Delicadeza e severidade

Creio que uma das características fundamentais do homem da Idade Média era possuir um estado de espírito afeito aos longos e serenos recolhimentos, durante os quais sua alma deambulava, com todas as suas possibilidades e faculdades, por todas as espécies de realidades. E sem nunca manifestar a menor complacência para com o mal, observava as várias formas de bem, na sua imensa diversidade, amando-as todas, nas suas diferenças, flexibilidades, elasticidades e contradições aparentes. A partir dessa contemplação, ele era capaz de todas as formas de ternura, paciência, delicadeza, suavidade, como operação prévia, entre outras, para ser capaz também de todas as formas de santa e necessária austeridade.

O medieval podia, portanto, com essa serenidade e esse equilíbrio, com posição imensamente compreensiva diante das diferentes formas de bem, tirar uma conclusão: “Essas variedades me conduzem à certeza plena de que existe, para além delas, o absoluto, Deus Nosso Senhor, Criador de todas as coisas”.

Expressões de um espírito assim reluzem nas obras da Idade Média, nas iluminuras e esculturas que nos apresentam tantas figuras e personagens daquela época, imbuídas de uma profunda tranquilidade: o carpinteiro serrando uma madeira, uma borboleta esvoaçando em torno de uma flor, um raio de sol que incide sobre  um cordeirinho a pastar no prado maravilhoso.

Noutras imagens, tem-se o riacho correndo sob uma pontezinha, um cisne que passa, a trepadeira que cai junto à janela de uma casinhola que parece feita de pão de mel, e em cujas flores brincam as abelhas. Tratam-se de símbolos de formas de bem que devem nos deliciar, e que se harmonizavam e constituíam um conjunto equilibrado com virtudes aparentemente opostas, como a fortaleza e a severidade.

A alma medieval, contemplando o fato miúdo da vida cotidiana, detinha-se, encantava-se, deleitava-se com tudo e fazia inteiramente suas todas as formas de bem. Ao mesmo tempo, excluía com vigor o que era mal e contrário àquilo que admirara.

Por essa atitude, chegava a outra conclusão: “Estou aberto, enlevado e propenso à admiração diante de qualquer forma de bem. Ficaria inconsolável se a menor dessas manifestações de beleza conforme à Beleza absoluta desaparecesse da face da Terra. E repudio, com inteira firmeza, o que lhes seja contrário e intente eliminá-las do mundo”.

A meu ver, soube o homem da Idade Média, no auge de seu florescimento espiritual, praticar de modo exemplar essa espécie de admiração e amor omnímodos para com todas as formas de bem, e deduzir dessa atitude uma extrema recusa ao mal que procurava acabar com aquelas maravilhas.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/9/1974)

Revista Dr Plinio 132 (Março de 2009)

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