Escravidão de amor, desponsório místico e troca de vontades

Cada pessoa deve procurar levar uma vida de tal modo unida a Nosso Senhor que seus pensamentos, olhares e gestos, por mínimos que sejam, se conformem à mentalidade do Redentor.

 

Pedem-me para comentar a frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Embora nunca tenha lido comentários de exegetas sobre isso, vou dar a impressão que me causa este texto tão conhecido.

Cada um deve atingir um tipo de santidade para imitar perfeitamente Nosso Senhor

Nosso Senhor Jesus Cristo tem a respeito de cada um de nós um desígnio enormemente abrangente. Um modo superficial de considerar o texto de São Paulo seria afirmar que “não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” significa realizar os desígnios de Nosso Senhor a meu respeito e, portanto, devo abandonar meu próprio egoísmo e fazer a vontade d’Ele. Nisto está a vida d’Ele em mim.

Tudo isso é correto, mas é uma concepção muito limitada a respeito dessa vida d’Ele em cada um de nós. A meu ver, chega-se ao fundo do assunto considerando o seguinte:

O desígnio de Nosso Senhor para cada homem não é apenas que um, por exemplo, seja religioso; outro chegue a uma alta posição num governo e faça um decreto estabelecendo a união entre a Igreja e o Estado, em termos muito convenientes para a Igreja; e que outro funde uma escola, uma Universidade Católica… Sem dúvida, isso tudo faz parte dos desígnios da Providência, mas nunca, absolutamente nunca, os desígnios divinos sobre um homem se cifram exclusivamente naquilo que se poderia chamar a obra da vida dele.

Deus tem o desígnio de que sejamos inteiramente configurados em nossa alma, de maneira a realizar um tipo de santidade, pela qual, sendo cada qual o que é, imite a Ele perfeitamente, dentro desta via que procede das peculiaridades de cada um. E seja, por assim dizer, uma reedição d’Ele. É isso que Ele quer.

A personalidade de Deus é imensamente rica. E todos os homens que Ele criou, desde Adão até os últimos que vão existir, constituem uma série dentro da qual cada um deve imitar a personalidade d’Ele num ponto, como se Ele não tivesse sido senão aquilo. Assim todos os homens repetem de algum modo, num grau maior ou menor, Nosso Senhor Jesus Cristo, à maneira de uma coleção. De maneira que, visto o conjunto, dê uma superimagem de Nosso Senhor que apresente no Céu uma noção global d’Ele. De modo que Ele, olhando a humanidade toda glorificada no Céu, Se veja representado. E nessa representação encontre sua glória.

Esse é um pensamento que tem seu fundamento no fato de Deus ter feito a Criação ao longo de seis dias, e no sétimo descansou. E ao contemplar os seres criados, viu que cada coisa era boa, mas o conjunto era melhor (cf. Gn 1, 31).

O modo de fazer todas as coisas envolve uma perfeição espiritual

Assim também a Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Homem-Deus, vai ser dada essa glória de que todos os homens no Céu, no seu conjunto, representarão a Ele, como a Criação representa a Deus. Cada bem-aventurado no Céu O representa bem, mas o conjunto representa melhor, e proporciona uma noção global d’Ele que nenhum homem deu; exceção feita da Santíssima Virgem. Porém Ela também faz parte do conjunto que representa a Ele, embora seja a parte mais esplêndida, mais gloriosa — de longe! — entre as meras criaturas. A tal ponto que sem Nossa Senhora tudo isso não valeria nada; mas com Ela vale inimaginavelmente.

Então, Ele quer que eu toque toda a minha vida — mas a minha vida abrange meus olhares, meus pensamentos, meus gestos, por mínimos que sejam, e que, no fundo, exprimem algo de minha mentalidade. Ele quer que seja como a mentalidade d’Ele, vista nesse ângulo minúsculo que se chama “a individualidade de Plinio Corrêa de Oliveira”. Mas isso é assim com todos aqueles que andam pela rua, inclusive os que estão se perdendo.

Por exemplo, eu poderia agora querer um copo d’água. Do ponto de vista moral, é inteiramente indiferente que eu beba ou não a água. Mas se eu bebê-la agora de modo oportuno, temperante, agirei de acordo com Ele; se eu ingerir essa água de um modo inoportuno, intemperante, por uma razão sem fundamento, embora o beber água seja neutro, a ocasião escolhida por mim para ingeri-la envolve uma razão moral.

O modo de fazer todas as coisas neutras envolve uma perfeição espiritual, com vistas a fazer a vontade d’Ele e ser a cópia d’Ele em tudo, mas aquela cópia que só eu serei, e mais ninguém. Se eu ratear, ninguém mais fará; e se fizer bem feito, estará bem feito por toda a eternidade.

Isso envolve a nossa vida inteira, em dois sentidos: toma-nos por inteiro, de um lado; e, de outro lado, é por uma vida procedida d’Ele que somos capazes disso. Porque Ele vê que pela nossa mera natureza humana, em consequência do pecado original, somos incapazes de alcançar essa perfeição. Por esta razão recebemos d’Ele a vida da graça, dom criado por Ele, que é uma participação na sua vida divina. Recebemos essa participação e passamos a viver com uma categoria por onde participamos da vida do próprio Deus, o que nos torna capazes de realizar o plano d’Ele a nosso respeito.  

Portanto, se eu considero minha vida assim e me entrego a isso, posso dizer que já não sou eu que vivo; nesse sentido de que não faço os meus planos, senão os planos de Deus.

É Ele que vive, mas de um modo singular, porque não sou como uma marionete nas mãos de Deus. Eu entendo, quero e sinto por iniciativa minha, proveniente da graça d’Ele, como Ele queria que eu fizesse. Ou seja, é um penetrar fundo, como mais profundo não se pode penetrar.

Belezas que dão realidades extraordinárias

Assim, compreendemos também os segredos da misericórdia de Deus, porque entendemos bem o amor que Ele tem a cada um de nós, para chegarmos a tal ponto que estejamos unidos com Ele. Quer dizer, ao sermos criados Deus teve o plano de que tal perfeição d’Ele, que nunca ninguém teria conhecido — ao menos entre os homens e exceção feita, naturalmente, de Nossa Senhora —, brilhasse em nós; é como se Ele tirasse de dentro de Si mesmo um raio de luz e o desse para nós. E é um dos como que infinitos modos de ser d’Ele. Ou seja, fazendo-nos isso, não poderia deixar de nos amar infinitamente, porque Ele é infinito.

O amor que o Criador tem a nós é um reflexo do amor que Ele tem a Si próprio. Compreende-se melhor também por que Nosso Senhor morreu por nós: para termos a graça e podermos realizar esse plano.

Estou apenas coligando dados correntes da Doutrina Católica. Mas esses dados conduzem a um plano suntuoso, fabuloso! E de um gênero de união como não se pode imaginar que exista, nem d’Ele conosco, nem entre nós. Porque como duas quantidades ligadas a uma terceira estão ligadas entre si, vê-se como o nexo existente entre todos os filhos da luz é uma coisa seríssima, gravíssima, dulcíssima.

Há uma realidade mais bonita ainda, que é a seguinte: De fato, nós constituímos assim um todo chamado Humanidade, que Deus honrou unindo a natureza humana hipostaticamente a Ele. Mas essa Humanidade é apenas uma unidade do universo, porque nós fazemos parte da Criação. E na Criação existem os Anjos; se bem que a união hipostática não se tenha dado neles, os Anjos por sua natureza são muito superiores a nós, são puros espíritos. E os Anjos deveriam realizar um universo assim também. Mas eles não realizaram porque muitos deles apostataram, e se tornaram demônios.

Os planos se superpõem, de maneira que nessa sociedade dos homens, tomados os que se salvem e entrem para o Céu, eles preenchem o lugar dos anjos decaídos. E nós ao mesmo tempo formamos com os Anjos um todo à parte. É de uma grandeza desconcertante! E isso, mais o Céu empíreo, mais a Criação que vai continuar — Sol, Lua, tudo isso vai continuar — forma então o todo dos todos, no pináculo do qual está Nossa Senhora, que é mera criatura. E acima d’Ela, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Compreende-se nesta perspectiva a Encarnação, o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14); tudo isso forma, por sua vez, belezas que dão realidades extraordinárias, feitas para serem meditadas por cada um de nós.  

Às vezes nos regalamos, por exemplo, com um dito espirituoso francês. Entretanto muito mais são de regalar as coisas que Deus diz e faz. No Céu nós vamos contemplar isso eternamente.

E pensar que se põe em risco toda esta maravilha, por um mau olhar na rua… Cai-se morto na hora e vai-se para o Inferno. Quer dizer, o que nós nos expomos a perder, a qualquer momento, é uma coisa inimaginável! Somos uns doidos, uns cretinos, nem sei dizer o que somos, quando nos arriscamos a perder isso!

Desponsório místico que se realiza na alma de cada um que se entrega a Nosso Senhor

Há, entretanto, outra realidade a considerar que constitui um universo dentro desse universo.

Está na intenção de Nosso Senhor que certas perfeições d’Ele sejam especialmente representadas por outras criaturas; e para que essas perfeições brilhem bem, Ele quer uma família de almas. Então, às vezes, é uma nação; outras vezes, uma área de civilização; às vezes uma Ordem religiosa. São famílias de almas chamadas a representar de algum modo uma determinada perfeição ou uma constelação de perfeições d’Ele.

De todas essas representações, a família religiosa é a que tem mais riqueza de representação dos que as outras, porque a natureza do vínculo criado por ela é muito mais forte do que nas outras.

Entre os indivíduos de uma mesma pátria, por exemplo, há aquela vinculação natural baseada em tradições e laços históricos. Nesse conjunto natural há também os elementos sobrenaturais, que levam a constituir-se uma grande nação católica a qual pode formar um corpo místico dentro do Corpo Místico.

A doutrina do Corpo Místico chega a tal ponto que, por exemplo, eu vi certa vez uma referência antiga, da Idade Média, ao “corpo místico da Universidade de Paris”. A Universidade de Paris naquele tempo era uma espécie de crisol de ortodoxia muito especial, que a Santa Sé tomava muito em consideração.

Assim também uma família religiosa constitui um “corpo místico”, no qual o Fundador deve representar de modo mais excelente as qualidades que o corpo todo tem que espelhar. Mas cada um dos membros daquela família, chamado a espelhar determinada perfeição de Nosso Senhor, reflete essa qualidade enquanto existente no Fundador, e é uma repetição do Fundador, como o conjunto dos fundadores é uma repetição de Nosso Senhor.

Então, os vínculos de alma entre súdito e Fundador tomam toda a analogia com as relações existentes na sagrada escravidão a Maria, ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort.

A meu ver, a escravidão de amor não é senão o desponsório espiritual visto em seus efeitos. Porque se Nosso Senhor Jesus Cristo é o Esposo e a Igreja a Esposa, isso significa que a alma fiel deve portar-se face a Ele com a receptividade, o amor, a docilidade da verdadeira Esposa em relação ao verdadeiro Esposo.

Cada um de nós é um membro dessa Igreja. Portanto, esse desponsório místico se realiza na alma de cada um de nós.

Então, se alguém resolve fazer-se escravo de Nosso Senhor para ser obediente a tudo quanto os representantes d’Ele nos mandam, isto se dá por causa de um desponsório místico havido anteriormente, e que nós queremos tornar mais efetivo, mais consistente, mais durável, exatamente por meio dessa submissão.

Creio que a troca de vontades é a própria essência dos desponsórios. Feita a troca de vontades, está realizado o desponsório místico, o qual é um processo que se consuma no momento em que as vontades se uniram completamente. Assim, compreende-se que a escravidão de amor, o desponsório místico e a troca de vontades sejam aspectos de um mesmo processo unitivo; eles vão quase se revezando ou se sucedendo numa mesma realidade total.

Mas o ponto de partida é o momento em que nos enlevamos por Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nossa Senhora, pela Igreja, e nos maravilhamos de tal maneira que aceitamos que Ele nos governe como acabo de expor. É a realização da frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 9/7/1988)

Maria vivendo em seus escravos

Quando lemos a Oração Abrasada de São Luís Maria Grignion de Montfort, que dá o perfil moral de um Apóstolo dos Últimos Tempos, percebemos serem aqueles varões ali descritos capazes de ir até o último ponto das realizações, porque têm uma estrutura de alma inteiramente metódica, uma convicção profunda e um amor completo.

Assim é a alma de um verdadeiro Santo(1).

Entretanto, para alcançar esta santidade a que se referia, Dr. Plinio considerava indispensável — tal como São Luís Grignion — uma completa união de alma com a Santíssima Virgem. Como “Christianus alter Christus — o cristão é um outro Cristo” — todo católico deve também, de certo modo e guardadas as devidas proporções, identificar-se com Nossa Senhora, como nos explica a seguir Dr. Plinio:

Ao manifestar meu desejo de que Nosso Senhor viva em mim vivendo em Nossa Senhora, não me refiro a um mero existir, mas isto significa Nossa Senhora vivendo, operando, fazendo tudo em mim. De maneira que de mim só saia o que Ela quiser, minha vontade e minha inteligência ficam ligadas às d’Ela e assumidas por Ela. Assim, só penso o que Ela quer que eu pense, só faço o que Ela deseja, só consinto nos sentimentos que Ela queira que eu tenha, minha vida é a d’Ela. Este é o sentido da palavra “vida”, e é este o significado da afirmação “Maria vive em seus escravos”.

Ainda mais: é importante considerar que quando Maria vive em alguém, não é Ela quem vive, mas é Jesus Cristo que vive nesse alguém. Estabelecer limites a Nosso Senhor seria um verdadeiro absurdo. Portanto, devo querer uma entrega ilimitada à Santíssima Virgem.

Essa entrega supõe, antes de tudo, um enlevo completo, seguido de uma veneração e uma ternura completas.

Nessa perspectiva, a atitude perfeita é dar tudo, dar-se a si mesmo, por uma exigência do enlevo e como uma necessidade de sobrevivência, para não decair na vida espiritual, a ponto de amar o espírito que Nosso Senhor pôs em Maria, de maneira a querer ser para Ela como Eliseu foi para Elias.

Quer dizer, ter o espírito d’Ela, porque vejo ser um espírito vindo de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, de Deus. É o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Se eu estiver inteiramente unido a Nossa Senhora, terei a graça inefável de unir-me a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Outros aspectos do mesmo tema poderão ser contemplados na seção “Reflexões teológicas”, à página 22 da presente edição.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Conferência proferida no ano de 1967.

 

QUANDO VIRGINDADE E GRANDEZA RÉGIA SE OSCULAM

Não há louvores que não se possam fazer à virgindade.

Ela é o auge da dedicação em relação a Deus, porque o homem inteiramente casto renuncia às comodidades e aos legítimos  atrativos e aspirações da vida de família para servir um ideal superior. Um ideal que não lhe dá prêmios na terra, mas oferece recompensas no Céu. Trata-se, é claro, de um ideal católico, pois nenhum outro pode ser considerado autêntico e verdadeiro, quando desprovido do sentimento católico.

A virgindade é, então, o ápice da dedicação. É, outrossim, uma forma de grandeza. Mais ainda, é a grandeza por excelência. Consideremos um rei santo. São Luís IX era um soberano puríssimo que tinha, entre outras missões, a de perpetuar a dinastia da França. Casou-se, teve filhos, e guardou plenamente a fidelidade conjugal. É maravilhoso.

Contudo, quando ouvimos falar do Infante Dom Sebastião de Portugal — o rei casto, puro, virginal, imolado numa batalha contra os mouros nos vastos campos de Alcácer-Quibir — sentimos exalar-se um conjunto de idéias e grandezas, que adquire seu maior fulgor no fato de Dom Sebastião ser virginalmente casto.

Resplandece nele aquela auréola da castidade perfeita, não a respeitável castidade do matrimônio, mas a da inteira abstenção de qualquer contato carnal. Um varão régio e virginal, numa couraça lisa e rutilante, brilhando sob o sol da África, com uma lança na mão e uma coroa de Rei Fidelíssimo na fronte.

O trono da França era mais elevado que o de Portugal. São Luís foi um santo autêntico, canonizado pela Igreja. Esta não canonizou o Rei Dom Sebastião, e talvez houvesse certa temeridade em suas ousadias guerreiras, razão para não inscrevê-lo no rol dos Santos.

Não obstante, sua figura é cercada de uma auréola, de uma poesia, de um perfume típico de grandeza que nem o grande São Luís, nem o grande São Fernando de Castela tiveram. Nem o próprio Carlos Magno possuiu. É a aliança entre a majestade régia e a castidade perfeita, entre a virgindade e a coroa.

Nossa Senhora, a morte dos crimes

Certas pessoas podem ter a ideia de que as evoluções do mundo extinguirão os crimes. Verdadeiramente, a morte dos crimes já veio ao mundo com o nascimento de Nossa Senhora. Ela, segundo um lindo cântico gregoriano, é a “Mors críminum”, a “Morte dos crimes”.

Por sua influência, mediação, oração e comunicação de graças, Maria Santíssima mata os crimes, extirpa os pecados e elimina o mal da Terra, triunfando permanentemente sobre ele.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

O Rosário, caminho para a vitória!

Para bem compreender o valor da devoção ao Santo Rosário, analisemo-lo com maior profundidade. Após ser entregue diretamente por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, a devoção ao Rosário se estendeu rapidamente por toda Igreja, ultrapassando os limites da Ordem Dominicana e ornando-se o distintivo de muitas outras ordens que passaram a portá-lo pendente à cintura.

Tempo houve em que todo católico o trazia habitualmente consigo, não apenas como objeto de contar Ave-Marias, mas como instrumento que atraía as bênçãos de Deus. O Rosário era  considerado uma corrente que liga o fiel a Nossa Senhora, uma  arma que afugenta o demônio.

Esplêndida conjunção da oração vocal com a mental

O que vem a ser o Rosário? Em síntese, o Rosário é uma composição de meditações da vida de Nosso Senhor e de sua Mãe, somada a orações vocais. Tal conjunção — da oração vocal com a mental — é verdadeiramente esplêndida, pois, enquanto se profere com os lábios uma súplica, o espírito se concentra num ponto. Assim o homem faz na ordem sobrenatural tudo quanto pode. Porque  através de suas intenções, se une àquilo que seus lábios pronuncia m, e por sua mente se entrega àquilo que seu espírito medita.

Por esta forma de oração o homem une-se intimamente a Deus, sobretudo porque esta ligação se dá através de Maria, Medianeira de todas as graças.

Alguém poderia perguntar: “Qual o sentido de rezar vocalmente a Nossa Senhora enquanto se edita em outra coisa? Não podia ser algo mais simples? Não seria mais fácil meditar antes, e depois rezar dez Ave Marias?”

A resposta é muito simples. Cada mistério contém, nos seus pormenores, elevações sem fim, as quais nosso pobre espírito está procurando sondar… Ora, para fazê-lo com toda a perfeição, precisamos ser auxiliados pela graça de Deus, e tal graça nos é dada pelo auxílio de Nossa Senhora. Ou seja, pronuncia-se a Ave-Maria para pedir que a Virgem Santíssima nos obtenha as graças para bem meditar.

Obra-prima da espiritualidade católica

No Rosário encontramos pequenos, mas preciosos tesouros teológicos que o tornam uma obra-prima da espiritualidade e da Doutrina Católica. Esta devoção contém enorme força e substância; ela não é apenas feita de emoções; pelo contrário, é séria, cheia de pensamento, com razões firmes. Ela constitui a vida espiritual do varão católico como um sólido e esplendoroso edifício de conclusões e certezas.

Além disso, a meditação de cada mistério da vida de Nosso Senhor proporciona ao fiel receber graças próprias ao fato que está contemplando.

Ao analisarmos as incontáveis graças que Maria Santíssima vem distribuindo por meio da recitação do Santo Rosário, vemos nele algo que o torna superior a outros atos de piedade mariana. Ora, qual é a razão disto?

Antes de mais nada, vale salientar que Nossa Senhora, sendo excelsa Rainha, tem o direito de estabelecer suas preferências! E Ela quis elevar esta devoção além das outras, distribuindo graças especialíssimas através da recitação do Santo Rosário.

Batalha de Lepanto

Entre as diversas graças insignes alcançadas pela recitação do Rosário está a vitória obtida pela Cristandade na Batalha de Lepanto.

São Pio V, então Pontífice, encontrava-se aflito diante da ameaça otomana que cercava a Europa cristã. Ordenou, então, que toda a Cristandade rezasse o Rosário a fim de suplicar a intervenção de Nossa Senhora.

Antes da terrível batalha ocorrida no Golfo de Lepanto, a sete de outubro de 1571, entre as hostes cristãs e muçulmanas, os soldados católicos rezavam o Rosário com grande devoção.

Segundo testemunharam os próprios adversários, a Santíssima Virgem apareceu-lhes durante a batalha, infundindo-lhes grande pavor.

Para comemorar a grande vitória obtida neste dia, o Santo Padre instituiu a festa de Nossa Senhora do Rosário, a qual, no século  XVIII, foi estendida a toda a Igreja Católica por determinação do Papa Clemente XI.

Uma vez que por meio do Santo Rosário a Cristandade tem obtido tão grandes vitórias, não temos razão suficiente para esperar, por meio da recitação desta oração, a vitória em todas as lutas travadas ao longo de nossa existência?

Resolução de rezar sempre o rosário.

Um fato ocorrido na vida de Santo Afonso Maria de Ligório mostra-nos que, sobretudo, numa grande luta o Rosário é penhor de vitória. O santo era conduzido em cadeira de rodas, por um irmão de hábito, através dos corredores do convento, quando perguntou se já haviam rezado todo o Rosário. O companheiro lhe respondeu:

Não me lembro.

Rezemos, então. Disse o santo.

Mas o senhor está cansado! Que mal há um só dia deixar de rezar o Rosário?

Temo por minha salvação eterna se o deixasse de rezar por um só dia.

 É justamente isso que devemos pensar e sentir: o Rosário é a grande garantia de nossa perseverança final. Devemos pedir à Santíssima Virgem a graça de rezar o Rosário todos os dias de nossa vida.

Gostaria ainda de dar uma recomendação para os membros de nosso Movimento: nunca deixarem o Rosário, de modo que, mesmo dormindo, procurem ter o Rosário à mão, de maneira tal que o sintam consigo. E, se tiverem receio de que ele caia — devemos tratá-lo com toda a reverência —, pendurem-no ao pescoço, ou o coloquem no bolso.

“Eu quisera ressuscitar com o Rosário em minhas mãos”

Quando as nossas mãos não puderem mais abrir-se nem fechar-se, e forem movimentadas por outros que nos assistam, tenhamos, como última atitude de oração, o Rosário enleado em nossos dedos, de maneira que, quando chegar a Ressurreição dos mortos e de dentro do caixão nosso corpo retomar a vida, entre seus dedos vivificados esteja o Santo Rosário. Quisera eu que, no momento em que todos os justos forem convocados à Ressurreição, meu primeiro ósculo fosse no Rosário que eu encontrasse em minhas mãos.

Eis um conselho para depois da Ressurreição — nunca ouvi dizer que se desse conselhos, ou se fizesse alguma combinação para essa hora, mas proponho uma combinação: Quando todos ressuscitarmos, entre os resplendores da Ressurreição, lembremo-nos: “Estava combinado!”, e então osculemos o Rosário! Assim este Movimento, que é de Nossa Senhora, ressuscitará tendo nas mãos seu Santo Rosário!

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferências de 7/10/1964 e 10/3/1984)

 

 

 

 

Reino de Maria nos corações

Numa época tão marcada pela incerteza a respeito do futuro da humanidade, o mês dedicado a Maria nos coloca novamente diante da necessidade do reinado desta misericordiosa Mãe, na Terra. O que falta para que este Reino de Maria seja instaurado?

Como afirmava Dr. Plinio(1), a resposta a esta crucial indagação encontra-se no coração humano, e dependerá sempre do auxílio de Nossa Senhora.

A Civilização Cristã é possível ou não?

O reinado de Nossa Senhora pelo qual, gota a gota, estamos dando a nossa vida, é realizável e vem ao nosso encontro como nós caminhamos ao encontro dele? Existirá alguma vez na Terra isto que, no momento, se nos afigura como uma miragem maravilhosa chamada Reino de Maria? Ou é preciso reconhecer que o mundo é do demônio?

Primeiramente, consideremos o que se entende por Reino de Maria.

Ele será o conjunto de homens, de coisas que se conformarão com a Lei de Deus, porque Maria só é Rainha onde Deus é Rei. O Reino de Cristo é, evidentemente, o Reino de Deus; o Reino de Maria é o Reino de Cristo.

Ora, o Reino de Maria, o Reino de Deus, o que são?

Essas expressões tão bonitas só têm sentido se as considerarmos como uma era futura, de luz e de glória, na qual, não digo cada homem individualmente, mas a generalidade dos homens viverá em estado de graça, cumprindo a Lei de Deus.

E, portanto, o Reino de Maria se compõe de dois elementos essenciais. Um interno: se amará a Deus e se cumprirão os Dez Mandamentos; e outro, externo: como consequência, as famílias, as associações, as instituições, as áreas de civilização, tudo isso se organizará de acordo com o pensamento da Santa Igreja.

Põe-se, então, o problema-chave: a Lei de Deus é admiravelmente bela, os Dez Mandamentos são lindos, mas dificílimos de serem cumpridos duravelmente na sua integridade. Porque são muito grandes a atração do pecado e a preguiça do homem em realizar os esforços necessários para evitar as ocasiões de pecar. Habitualmente, quando uma circunstância concreta tenta alguém, o demônio acrescenta a essa ação natural uma tentação dele.

Como se pode evitar uma queda? Se ela não for evitável, a Civilização Cristã é uma quimera!

De fato, se Deus enviar sua graça e os homens quiserem corresponder a ela, não pecarão e permanecerão na amizade d’Ele.

Trava-se em nós, portanto, uma batalha constante entre o demônio — que exerce sobre nós uma ação preternatural para nos levar ao estado de criatura coberta de pecados — e Deus, que quer nos levar para o Céu, e para isso nos eleva à ordem sobrenatural, nos protege e ajuda.

Assim, o pêndulo de nossa vontade está continuamente convidado por Deus para subir e pelo demônio para descer.

A Civilização Cristã fica dependendo, em última análise, da correspondência que o homem dê à graça de Deus.

Então, a grande luta de nossa vida é, como leões, contra o demônio e contra aqueles que querem perder as pessoas. Devemos, pois, fazer todo o possível para que não pequemos e as outras almas sejam salvas.

O homem que se preocupe somente com sua alma e não com a salvação das outras, está fora da Lei de Deus, porque o homem deve amar o seu próximo como a si mesmo por amor a Deus. Portanto, ele tem a obrigação de salvar os outros, e não pode ser indiferente a que alguém se perca.

Se eu pedir, não só para mim, mas para os próximos a mim, para todo o gênero humano que se levantem como um só homem e passem a servir Maria, então terei lutado valentemente pela instauração do Reino de Maria.

De posse dessas considerações, devemos pedir a Nossa Senhora que faça de nós almas de oração, de fogo, que “incendeiem” o mundo.

Teremos, assim, a possibilidade — cada um dentro de si mesmo — de proclamar o Reino de Maria, e dizer: “Em mim, ó minha Mãe, Vós sois a Rainha, eu reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas ordens. Dai-me luz de inteligência, força de vontade, espírito de renúncia para que as vossas ordens sejam efetivamente obedecidas. Ainda que o mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço”.

E no mundo, nessa torrente de desordem, de pecado, há um brilhante puro, um brilhante adamantino. Esse brilhante é a alma daqueles que podem afirmar: “Em mim Nossa Senhora manda”. A Santíssima Virgem continua a ter, assim, uns enclaves no mundo: aqueles que, pela consagração, se fazem seus escravos e, reconhecendo todo o poder d’Ela sobre eles, declaram: “Esteja o mundo revoltado como estiver, eu me levanto e começo a Contra-Revolução, para que Ela reine sobre os outros também”.

É o reinado de Nossa Senhora vista enquanto mandando em mim e fazendo de mim um soldado da Contra-Revolução, que luta para tornar efetiva a realeza de Maria na Terra.

1) Cf. conferências de 31/5/1975 e 11/5/1994.

Maria… fora de comparação!

“De Maria nunquam satis”. Com esta curta mas expressiva frase, afirma São Bernardo que nunca se louvou, exaltou, honrou, amou e serviu suficientemente a Maria. Dr. Plinio demonstrou sempre grande entusiasmo por esta tese. Apesar de sua imensa capacidade de expressão, gostava ele de reafirmar a insuficiência do vocabulário humano para exaltar convenientemente a Rainha do Céu e da Terra.

 

Neste mês de Maio, mês de Maria, nossos leitores gostarão certamente de conhecer uma significativa amostra dessas manifestações de devoção mariana. Para tanto, transcrevemos um pequeno trecho de seus comentários sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”.

Sendo Deus “Aquele que é”, nunca se passou nada que, de longe, pudesse ser tão importante como a Encarnação do Verbo. Este é um fato relacionado com a própria natureza divina, e tudo que diz respeito a Deus é incomparavelmente mais importante do que tudo que diga respeito ao homem. A Encarnação de Deus a tudo transcende em importância.

Por este motivo, o papel de Nossa Senhora na Encarnação situa bem o papel d’Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles têm de mais importante e de mais fundamental.

Achamos admirável, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido Constantino para tirar a Igreja das catacumbas. Mas o que é isto, perto de ter escolhido Nossa Senhora para n’Ela ser gerado?  Absolutamente nada! Admiramos muito o Pe. Anchieta, porque ele evangelizou o Brasil. Mas o que é evangelizar um país, em comparação com o cooperar na Encarnação do Verbo? Nada!

Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de restabelecer o reino de Cristo, e suponhamos que Nosso Senhor escolhesse um só homem para esta tarefa. Nós acharíamos esta missão algo de formidável, e com razão. Mas, o que seria isto em comparação com a missão de Nossa Senhora? Nada! Ela situa-se num plano que está fora de comparação com a missão histórica de qualquer homem. A respeito de Nossa Senhora é-se sempre obrigado a repetir a expressão: “fora de comparação”, porque Ela faz estalar todo o vocabulário humano. Há uma tal desproporção entre Ela e todas as demais criaturas, que a única coisa segura que se pode dizer é que é “fora de comparação”…

* * *

Estava já em fase final de preparação este número de nossa Revista quando o Papa João Paulo II presenteou o orbe católico com a encíclica Ecclesia de Eucharistia (A Igreja vive da Eucaristia),  datada de 17 de abril, Quinta-Feira Santa. Nesse luminoso documento,  o Papa ressalta a suprema importância do Sacrifício do Altar, centro e ápice da vida cristã, e incita os fiéis do mundo inteiro  a darem todo o valor devido a este imenso dom de Deus, que é a presença real de Cristo na Eucaristia.

Por uma feliz coincidência, é este o tema da seção “Dr. Plinio comenta”: a grande alegria que dá a Jesus Cristo quem O recebe na Comunhão, ou ao menos faz uma curta visita ao Santíssimo  Sacramento, e a estreitíssima intimidade que Ele estabelece com a alma que O recebe.

Em consonância com os anseios manifestados pelo Santo Padre em sua valiosa encíclica, trataremos mais amplamente do tema da Eucaristia no próximo número, mês da festa do Corpo de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

A mediação universal de Nossa Senhora

O  meio para atingirmos a finalidade de nossas vidas é sermos devotos de Nossa Senhora. Ela é medianeira de todas as graças; todos os nossos pedidos vão a Jesus Cristo, Nosso Senhor, por meio d’Ela.Isso se exprime de um modo característico com um axioma da Teologia: um pedido feito a Deus por todos os anjos e santos, em conjunto, ao qual Nossa Senhora não se associe, não é atendido. Porém, se Ela pedir sozinha será atendida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 28/10/1990)

Ponde em mim os olhos de Vossa piedade

Minha Mãe, eu sei bem, ou ao menos julgo saber bem, quais são os meus defeitos. Receio, porém, ter uma noção hipertrofiada de minhas qualidades. Vós bem sabeis como é uma coisa e como é outra.

Não me interessa saber até que ponto minhas qualidades podem me obter o que eu preciso; nem me interessa saber até que ponto meus defeitos atraem sobre mim punições que eu poderia não sofrer se eu não os tivesse. Porque Vós vedes tudo isso e Vós rezais por mim com empenho de Mãe de Misericórdia. E onde entram os vossos méritos e a vossa súplica, o contributo de minha súplica é uma gota de água.

Entretanto, Vós quereis a oração de vossos filhos. Olhai, pois, para as minhas necessidades, elas são um bramido que se levanta a Vós, pedindo-Vos aquilo que eu preciso.

Tende pena de mim, ponde em mim os olhos de vossa piedade, e atendei-me.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/11/1988)

Refúgio por excelência

Está na perfeição de Maria Santíssima ser um imenso, perene e contínuo refúgio para todos os seus filhos, de modo especial em relação aos pecadores, sejam eles quais forem, culpados de faltas leves ou graves. Tudo que diz respeito a Nossa Senhora é admirável, extraordinário, excedendo a nossa capacidade de cogitação. Assim também a sua disposição em amparar os que andaram mal, em perdoar pecados de tamanho inimaginável e ingratidões insondáveis, desde que a alma se volte para Ela e Lhe peça o maternal auxílio.

A Mãe de Deus pode cobrir tudo, proteger tudo, alcançar toda espécie de perdão para toda espécie de crime. Ela é, na verdade, o nosso refúgio por excelência.