Coragem e elegância

Embora seja uma nação de língua e herança alemãs, a Áustria tem características próprias, valores e tradições que muito a diferenciam de sua vizinha germânica. Enquanto esta é mais guerreira e afeita à expansão de suas fronteiras por meios nem sempre pacíficos, aquela é mais diplomática. Não que o povo austríaco careça de grandes combatentes e heróis na sua história, mas o traço  propriamente distintivo de sua personalidade é, sem dúvida, a diplomacia.

A tal ponto que o lema da expansão da dinastia austríaca — a célebre Casa dos Habsburgs — escrito em latim, reduzia-se a estas vogais: “A, E, I, O, U: Austriæ est imperare orbe universo” (cabe à Áustria imperar no mundo inteiro). O modo de alcançar tal objetivo era também expresso em latim: “Gerant alia bella, tu, felix Austria, nube”; o que em português significa: “Os outros que façam guerras; tu, Áustria feliz, casa-te”.

Essa requintada diplomacia que lhe granjeava importantes conquistas no cenário político, era completada por um grande senso de sacrifício, uma superior disciplina sobre si mesma, uma  extraordinária seriedade no conduzir seus interesses nacionais e internacionais. No meio de toda essa habilidade política, nunca deixou de haver muita  delicadeza, gentileza, elegância e  perfeito senhorio da situação. E não só no campo diplomático brilharam as qualidades austríacas. Outra magnífica expressão delas, vamos encontrar, por exemplo, na Escola de Equitação de Viena, cujas exibições, admiradas em toda a terra, perpetuam as tradições desse glorioso passado.

Fundada no século XVI, essa escola nasceu no tempo em que a cavalaria era determinante nos combates bélicos. Ora, para que o homem fosse de fato eficaz na guerra, como cavaleiro, devia ter um completo domínio do cavalo, conjugado ao total governo de si mesmo. Dessa maestria na guerra derivaram as competições equestres, e quando estas já se haviam tornado banais, surgiu a ideia de ensinar o cavalo a fazer movimentos elegantes como passos de dança. Era, por assim dizer, o creme dos cremes da arte de combater, à qual o austríaco soube comunicar sua distinção, sua categoria e amabilidade.

Os cavaleiros se apresentam numa atitude irrepreensível, nobre, distinta e elegante. Mas, de homens bastante sérios para enfrentarem uma guerra e nela sobressaírem por sua coragem, se a isso  os conclamar o dever patriótico. Homens que poderiam ser guerreiros, vestidos com todo o refinamento, sem qualquer espécie de arma, ali estão apenas para fazer com que seus cavalos executem graciosos passos de dança.

Entram solenemente numa arena que mais parece uma sala de palácio preparada para espetáculos, com arquibancadas e camarotes adornados de veludos e pingentes, lindos lustres de cristal  deitando reflexos prestigiosos em todo o ambiente. Flores variegadas perfumam as galerias, e aqui e ali, faixas brancas e vermelhas lembram as cores da Áustria.

Uma vez na arena, a primeira preocupação dos cavaleiros é de saudar o povo que, encantado e lisonjeado, aplaude calorosamente. Em seguida têm início os exercícios sucessivos de disciplina:  cavalos se adiantam, recuam, se reúnem para depois se separarem, andam, trotam, saltam, dançam…

Durante todo o espetáculo, as atitudes dos animais são próprias a agradar o espectador, como se estivessem num salão. O cavalo tem todas as cortesias, gentilezas e atenções de um fidalgo:  levanta-se, trota com leveza, inclina-se, enfim, demonstra no âmbito da sua espécie todas as maneiras de uma pessoa bem educada. “Os animais são uns colossos”, dir-se-á. E o são. Porém, incomparavelmente mais dignos de elogio são os cavaleiros, pois reduzir a brutalidade do cavalo ao mimo do salão é uma obra-prima semelhante à de educar um homem para se sobressair na   sociedade. E essa proeza os cavaleiros realizam, sob a admiração e o entusiasmo da platéia.

Termina a exibição, o povo está de pé, aplaudindo os cavaleiros que recebem a ovação impassíveis, porque é da maior categoria não fazer gestos de agradecimentos. Dali a pouco eles se retiram e  desaparecem, deixando o sorriso de satisfação e enlevo impresso nas faces dos espectadores. O que se viu neles? Aquele mesmo senso de direção, de sacrifício, a calma para poder ser amável,  agradável e gentil, característicos do bom diplomata, do político fino e do homem educado, como são os expoentes da nobreza e do povo austríacos.

É a maneira de ser deles, que completa e se harmoniza com as peculiaridades e atributos de outros povos europeus, como o espanhol, por exemplo, do qual nasceram a ousadia e a coragem dos  toureiros. Se deixasse de haver Espanha ou Áustria, seria uma perda irremediável para a Europa e o mundo. As duas personalidades se compensam, e a composição de ambos os aspectos resulta  numa espécie de pleno da alma humana, que verdadeiramente alegra. É o garbo, a galhardia, o desassombro, o esplendor da serenidade e da varonilidade que enfrenta o perigo; e, ao mesmo  tempo, a disciplina e a gentileza… Predicados que se completam, frutos da civilização cristã.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

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