Admirável lição de humildade

Entre tantas e tão insondáveis belezas que refulgem no Mistério da Encarnação do Verbo, o maravilhoso relacionamento — todo feito de amor e humildade — que Mãe e Filho mantiveram durante os nove meses da gloriosa gestação, tocava de modo particular a alma de Dr. Plinio. Acompanhemos outros expressivos comentários dele a esse propósito.

No dia 25 de março a Igreja celebra a festa da Anunciação e da Encarnação do Verbo no seio puríssimo de Nossa Senhora. Para se avaliar a extraordinária importância desse fato, convém estabelecermos algumas considerações prévias.

Em Nazaré, a realização de um anseio milenar

Há quatro mil anos, ou mais, em todos os homens — e de certo modo em todos os seres — latejava um desejo de que, afinal, nascesse Quem seria o centro de todas as criaturas e em função do qual tudo se ordenaria.

Devido ao pecado original e aos pecados atuais da humanidade, o mundo se achava imerso em grande desordem, cujos efeitos se faziam sentir não apenas entre os pagãos como também no povo eleito, que fora escolhido para o cumprimento da promessa messiânica. Decadência e afastamento dos preceitos divinos: a terra inteira estava desolada.

Entretanto, uma virgem pura, concebida sem a mácula original expressamente em vista da missão de gerar o Verbo Encarnado, nascera de Santa Ana e de São Joaquim. Unida em matrimônio com o varão virgem São José, Ela meditava, sabendo que a única solução para o gênero humano era a vinda do Redentor. Maria percorria as páginas das Escrituras, das quais possuía perfeita ciência, considerava as promessas e refletia a respeito do Messias.

Segundo revelações privadas, Nossa Senhora compunha em sua alma a figura moral e física do Filho de Deus, e quando delineou o último traço nessa obra-prima da sabedoria d’Ela, fruto de sua virtude e amor a Deus, eis que se vê envolta num intensíssimo fulgor: São Gabriel Lhe aparece e diz: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 28).

Ela se perturbou, pois não entendeu o significado dessa saudação. O mensageiro celeste então Lhe explicou que o Verbo eterno se encarnaria em seu claustro virginal. Podemos imaginar o humílimo susto que A tomou! “Como se fará isso, pois não conheço homem?”, indagou a Virgem. E o anjo respondeu: “Serás a Esposa do Espírito Santo, que em Ti engendrará o Filho do Altíssimo”.

Esse anúncio representava um tal cúmulo de graças e de favores, uma tão superlativa generosidade que nos é difícil calcular como Nossa Senhora se sentiu confundida naquele momento. Ao mesmo tempo, porém, enlevada e feliz, conhecendo que Deus A escolhera para tão sublime obra. Sua gratidão foi ilimitada, e a alegria de se sentir unida dessa forma a Deus, houve de ser maior que todos os mares e oceanos!

Donde sua resposta: “Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa palavra!” (Lc, 1, 38).

Maravilhoso mistério

Realizou-se, então, o estupendo milagre, o maravilhoso mistério dos desponsórios do Espírito Santo com Nossa Senhora e a concepção de Jesus Cristo no seio puríssimo d’Ela, recebendo da Virgem e unicamente da Virgem os elementos para a formação de seu Corpo: “caro Christi caro Mariae” — a carne de Cristo é a carne de Maria.

E desde o primeiro instante dessa augusta gestação, teve início o indizível relacionamento entre Mãe e Filho, com recíprocos atos de amor e carinho que excedem a qualquer imaginação.

Belo ao extremo, aliás, é o paralelo que se pode traçar considerando-se, de um lado, o primeiro ato de veneração de Jesus a Maria Santíssima quando Ele se encarnou, e de outro, o último, por ocasião da morte d’Ele no alto do Calvário. De fato, nada nos impede de supor que, antes de exalar o derradeiro suspiro, esse Filho infinitamente amorável voltou os olhos da alma para a Mãe e Lhe dirigiu uma carícia suprema.

E como terá sido a correspondência de Maria a essa ternura filial? Quanto mais Ela O via sofrer de modo tão trágico e terrível, mais O amava. Não se terá lembrado, então, dos primeiros afagos, da primeira troca de carícias?

Tais correlações esplendem tantas e tão especiais pulcritudes que só podem nos encantar e entusiasmar!

União e santidade incomparáveis

Por mais magníficas que sejam, porém, elas apenas abrem o pórtico para uma série de maravilhas ainda maiores. Ressaltemos, à guisa de exemplo, o fato de que durante nove meses o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo ia se nutrindo dos elementos necessários para crescer até atingir o tamanho normal próprio ao nascimento. Houve, portanto, durante esse período, uma entrega de elementos (se assim se pode dizer) do corpo d’Ela para o d’Ele, e de assimilações do que a natureza humana do Filho recebia da mãe.

Ora, à medida que essa comunicação de elementos se dava no terreno orgânico, verificava-se uma crescente união de amor entre as duas almas, maior a cada etapa sucessiva da gestação. Donde se supor que, quando o Corpo do Verbo Encarnado estava pronto para nascer, a alma de Nossa Senhora se encontrava embelezada com todos os adornos inexprimíveis que Lhe vinham dessa íntima união com Ele.

Aguardado há quatro ou cinco mil anos por todos os justos, cantado pelos profetas, glorificado pelos anjos, Nosso Senhor Jesus Cristo ali estava. Mas, antes de tomar contato com os homens, quis passar nove meses exclusivamente em companhia de Maria, dizendo-Lhe palavras, confidenciando-Lhe maravilhas, instruindo-A acerca das grandezas divinas, como não faria com nenhuma outra criatura.

Ou seja, estabeleceu-se entre os dois uma união, nimbada de santidade, incomparável. Com esse algo de contraditório e magnífico, no que diz respeito a Nossa Senhora: Ela possuía todo o esplendor de uma Virgem e toda a majestade de uma Mãe. Virgem antes, durante e após o parto; Mãe acima de todas as mães. De maneira que, olhando para Ela não se sabe o que exclamar: Ó Virgem! Ó Mãe!

O Filho de Deus se fez escravo de Nossa Senhora

Cumpre observar que o mistério da Encarnação encerra outra insondável maravilha, à qual São ­Luís Grignion de Montfort alude com a força e delicadeza de expressão que lhe são características. Conforme ele nos ensina, quando Nossa Senhora disse a São Gabriel: “Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a vossa palavra”, realizou-se o inimaginável e o próprio Deus Encarnado se fez escravo d’Ela. Não há maior sujeição nesta Terra do que a do filho para com sua mãe, enquanto esta o traz consigo em seu seio. E durante nove meses consecutivos Jesus, com essa submissão, quis pertencer inteiramente à Virgem Santíssima. O esperado das nações, o Homem-Deus, tornou-se escravo de Maria(1).

Ao discorrer sobre essa completa dependência de Nosso Senhor Jesus Cristo em relação a Nossa Senhora, São Luís Grignion acentua que o Divino Salvador, no sentido mais estrito da palavra, quis vir a nós por meio de Maria. Ela como que O produziu para a humanidade; devemos a Ela o fato de termos recebido o Redentor, e se algo quisermos d’Ele, importa recorrermos à divina Mãe. Ela foi o caminho para Jesus vir até nós; é o caminho para irmos até Ele(2).

Durante esse período, Jesus e Maria propiciaram aos homens uma admirável lição de humildade. Pois, sem dúvida, Nossa Senhora, sendo como que um ostensório vivo, deveria se sentir aniquilada pela desproporção entre Ela e o Hóspede divino que habitava no seu interior. Por seu lado, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, onipotente, superior a todas as coisas, tomou nossa natureza, abateu-se, reduziu-se a uma espécie de cárcere maravilhoso, sujeitou-se a uma simples criatura. Mostrou-nos como é belo e nobre obedecer.

Glória acima de todas as glórias

Vemos, assim, como o Divino Salvador, em sua sabedoria, dispõe de meios admiráveis para nos instruir. Modelo de todas as virtudes, Ele o é, portanto, da humildade, e a demonstrou desse modo magnífico. Supremo, perfeito, absoluto, a praticou em relação a uma mulher. Lição concludente, dir-se-ia até “desconcertante”: o Criador do universo se sujeitou a Nossa Senhora.

Glória existe em ser rei de um reino, imperador de um império, superior de um convento, bispo de uma diocese, Papa da Santa Igreja. Que são essas glórias diante do augusto privilégio de se tornar Senhora do Senhor da criação? Essa glória, Deus a reservou à Santíssima Virgem, da qual quis ser Filho e escravo. Mistério fascinante, refulgente de cores e luminosidades indizíveis!

No Céu, filiais perguntas…

Ao concluirmos essas breves reflexões sugeridas pela festa da Anunciação, caberia exprimirmos um desejo repassado de veneração e respeito.

Nossa Senhora se encontra no Céu em corpo e alma. Quando — pela misericórdia d’Ela — lá também estivermos e nos lembrarmos dessas considerações, quiçá nos aproximemos de seu trono, tão junto ao de seu Divino Filho, e Lhe peçamos: “Minha Senhora e Mãe, podeis me contar tudo o que meditastes desde o momento da Encarnação até o do nascimento de Jesus? Quero saber tudo, e que nada me fique ignoto. Minha Mãe, perdoai meu atrevimento, mas peço que me seja contado por Vós mesma!”

E Nossa Senhora, régia, bondosíssima, dulcíssima, condescenderia em nos responder: “Filho, começou assim…”

Imagine quem puder, a torrente de alegria, de emoção e de felicidade que nos inundaria ao ouvirmos dos próprios lábios puríssimos de Maria, a narração de tudo quanto Ela sentiu e viveu a partir do instante em que, por obra do Espírito Santo, o Verbo de Deus se fez carne no seu claustro materno!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência em 24/3/1984)

1) Cf. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 18 e 139.
2) Cf. Idem, n. 50.

Anunciação

As palavras da saudação angélica nos revelam Nossa Senhora como o Vaso de Eleição, o receptáculo sagrado no qual Deus depositara todas as perfeições e excelências de que uma simples criatura era capaz de conter.

Imensa na ordem da virtude e da santidade, cheia de graça, bendita entre todas as mulheres, com quem o Senhor estabelecera maravilhosa união: em seu imaculado seio fez-se carne o Verbo de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 25/9/1990)

Um “fiat!” que ecoou na História

Na festa da Anunciação do Senhor, em 25 de março, Dr. Plinio medita a narração evangélica, as cogitações de Maria diante da saudação do Anjo, as alegrias d’Ela na vida privada de Jesus, suas perplexidades durante a Paixão, e, sobretudo, sua submissão à vontade de Deus.

No linguajar comum do homem hodierno, certos conceitos como os de esplendor, pompa e glória, tendem a se confundir com a ideia de riqueza e a reduzir-se, em última  análise, a uma questão econômica. Ora, a Anunciação ocorreu numa casa pobre, mas foi um episódio esplendoroso, pois nele deu-se a conhecer o nascimento milagroso de  um Menino, o qual reinaria no trono de David e teria o império sobre toda a Terra nos séculos futuros.

As cogitações de Nossa Senhora sobre o mistério que Lhe era anunciado

A interrogação de Nossa Senhora — “Se Eu não conheço varão, como dar-se-á isso?” — nos leva ao seguinte pensamento: ou Ela havia recebido de Deus a revelação de que  seria sempre virgem, ou, pelo menos,  sentira profundamente na alma o convite para a virgindade perpétua e não restava a menor dúvida de que este chamado vinha de  Deus.

Estava implícito em suas palavras esta reflexão: “Sei que para conciliar essas atitudes aparentemente contraditórias de Deus — que me inspira a virgindade, porém me quer  como mãe do Salvador —, acontecerá uma maravilha, porque Ele nunca se contradiz”.

O Evangelho narra que Ela cogitava sobre o que seria essa saudação. Maria não colocava em dúvida que aquele Anjo viesse realmente da parte de Deus, pois o tratou como um emissário do Altíssimo. Mas a cogitação d’Ela incidia sobre o mistério existente na saudação: como explicar que seu Filho pudesse ter todo aquele poder que Lhe era  anunciado?

Como descendente de David, Nossa Senhora sabia que o Filho d’Ela nascido também o seria. Tinha ciência de que São José, seu esposo, era da mesma estirpe real, e que,  embora o Menino não nascesse dele, seria descendente do Rei-Profeta segundo a lei.

Há uma bonita expressão usada pelos teólogos: “Caro Christi, caro Mariae” — a carne de Cristo é a carne de Maria. Ou seja, d’Ela Jesus herdou a carne e o sangue do grande  monarca de Israel.

Ao se ler a narração evangélica, fica- se com a forte impressão de que  Nossa Senhora cogitava notadamente sobre o significado das palavras “lhe dará o trono de David”, e  sobre a natureza do reino que seria outorgado a seu Filho. Daí sua interrogação: tratava-se do nascimento do Messias, cuja vinda Ela tanto ansiava?

A resposta do Anjo começa por dizer: “Não temas, ó Maria!” Ela tinha, portanto, um certo temor. Como se explica que, concebida sem pecado original, e isenta de qualquer imperfeição moral, Ela pudesse ter medo de um Anjo?

A presença de um espírito angélico, e sobretudo a de um Arcanjo, é algo de tal densidade que deixa perplexo o ser humano. Era natural que Maria sentisse todo o peso da  presença do mensageiro celeste. Porém, não foi o Anjo que Lhe causou temor, mas a comunicação da impressionante missão que a Ela cabia, pois na sua humildade teve  receio de não corresponder de modo perfeito aos sublimes desígnios de Deus.

Mas a explicação do Anjo: “Tu encontraste graça diante de Deus”, inundou- A de tranqüilidade e paz. Os exegetas afirmam que no momento em que Ela proferiu o “Ecce ancilla Domini”, o Espírito Santo concebeu Nosso Senhor no claustro imaculado  da Santíssima Virgem.

Assim, aquele diálogo, tão simples mas tão belo, teve como esplendorosa conseqüência a Encarnação do Verbo.

A vida e as cogitações de Nossa Senhora em Nazaré

Nossa Senhora guardou as promessas do Anjo no interior de sua alma, e ao ver o Menino Jesus, segundo expressões do próprio Evangelho, crescer em sabedoria, idade e  graça diante de Deus e dos homens, naturalmente pensava na missão que Lhe estava reservada.

Sabendo que seu Filho era Deus, Nossa Senhora julgava explicável que Ele obtivesse os êxitos mais retumbantes e extraordinários. E terá Ela pensado, ao ver Jesus se tornar  moço, que em certo momento Ele sairia da casa paterna para dar cumprimento à sua missão?

Porém, essa hora ainda demoraria a chegar. Durante trinta anos, Ele quis viver apenas com Ela e São José. Ao que tudo indica, o chefe da Sagrada Família faleceu antes de Nosso Senhor começar sua vida pública.

A tradição nos atesta que Nossa Senhora e Jesus estavam presentes à cabeceira de São José no momento de ele exalar seu derradeiro suspiro: razão pela qual, o grande Patriarca é também o padroeiro da boa morte.

Como gostaríamos de assistir essa cena! Um leito pobre, Nossa Senhora de um lado, e de outro, Nosso Senhor, atraindo para Si a atenção de Maria e a do moribundo, aos  quais dirigia sublimes palavras de conforto. Nossa Senhora, com sua insondável solicitude, servia a São José, orando por ele e também o consolando…

Que revoada de Anjos! Em certo momento, as sombras da morte se tornam mais próximas. São José começa a notar que aquele convívio, para ele até certo ponto um Céu, iria cessar. Mas, de outro lado, sabia que lhe aguardava uma gratíssima missão: chegando ao Limbo dos Patriarcas, anunciaria que o Messias se tinha encarnado no seio da  Virgem Maria. Provavelmente, só com a menção dos nomes de Jesus e de Maria aquele lugar inteiro se teria iluminado…

Após a morte de São José, Nossa Senhora terá pensado a respeito de Jesus: “Quando começará Ele sua vida pública, e cessará nosso convívio? Com quem ficarei? Que  notícias terei d’Ele? Quando terá início o seu Reino? Assistirei a implantação dele, estando ainda na Terra ou já no Céu? “Inúmeras vezes, conversando com Ele, notei que  sua fisionomia foi se tornando mais tristonha. E na medida em que a tristeza pode ser comparada a uma sombra, foi se tornando sombria. Ele me tem falado de um imenso  sacrifício que deve padecer.

“Sei que é a morte de Cruz, à qual se referem as Escrituras, e que Ele mesmo já me anunciou. Vejo-me, de um lado, cercada de esplendor, e de outro, da perspectiva do  fracasso tenebroso.”

Passam-se os dias, os meses e os anos… Trinta anos viveu Jesus sob o mesmo teto com Ela, adornando sua alma com maravilhas cada vez maiores.

Um dia — pode-se conjeturar — Ele se aproxima d’Ela e, com veneração e carinho ainda mais intensos, envolvendo-A com o olhar, Lhe diz: “Minha Mãe, chegou o  momento!” Talvez tivesse dito isso com um sorriso cheio de saudades, mas saudades antecipadas, cheias de sorriso. Era a missão d’Ele que ia começar e desfecharia na sua glória.

Ele sabia que, essencialmente, caminharia em direção à Cruz. Mas nesse percurso recrutaria os Apóstolos, os discípulos e todos os elementos da Igreja nascente. Pregaria  durante três anos sua maravilhosa doutrina, praticaria milagres que haveriam de impressionar e persuadir o mundo inteiro, fundaria a Igreja, instituiria os Sacramentos. E depois morreria…

O que Mãe e Filho se terão dito nessa despedida? Terá sido uma surpresa que durou um minuto? Ou Ele A avisou com um mês de antecedência? Nessa hipótese, para Nossa  Senhora esse mês terá parecido um minuto, porque Ela quisera uma despedida muito mais prolongada?

São maravilhas que nos serão reveladas no Céu, e diante das quais não teremos palavras para manifestar nossa veneração e adoração. Após Nosso Senhor ter iniciado sua  vida pública, Nossa Senhora é procurada pelas santas mulheres e se incorpora a essa família de almas cujos cuidados Jesus Lhe confia.

“Conversas” de Nossa Senhora com o Espírito Santo

Todas essas considerações nos parecem de extrema beleza. Porém, como são restritas diante de realidades ainda mais altas! Sabemos, por exemplo, que Nossa Senhora é a  Esposa do Divino Espírito Santo. Quantas graças a Terceira Pessoa da Santíssima Trinidade Lhe concedia, para que conhecesse e meditasse em tudo quanto acontecia? Quantas perguntas não terá feito ao Divino Consorte, dirigindo-se a Ele com as palavras: “Meu Rei, meu Senhor e meu Esposo”?

Se o relacionamento d’Ela com seu marido segundo a lei, São José, era tão bonito e tocante, como não terá sido com o Divino Espírito Santo? Por exemplo, no momento da  Encarnação, Ele se tornou Esposo d’Ela.

Ora, no ato dos desponsórios, o homem oferece à sua mulher um presente magnífico. Que dádiva extraordinária o Divino Espírito Santo terá concedido a Maria? Que graças?  Que esplendores? Tal escapa à nossa pobre imaginação…

Esperanças e apreensões de Nossa Senhora

Durante a vida pública, ao contemplar as pregações e milagres de Nosso Senhor, parecia a Nossa Senhora que a promessa da glória estava se realizando. Mas, de outro lado, com seu discernimento dos espíritos incomparável, Maria Santíssima percebia que Satanás rondava pelo ambiente, e sentia o ódio que ele incutia em algumas almas.

Pensemos noutra circunstância. Como diz São Tomás de Aquino em seu belíssimo hino eucarístico “Lauda Sion: In suprema nocte cenæ”, na última noite da ceia, véspera da Paixão, “recumbens cum fratribus”, estando sentado com os irmãos, que são os Apóstolos, Nosso Senhor celebrou a primeira Missa.

Provavelmente, Nossa Senhora se encontrava no Cenáculo, e recebeu também a Comunhão. Que maravilha não terá sido a Primeira Comunhão de Nossa Senhora! Mas, Ela ouviu igualmente a terrível profecia: “Um de vós há de Me trair”. Viu Judas sair de modo apressado do Cenáculo, com essa intenção.

O Evangelho narra a cena de modo tocante, com palavras que têm um caráter muito simbólico: “Fora, era noite…”

Ela viu Nosso Senhor sair em seguida. Talvez Ele tenha se despedido d’Ela. Ter-Lhe-á dito que era chegada sua hora, ou A deixou na dúvida? Ele e os discípulos se retiraram depois de  terem cantado um hino pascal, e penetraram naquela mesma noite, na qual ecoavam os passos de Judas.

O que terá acontecido com Nossa Senhora nos instantes seguintes? Provavelmente, o fundo de quadro da meditação d’Ela eram as promessas de triunfo recebidas na Anunciação. Porém, havia o preço da glória, não mencionado pelo Arcanjo naquele jubiloso encontro, e esse preço era a dor.

Pensemos, então, na Virgem Dolorosa, na hora mais terrível da Paixão, no meu entender o momento em que Nosso Senhor exclamou em altos brados: “Meu Pai, Meu Pai,  por que Me abandonastes?”

É um brado de sofrimento e de dilaceração, mas são também as palavras iniciais de um Salmo cujo triunfante tom final parece prenunciar a Ressurreição. Que sentimentos  terão ido na alma santíssima de Maria, ao ouvir esse clamor de Jesus?

Por outra parte, Ela vislumbrou, antes da morte d’Ele, o primeiro clarão de alegria, quando O ouviu dizer ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Essa afirmação  significava que Nosso Senhor nunca perdeu de vistas, mesmo em meio às dores mais lancinantes, que Ele estava assim abrindo para a humanidade as portas do Céu.

As promessas divinas se realizam em meio a aparentes desmentidos Das presentes reflexões nos é dado tirar uma conclusão que pode ser resumida em poucas palavras. Com a Anunciação, foi comunicada a Nossa Senhora, e através d’Ela a todo o gênero humano, a Encarnação do Verbo. Com o seu “Sim!”, o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

No dia da Anunciação, a Palavra de Deus raiou num amanhecer de alma repleto de louçania, com promessas superlativas. Mas se as promessas de Deus suscitam as mais  alegres esperanças, elas soem passar também por aparentes e terríveis desmentidos. É o modo de agir da Providência.

Nesse sentido, a Anunciação foi também a proclamação de que a autêntica glória não consiste em não sofrer humilhações e derrotas, mas, sim, em lutar pela Verdade. A alma santíssima de Nossa Senhora, habituando-se às promessas, às alegrias e aos desmentidos, constitui para os católicos o sublime exemplo de submissão à vontade de  Deus, manifestada por Ela, de modo inigualável, no humilde “fiat” que ecoou por toda a sua vida.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Pureza, humildade, obediência

Na Anunciação, a atitude de Maria, a Virgem das virgens, foi perfeitamente virginal. De outro lado vemos como Ela foi humilde em toda a linha. Aquela que Deus destinara para ser sua Mãe, preparando sua alma e seu corpo para estarem inteiramente proporcionados — tanto quanto possível a uma criatura humana — à honra de ser a Mãe do Messias, não tinha de Si uma alta ideia. Pelo contrário, ficou perturbada porque julgou que o elogio do Anjo não podia caber para Ela.

Contudo, bastou São Gabriel dar-Lhe a certeza de que isso vinha de Deus para Maria responder: “Ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum — Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra”.

Assim, da humildade e da pureza conjugadas em Nossa Senhora resultou sua aceitação do plano de Deus, a respeito da Encarnação do Verbo.

Há, entretanto, outro “fiat” de Maria que é uma verdadeira beleza. Aos pés da Cruz, Deus quis que Ela consentisse em oferecer o seu Filho como vítima. Nossa Senhora O via estertorando na Cruz, dando aquele brado: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonastes?”, e consentiu que aquilo se passasse para o gênero humano ser resgatado e as almas poderem ir ao Céu. Porque Deus queria que Ela quisesse, Ela quis! São os dois atos supremos de obediência da Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/3/1990)

Encarnação do Verbo: o mistério da Contra-Revolução

A Festa da Anunciação do Anjo a Nossa Senhora nos convida a admirar este sublime paradoxo: no momento em que a Virgem Santíssima afirmava ser a serva do Senhor, o próprio Deus quis fazer um supremo ato de servidão, de dependência e de escravidão em relação a Ela. Nisto encontramos a perfeição do espírito da Contra-Revolução.

 

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem(1), São Luís Grignion de Monfort tem o seguinte pensamento:

Os verdadeiros devotos de Nossa Senhora terão uma devoção especial pelo mistério da Encarnação do Verbo, a 25 de março, que é o mistério adequado a esta devoção,…

Quer dizer, da sagrada escravidão.

…pois que esta devoção foi inspirada pelo Espírito Santo: primeiro, para honrar e imitar a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria, para glória de Deus seu Pai e para nossa salvação; dependência que transparece particularmente neste mistério em que Jesus se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo dela em tudo; segundo, para agradecer a Deus as graças incomparáveis que concedeu a Maria, principalmente por tê-La escolhido para sua Mãe digníssima, escolha feita neste mistério. São estes os dois fins principais da escravidão a Jesus Cristo em Maria.

Um grau de sujeição inimaginável

O pensamento muito profundo é de que Nosso Senhor, vivendo em Maria durante o tempo da Encarnação, esteve em uma dependência incomparável d’Ela, pois sendo já inteiramente lúcido, ficou, entretanto, completamente dependente, como uma criança no seio materno depende de sua mãe.

É o maior estado de submissão que se possa imaginar. Uma criança fora do ventre materno tem uma vida própria, liberdade de movimentos, enfim, todo um dinamismo próprio ajudado pela mãe. Mas não vive, propriamente, da vida da mãe. Pelo contrário, a criança que está no seio materno, vive da vida da mãe; em tudo é conduzida e, por assim dizer, circunscrita por ela.

Como sujeição, é um estado bastante semelhante ao de escravidão, porque neste o escravo renuncia completamente à sua liberdade para ficar inteiramente circunscrito pela vontade de seu senhor. Sua vida, seus atos são para o serviço de seu senhor, seus pensamentos tendem a ele. Assim era Nosso Senhor em relação a Nossa Senhora.

Aquele que, sendo infinito, criou o universo e a quem o Céu e a Terra não podem conter, foi contido pelas entranhas indizivelmente gloriosas da Santíssima Virgem e teve para com Ela um grau de sujeição inimaginável!

Em resposta ao “Non serviam” de Lúcifer, o “Amém” do Filho de Deus

Portanto, quem quiser ser verdadeiro escravo de Nossa Senhora deve venerar de modo muito especial essa miraculosa e insondável sujeição de Jesus a Maria, na qual o infinitamente maior deixou-Se dominar e conter pelo menor, na realização de um plano divino, cuja sabedoria excede a qualquer cogitação humana.

Por outro lado, este é o mistério da Contra-Revolução, porque se a Revolução é um grande “Non serviam”(2), o mais alto grau de alienação – praticado pelo Filho de Deus em Maria Santíssima – é o mistério que mais esmaga a psicologia, a mentalidade e os falsos ideais da Revolução. Em lugar do “Non serviam” é o “Amém”. Lúcifer bradou: “Não servirei”; Nosso Senhor disse: “Assim seja” a tudo quanto Nossa Senhora quis.

Exatamente isso dá uma constrição especial no homem de espírito revolucionário, diabólico. Não é apenas ver a Deus servido por sua criatura e, portanto, sendo observada aí uma espécie de ordem de mérito, mas é o próprio Criador querendo obedecer à sua criatura e esta mandando n’Ele. É levar a obediência a um grau que se não soubéssemos, pela Revelação, ter havido a Encarnação, nunca poderíamos imaginar que essa virtude chegaria a tal extremo.

Se isso deu tanta glória a Deus, a ponto de naquilo que abusivamente poderíamos chamar a História d’Ele – porque Deus é infinito e não tem História – Ele quis que figurasse esse ato de obediência insondável, compreendemos também como a obediência praticada por nós dá glória a Nossa Senhora. Em contrapartida, como a revolta injuria a Maria Santíssima e seu Divino Filho.

Vemos, assim, até que ponto a Revolução é odiosa a Deus, e isso nos leva a compreender melhor o Inferno, com seus tormentos eternos, o desespero completo, o esmagamento perpétuo do demônio, à vista do fato de que ele atentou contra este princípio: ele deveria obedecer e não quis.

Certos teólogos dizem que a revolta de Lúcifer deu-se porque lhe foi mostrado o plano da Encarnação e dada a ordem de adorar o Verbo de Deus Encarnado. E por ser um anjo de tão alta categoria, ele não quis e revoltou-se.

Esta hipótese, que me parece totalmente provável, adquire uma clareza ainda maior se pensarmos no demônio considerando Nosso Senhor Jesus Cristo contido no claustro sacratíssimo de Nossa Senhora e obedecendo a Ela. Ver essa obediência do Verbo Encarnado a uma criatura infinitamente menor do que Deus – por mais excelsa que seja –, e a inferioridade d’Ele em relação a essa criatura, isso deve ter levado ao paroxismo a indignação de Lúcifer.

A festa da Contra-Revolução

Nós podemos dizer, portanto, que o dia 25 de março é a festa da Encarnação do Verbo, da escravidão a Nossa Senhora, da Contra-Revolução. É a festa na qual se celebra o espírito de obediência, o amor à hierarquia, à ordem, à dependência, a tudo quanto a Revolução odeia.

É mais do que concebível que nos preparemos para essa festa por meio de orações especiais para pedir a Nossa Senhora que esse espírito representado pela Encarnação atinja em nós a plenitude desejada por Deus quando nos criou.

De outro lado, vemos também o espírito mais do que humilde e contrarrevolucionário de Maria Santíssima em face deste mistério. Quando Ela soube que o Verbo Se encarnaria n’Ela, sua reação não foi de Se vangloriar, mas de pronunciar esta frase humílima: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Como se dissesse: “Se Deus quer de mim essa coisa inexplicável, isto é, que eu mande n’Ele, até isso Ele pode exigir de mim. Portanto, se Deus pede o meu consentimento a essa situação inimaginável, por obediência a Ele, n’Ele mandarei! Mas é Ele o Senhor, e a sua vontade, em todas as coisas, eu farei.”

Como ganha um realce especial, à luz disso, a atitude de Nossa Senhora na Anunciação, dizendo-Se escrava de Deus no momento em que Ele queria fazer um ato supremo de servidão, de dependência, de escravidão em relação a Ela! Encontramos nisto a perfeição do espírito da Contra-Revolução.               v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/3/1971)

Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)

 

1) Cap. VIII, art. 1, §4, n. 243.

2) Do latim: “Não servirei.”