Almas influenciadas pelo Sagrado Coração de Jesus por meio do Imaculado Coração de Maria

A perfeição da sociedade temporal se adquire quando as almas moldam sua própria índole segundo o Sagrado Coração de Jesus. E a união com Jesus se adquire com maior eficácia quando o caminho escolhido passa pelo Imaculado Coração de Maria.

 

Quando eu era pequeno, ao ver pela primeira vez o Pão de Açúcar, extasiei-me! E este impacto não desapareceu. Até hoje tenho entusiasmo pelo Pão de Açúcar e pela vista que se tem dele.

Delimitando terrenos…

Mas tive ali, naquela época, uma dúvida que seria hoje completamente obsoleta.

Na parte alta do Pão de Açúcar há uma construçãozinha qualquer, e eu tinha um eriçamento que está muito no meu modo de ser: “Não pode alguém escorregar daqui para baixo e cair nesse precipício? Não seria melhor fazer algo que cercasse as pessoas que estão ali?”

Então pensei, naturalmente, numa muralha medieval que protegesse contra a derrapagem, sempre possível lá. Notem que eu nunca ouvi dizer que alguém tivesse caído do alto do Pão de Açúcar; mas foi o meu primeiro impulso.

Lembro-me também que, passando através de fazendas de parentes ou contraparentes, um deles me disse:

— Aqui acaba minha fazenda e começa a do fulano.

— Como? Não tem cerca?

Ele me olhou um pouco espantado.

— Cerca, não! Nós somos irmãos.

— Mas, como é que o senhor sabe que a sua fazenda chega até aqui e a dele vai até lá?

— Está combinado entre nós.

Eu pensei: “Não é comigo! Pode ser meu irmão, o que for. Onde tem divisa é preciso pôr uma cerca! Não compreendo de outro jeito”. Gosto das divisas, porque aprecio as medidas acautelatórias e de prudência. Se prestarem atenção no meu proceder, verão que muita coisa que faço tem psy-cercas e psy-cautelas.

Quanto à devoção a Nossa Senhora, não é bom haver fronteiras

Sendo moço, quando li o Tratado da Verdadeira Devoção, de São Luís Maria Grignion de Montfort, tive uma surpresa: “Como essa devoção não é conhecida e praticada no mundo inteiro?! Porque esta é a posição natural do católico perante Nossa Senhora, e essas são as últimas consequências da Fé a respeito d’Ela.”

Ele cita, se não me engano, aquela frase de São Bernardo: “De Maria, nunquam satis — De Maria, não há o que baste.” E refleti:

“Com certeza ainda virão outros santos que tirarão mais consequências daquilo que São Luís Grignion diz.” Neste caso não é bom haver fronteiras…

Percebi bem que, geralmente, essa devoção não era difundida porque há uma “inimica vis”(1) pela qual está na tendência do homem levar o mal às últimas consequências, mas não fazer o mesmo com o bem. É uma preguiça de ser ótimo, de ser santo que todos nós carregamos nas costas como resultado do pecado original.

Por onde, quando nos apresentam um horizonte como este de Nossa Senhora que, por assim dizer, toca em Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa tendência é de entender São Luís Grignion de modo limitado, e não como quem gostaria que esse santo, ou outra pessoa, levasse ainda a outras consequências a doutrina que ele próprio deu.

Então, por causa desta tendência do homem a não levar o bem até as suas últimas consequências, na linha de acentuar o bem, eu não quero divisas. Quer dizer, em relação a Deus não há divisas, como também não as há em relação a Ela, que é nossa Medianeira Universal. Todos os pedidos sobem por Ela, todas as graças descem por meio d’Ela.

Portanto, pôr limites a Ela é pôr limites a Ele!

Quem sempre considera Maria Santíssima não corre o risco de esquecer-se de Jesus

Então, perguntei-me: “Como acontece que tanta gente acabe não tendo esta devoção a Ela?”

E pensei: “Muita gente lê o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem e forma o propósito de levar esta devoção a Nossa Senhora às últimas consequências, mas depois começa a relaxar. Ela fica esquecida e, por preguiça, por mil coisas, a pessoa vai permitindo que aquela devoção a Ela vá murchando”.

Então, eu formei um propósito: “Nunca rezar a Ele a não ser por meio d’Ela!”

Por meio d’Ela quer dizer em união com Ela. Não significa que eu não me dirija a Ele. Mas é por meio d’Ela, em união com Ela. Apoiado, respaldado pela intercessão d’Ela, coberto pela misericórdia d’Ela, na condição de filho d’Ela, é que eu me apresento a Ele!

Isto até mesmo na hora da Comunhão, ao presenciar a Consagração, quando o Santo Sacrifício do Calvário se renova; eu me apresento e trato com Nosso Senhor nesta qualidade.

Por causa disso, quando falo d’Ele, pouco antes ou pouco depois, refiro-me a Ela. E só mesmo se ficasse muito forçado, muito artificial, é que não me referiria. Mas, em geral, arranjo uma maneira de não ficar forçado.

Assim, mesmo nas exposições que tenho feito acerca do Sagrado Coração de Jesus, procuro sempre falar d’Ela.

A devoção a Ela é um Pão de Açúcar do alto do qual se vê muito melhor a Terra, e nos sentimos mais perto do Céu!

Alguém poderia me perguntar, pontudamente: “Mas o senhor aplica a recíproca: sempre que fala d’Ela, falar d’Ele? Então quero ver a lógica do senhor!”

É tal a torrente de graças que Ele distribui por meio d’Ela, que quem não A esquece, falando sempre d’Ela, não tem perigo de esquecê-Lo! Quem fala sempre d’Ele, mas não se reporta a Ela, corre o risco de esquecê-La. Se não se pede a graça por meio do conduto necessário, que é Ela, pode-se acabar esquecendo a Ele e a Ela.

O Sagrado Coração de Jesus e a ordem temporal. Um exemplo: Brasil, um país muito cordato e homogêneo

Isto posto, a respeito do Sagrado Coração de Jesus e a ordem temporal, eu deveria dizer o seguinte.

Existe uma série de sociólogos e de outros estudiosos que escrevem sobre a organização política e social dos povos, dando princípios inegavelmente bons. No entanto, eles negligenciam a parte absolutamente essencial do assunto.

A boa ordenação temporal não pode ser escolhida nas nuvens. Por exemplo: “O Brasil é um país muito extenso; logo, precisa ter um governo central muito forte”. O que quer dizer “um governo central muito forte”?

O Brasil é um país muito cordato, muito homogêneo. Por vezes, dá a impressão de uma criança pequena para a roupa que veste; quer dizer, o território é grande demais para seus habitantes. Mesmo nos Estados mais populosos, os territórios são tão amplos que comportam uma expansão demográfica ao interior.

Por que razão haveremos de brigar? Não brigamos dentro dos nossos Estados, não brigamos uns com os outros também.

Por exemplo, é perfeitamente possível que os limites entre dois Estados sejam meio indefinidos. Se há uma coisa que não vai sair daí é briga! Um golpe de mão, uma velhacaria, de vez em quando sai: um tira um pedaço, o outro deixa passar e pega noutra ocasião…

O que vem a ser, portanto, um governo central e forte para tal povo, com estas vastidões, esta bondade e esta tranquilidade?

Discernir o temperamento, a mentalidade, a psicologia de um povo

A forma de governo, de organização interna, o modo de ser de um país, depende muitíssimo da alma de seus habitantes. Não é só do grau, mas também do gênero de virtude. Conforme o feitio do temperamento, da mentalidade, da psicologia, etc., as condições de governo de um país mudam. E quem não for capaz de discernir isto, não será capaz de governá-lo.

Mas discernir e governar em função de uma coisa, é governá-la? Saber como o outro é, e agir em função disto, é governá-lo? Ou governá-lo é conhecê-lo e dar-lhe uma orientação?

É preciso saber orientar a psicologia, a alma de um país.

Então, quem compreenda as profundidades da alma de um país, este o governa.

Dependendo de nosso consentimento, o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria atuam na profundidade de nossas almas

Há alguma coisa, aliás legítima, em nós, seres humanos, por onde podemos nos dar; mas somos nós quem nos damos. Podemos, por um ato de liberdade, aceitar uma limitação de nossa liberdade. Mas esse ato tem que ser interno. Se for imposto e não partir do fundo da alma, não tem significado.

Dependendo deste nosso consentimento, Deus, o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria mexem as profundidades de nossas almas, as tocam despertando nelas os bons impulsos, os bons movimentos, as boas reflexões, enfim, o surto para cima. Assim como o demônio o pode fazer, em sentido oposto.

Quando julgamos que podemos mover, por nós mesmos, essas profundidades das almas dos outros, fazemos papel de idiotas. Ou trabalhamos para que todas as almas se acerquem do Sagrado Coração de Jesus e recebam d’Ele, por meio do Imaculado Coração de Maria, as graças de que Ele é a fonte infinita, ou não estaremos dirigindo nada!

Então, o fundamento da sociedade temporal, aquilo que dá a fisionomia, o modelo da sociedade temporal, que faz com que ela seja como deve ser, é a alma do povo. E a alma, a psicologia, a mentalidade do povo é resultante de circunstâncias naturais, étnicas, geográficas, etc., e da ação em profundidade da graça na alma de cada indivíduo.

Mas, bem entendido, a ação em profundidade da graça é muito mais importante do que qualquer outra coisa.

As pessoas que se unem a Nosso Senhor, por meio de Maria, fazem maravilhas

Outro dia, conversando com um membro de nosso Movimento, falávamos a respeito das profecias segundo as quais, por ocasião de um grande castigo para a humanidade, várias nações seriam aniquiladas, o que leva a supor que muitos países civilizados desapareceriam.

Meu interlocutor levantou a seguinte questão:

— Mas tantos tesouros da Fé, da arte, da cultura nunca mais serão reconstituídos?

Eu disse:

— Desde que haja o sacerdócio para continuar os sacrifícios, absolver os pecados e manter a hierarquia eclesiástica; desde que haja Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento e uma imagem de Nossa Senhora, tudo se pode reconstruir! A beleza vem toda d’Eles.

Da Civilização Cristã se pode dizer o mesmo que a Igreja aplica a Nossa Senhora: “Toda a glória da filha do Rei lhe vem do seu interior!”2 Quer dizer, não procede das honrarias que recebe, dos títulos que tem, das joias que usa, nem de sua boa educação, de suas boas maneiras, nem de nada. Vem, essencialmente, de Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Nossa Senhora. E, bem entendido, no seio da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, fora da qual não há salvação.

Os meios naturais e humanos nos foram dados pela Providência para serem usados por nós, dentro do espírito que Deus nos concede e para a finalidade que a Providência tem em vista. Portanto, o efeito das influências da ação da graça do Sagrado Coração de Jesus, através do Coração Imaculado de Maria, nas nossas almas, consiste em dar a toda criatura um uso excelente.

Digamos que num país haja uma serrania com muitos cristais, e o povo comece a trabalhar naquilo. Se eles tiverem almas profundamente influenciadas pelo Sagrado Coração de Jesus, por meio do Imaculado Coração de Maria, acaba acontecendo que o trabalho deles vai dar em cristaleiras excelentes.

Eles não copiarão necessariamente os cristais de outros séculos. Poderão se inspirar neles, ou não se inspirar, conforme os movimentos da graça, mas sairão maravilhas!

Uma coisa é positiva: basta haver almas que se unam bem a Nosso Senhor, por meio de Nossa Senhora, que elas acabam fazendo maravilhas! Grandes ou modestas maravilhas, pois saber fazer também pequenas maravilhas, amá-las e extasiar-se com elas é próprio da alma verdadeiramente católica.

Seria mais ou menos como um pai que tem um filho de quatro ou cinco anos e, no seu aniversário, o filho verboso lhe escreve uma cartinha com pretensões literárias. Pode ser uma pequena maravilha, mas o pai fica tão comovido — e eventualmente até mais — como se tivesse um filho que escrevesse um artigo sobre ele num jornal. São as pequenas maravilhas de que Deus encheu a Criação.

Populações profundamente católicas influenciadas por Jesus e Maria

Folheando uma revista sobre o estuário da Gironda, vi algumas fotografias encantadoras. Por exemplo, os barcos. São canoas grandes, mais do que propriamente embarcações de médio porte, com redes de pescar suspensas, porque esse estuário é muito piscoso.

A revista publica fotografias dessas embarcações encostadas aqui, lá e acolá. E pensei com meus botões: “Mas onde há um porto para ancorar todos esses barcos? Essa entrada do estuário me parece tão estreita, não vejo falar de um grande cais, nem nada disso…”

Vejo, então, uma notinha: “O estuário da Gironda tem um grande número de pequenos portos naturais, aproveitados pelos pescadores para amarrar seus barcos no período em que não estão pescando.”

Deixa entender que o grande porto, o grande cais modelo não existe, nem é necessário. O terreno já é desenhado de maneira a ter uma série de portozinhos, nos quais os barcos podem se instalar à vontade.

Pensei: “Vejam o que são mil anos de Civilização Cristã! É uma natureza visivelmente mais pobre do que a nossa, mas mil anos de Civilização Cristã ensinaram um aproveitamento inteligente dessa natureza. Ensinaram a arte de pegar cada pequena coisa e fazer dela uma maravilha.”

Mas o que é o estuário da Gironda em comparação com o do Amazonas?

E no Brasil, por que isso não foi feito? Seria preciso pôr, à margem desses rios, populações profundamente católicas, influenciadas pelo Sagrado Coração de Jesus por meio do Imaculado Coração de Maria, impregnadas da sabedoria da Igreja, e deixá-las, segundo sua própria índole, irem fazendo as coisas, a fim de perceber para onde é que rumam os temperamentos, os modos de ser, etc. A partir disto, ajudá-las a explicitarem o caminho a seguir.

Em geral, são poucos os que têm a compreensão de que governar é isto. Surgem, então, as discussões: é melhor a liberdade ou a planificação?

Tanto quanto possível, deve haver a santa liberdade dos filhos de Deus! É a liberdade da sociedade orgânica que possui seus limites naturais, mas precisa ter um governo forte para orientar, guiar, estimular.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/12/1985)
Revista Dr Plinio 210 (Setembro de 2015)

 

1) Do latim: força inimiga.

2) Cf. Sl 44, 14 (Vulgata).

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