Todos os Santos

Os homens de destaque de outrora coincidiam na convicção de que, em substância, o mais alto valor de um homem consiste em ser santo. Um guerreiro, um sábio, um monarca, ou um papa, só fariam toda a sua medida quando sua sabedoria, seu heroísmo, sua capacidade de governar as almas ou as nações,  fossem levadas ao zênite pela inigualável força de propulsão da santidade.

O Carlos Magno no trono, entre o Papa São Leão III, à sua direita, e o Bispo Turpin de Reims (detalhe do sarcófago do Imperador, em Aix-la-Chapelle)

Plinio Corrêa de Oliveira (Revista Dr Plinio 44 (Novembro de 2001)

Um chamado para todos

No calendário litúrgico o mês de novembro se abre com a Festa de Todos os Santos, estendida à Igreja Universal no século IX, a fim de homenagear a multidão dos justos: aqueles que habitam a Jerusalém Celestial, canonizados ou não, bem como os vivos que se encontram na graça de Deus e conservam a sua amizade.

Nesse sentido, esta efeméride entrelaça a Igreja Triunfante, cujos membros já receberam a palma da glória eterna, e a Militante, vivendo neste mundo na prática da virtude, à espera da felicidade  futura. Consiste tal celebração, portanto, em mais um apelo para a vocação universal à santidade, dirigido por Deus a todo homem. Precioso convite ao nosso alcance e conforme aos melhores anseios de nossos corações, como salienta Dr. Plinio: Por sua natureza, a criatura humana é dotada de possibilidades e valores os quais deve procurar cultivar e aperfeiçoar, caso deseje se realizar  por inteiro. Nessa busca, ela não pode ter ambição mais bela e mais nobre diante de si, do que a de ser santa.

Enganar-se-ia quem pensasse ser o ideal da santidade exclusivo dos expoentes da humanidade que um dia chegam à glória dos altares. Não. Pela ação da graça divina, todos podemos ser cortesões do Rei dos reis no Céu, desfrutando de uma felicidade sem jaça, imorredoura, pelos séculos sem fim. Todos fomos feitos para essa imensa, criteriosa, sábia, mas ousada aventura, na qual ordenamos nossa alma para Deus, a purificamos e embelezamos, dispondo-a à bem aventurança eterna, à corte celestial onde um assento nos está reservado.

É, pois, na esperança de podermos viver, de batalhar pela nossa santificação e de morrer na paz de Deus, confiantes em Nossa Senhora, agradecendo a Ela porque nos obteve graças para nos tornarmos outros heróis da Fé e príncipes do Céu, que devemos atravessar nossos dias neste chão de exílio. Cumpre lembrar que a Festa de Todos os Santos precede a celebração da memória dos  fiéis defuntos, ou seja, da Igreja Padecente no Purgatório, ela também partícipe desse hífen maravilhoso que liga a Terra ao Céu.

Quão sensível era Dr. Plinio a esse universo aberto, no qual a Igreja Triunfante e a Penitente se unem à Militante! Entusiasmava-o sobremodo considerar essa grandiosa epopeia da santidade, a todo momento enriquecida pela ação da graça divina, dispensada a rogos de Maria em favor de todos, e impetrada por nossas orações, pelos méritos infinitos do Santo Sacrifício de Jesus renovado nos altares do mundo inteiro, assim como pela  intercessão de nossos Anjos da Guarda e padroeiros celestes.

É uma situação simplesmente admirável a que somos chamados — exclamava Dr. Plinio —, fazendo- nos santos, postos na visão e na adoração contínuas da Trindade Santíssima! E o homem que santificou sua alma, no instante de transpor os umbrais da eternidade poderá dizer as palavras mais magníficas que imagino postas nos lábios de um moribundo, repetindo São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé; resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me entregará naquele dia!” (II Tim 4, 7-8).

 

Justiça e misericórdia

A Igreja, tendo comemorado condignamente, no dia 1º de novembro, os seus filhos que exultam no Céu, pretende, sem demora, socorrer com seus piedosos sufrágios os que ainda gemem no purgatório para que possam, o quanto antes, juntar-se aos cidadãos do Céu.

Essas palavras do Martirológio, comentava Dr. Plinio, “explicam o motivo pelo qual a Santa Igreja instituiu uma celebração própria a convidar os fiéis a alcançarem, com suas preces, a libertação das almas do purgatório.

“Neste lugar de purificação devemos ver um aspecto maravilhoso da sabedoria divina, cujo equilíbrio nele reluz de modo especial, isto é, a conjunção da justiça e da misericórdia infinitas de Deus, adornadas pela insondável solicitude materna de Nossa Senhora que desempenha particular papel em relação àquelas almas.

“Com efeito, podemos contemplar como o Criador, de um lado, não poupa a essas almas a expiação que têm de cumprir por conta das faltas cometidas neste mundo; de outro, admiramos como Ele as ama, pois passaram desta vida na graça de Deus e possuem a imensa alegria, a suprema consolação de se saberem merecedoras da eterna bem-aventurança, na qual hão de ingressar após seu período de purificação.

“Ora, para os espíritos que já não se encontram ligados a corpos mortais, que já não consideram as coisas com a fraqueza de um homem unido à carne perecível e, portanto, compreendem melhor o significado de eternidade, essa certeza do Céu representa um regozijo sem fim. Sabem que possuirão a visão beatífica e o amor de Deus para sempre, sabem que tudo quanto sofrerem no purgatório é pouco em comparação com o oceano de deleites, de alegria e felicidades infindos que as aguarda no Paraíso Celeste.

“Essa garantia traz para a alma do fiel defunto um alento indizível, fazendo-a sentir a predileção de Deus para com ela, como se o Senhor lhe dissesse: “Tu és minha filha, e minha filha dileta. Durante toda a eternidade me contemplarás, e Eu terei a alegria — de dentro de minha felicidade substancial e perfeita — de contemplar a ti!”

“Não será difícil perceber como essa promessa divina é de um valor superior a qualquer tesouro que possamos imaginar. Tanto mais se, à misericórdia divina, somarmos o carinho materno e o amparo sem limites de Maria Santíssima para com as almas do purgatório. Não sem razão A cultuamos como a vida, doçura e esperança nossa, e Ela o é, de modo todo particular, para os que purgam suas faltas a um passo do Céu. Segundo certas revelações particulares, a Mãe Deus, durante o ano inteiro (para usarmos a linguagem terrena) obtém a libertação de almas do purgatório, porém o faz de maneira especial no dia em que a Igreja celebra alguma festa mariana. Nossa Senhora desce até lá, e onde Ela entra, envolta como que num orvalho celestial, as chamas fogem, os tormentos se pacificam, as almas se tomam de um maravilhamento indescritível e muitas delas acompanham de volta o Refúgio dos Pecadores até a glória eterna, à qual doravante pertencem.”

Essas consoladoras reflexões a propósito da Festa dos fiéis defuntos, Dr. Plinio as concluía com este judicioso conselho:

“Peçamos à Santíssima Virgem, nossa esperança e doçura nesta vida e na futura, obtenha-nos a graça de nos compenetrarmos de tudo quanto significa o purgatório, como dolorosa expiação, assim como de transição para a eterna bem-aventurança, iluminado pela misericórdia de Deus e de Maria. Queira Ela nos auxiliar a termos almas limpas e íntegras, que procuram evitar não só o pecado mortal, mas também o venial, tão detestado por Deus a ponto de Este o punir com aqueles padecimentos.

Tal seria a súplica adequada a fazermos a Nossa Senhora nessa celebração.”

Plinio Corrêa de Oliveira

Rainha de todos os Santos

Eleita pela Sabedoria divina como Soberana de todo o universo, Nossa Senhora é, por isso mesmo, Rainha de todas as ordenações dispostas por Deus nos vários âmbitos da Criação, de modo particular no que tange a natureza humana. E nesta, quando fiel à moral, a ordem corresponde à virtude e, portanto, a uma certa forma de santidade.

Pode-se dizer, pois, que a Senhora de todas as ordenações é, em conseqüência, a Rainha de todas as santidades que existiram, existem e ainda existirão, possuindo-as nos seus píncaros respectivos — “Regina Sanctorum Omnium”.

Plinio Corrêa de Oliveira