Mãe da filha primogênita da Santa Igreja

À maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, Santa Clotilde, do meio de um povo pagão e bárbaro, faz germinar nas fontes batismais de Reims a nação primogênita da Igreja, conferindo a ela sua graça, beleza e fé.

Em 3 de junho comemora-se a festa de Santa Clotilde. Sobre ela há uma referência tirada da obra L’Année Liturgique de Dom Guéranger.

Grande vocação nascida entre infortúnios

Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.

Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.

 

Vocações cujos méritos vêm de Nossa Senhora

Dom Guéranger mostra muito bem o contraste havido no começo da vida dessa rainha e o fim. No início opressa, perseguida, etc. De repente, sobe ao trono, mas de um rei pagão e bárbaro, o qual se converte. Ele se convertendo surge daí uma nação católica. Vemos assim a linda vocação que ela possuía.

Todas as vocações muito bonitas começam de um modo tremendo.

São contragolpes, dificuldades, coisas impossíveis, etc. É desses espinhos que germina a vocação bonita. Fala-se muito da beleza da rosa, mas há uma flor que rivaliza com ela em formosura e talvez seja mais bonita: a flor do cacto.
O cacto é uma planta horrenda: geralmente grossa, espinhada, sem perfume nem forma definida, uma espécie de animal antediluviano no reino vegetal. Pois bem, disso brota essa beleza de flor.
Assim também são as grandes vocações. Elas nascem de sofrimentos inenarráveis, decepções tremendas, revezes que se entrecruzam, derrocadas inesperadas.
No meio disso tudo, à maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, vai surgindo uma maravilha que é a vocação, cujo êxito não se deve a nenhum mérito humano, mas a Nossa Senhora.
Em uma de suas epístolas São Paulo diz: “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?” (Rm 11, 35) Quer dizer, primeiro Deus nos dá algo, depois fazemos algo por Ele e premia em nós o próprio dom concedido. Essa realidade convém muito termos em vista.
E aqui está Santa Clotilde, sob essa interpretação. Desde pequena preservada e guiada para isso, não porque ela tenha feito algo, mas porque a Providência quis e ela foi correspondendo. Aí está a santidade e o mérito dela. Mas no início foi todo ele de Deus.

“Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência”

 

Em seguida a ficha diz:

Deus quis que o homem saindo de suas mãos ainda sem poder contemplar diretamente seu autor, encontrasse como primeira tradução de seu amor infinito a ternura de uma mãe. Isso dá às mães essa facilidade única de completar, pela educação, na alma do filho, a reprodução completa do ideal divino que deve nele imprimir-se.
O pensamento de Dom Guéranger é belíssimo. Como o Criador faz o filho nascer de sua mãe, ela tem uma intuição especial para completar nele a obra divina. Isso é real em relação à mãe terrena, mas se refere muito mais a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, na qual somos gerados e que te

m, portanto, uma intuição materna para completar em nós a obra de Deus. E essa verdade se aplica também de modo insondável a Nossa Senhora.

Continua o texto:
E se tão grande é a maternidade na ordem da natureza, muito mais sublime ainda o é na ordem da graça. É o exemplo da Santíssima Virgem, Mãe de Deus e, como decorrência, Mãe de todos os homens. E toda maternidade não foi, desde então, num verdadeiro sentido, senão uma decorrência da de Maria, uma delegação de seu amor e a comunicação de seu augusto privilégio de dar aos homens que devam ser seus filhos. A dignidade de mãe cristã foi acrescida por

Maria a um ponto em que a natureza nunca poderia suspeitar.

Como Clotilde, frequentemente a esposa, preparada pelo divino sofrimento, ver-se-á dotada de uma fecundidade mil vezes maior do que a terrena. Felizes os homens nascidos, pelo favor de Maria, dessa fecundidade sobrenatural, que resume todas as grandezas. Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência.
Ele faz aqui uma linda comparação. O que Santa Clotilde foi para os franceses, Nossa Senhora o é para todo o gênero humano. Ela é a mãe de todos os católicos.
E assim como da graça, da beleza e da fé de Santa Clotilde originou-se a nação, outrora da fé, da graça e da beleza, assim também nós ao nascermos de Maria Santíssima. Ela nos comunica a sua beleza espiritual, a sua graça e sua fé. Somos seus filhos porque tudo recebemos d’Ela, e por Ela somos gerados.v

(Extraído de conferência de 3/6/1969)

Operando maravilhas…

A alma medieval era encantada por todas as formas de maravilhoso, mesmo as mais diversas… Há um fato na vida de Santo Antônio de Pádua, típico deste gracioso medieval:

Estando certa vez num povoado marítimo — o qual era repleto de hereges — Santo Antônio dispôs-se a fazer uma pregação sobre a onipotência divina. Como ninguém vinha escutá-lo, voltou-se para o mar e disse: “Já que não há aqui ninguém que queira ouvir a palavra de Deus, vós, puras criaturas, vinde ouvir-me a fim de ser confundida a indocilidade destes ímpios”. Logo surgiram milhares de peixes, os quais, pondo a cabeça para fora da água, pareciam prestar grande atenção na pregação de Santo Antônio. Ao fim de sua exortação, deu-lhes a bênção e despediu-os. Diante de tal milagre, todo o povo converteu-se.

Que maravilhosa a alma de Santo Antônio, tão humilde e cheia de fé: no desprezo a si próprio ele vê, no fundo, um desprezo à palavra de Deus; e, para reparar a ofensa feita a Deus, com toda simplicidade, opera um milagre extraordinário. Este foi o espírito intrínseco da Idade Média, e mais ainda da Igreja Católica.

Quando os homens tiverem esta fé ardente, veremos maravilhas ainda maiores.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/1/1974)

Santo Antônio

A hagiografia e iconografia católicas nos apresenta Santo Antônio de Pádua como um varão de extrema placidez e de uma ordenação de alma que se reflete, até mesmo, nas harmoniosas dobras de seu hábito franciscano.

A invariável compostura da veste é uma espécie de sismógrafo da ordenação de sua mente extraordinária. Rosto quase imberbe, nariz de um adunco muito bonito, com algo de ave de rapina. No arcado das sobrancelhas, uma delicadeza, uma precisão e uma força que se encontram expressas, sobretudo, no olhar. São olhos de quem já passou por todos  os desencantos, de quem conhece o pecado original e seus efeitos, assim como a Satanás, suas pompas e suas obras.

Tudo está analisado com raro discernimento. Na ponta dos lábios delgados, tem ele prontas as respostas que fizeram dele o magnífico defensor da fé contra as heresias. Em toda a sua pessoa  resplandece a pureza, a castidade e a serenidade do santo que tanto realizou a favor da glória de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arca do Testamento e Martelo dos hereges

Uma deformada devoção a Santo Antônio — favorecida pelas imagens dele muito difundidas — o apresenta como bobinho, casamenteiro, festeiro. Entretanto, o verdadeiro Santo Antônio histórico foi o maior conhecedor da Sagrada Escritura em seu tempo, pregador extraordinário e grande polemista que derrotava os hereges.

 

No dia 13 de junho se comemora a festa de Santo Antônio de Pádua, Confessor e Doutor da Igreja. Chamado “Arca do Testamento” e “Martelo dos hereges”. Franciscano. Século XIII.

Fisionomia séria, olhar imperioso e majestoso

Nesse dia as igrejas em todas as nações do Ocidente, pelo menos, enchem-se de fiéis para comemorar a festa de Santo Antônio de Pádua. E por toda parte as imagens de Santo Antônio estão sendo expostas para objeto da veneração dos fiéis.

Este fato me faz lembrar que, estando em 1950 em Pádua, tive ocasião de me documentar a respeito de como era Santo Antônio. E na Basílica de Pádua se mostra um quadro pintado por Giotto, que passa por ser o mais próximo, mais provavelmente representativo da pessoa de Santo Antônio. E se trata, então, de uma pessoa de corpo hercúleo, pescoço taurino, forte, de expressão fisionômica séria, olhar imperioso e majestoso.

Comprei, então, algumas fotografias dessa imagem. As fotografias formavam um maçozinho, que se vendia na entrada da igreja.

E, ao mesmo tempo, comprei uma estampa retirada de uma das pilhas iguais, que eram vendidas às pessoas que iam à basílica, e que representava Santo Antônio não conforme a probabilidade histórica do quadro de Giotto, mas de acordo com uma concepção que figura nas imagens comuns.

Essa estampa representava um homenzinho imberbe, coradinho, com o Menino Jesus no braço, com um ar de quem não entende muito o que está fazendo com o Divino Infante; o Menino Jesus também com uma fisionomia de quem não entende muito o que está fazendo no braço de Santo Antônio, sorrindo os dois, um para o outro, como a dizer: “Desculpe, aqui deve haver algum equívoco. Vamos nos aturar algum tempo.”

Na fisionomia de Santo Antônio, nada havia que falasse do Doutor da Igreja, nada que representasse o homem tido como o maior conhecedor do Novo e do Antigo Testamento, no tempo dele, porque ele sabia as passagens mais raras, mais excepcionais, mais ignotas de todos e tirava delas efeitos de pregação extraordinários. E Santo Antônio é conhecido como o “Martelo dos hereges”, como polemista, homem capaz de discutir, de entrar em debate com os hereges, de achatá-los. Não havia ninguém como ele, e tudo isso coberto ainda com os milagres que completavam sua pregação e faziam com que ele fosse o terror dos hereges.

Tudo isso passou e ficou um Santo Antônio, eu quase diria, ecumênico: bonzinho, bobinho, casamenteiro, festeiro, que arranja questõesinhas. Quer dizer, o verdadeiro Santo Antônio histórico, como se encontra no Céu e como é apontado pela Igreja para nosso modelo, desapareceu quase completamente, para ficar uma imagem que dá apenas um aspecto de Santo Antônio: os muitos favores e graças que ele concede, mas representando uma figura física que nada tem a ver com ele e, sobretudo, com a sua fisionomia moral.

Conquista Orã e defende o Rio de Janeiro

Santo Antônio, além de ser o “Martelo dos hereges” e a “Arca do Testamento”, é venerado como o Patrono das Forças Armadas. E a razão disso, entre outras, está no fato de que Santo Antônio, em certa ocasião, foi objeto de um ato de devoção especial da parte de um almirante espanhol. Uma esquadra espanhola sitiava a cidade de Orã, na Argélia, e não havia meio de conseguir resultado eficaz. Então, o almirante dirigiu-se a uma imagem de Santo Antônio, colocou o chapéu de almirante sobre ela, deu-lhe as insígnias de comando e pediu-lhe que investisse contra Orã. Os mouros fugiram inesperadamente e, interrogados, disseram que tinha estado entre eles um frade vestido com o chapéu do almirante e que tinha ameaçado Orã com o fogo do Céu, e por causa disso, eles tinham achado mais prudente ir embora.

Este aspecto do “Martelo dos hereges”, que ao mesmo tempo incute terror aos mouros e se apresenta a uma cidade infiel ameaçando-a com o fogo do Céu, tudo isso foi abolido. Não se conhecem e não se ressaltam esses aspectos nessa espécie de devoção milagreira que se tem a ele. Vemos, por aí, a lamentável deterioração da devoção aos Santos em nossos dias. Quer dizer, como eles já não representam, nessa legenda popular criada em torno deles, a verdadeira santidade.

Quem, por exemplo, comentará a respeito da vida de Santo Antônio o seguinte fato ocorrido no Rio de Janeiro?

O Rio de Janeiro encontrava-se cercado pelos calvinistas franceses e estava quase completamente rendido, pois a cidade já não tinha meios de resistir. Os frades, então, tomaram a imagem de Santo Antônio, desceram com ela do morro, colocaram numa pilastra que se encontrava ali, e a simples exibição da imagem, de um modo maravilhoso, comunicou tal ardor na cidade que grande número de jovens se alistaram. Foi possível reorganizar a resistência aos franceses que, depois de pouco tempo, foram embora.

De maneira que o Rio de Janeiro não se tornou calvinista, e talvez com repercussão em toda a História da América Latina e, consequentemente, em toda a História da Igreja, por causa dessa ação simbólica da presença maravilhosa de Santo Antônio.

Missão de mostrar o lado combativo, polêmico e contrarrevolucionário de cada Santo

O fato de episódios como esses não serem contados nem comentados leva-nos a verificar duas realidades: em primeiro lugar, como é lamentável essa torção que a vida dos Santos sofreu.

Entretanto, por outro lado, como é admirável a vocação dada por Nossa Senhora àqueles que têm, por missão, restaurar todas essas coisas e mostrar os próprios Santos no seu aspecto combativo, guerreiro, polêmico e contrarrevolucionário, que a Revolução tanto gostaria de esconder e disfarçar.

Nessas condições, devemos pedir a Santo Antônio uma graça especial: Ele que soube ameaçar a cidade de Orã com o fogo do céu, nos faça esse favor de se apresentar em algum lugar do mundo, e ali nos obter, em determinado momento, uma graça que tenho em mente, mas prefiro não dizer qual é.

Esta graça é o melhor pedido que podemos fazer a Santo Antônio por ocasião de sua festa.         v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/6/1965)

Tesouro da verdadeira Igreja

Célebre por sua imponente beleza e extraordinário significado para a piedade católica, a Basílica de Santo Antônio de Pádua reluz como precioso tesouro da arquitetura engendrada pela Igreja.

Ao considerá-la, vem-me ao espírito, uma vez mais, a comparação com o perpétuo objeto de meu enlevo, de meu encanto e entusiasmo: o mar. Nele, como já tive ocasião de dizer, sempre me agradou contemplar as inúmeras formas de pulcritude com que Deus o criou, os diversos estados em que ele se apresenta a nós, desde a extrema calma até  a extrema agitação, com todas as gamas intermediárias. Ora é o ordenado das grandes ondas que avançam em ofensiva para a terra, sem tumulto nem descabelo, como um  ataque em regra de uma cavalaria nobre. Por vezes as ondas nem sequer arrebentam, apenas se avolumam e se estendem; outras, pelo contrário, estouram na praia ou nos  rochedos, e há um gáudio de gotas pelo ar, bailando alegremente, como se executassem uma lendária dança da vitória. Ora me compraz ver o mar inteiramente calmo, quase  imóvel.

Dir-se-ia que ele se encontra de tal maneira absorto na contemplação do céu, para o qual olha a todo momento, que nem pensa em si mesmo… De repente, a partir de um  ponto qualquer daquela imensidão líquida, algo começa a se mover. Dali a pouco é um vagalhão, é um tumulto aquático, e é outro assalto contra a terra. Dessa vez, porém, as  ondas não se aproximam em fileiras ordenadas, mas parecem vir se empurrando e se acotovelando, cada qual no desejo de tomar a dianteira e conquistar a terra mais  depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem seu encanto próprio. E é essa sucessão de aspectos que torna o mar tão entretido.

Ora, a arquitetura, e especialmente a arquitetura religiosa, pode ter uma variedade de feitios análoga aos movimentos do mar. Será, por exemplo, a calma e a estabilidade de  uma Catedral de Notre-Dame de Paris: irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima, cheia de lógica, de poesia e candura.

Outras vezes, a arquitetura borbulha e apresenta aspectos meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus  impulsos, na sua generosidade, nos lances ‘a la’ Santa Teresa de Jesus, ‘a la’ Santo Inácio de Loyola, que nos deixam desconcertados diante de sua grandeza. E isso é o que se  nota no jogo das várias cúpulas e minaretes da Basílica de Santa Antônio de Pádua, borbulhantes como o movediço das ondas do mar.

Olhando-se para o teto da igreja quase se esquece do corpo do edifício. Tem-se a impressão de que todo o resto existe como uma bandeja para carregar bem alto o  movimento musical das coberturas. E assim como podemos imaginar uma melodia num “crescendo” em que as notas se vão sucedendo alegremente umas às outras, assim nos parece que esses minaretes e cúpulas estão jubilosos à espera da hora em que sejam separados da base para poderem subir em direção ao céu. E que essa ansiedade do maravilhoso, uma ansiedade festiva, feliz, é apenas contida por uma corda que mão caridosa a qualquer instante vai cortar.

Noutra analogia com o mar, do mesmo modo como este é também rico e esplendoroso nos mistérios de suas profundezas, igualmente o interior da Basílica de Pádua é um imenso escrínio de tesouros espirituais e artísticos. É, sobretudo, o ambiente criado pela presença do Santíssimo Sacramento, pelas relíquias do grande Santo franciscano, pelas graças de que elas são veículo e que impregnam todo o recinto da igreja, estimulando e condicionando a piedade dos fiéis que ali rezam e se recolhem com edificante  devoção.

Além disso, a profusão de maravilhas que ali deixou a arte cristã, entre abóbadas, colunas e capitéis esplendidamente trabalhados; capelas, altares e murais em que se pode admirar o talento de mestres imortais, e um grande número de pinturas e imagens que datam de diferentes épocas da Cristandade, fazem com que a Basílica pareça um compêndio da história da piedade católica.

Todos esses fatores — beleza arquitetônica, presença do Coração Eucarístico de Jesus, relíquias de Santo Antônio de Pádua, imagens especialmente abençoadas, fiéis que recebem graças e as deixam transpirar de algum modo na sua maneira de ser, de andar e de rezar — concorrem, numa igreja como a Basílica de Pádua, com particular intensidade para conferir uma impressão única de piedade autêntica, e uma sensação de presença verdadeira da verdadeira Igreja, a Esposa Mística de nosso Divino Redentor.

Santa Edeltrude Vigor e beleza da alma medieval

Como nos mostra Dr. Plinio, a rainha Santa Edeltrude e suas irmãs — também canonizadas — são luminoso exemplo do que foi outrora a “Ilha dos Santos” (o atual Reino Unido), no alvorecer de uma era onde a virtude heróica se fazia freqüente até nos mais altos degraus da sociedade, a partir dos quais se estendia às outras camadas sociais, dando forma àquele conjunto chamado de Cristandade.

 

No dia 23 de junho a Igreja lembra Santa Edeltrude, Rainha e virgem do século VII. Filha de um monarca do Leste Inglês — um dos sete reinos que constituíam a Inglaterra de então — teve ela três irmãs santas: Saxburga, Edilburga e Virtburga. Como sói acontecer naquela época povoada de heróis da Fé, a virtude resplandecia no seio das famílias, e muitos parentes possuíam em comum, não apenas o sangue, mas também a santidade. Neste caso, poder-se-ia construir um esplêndido templo católico no qual houvesse quatro belos altares em honra dessas irmãs bem-aventuradas.

Ousadia e fundação de mosteiro

A respeito de Santa Edeltrude, alguns autores nos apresentam os seguintes dados biográficos:

Nasceu provavelmente por volta de 630 e morreu em Ely, a 23 de junho de 679. Quando ainda muito jovem, foi dada em casamento por seu pai, Anna, Rei de East Anglia, a um certo Tonbert, príncipe a ele subordinado. Deste primeiro marido, Edeltrude recebeu como dote algumas terras na localidade conhecida como a Ilha de Ely.

A santa viveu cinco anos com Tonbert em perfeita continência. Após a morte prematura do príncipe, viveu um pe­río­do de paz com sua vocação religiosa. Seu pai, entretanto, quis que ela se casasse novamente e lhe arranjou a união com Egfrido, filho e herdeiro de Oswy, Rei da Nortúmbria.

 De seu segundo esposo, que consta ter então apenas 14 anos de idade, recebeu mais terras, desta feita em Hexham. Por meio de São Wilfrido (634-709), monge beneditino e Bispo de York, cedeu ditas propriedades para a fundação do mosteiro de Santo André. São Wilfrido tornou-se amigo e guia espiritual de Santa Edeltrude, aprovando e lhe incentivando a guarda da virgindade. Porém, foi a ele que Egfrido recorreu, quando sucedeu seu pai, para fazer valer seus direitos maritais contra a vocação religiosa de Edeltrude.

Primeiramente, o bispo conseguiu persuadir Egfrido a deixá-la viver por certo tempo em sossego, como freira no convento de Coldingham, fundado pela tia dela, Santa Ebba. Mas ante o perigo iminente de ser levada à força pelo rei, Edeltrude fugiu em direção ao sul do país, com apenas duas companheiras, buscando suas terras em Ely. Ali, favorecida por milagres e misericordiosas intervenções divinas, num lugar cercado de pântanos, areias movediças e pelas águas do rio Ouse, iniciou a fundação do mosteiro de Ely.

Como o lugar ficava na região onde Edeltrude nascera, seus parentes de sangue real lhe forneceram os meios necessários para a execução de seus planos. São Wilfrido ainda não havia retornado de Roma, onde lograra obter do Papa Bento II privilégios extraordinários para aquela fundação, quando Edeltrude morreu vítima de uma epidemia a qual ela mesma havia predito.

Por muitos séculos, o corpo da santa foi objeto de devota veneração na famosa catedral de Ely, construída precisamente no local do antigo mosteiro fundado por ela. O atual edifício católico é considerado uma magnífica mostra dos vários estilos góticos, acrescentados durante diversas renovações desde o século IX, sendo que a última parte — o famoso octógono — foi adicionada em 1400.

Uma das mãos da santa é atualmente venerada na igreja católica de Santa Edeltrude, na Ely Place, em Londres. Trata-se do mais antigo templo católico da capital britânica, e durante a Idade Média era considerado uma espécie de feudo dos bispos de Ely, herdeiros daquelas terras de Santa Edeltrude.

Na Idade Média, ao lado da rudeza, autêntica virtude

Percebemos aqui um flash(1) da Inglaterra primitiva, bem como da aurora da Idade Média que contém algo de selvagem e, ao mesmo tempo, de extraordinariamente sobrenatural. Este contraste encerra, a meu ver, uma intensa beleza.

Após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, os povos que surgem têm príncipes e princesas evidentemente com resquícios de barbárie. Quanto ao aspecto, ao porte, ao estilo, não podermos imaginar Santa Edeltrude e suas três irmãs semelhantes às filhas de Luís XV, pintadas por Nattier, sobre um fundo azul claro: Madames Henriette e Adélaïde, frágeis, como se fossem de porcelana, quase evanescentes, vestidas com sedas vaporosas. Devemos figurá-las como damas vigorosas, cujas mãos estavam afeitas a árduos trabalhos domésticos, embora fossem orgânica e autenticamente princesas de grande valor nos países onde surgiam.

Cumpre salientar, aliás, que elas eram por assim dizer os berços de posteriores dinastias, e seus povos, os pontos de partida de futuras civilizações. Como lembrei acima, habitava ali certa grandeza e a semente de uma alta santidade. Haja vista a confluência de muitos bem-aventurados: somente na corte da nossa biografada encontravam-se ao mesmo tempo quatro santas, ademais de um diretor espiritual igualmente santo! Além disso, uma disseminação tal da virtude que foi possível a Santa Edeltrude convencer aos seus dois sucessivos maridos — um príncipe e um rei — de guardarem a continência na vida conjugal.

Admirável perseverança

Juntamente com tais virtudes, não se pode ignorar algumas manifestações de primitivismo. Por exemplo, uma princesa que deixa seu esposo por este querer romper o voto de castidade, refugia-se num convento e o marido não ousa ir atrás dela nem invadir o recinto sagrado, o que, naquele tempo, era julgado um fato explicável. Hoje seria considerado um escândalo, com notícias espalhafatosas nos jornais, etc.

Seja como for, é admirável a perseverança de Santa Edeltrude na prática da castidade perfeita. O abandono da vida da corte, com todas as suas glórias, para adotar o estado religioso, a sabedoria com que ela governou seu mosteiro (num país então pequeno, isso representava algo muito importante para a própria vida da nação), encaminhando as religiosas para o Céu, tudo isso forma um conjunto de traços fisionômicos iluminados pela santidade, e justifica plenamente a devoção que os fiéis possam ter para com ela.

Assim, nada mais aconselhável e rico em benefícios para nossa alma do que nos recomendarmos às orações de Santa Edeltrude, Rainha e virgem, no dia de sua festa.  v

 

1) Sobre o termo flash, cf. Dr. Plinio número 55.