome é Santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realizava na sua serva, vinha marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos onipotentes.

Misericórdia para os que temem a Deus

Após ter manifestado de tal maneira a grandeza de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum – e a misericórdia d’Ele se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Significa que o fato de Deus A ter feito tão grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão todos os homens ser Ele quem é e pelos infinitos títulos que Ele possui acima de nós, temeríamos não fazer a vontade d’Ele. É essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.

Então, aos que amam a Deus com um amor tal que até O temem não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer desagradá-Lo na sua infinita santidade -, para estes se abre a inesgotável misericórdia de Deus: “et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum”. Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até mesmo para com homens que pouco ou nenhum

Entendamos o que significa “manifestar o poder de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus, puro espírito, não possui braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o poder de seu braço.

O pensamento se completa no versículo seguinte: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles – Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.

Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons. Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou a estes que eram perseguidos.

Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, não foi o que aconteceu. Deu-se o contrário! Anás, Caifás, Pilatos e congêneres, todos se achavam nos seus tronos, perseguiram e mataram Nosso Senhor!”

É verdade. Mas essa história não está narrada até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que aqueles poderosos queriam evitar: Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e sobre todos

os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até en-

tão desprezados. E para todo o sempre, serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: “deposuit potentes de sedes, et exaltavit humiles”.

Essa ideia ainda prevalece na seqüência do cântico: “Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela se refere, antes de tudo, aos que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas celestiais. A esses pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu orgulho, Deus os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do tesouro de seus dons sobrenaturais.

Em Maria, cumpre-se a promessa feita a Abraão

Por fim, Nossa Senhora volta à ideia central que inspira esse hino maravilhoso: “Suscepit Israel puerum suum: recordatus misericordiae suae – Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misercórdia”.

Quer dizer, o Povo Eleito receberia em breve o Messias há milênios prometido, a Quem Deus enviaria ao mundo, recordando que

sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: “Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in saecula – Conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre”.

A promessa feita a Abraão, fundador da raça hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à luz o Filho de Deus.

E assim o “Magnificat”, esta joia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo, como o fizera na primeira estrofe.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Visita a Santa Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

O poder da voz de Maria

Ao som da voz de Maria Santíssima, São João Batista, ainda no seio materno, estremeceu de júbilo e, segundo teólogos, nesse mesmo instante foi purificado da mancha original.

Este fato nos revela a poderosa intercessão de Maria. O eco de sua voz transformou um homem, conferindo-lhe um eminente grau de santidade. Eis o que devemos esperar da Santíssima Virgem: que sua voz fale no íntimo de nossas almas, e que, de um momento para outro, esse timbre imaculado nos santifique, concedendo-nos uma virtude que anos de lutas e de trabalhos não nos proporcionaram.

Por isso, todo aquele que tenha algum desânimo, tristeza ou perplexidade na vida espiritual pode fazer sua prece que a liturgia tomou das palavras do centurião a Jesus (Lc VII, 6-7) e dirigir-se a Maria Santíssima: “Senhora, eu não sou digno de ouvir a vossa voz, mas dizei uma só palavra e minha alma será transformada, de um momento para outro, se Vós assim o quiserdes”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Dizei uma só palavra…

Na Visitação de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel, vemos o poder da Mãe do Redentor: o eco de sua voz santifica um homem de um momento para o outro. É isto que devemos esperar de Nossa Senhora e pedir a Ela: que sua voz fale no íntimo de nossas almas e nos santifique, concedendo-nos uma virtude que às vezes anos de lutas e trabalhos não nos proporcionaram.

Todos aqueles que tenham algum desânimo, tristeza ou perplexidade na vida espiritual podem dizer a Maria Santíssima: “Senhora, eu não sou digno de ouvir a vossa voz, mas dizei uma só palavra e a minha alma será transmudada de um momento para o outro se Vós assim o quiserdes”.

Eis uma graça a pedir à Santíssima Virgem no dia da Visitação: que Ela fale em nossas almas e estas estremeçam de júbilo como estremeceu o Precursor no ventre materno, e que elas se santifiquem num instante, como a alma de São João Batista.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1970)

Visitação de Nossa Senhora a Prima Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

Visitação de Maria a Santa Isabel

Uma inusitada e benéfica forma de se meditar o Mistério da Visitação seria, por exemplo, considerá-lo sob o prisma de duas perfeições que se harmonizavam na alma de Nossa Senhora: a sublimidade e o charme, tomados no mais alto grau em que possam existir numa mera criatura, abaixo do Homem-Deus.

A nossa pobre imaginação quase se desnorteia, procurando conceber então os fulgores de charme e sublimidade que se desprenderam no momento do encontro de Maria com sua prima Isabel. Ambas compenetradas da grandiosidade daquela situação, pois,  muitíssimo mais do que unidas pelo parentesco, o estavam pela magnitude de suas vocações — uma trazia consigo o Salvador, a outra, o Precursor que Lhe prepararia as veredas de Israel…

O "Magnificat", cântico de jubilosa despretensão

Após haver recebido a excelsa comunicação de apressou-se em partir ao encontro de Santa Isabel, nas montanhas da Judeia. Ao chegar, exaltada por sua prima e profundamente reconhecida pelo ápice de dons com que fora galardoada, Maria entoou seu imortal Magnificat.

Deus, autor da grandeza de Nossa Senhora

O pensamento fundamental desse cântico poderia ser assim expresso por Nossa Senhora: “Deus realizou em mim coisas extraordinárias, as quais são obra d’Ele e não minha. Não sou a autora de toda essa grandeza. Foi Ele que houve por bem depositá-la em mim, e Eu a aceitei em obediência aos seus superiores desígnios. Essa grandeza, portanto, enquanto habita em mim tornou-se minha, mas a causa dela vem de fora e do alto. Por mim mesma, não sou senão uma pequena criatura”.

De fato, embora concebida sem pecado, e tendo correspondido à graça do modo mais perfeito possível, Nossa Senhora era uma mera criatura, e assim tais grandezas não podiam ter origem na natureza d’Ela. Provinham-Lhe de Deus Nosso Senhor. Este é o pensamento despretensioso e fundamental do Magnificat.

Cabe aqui uma aplicação a nós, filhos e devotos de Maria, que tanto desejamos imitá-La. Se era essa a posição que a Imaculada tomava em face de suas excelências, a “fortiori” deve ser a nossa diante das graças que Deus nos concede, a nós que somos pecadores a dois títulos. Primeiro, porque concebidos no pecado original; segundo, porque agravamos essa condição com as faltas perpetradas em nossa vida, de sorte que, mesmo perseverando no estado de graça, trazemos conosco o fardo dos pecados que outrora cometemos.

De outro lado, as honras que possam nos caber são incomparavelmente menores que as de Nossa Senhora. Desse modo, é preciso nos esforçarmos em adquirir o mais elevado grau de despretensão ao nosso alcance. Não incorramos no erro dos presunçosos, que julgam inerentes à sua própria natureza, e não a um dom ou misericórdia de Deus, todas as suas qualidades e aspectos bons.

Pelo contrário, compenetremo-nos de que todo o bem existente em nós é dado e favorecido pela graça divina, embora conte com nossa voluntária aceitação e nosso empenho em desenvolvê-lo. São qualidades e talentos que não nasceram de nossa natureza decaída, mas foram nela depositados pela generosidade do Criador. Se formos despretensiosos, teremos consciência disso, não nos embevecendo com o que devemos a Deus.

Esse é, precisamente, o ensinamento que nos deixou Nossa Senhora, quando elevou aos céus o seu Magnificat.

Alegre e contínua retribuição a Deus

Diz Ela: “A minha alma engrandece o Senhor”. Ou seja, canta, vê, admira, ama e proclama com amor a grandeza de Deus, Aquele que domina, Aquele que pode, Aquele que é tudo.

“E o meu espírito exulta em Deus meu Salvador”. Então a alma d’Ela se transporta em santas alegrias,

porque Deus “lançou os olhos sobre a baixeza de sua serva”, e por isso “de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada”.

Nossa Senhora proclama a magnitude de Deus por ter deitado o olhar sobre Ela, por Lhe ter conferido uma tal excelência que todas as nações passariam a aclamá-La como bem-aventurada. E ao reconhecer que isto Lhe vem d’Ele, seu espírito atinge o ápice da alegria!

Como não ver nessa atitude a perfeição da despretensão? Nada de falsa e dolorosa probidade: “Ó Senhor! como gostaria de dizer que tudo vem de mim, mas sou obrigada a declarar o contrário”, etc. Não! “Meu espírito exulta em proclamar que veio de Vós”.

Ao mesmo tempo, porém, Ela afirma a glória que Deus Lhe outorgou: “Todas as gerações me chamarão bem aventurada”. A palavra bem-aventurada encerra um matiz que a faz designar uma pessoa não apenas nimbada de felicidade, mas também aquela que alcançou êxito em todas as suas realizações. Portanto, acertar na vida, ser bem aventurado, é tornar-se santo e servir a Deus.

E Nossa Senhora continua a cantar: “Porque fez em mim grandes coisas Aquele que é poderoso, e cujo nome é santo”. O adjetivo poderoso tem aí todo o cabimento, pois Ela se reconhece objeto de maravilhas tais, que só um Ser onipotente as poderia operar. Ora, Maria se sabia não-onipotente. Logo, proclamava que apenas Deus podia ter feito n’Ela aquelas “grandes coisas”.

É um modo indireto de dizer: “O que foi realizado comigo é tanto que eu, simples escrava, por mim mesma jamais o teria alcançado. O Todo-Poderoso, cujo nome é santo, fez essas maravilhas, essas excelências que só poderiam sair de suas divinas mãos”. Em última análise, trata se de uma contínua e alegre retribuição a Deus da grandeza d’Ela.

Uma cordilheira de misericórdias

“E cuja misericórdia se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Nossa Senhora manifesta neste trecho a ideia de que a misericórdia da qual Ela foi objeto é o lance supremo de uma imensa série de misericórdias que, desde o início até o fim do mundo, alcança os que têm o temor de Deus. Pode-se dizer que este seria o Everest, o ponto muitíssimo mais alto da compaixão divina, acima de um universo de montículos, colinas, montes e montanhas de misericórdias que ao longo da história têm sido espargidas sobre os homens.

É como se Maria Santíssima dissesse: “Essa misericórdia é ainda mais bela porque é o marco central de um incontável número de excelsas benevolências dispensadas por Ele, o Rei, o Deus, o Pai de todas as misericórdias”.

A soberba é causa de decadência

Continua a Santíssima Virgem: “Manifestou o poder de seu braço; transtornou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos de seu coração”.

Ou seja, ao passo que estende sua misericórdia aos que O temem, Nosso Senhor mostra o poder de seu braço confundindo os desígnios dos soberbos. Quem são estes? Os que se vangloriam e se exibem pretensiosos em relação a Deus, que não consideram a grandeza d’Ele, nem Lhe têm temor. E que, portanto, não O amam. Para estes não há misericórdia. Então Deus os humilha, os quebra, os dissipa, mostrando sua força.

Essa atitude de Nosso Senhor com os que se afirmam independentes d’Ele é um belo convite para estabelecermos uma filosofia da história. Para isto, temos de observar não só os acontecimentos históricos, mas também os fatos de nossa vida cotidiana, e neles verificar a confirmação desta regra: os homens tementes a Deus, conscientes de que não valem nada, atribuindo seus predicados e aptidões à misericórdia divina, progridem na vida espiritual. Os que são voltados a adorar-se a si próprios, a considerar tudo quanto têm como vindo deles mesmos, estes são os soberbos que Deus dissipa, e declinam na prática da virtude.

Quantas vezes não observamos, nessa ou naquela alma, um processo de decadência cuja causa é a pretensão? Em determinado momento, a pessoa começou a se embevecer consigo mesma: “Que maravilhosa, grande e estupenda criatura sou eu, considerada nos predicados morais de minha natureza!” É o primeiro passo de uma lamentável deterioração.

Portanto, Nossa Senhora lança o princípio: os soberbos não vão para a frente, enquanto progridem os que temem a Deus. Donde tudo nos coloca em relação a Ele numa postura de inteira despretensão.

O triunfo dos humildes

“Depôs do trono os poderosos, e exaltou os humildes.”

Temos aqui uma seqüência do pensamento anterior. O poderoso é o que atribui a si todo o poder, que precede a Deus e não O teme, julgando-se capaz de tudo fazer sem Ele. Esse é deposto de seu trono, ou seja, daquilo do que  se ensoberbece. O humilde, pelo contrário, é glorificado e favorecido por Nosso Senhor, obtém resultados nas suas ações, na sua vida interior, no seu apostolado, etc.

Completando essa linha de pensamento, Maria acrescenta: “Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Os famintos são os necessitados, os que se abaixam diante de Deus e Lhe suplicam auxílio. Estes são atendidos, e saem repletos de bens. Os ricos são os orgulhosos, aqueles que se aproximam de Nosso Senhor dizendo não precisarem de nada. Então são mandados embora sem receberem qualquer benefício.

Cumpre-se a promessa do Messias

Em seguida, a Santíssima Virgem faz uma referência à exaltação do Povo Eleito, por nele ter se verificado a Encarnação do Verbo. Diz Ela: “Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia; conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão, e à sua posteridade para sempre”.

Com efeito, Deus havia misericordiosamente prometido que o Messias, seu Filho unigênito, se encarnaria e nasceria do povo de Israel. Ele se lembrou de sua promessa, gerando Jesus Cristo nas entranhas puríssimas de Maria.

A Igreja, muito belamente, completa esse hino maravilhoso com o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; assim como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém”.

Esta seria uma interpretação do Magnificat como o cântico da despretensão jubilosa de Nossa Senhora.

“Minha alma engrandece a Igreja Católica!”

Para concluir, cabe ainda um último desdobramento dessas considerações.

Como eu gostaria de, com toda  a alma, poder cantar o Magnificat em relação à Igreja Católica! Como é verdadeiro dizer: “Magnificat anima mea Ecclesiam, et exultavit spiritus meus, in matre salutari mea” – A minha alma engrandece a Igreja Católica e o meu espírito exulta na Igreja minha mãe!

E assim por diante, que lindíssima paráfrase do Magnificat poderíamos fazer contemplando a Igreja, que é a Arca da Aliança, a imagem visível de Deus e de Nossa Senhora na terra.

Sirvam, pois, estas palavras de incentivo para que reportemos todos os nossos dons, nossas virtudes e predicados a Deus em Jesus, a Jesus em Maria, e a Maria na Santa Igreja Católica Apostólica Romana, da qual nos vem tudo o que temos de bom. Dessa maneira, o enlevo, o encanto, o entusiasmo, a fidelidade, a dedicação de nossa vida, nossa alma e nosso sangue sejam inteiramente oferecidos para o serviço e glorificação da Esposa Mística de Cristo.

Visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel

Ao entoar o seu Magnificat, Nossa Senhora se alegra pelo fato de Deus, tendo considerado a sua pequenez, querer exaltá-La, estabelecendo com Ela uma gloriosa relação. “Engrandeceu-me, e nisto agiu santamente Aquele que é poderoso, pois o me ter feito grande redundará em benefício e obra de misericórdia para todas as gerações, em todas as épocas da História” — é o pensamento que A inspirava.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/9/1990)