Esplendor do equilíbrio

Interpretando falsamente o princípio de que a virtude está no meio, muitas pessoas chegam a defender os erros mais crassos, contrários à Doutrina Católica.
Dr. Plinio elucida sapiencialmente esse tema, com base na razão e apresentando belíssimos exemplos.

São Francisco de Sales, grande Doutor da Igreja, chegou a identificar o equilíbrio com a virtude, dizendo que a virtude está no meio. Ora, o meio é exatamente o equilíbrio entre dois extremos, a considerar as coisas do ponto de vista geométrico. Assim, se a virtude está no meio, chegamos à conclusão de que a verdade se encontra no equilíbrio. Portanto, não há razão para julgar o equilíbrio como sendo algo insípido, estúpido; nele deve estar a verdadeira sabedoria.

Noção de equilíbrio

Contudo, é preciso ver bem o que nas conotações da palavra “equilíbrio”, na linguagem brasileira, entra de fundamentalmente sem sabor, fazendo com que uma coisa tão eminente como o equilíbrio possa dar uma impressão tão desagradável.

O equilíbrio, afinal, o que é? É uma excelência das coisas por onde elas — nos seus aspectos contrários — se compensam, se harmonizam, de maneira tal que se reúnem em torno de uma nota suprema, a qual abarca uma porção de notas colaterais. Poderíamos dizer, por exemplo, que um edifício, com uma torre no centro e duas alas iguais de uma amplitude harmônica com o tamanho da torre — ou seja, quanto mais alta a torre, mais largas as alas —, tem equilíbrio. Essa ideia de equilíbrio abrange uma grande variedade de aspectos, e nós começamos a entrever através disso, de um modo mais vivencial, quanto o equilíbrio é uma coisa boa.

Entretanto, no Brasil se chama homem equilibrado, não aquele que tem uma ideia ou princípio central, em torno do qual ele traça a circunferência de todos os aspectos possíveis, mas um simplório que não tem nenhuma ideia central; e sempre que é atormentado por dois extremos opostos, o equilibrado se coloca simplesmente no meio-termo, pensando que com isso resolveu as coisas.

Por exemplo, entre um comunista e um fascista, o equilibrado seria um burguês. Entre um indivíduo que quer o divórcio e outro que deseja o amor livre, o equilibrado quereria um divórcio muito evoluído; entre um homem que é favor da alopatia e outro da homeopatia, o equilibrado gostaria de uma mistura sem sentido entre essas duas coisas incompatíveis. E daí para a frente.

Pensamento seletivo, ordenativo, vigoroso

Então, o verdadeiro equilíbrio não é uma mistura ininteligente de coisas incongruentes, mas a força de um pensamento central, com o leque das consequências que em todos os sentidos dele se podem tirar.

Assim, toda beleza é necessariamente equilibrada. Mas há certas formas de pulcritude nas quais o que brilha à primeira vista não é o equilíbrio, mas é quase o desequilíbrio.

Tomem a Catedral de São Basílio, em Moscou, por exemplo, com aquelas torres pequenas — encimadas por cúpulas em forma de cebola — que sobem com uma espécie de ascensão frenética para o céu: a nota daquilo é de um misticismo que parece não dar lugar ao bom senso e à razão. Em substância dá, mas parece que não. É uma nobre e pseudo unilateralidade, no fundo da qual existe um equilíbrio.

Encontraremos, assim, várias formas de beleza. Mas a forma de beleza francesa — sobretudo nos áureos tempos da França, na Catedral de Notre-Dame, por exemplo — é o equilíbrio. Mas é um equilíbrio cheio de gosto, de sabor, de classe, de estilo — não o equilíbrio abobado entre duas opiniões das quais, tratando-se irenisticamente, se obtém o meio-termo “pro bono pacis”(1) —, porque é um pensamento seletivo, ordenativo, forte, vigoroso, que agrupa em torno de si os respectivos elementos, e faz disso propriamente uma maravilha.

O equilíbrio francês cheio de sabores

Temos um exemplo neste panorama que vemos aqui. Eu o considero de uma alta categoria. Onde está a beleza do quadro que contemplamos?

Analisem elemento por elemento. A grama é de um verde-esmeralda que nos nossos trópicos não se encontra. No meio da grama, a coisa mais comum do mundo: um caminho inteiramente reto. Bem no fundo, um castelo.

O que tem esse castelo propriamente de maravilhoso? Na fachada, não se vê uma estátua e quase nenhum ornato. Não se nota no castelo nada que deslumbre. Não é uma construção cara; custa preço alto apenas porque é grande, tem muito tijolo, material com que se faz qualquer casa. Entretanto, eu acho que seria um absurdo não reconhecer a isto a nota do equilíbrio, do maravilhoso. Mas qual é o maravilhoso? É o maravilhoso do equilíbrio, da coisa bem pensada, bem estudada, e feita com categoria: aqui está o esplendor do equilíbrio. E é o equilíbrio francês, cheio de toda espécie de sabores. Observem primeiramente o prédio, depois o resto.

A graça dominando a força

O prédio é composto de uma espécie de torreão central, que não é uma coisa “bojudona”, fazendo assim o papel de um tórax, de um abdômen, perto do qual o resto são duas asinhas. Pelo contrário: é uma coisa fininha, esguia, terminada, para acentuar a ideia do fino, por um teto pontudo. Mais ainda, de um lado e de outro há duas chaminés altas que realçam ainda mais a ideia do pontudo, porque elas terminam em ponta; e no alto uma espécie de campanariozinho — um mirantezinho, uma pequena cúpula — suportado por coluninhas. E essa ponta termina numa janela com uma ponta, tendo do lado duas pontas. Essa parte central do prédio é toda leve, esguia, fininha; mas está de tal maneira no centro, é tão bem pensada, que ela não faz o papel de raquítica, de nenhum modo, em relação aos dois extremos atarracadões e bojudos que se encontram num ponto e no outro.

O governo, a linha “rectrix” do prédio está bem no centro. É a graça dominando a força, Jacó reprimindo Esaú, as coisas pesadas coordenadas em torno da leve.

Não sei se percebem o alto pensamento, a afirmação da superioridade do espírito que há por detrás disso: é o triunfo da graça sobre a força, a faculdade ordenante da inteligência sobre as coisas da matéria.

Alta categoria

Entretanto este contraste entre a parte central e os dois extremos é equilibrado — porque todo contraste equilibrado deve possuir termos intermediários harmônicos — por dois corpos de edifícios iguais, nem tão esguios nem tão bojudos, mas que ficam entre uma coisa e outra, preparando a transição. As fachadas laterais são mais largas que a central, os cimos mais esparramados e não terminam em ponta, mas em cones truncados. No alto, há uma janela só no centro, e três janelas nas partes laterais.

Usa-se nas gerações mais novas uma expressão um pouco popular, mas que às vezes tem uma certa força de significado: “Que coisa bem craniada!” Porque é preciso ter crânio para fazer isso.

Esse castelo não foi feito por bobo, nem para bobo, porque é muito discreto. É como quem diz: “Se tu não me percebes, eu não te digo. Sou para quem tem quilate; diante de mim há mata-burro.” Ou então: “Se tu me julgas banal, eu te julgo trivial. Os eleitos, os seletos venham a mim. Eu sou feito para poucos.”

Vemos que tudo isso é de alta categoria, realizado por cabeça superiormente orientada.

O gênio francês

Nos extremos, observamos a coisa curiosa. Esses corpos de edifícios são atarracadões; não tanto atarracados porque possuem três janelas — porque os laterais também têm —, mas devido ao espaço maior entre as janelas, e, sobretudo, pelo teto pesadão e grandão, que constitui uma tampona. Mas o muito pesadão horrifica o gênio francês, e por causa disso, no meio do pesadão há algumas coisas que o equilibram.

Imaginem que pesadelo seria essa tampa grande se não houvesse essas janelinhas pequenas em cima, redondinhas! Como elas dão um sorriso que compensa a carranca dessa imensidade de ardósia do teto! Por detrás, as chaminezinhas e os campanariozinhos evitam que isto tome a aparência de um calcanhar achatando a ala do castelo. Apesar de tudo, isso é pesadão, a parte intermédia é meio leve, e o centro é levíssimo.

A altivez do castelo está no que ele tem de mais gracioso. É como quem diz: “Forte eu sou, mas, sobretudo, eu me prezo de ser inteligente. Em última análise, eu sou completo, porque tenho tudo. Tenho muita força, mas tanta inteligência que, em mim, a inteligência domina a força. Eu sou equilibrado”.

Isso é um equilíbrio de primeira categoria, é degustação, porque se degusta isso como um prato saboroso! Isso é turismo! Viajar pela Europa quer dizer ir percebendo essas coisas. Não basta ouvir o que um guia fala, mas é preciso ver o que o artista diz, o que o ambiente que inspirou esse artista tinha a sofreguidão de contemplar.

Vemos aqui uma aplicação da noção de equilíbrio. Quando São Francisco de Sales afirma que no meio está a virtude, pensem nesse torreãozinho e encontrarão a explicação. Não é um equilíbrio sensaborão, mas sim cheio de sal; é o gênio francês.

Esse gênio francês, muito discretamente, se faz sentir noutra coisa: é o quadro. O castelo é, talvez, um pouco discreto demais. Então, ele é realçado pela perspectiva: um grande parque. Ele é tão simples nas suas linhas e nos seus enfeites que, se houvesse canteiros com muitas flores e esguichos, ele ficava pobre; então, ele tem um simples, mas esplêndido tapete de esmeralda para lhe servir de apresentação, e arvoredos formando, um pouco longe dele, moldura. Dir-se-ia que ele sai de dentro de um mundo de delícias e de mistérios que essas árvores encobrem; ou a clareza e a lógica cercadas de imponderáveis. Outra forma de equilíbrio. Eu acho isso maravilhoso.

Perceber essas maravilhas é um dos prazeres da vida

Os caçadores! Notem a posição deles! Tenho a impressão de que é uma fotografia tirada espontaneamente, mas a pessoa que fotografou o fez tão bem, que se um encenador devesse colocar esses caçadores numa posição bonita, ele os poria assim. Querem uma coisa mais sem graça do que, por exemplo, todos andando na mesma linha? Estragaria o quadro. Ou um cavaleiro aqui, outro ali, outro lá, outro acolá, etc., seis manchas de vermelho, sem sentido… Aqui não. Há um misto de distância e proximidade, fantasia e ordem dentro da distribuição deles, que faz com que sejam deliciosos de ver.

Observem, por outro lado, o estilo. Os caçadores estão parados, tranquilos, de uma tranquilidade pronta para a ação. E a ideia da efervescência da caçada não é dada pelos homens, mas pela cachorrada: um ferver de cães famintos, dispostos para correr. E os caçadores sólidos, mas elegantes — porque são homens elegantes —, montados em cavalos que não têm nada de espetacular, mas espetacularmente proporcionados ao conjunto. Com toda a distância psíquica(2), os homens se preparam para uma caçada que vai ser feroz, por vales e por montes, tocando cornetas etc.; a “demarragem” é equilibrada.

Não é verdade que para degustar um dos prazeres da vida, que tornam a existência humana digna de ser cristãmente vivida, é preciso perceber essas coisas? Mas perceber com o rumo ao Céu.

Reflexo da Igreja Católica

Esses valores de espírito são assim porque essa civilização foi cristã. Porque há o precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, a graça, o Batismo, a Igreja Católica dentro disso. Isso é, no fundo, um reflexo da Igreja Católica. Se não fossem as virtudes cristãs, isto não teria sido assim.

Então não é um puro gáudio dos olhos, nem da inteligência que se tira daí, mas acima disso é um gáudio superior do espírito, considerando uma ordem transcendente de coisas, onde existe um Deus pessoal, sobrenatural, que nós contemplaremos face a face, e no qual todas as formas desse equilíbrio se realizam de um modo tal que isto é uma imagem do Criador. Mas Deus é tão mais do que isto, que Ele até não é nem um pouco assim. Isto se encontra n’Ele de um modo insondável e incapaz de ser imaginado por qualquer criatura. Assim é a Terra como a bênção de Deus a fez, como a civilização cristã a modelou. Esta é a figura do Céu para o qual nós vamos.

Temos aqui um termo religioso para uma meditação sobre uma coisa profana.

Alguém me diria: “Dr. Plinio, falta um cruzeiro diante desse castelo para ele ter a nota cristã.” Eu responderia: Em todos os lugares onde se queira colocar um cruzeiro, eu exulto. Mas dizer que a coisa fica falha sem cruzeiro, não concordo. O espírito católico está aí até sem o cruzeiro. Esse castelo é católico em si; tal equilíbrio sem a graça não se consegue. É uma tradição constituída por homens que em certo momento receberam a graça e tiveram esses valores. Aqui está o equilíbrio católico.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/5/1969)

1) Do latim: para o bem da paz.
2) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma calma fundamental, temperante, que confere ao homem a capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o cercam.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *