Nossa Senhora, Rainha do universo

Muito se tem comentado sobre o trecho do Gênesis que descreve a Criação do universo. Nele observamos que, descansando no sétimo dia e apreciando ser boa cada criatura individualmente, Deus considerou que o conjunto era ótimo.  Qual será, entretanto, o papel da Santíssima Virgem nesse primeiro momento da Criação?

Quando a Terra era ainda “inanis et vacua”(1), podemos imaginar, com base nas descrições de astrônomos a respeito das estrelas, os estágios pelos quais teria ela passado antes de tomar seu aspecto atual.

Por exemplo, na etapa em que o globo terrestre não fosse senão uma matéria incandescente com coloridos diversos, estes constituiriam uma pirotecnia celeste, um divino fogo de artifício, o qual só Deus podia contemplar. Seria, de certa forma, um jato de fogo saído das mãos d’Ele para formar a Terra, com todo o “verum, o bonum, o pluchrum”.

Tem-se a impressão de que a Terra, a natureza, ainda em seus primórdios, tinha uma pujança extraordinária. Com o passar do tempo tudo ia se concatenando, se ordenando, e belezas incontáveis se estabelecendo.

Nessas eras primitivas não houve um aspecto dessas transformações que não significasse certa profecia a respeito do Divino Salvador e de Maria Santíssima.

Tudo isso são meras hipóteses, e seria bonito que um astrônomo ou geólogo, repleto de espírito de Fé, estudasse as fases pelas quais passou a Terra, relacionando os aspectos que deveriam simbolizar movimentos de alma de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Maria.

A Terra em formação

Consideremos que, após a Terra ter passado por fases assustadoras e aparentemente desordenadas por sua violência, Deus a foi temperando, fez com que ela se resfriasse e fosse mudando de aspecto.

Já não havia aquelas imensas labaredas, aqueles ruídos estrondosos, aquelas crateras que se abriam. Dir-se-ia que a Terra perdera a grandeza pré-apocalíptica daqueles primeiros tempos. Talvez um anjo, diante daquela transformação, tenha perguntado: “Senhor, por que deixais que isto fique assim? O que aconteceu para que as coisas revelassem menos a vossa magnificência?” E Deus simplesmente disse: “Vereis!”

E, ao verem tudo em ordem, os anjos compreenderam ser essa ordem mais bela do que a magnificência de uma só coisa; o equilíbrio de uma situação global, abrangendo todas as pulcritudes anteriores ordenadas, tinha uma beleza superior, que não tocava tanto os sentidos, porém era mais apreciável pela mente, por isso mais digna dos anjos.

Possivelmente, algum anjo ou todos eles tivessem cantado: “Graças Vos damos, Senhor, porque nós compreendemos agora o dom da inteligência que nos destes para inteligir aquilo que ficou menos chamejante e tonitruante, porém mais compreensível e belo do que tudo quanto Vós fizestes. A ordem global é mais bela do que a dos mais belos elementos, quando não cabem dentro dela”.

E se isso acontecesse, Deus sorriria e responderia: “Vós não vistes nada!”

Então, estando a Terra em ordem, Ele começa a criar vegetais, com exuberância colossal, árvores gigantes etc. Depois, ordena tudo: bosques, flores delicadas, frutos. Estabelecida a ordem entre os vegetais, Deus cria os animais enormes — talvez nessa etapa surgiram os dinossauros. Depois disso começa a pôr em ordem todos eles: os animais vão ficando menos terríveis, tudo vai se ordenando.

Um novo Adão, uma nova Eva…

Suponhamos que um profeta tivesse a revelação de quem seria Carlos Magno, e muito tempo antes mandasse preparar sua coroa, seu castelo, uma esplêndida sala com um imponente trono. Certo dia nascia Carlos Magno.

Foi o que se deu com a Criação: quando a sala do trono estava pronta para receber o rei, Deus cria Adão, para reinar; de certa forma, tudo tinha sido criado em função dele, mas faltava ainda um aspecto do Criador a ser representado, e este não cabia a Adão; então, Deus cria da costela do homem a primeira mulher, Eva.

Estavam criados o homem dos homens e a mulher das mulheres, ambos com dons extraordinários, capacidades incomparáveis. Quem seria capaz de imaginar como seria o homem antes do pecado?

Vemos assim a vastidão de horizontes de Deus no planejar, e a amplitude de poderes ao executar, tudo feito na plenitude da perfeição.

Porém, o primeiro casal deveria ser como a base de uma enorme montanha, que teria no ápice um novo Adão e uma nova Eva. No cimo deste monte estava uma Virgem, que deveria ser a Mãe perfeita e seria Esposa do próprio Deus, na qual Ele geraria o Homem-Deus. Este deveria ser o instante mais belo, mais nobre e mais elevado da Criação.

Quão grandioso não terá sido o momento em que Deus fez do barro um boneco e, soprando em suas narinas, lhe deu vida, criando assim o homem! Muitíssimo mais grandioso foi o instante no qual o Altíssimo tomou uma Virgem, pousou sobre Ela sua virtude, fazendo vir ao mundo o Homem-Deus.

Tudo isso Nossa Senhora conheceu. Porque Maria Santíssima compreendia o que se passava dentro d’Ela, admirava e amava. E sua correspondência à graça dava mais glória a Deus do que tudo o que houve no passado e haverá no futuro. O que dizer diante de tal grandeza?

Pois esse ato mais nobre do que a Criação do universo — a Encarnação do Verbo — se passou n’Ela, com a colaboração d’Ela. Sua alma santíssima e seu Sapiencial e Imaculado Coração tiveram alguma proporção com a Encarnação, enquanto que o Céu não tem proporção. “Hic tacet omnis língua” — Aqui se cala toda língua.

Maria Santíssima e o “Consummatum est”

Um estudo aprofundado desta temática nos ajudaria a compreender certas coisas inconcebíveis pelo espírito humano, como, por exemplo, o que se deu na alma de Nossa Senhora e na humanidade santíssima de Jesus no momento do “Consummatum est”.

Pois a morte é algo sumamente doloroso: o corpo fica em estado cadavérico — creio que a alma tenha consciência disso. Essa consciência deve coincidir com um pináculo de desdita, de infelicidade e de mal-estar no corpo, até a hora em que a alma o deixa e a pessoa morre.

Para se ter ideia do significado dessa separação, imaginemos que arrancassem de nossos dedos as primeiras falanges, depois as segundas e por fim as terceiras. Que dor sentiríamos? No entanto, esta dor seria muito menor do que a causada pela morte!

“Stabat Mater Dolorosa”

Somados aos sofrimentos próprios da morte, teve Nosso Senhor que padecer toda espécie de torturas e atrocidades. E, por não ter as fraquezas do subconsciente, Ele sentiu até a profundidade última de sua alma essa dissociação e ruptura.

Nossa Senhora, por sua vez, conhecendo-O como ninguém e possuindo uma sabedoria superior à de qualquer outra criatura, via todas aquelas dores, o sangue correndo, a respiração arfando, a vida bruxuleando, e percebia inteiramente o tamanho daquele sofrimento.

E em meio a tantas dores Ela nem sequer se sentou, e nem desmaiou. Mas, para o esmagamento do demônio, a redenção do gênero humano e pela glória de Deus, desejou que aquilo se desse, apesar dos sofrimentos causados a seu Divino Filho e a Ela. Que dores Maria Santíssima terá suportado! Que extraordinária força de vontade Ela possuía, para passar por cima dos sentimentos mais pungentes e fazer aquilo que a Fé e a razão indicavam! Isto tudo deveria formar um tumultuar harmônico na alma d’Ela, à semelhança do som de um órgão com todos seus registros ativados. Os fenômenos mais extraordinários da pré-história da Terra dão apenas uma ideia do que foi a força de alma de Nossa Senhora naquele momento.

Quando as águas saíam das entranhas da Terra — assim imagino, pois não estou dando uma aula de Ciência, mas fazendo uma digressão —, precipitando-se e esguichando de todos os lados nos mares, deveria haver um barulho, um burburinho do elemento líquido, fenomenal e cheio de grandeza. Era uma imagem pálida da resolução que brotava do fundo do ser de Maria, ao dizer: “Ele precisa morrer, porque a glória de Deus pede! Se é a vontade do Pai que meu Filho morra, Eu O ofereço!”

Dor pela Morte; indizível alegria pela Ressurreição

Mas há ainda outro momento de incomensurável grandeza: a Ressurreição de Nosso Senhor. O corpo d’Ele trancado, uma pedra, dois guardas romanos boçais, colocados ali com lanças, couraças, para enfrentar qualquer pessoa; uma noite e um silêncio profundos dentro da sepultura, uma escuridão tão completa como igual só havia num outro lugar do mundo: a alma de Maria.

O Filho d’Ela estava morto! Não definitivamente morto, a Santíssima Virgem bem o sabia, mas Ela, que tinha assistido à Encarnação do Verbo, agora presenciava o estraçalhamento! Podemos imaginar o que Nossa Senhora sentiu na hora da Morte de seu Divino Filho. A dor daquele pecado cometido e daquela separação consumada! E o que nunca deveria estar dissociado, ali estava separado, no escuro, abandonado pelos homens.

Nossa Senhora, entretanto, quando chegou a hora decretada pela sabedoria e bondade de Deus, viu uma luz sobrenatural entrando naquelas profundidades do sepulcro, os anjos afluindo às miríades e, de repente, o Corpo de Jesus estremecer…

Não é verdade que isto se parece com a Criação? E que entre o cadáver d’Ele e o corpo de Adão, feito para receber a alma, há analogias celestes?

Podemos imaginar o frêmito, o sobressalto de Maria Santíssima. Creio que nesse momento Ela se tenha levantado alguns passos acima do chão, ficado estática e talvez brilhado com uma luz extraordinária. É perfeitamente possível que tenha cantado o Magnificat!

Nossa Senhora, Rainha do universo

Este é o verdadeiro método para se ter ideia de quem é Maria Santíssima. Ela está no Céu, em corpo e alma, se digna conhecer o que estamos dizendo neste momento e de estar agindo, por meio da graça, na alma de cada um de nós, para inteligir, querer e sentir o que deve.

E Ela conhece incomparavelmente melhor o que está se passando, por exemplo, em mim ou em qualquer um dos presentes neste auditório, do que nos conhecemos uns aos outros, ou até mesmo o que ocorre em cada um.

Através do método de se fazer uma relação entre as coisas estupendas do universo e a Virgem Maria, pode-se, por exemplo, ao ver um rio que calmamente muda de direção, pensar em Nossa Senhora, Rainha do universo, a qual dá o rumo do rio da História e, de vez em quando, de modo sereno altera sua direção para sair uma maravilha maior.

Quando observamos uma cascata, cujas águas se precipitam e assim se purificam, reportamo-nos a Maria Santíssima intervindo nos acontecimentos e fazendo com que o curso da História seja purificado.

Falei do gáudio que teríamos ao ver as combustões do céu; podemos também imaginar nossa alegria se contemplássemos as chamas do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Enfim, contemplando as criaturas, podemos fazer mil analogias com Nossa Senhora.

Maria e as vitórias da Santa Igreja ao longo da História

E considerar uma operação de Deus sobre as coisas, comparando com a ação da alma d’Ela, nas grandes ocasiões da História.

São Gregório VII excomungando o Imperador Henrique IV. Um a um os liames feudais no Sacro Império Romano Alemão iam se desfazendo. Ninguém empurra o Imperador, aos pontapés, para fora de seu palácio, mas sucede algo muito pior: o palácio se esvazia, de maneira que não havia mais criados para servi-lo. Todo o mundo o abandonou, no meio da sua pompa inútil. E o seu império cessou pela excomunhão do Vigário de Cristo!

Que é o poder das armas? Dois mil, cinco mil, dez mil — os exércitos naquele tempo eram pequenos — cinquenta mil homens em armas… Um ancião — colocado no castelo de Canossa, pertencente à Condessa Matilde, da Toscana — excomunga e declara dissolvidos os vínculos feudais; um império inteiro para de funcionar, porque esse ancião é sucessor daquele a quem foi dito: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela.”

Então o Imperador consegue convencer alguns para o seguirem, porque explica que vai pedir perdão e precisa de ajuda para poder atravessar os Alpes. Coisa dificílima! Hoje se sobrevoam os Alpes… Ele sai num trenó, durante o inverno, talvez acompanhado de três ou quatro servidores, que têm horror do homem a quem servem, e o conduzem quase como a um leproso com o qual ninguém quer se contagiar. Sobem e descem montes, passam por precipícios, correm riscos de vida e Henrique IV não tem certeza de sua própria contrição; sabe, entretanto, que se ele morrer sem contrição, mas por mera atrição, pode ir para o inferno! E pede Àquela a quem ele ofendeu que o proteja e perdoe, de maneira a poder chegar à fonte de todo o perdão: o ancião venerável a quem ele insultou.

Por fim, Henrique IV chega a Canossa, mas encontra fechadas as portas do castelo. Oh! A grandeza dessas portas fechadas! Oh! A magnificência desta decisão de São Gregório VII: “Não perdoo, não te restaurarei no império! Absolverei a tua pobre alma, quiçá para uma vida de penitente. O diadema imperial, não o terás mais na fronte. Esta fronte pecou e sobre ela a glória máxima da ordem temporal não pousará!”

Durante quatro dias e quatro noites, ele fica ajoelhado na neve e pedindo! Afinal, as portas se abrem e se faz a reconciliação. Entoam-se hinos, há grande alegria e se restabelece a ordem normal das coisas: a vitória da Religião sobre a ordem temporal, a vitória do sobrenatural sobre o natural, a vitória do espírito sobre a matéria. Quantas vitórias mil vezes mais gloriosas do que a de um país sobre outro! Vitórias ordenativas de todo o conjunto humano.

À medida que eu falava, vi os corações de vários de meus ouvintes se encherem de entusiasmo, e Nossa Senhora gostou disso. Como se terá entusiasmado o Coração d’Ela, quando se passou esse fato?

Como seriam as labaredas do Coração dulcíssimo de Nossa Senhora, quando Godofredo de Bouillon e os dele saltaram por cima das muralhas de Jerusalém e entraram?

E vendo os missionários chegando num país onde não há Fé e que começam a pregar a Religião católica e ela começa a nascer?

Anchieta e Nóbrega vêm ao Brasil e iniciam a pregação — estou falando do Brasil, mas poderia apresentar outros exemplos —; o País começa a nascer e a se mover. Mais bela do que a natureza mineral, a vegetal, a animal e do que o próprio homem, era a graça que vinha pelas mãos dos missionários e conduzia as pessoas para a vida sobrenatural.

Maria Santíssima percebeu que isto era mais pulcro do que tudo quanto se tinha passado anteriormente. Anchieta, ameaçado pelos índios, canta as glórias d’Ela, escrevendo em latim um poema e decorando-o. O mar não ousa tocar nas areias sobre as quais o texto estava redigido. Nossa Senhora sorri, vendo o filho bem-amado do qual nasceria a evangelização deste País.

Que labareda, talvez áurea ou azulada, sairia do Coração de Maria!

E gotas de graças caindo! Já não é o dramático, o espetacular e o apocalíptico, mas outra forma de manifestação: o gracioso, o materno, o afável, o leitoso de certas pedras, o suave de alguns cristais, a brisa de auroras que havia no Coração d’Ela. Todas as modalidades possíveis de brisas que sopraram na Terra não têm o encanto de um só sorriso de Maria!

Quantos sorrisos Nossa Senhora dirigiu a Anchieta, que evangelizava este País!

A maternalidade de Maria Santíssima! O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. O Homem-Deus é Filho d’Ela, e Nossa Senhora nos ama por causa disso. Quando sofremos, Ela tem pena de nós. Quanto isto é magnífico! Sobretudo quando pecamos, Ela tem compaixão de nós. E é mais magnífico ainda.

Porque, quando sofremos, o sofrimento não nos torna inimigos de Maria Santíssima. Até, pelo contrário, quebra em nossa alma certa autossuficiência e tendência ao orgulho. Mas, quando pecamos, nós rompemos com Ela de um modo criminoso.

Nossa Senhora previu tudo isso quando estava na Terra e teve dor, porque Ela pensou: “Essa alma, maravilha criada por Deus, que meu Filho resgatou com aquelas gotas de Sangue incomparáveis que Eu vi florescerem n’Ele aos borbotões, agora vai se perder?” De modo semelhante ao gemido de Nosso Senhor: “Quae utilitas in sanguine meo? – Que utilidade tem o meu Sangue?”, Maria Santíssima diz: “Qual a utilidade do Sangue de meu Filho?”

Então Nossa Senhora pede a Jesus, pelo amor d’Ele ao pecador — o Redentor ama aquele que não O ama mais —, que lhe consiga a graça de atender ao que esta diz em sua alma: “Meu filho, converta-se! Meu filho, abra os olhos! Meu filho, tenha juízo! Meu filho, volte a ser meu!” E às vezes com insistências tão prementes que se diria que a alma está literalmente sitiada. Quantas doçuras cabem nisso! Quanto saber fazer! Quanta misericórdia e compreensão! Quanto esgueirar-se pelas anfractuosidades de uma alma, para se adaptar a tudo!

A participação d’Ela na Igreja Militante e na Igreja Penitente

Todas essas operações o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria está fazendo no Céu e na Terra. Porque Nossa Senhora conhece, mais do que qualquer bem-aventurado, o que se passa em Deus, e Ela reage no suprassumo da elevação e da perfeição. E preside, dirige, rege tudo quanto sucede no Céu! Sabe o que se passa em todas as criaturas da Terra. Conhece a vida da Igreja Militante e, com esta intensidade, participa de tudo o que acontece.

Mais ainda, Ela conhece a Igreja Penitente e vê todas as dores no Purgatório.

Em tudo isto Nossa Senhora está continuamente presente, à maneira de uma brisa, um vulcão, um céu, um sol, um diamante, uma águia, uma pomba, um cordeiro, um leão. Ela é tudo! Muito mais do que tudo, Ela é a Virgem Maria, Mãe de Deus!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1979)

1) Informe e vazia. Cf. Gen 1,2.

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