Perseverança incólume diante dos tormentos do corpo e do espírito

Santa Tecla demonstrou o vigor de sua alma tanto nos combates físicos travados durante os inúmeros suplícios a que foi submetida, quanto nas lutas espirituais, recusando tudo por amor a Nosso Senhor e compreendendo a inimizade do mundo para com os que são íntegros.

Dia 23 de setembro é festa de Santa Tecla, virgem e mártir. Godescard, em “La Vie des Saints”1, diz o seguinte:

Considerada a primeira mártir, embora tenha saído ilesa de todos os suplícios

Santa Tecla, cujo nome foi sempre muito celebrado na Igreja, é chamada a primeira mártir de seu sexo por Santo Isidoro de Pelúsio e por todos os gregos. Foi um dos mais belos ornamentos do século dos Apóstolos.
Nasceu ela na Isáuria ou na Licaônia. São Metódio diz, em seu “Banquete das Virgens”, que ela era profundamente versada na filosofia profana, que possuía imenso conhecimento das Letras e que se exprimia com tanta força e eloquência, como com doçura e afabilidade.
Foi convertida ao cristianismo por São Paulo e tornou-se hábil nos conhecimentos da Religião. Ele louva o ardor de seu amor por Jesus Cristo, que ela demonstrou em numerosas ocasiões e sobretudo nos combates que sustentou pela Fé, com uma coragem digna do vigor de sua alma.
Segundo Santo Agostinho, Santo Epifânio e Santo Ambrósio, foi em Nicônia que São Paulo a converteu com suas prédicas, no ano de 45.
Decidida a permanecer virgem, Santa Tecla sofreu toda sorte de pressões por parte de seu noivo e de seus familiares. Nem carinhos, nem ameaças a fizeram voltar atrás em sua decisão. E a santa passou a considerar como inimigos aqueles que mais lhe haviam demonstrado afeição. Tendo um dia ido procurar São Paulo para buscar algum consolo, Tecla foi perseguida por seu noivo, que a denunciou como cristã. Exposta às feras no anfiteatro, estas deitaram-se a seus pés, sem a tocarem. Levada à fogueira, dela também saiu ilesa. Vencendo ainda outras provas, foi posta em liberdade. Passou o resto de sua vida retirada do convívio mundano, morrendo em Isáuria e sendo enterrada em Selêucia”.

Sob os primeiros imperadores cristãos, construiu-se uma basílica sobre seu túmulo, local de peregrinações sem conta. A catedral de Milão é dedicada à invocação de Santa Tecla, que é invocada também para se obter uma boa morte.
A vida de Santa Tecla nos oferece um tema interessante de meditação a respeito das intenções que o mundo tem para com os que praticam a virtude. Este ponto é uma matéria sobre a qual jamais nos fartaremos de fazer comentários.

Duas categorias de demônios e de homens

 

Podemos afirmar que há dois graus ou duas categorias de pessoas ruins, assim como há duas espécies ou duas categorias de demônios.
O pecado dos anjos foi o mesmo para todos: eles se revoltaram contra Deus. Mas nem todos cometeram esse pecado do mesmo modo ou no mesmo grau. Alguns foram os líderes do movimento, outros se deixaram arrastar, não se rebelaram por iniciativa própria, mas uma vez que os primeiros começaram, eles se deixaram arrastar. Por causa disso, Deus condenou a todas à desgraça perpétua, expulsando-os do seu amor e do seu convívio.
Entretanto, estabeleceu uma diferença: enquanto os que iniciaram a revolta foram precipitados no Inferno, os que foram arrastados, a esses, permitiu que ficassem fora do Inferno, sofrendo, portanto, menos tormentos durante todo o tempo em que durar a História deste mundo. Eles, então, infestam a Terra. Não me lembro bem, mas houve um santo que afirmou que se nós pudéssemos ver os demônios que estão soltos pelos ares, veríamos que eles são tão numerosos que constituem como que uma capa em torno da Terra, que nos obnubilaria até de ver o céu, por assim dizer. É uma metáfora para nós entendermos o quanto são numerosos.
Segundo diz Catarina Emmerich – e é uma coisa muito arquitetônica –, enquanto os demônios do Inferno nos tentam para o pecado, os que andam pelos ares predispõem as nossas almas para o pecado. Eles não tentam diretamente, mas predispõem. Birras de certo tipo, fobias, antipatias, simpatias desregradas, preguiças, cóleras, tiques esquisitos, nervosos às vezes – é claro que nem sempre –, nevroses que conduzem ao pecado, tudo isto é uma ação que esses demônios que pairam pelos ares exercem sobre os homens, preparando profundamente as almas para as tentações.
Os homens se abrem muitas vezes largamente para esta ação e se abrem tanto que é quase impossível evitar que caiam no pecado. Por quê? Porque o demônio dos ares tomou conta deles e quando vem o do Inferno encontra uma casa aberta, em que as defesas foram quase completamente destruídas e, naturalmente, ele entra.

Nessa perspectiva, portanto, nós temos duas espécies de demônios e também de homens: os péssimos, são os líderes do movimento da Revolução e outros, que são arrastados pela Revolução, consentindo serem levados por ela. Estes são moleirões, molengos, são o que forem, vão seguindo a Revolução por fraqueza, por debilidade.

 

Os bons tendem a condescender com o homem menos péssimo, achando que no fundo ele é bom

Ora, acontece que na consideração de homens assim o contrarrevolucionário muitas vezes tem uma posição mole. Ele compara esses homens com os piores e, como estes não são dos piores, ele pensa: “Coitado, este aqui não tem culpa. Ele está sendo levado pela Revolução não porque queira, mas porque está sendo arrastado; no fundo ele é bom.”
Seria o mesmo dizer que os demônios que pairam pelos ares foram arrastados pelos piores, mas, no fundo, não são maus. Pelo contrário, eles são maus, de uma maldade autêntica, mesmo que essa maldade não os faça tão maus quanto os outros e, quando terminar a História, eles devem ser acorrentados no Inferno. Porque, como sabemos, no Inferno há gradações de mal, como no Céu existem gradações de bem.
O homem que se entrega ao mal de modo habitual, sem remorso ou pelo menos sem remorsos eficazes e úteis, chega a ter antipatia pelo bem, faz coro com os que lutam contra o bem; é, portanto, um homem mau e inimigo do bem. Ele odeia aqueles que se convertem.

 

Na vida de Santa Tecla vê-se isso. Ela era uma pessoa eminente. Tinha uma grande cultura, numa época em que isso era um prestígio quase igual ao que é, em nossos dias, jogar muito bem futebol ou então falar muito bem na rádio. Quer dizer, era uma pessoa verdadeiramente adornada. Ela tinha um noivo. Assim que se converteu, diz a biografia, ela percebeu que precisava romper com todos com os quais ela se dava antigamente. Por quê? Porque ela notou, naturalmente, que todos estavam postos no mal e que não há comunicação entre o bem e o mal, a luz e as trevas.
O que aconteceu com o noivo? Ele a persegue, procura arrancá-la do estado de virgindade, por um sentimento que humanamente se chamaria amor, mas que não é senão egoísmo e ódio. Ela resiste e não recua diante da felonia. Ele a acusa como cristã para ser morta. Aí vê-se o que é o ódio, o amor do mundo, o que são os sentimentos do mundo e até onde o ódio dos maus pode chegar em relação aos bons.

Diante de tantos milagres, ninguém se converteu

Ela é sujeita a vários tormentos e milagrosamente escapa. Essa biografia não entra nos pormenores, mas em geral esses tormentos eram infligidos aos fiéis em auditórios enormes – estádios, circos – nos quais havia um enorme número de pessoas presentes.
Ao presenciar os milagres sensíveis praticados a propósito dela, como seria natural que toda a multidão entusiasmada se convertesse! Aí está o mundo. Ele não abre os olhos nem ante os maiores milagres, nem diante das maiores maravilhas. Uns e outros – maus da gama “A” e da gama “B” – estão com os olhos fechados e são solidários com este noivo que perseguiu a sua noiva. Eles são solidários com o demônio, que não quer que eles vejam e se entreguem à evidência desses milagres. E por causa disto não se convertem.

A malícia do mundo, nesta biografia de Santa Tecla, está muito evidente e é muito oportuno que nós a lembremos.
Santa Tecla perseverou no seu caminho. Maravilhosamente salva de vários tormentos, ela, entretanto, é considerada mártir, embora não tenha morrido em defesa da Fé. E o que fez ela? Passou o resto de sua vida retirada do convívio mundano, morrendo em Isáuria e sendo enterrada na Selêucia. Ela não quis saber do mundo. Ela era dotada, prendada, poderia ter tido uma vida de realce, mas recusou tudo compreendendo a inimizade do mundo.
Eu considero muito importante pôr isto em realce, porque nós, do contrário, nos adocicamos numa glicerina. Devemos servir a Nossa Senhora sem olhar para nós, preocupados apenas neste ponto: que o reino d’Ela venha logo e venha por inteiro!v

(Extraído de conferência de 22/9/1966)

1) La vie des Saints. D’Alban Butler et de Godescard. Avec le martyrologe romain, un traité de la canonisation des Saints. Lille, 1855, p. 182-186, t. VIII.

 

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