Contemplação do universo sideral

Deus poderia perfeitamente ter feito fogos de artifício magníficos e incomparáveis, perto dos quais os nossos fossem uma caipirada. Entretanto, criando os astros, deu-nos a ideia de um espetáculo pirotécnico, com a possibilidade de projetar no ar uma ordem que, debaixo do ponto de vista lógico e puramente estético, em algo é mais bonita do que a ordem que Ele fez.

 

Ao considerarmos o universo sideral, vemos uma tão grande série de maravilhas que o maravilhoso se multiplica pelo maravilhoso e ficamos sem saber o que dizer à vista de tudo isso.  Os comentários que mais saltam aos olhos são banais e morrem por incertos, indecisos, restando um vagido inexpressivo e insuficiente. Aquilo que é lindo pede uma exclamação: “Que lindo!” Mas isso todo mundo viu. E se começamos a descrever o lindo, quebra-se a impressão do conjunto que ele causa.

Assim sendo, vou apenas esboçar três ou quatro comentários, dos quais um não é de caráter artístico, porém consiste mais em uma reflexão do que num comentário: é a analogia entre o inter-relacionamento dos corpos celestes e a sociedade humana.

Imagem possante da sociedade orgânica

Se formos ao centro de uma grande cidade, olharmos do alto de um prédio para baixo e virmos aquele “formigueiro” de gente que anda de um lado para outro, nossa primeira impressão é de desordem. As pessoas correm com toda espécie de objetivos, entrecruzam-se e, contudo, não se chocam umas com as outras.

Ora, a impressão que se tem ao contemplar os corpos celestes é de que estamos num arranha-céu, olhando muito de longe um mundo de gente andando. Tudo isso é posto em andamento por atrações diversas. Entretanto, nesse todo que parece um magma sem sentido nem estrutura que lhe dê uma significação especial, vemos que há grupos de corpos geminados, irmanados, em relação uns com os outros, formando galáxias e estas, por sua vez, constituindo outros conjuntos nos quais encontramos uma imagem possante da sociedade orgânica.

A sociedade orgânica, como ela existiu nos tempos da Civilização Cristã, era assim. A partir da prodigiosa desordem dos indivíduos, começa a se notar a aglomeração em famílias, em corporações, em municípios, em regiões, em feudos. Depois, esses mesmos se reúnem em outros grupos até dar na estrutura de cúpula que era o Sacro Império Romano Alemão, o qual poderia ser comparado um pouco como uma visão de conjunto da abóbada celeste.

Percebemos, assim, que, para ordenar os corpos do firmamento, Deus usou de um sistema parecido com aquele pelo qual Ele quis ordenar a sociedade humana, dando-nos uma noção de como o princípio da unidade na variedade pode ser aplicado de um modo sumamente conveniente.

Essa unidade, considerada nos seus elementos mais fundamentais e mínimos, dá uma impressão de desordem. Mas à medida que vão se formando vistas arquitetônicas desses e daqueles seres, notamos como eles constituem conjuntos que, por sua vez, encaixam-se em conjuntos sucessivos, dando tudo numa grande ordem total que é a beleza e a sábia disposição de tudo quanto ali se encontra.

Ora, não podia ser ignorada por Deus a possibilidade de, com o avanço da Ciência, o homem vir a conhecer o cosmo com riqueza de pormenores. E essa possibilidade ocorreria quando na Terra esse princípio acima enunciado estivesse mais negado e mais subvertido.

Na ordem sideral há uma negação da mentalidade revolucionária

Vemos na ordenação dos astros uma imagem impressionante dos céus e da Terra de fato cantando a glória de Deus, como diz o salmista (cf. Sl 18). Mas narram-na da seguinte maneira, entre outros aspectos: a ordenação orgânica de todo o universo, e como tudo corre bem sem trambolhões, nem choques, sem desastres e sem catástrofes. Por outro lado, na Terra, quando esse mesmo princípio é negado entre os homens, tudo corre mal. De fato, céus e Terra narram a glória de Deus porque esse princípio ordenativo, admitido no céu, causa essa ordem magnífica; negado aqui na Terra, dá nesse caos pavoroso. Então, no contraste podemos ver a afirmação da glória de Deus.

Ademais, há na ordenação sideral uma negação da mentalidade revolucionária. Sempre me chamou a atenção o modo pelo qual certos problemas sociais, psicológicos, educacionais, pedagógicos são postos em nossa época. Vemos certos especialistas discorrerem, por exemplo, sobre o problema infantil: “Ah, o problema da criança é gravíssimo! Se, de fato, o Estado não tomar essas e aquelas medidas, vai acontecer tal coisa…”

Eu penso: “Meu Deus, que pedagogia é essa que vê em cada criança exclusivamente uma bomba? É um contínuo apagar de incêndio. Tem que extinguir mil labaredas nesse ente, que quase se diria ser uma pequena hiena no mundo, e é uma criança que nasceu. Tudo isso é assim mesmo?”

Além do problema do menor, tem o da velhice; depois dos salários, das comunicações. E a ordem nesta Terra, em vez de ser apresentada principalmente como algo que se liga e anda, embora sujeita a insucessos e catástrofes derivadas próxima ou remotamente da impiedade e do pecado, pelo contrário é vista como sendo por natureza uma coisa sempre em explosão, em perigo de choque. O corolário disso é a necessidade da intervenção do Estado socialista, planejando e dirigindo tudo, para solucionar esse pânico contínuo provocado por certo tipo de Ciência ao considerar os fenômenos humanos.

Um indivíduo dominado por esse espírito, ao analisar o que se passa nos astros, diria: “Há o problema das explosões no céu. Pensamos que de repente haja uma explosão e um corpo celeste pode mover-se em sentido contrário, ocasionando um desastre.”

Nós olhamos encantados para essas explosões trágicas e lindas, sem saber se é a apoteose de um processo que foi se formando na aparência da desordem para dar um magnífico fogo de artifício, ou se, pelo contrário, é um verdadeiro desastre.

Contudo, quer as explosões-desastre, quer as explosões-apoteose, triunfais, em que uma determinada situação se liquida no fulgor de uma bagunça magnífica, não há epidemias de desastres. Esses fenômenos se contêm, se circunscrevem, têm forças contrárias que os compensam, etc. Assim também a verdadeira sociedade orgânica, católica, em que a impiedade e o pecado estão contidos.

Explosões da santidade, do gênio, do talento

Por certo, mesmo em uma sociedade humana virtuosa e ordenada há desastres, choques, e convém atendê-los. Mas não é uma coisa que está a toda hora caindo, sendo preciso um Estado omnipotente, omnisciente, tomando conta de tudo, fazendo prodigiosos institutos, babéis securitárias para tomar conta disso. Deus nos livre dessas “camisas de força” administrativas, dentro das quais quase não se pode respirar nem piscar sem se deixar carimbar, estampilhar, fazer requerimento…

Felizmente ainda não foi dada aos seres humanos a oportunidade de tentar controlar o movimento dos astros, porque se houvesse essa possibilidade, podem ter certeza de que caía o dirigismo por cima disso também. E com ele sairia besteira. Isso tudo corre por si, pois não tem ali o pecado, o mal, nem os fatores de desordem que conhecemos.

Donde se tira uma conclusão que a mim agrada muito: uma sociedade humana da qual a impiedade e o pecado estivessem expulsos poderia ser nobremente livre, cheia de imprevistos magníficos e até, num certo sentido, de explosões benditas, que são as explosões da santidade, do gênio, do talento, da originalidade adequada, que de todos os lados se manifestariam. Originalidade aqui não é extravagância, mas novidade sadia.

De outro lado, constatamos até que ponto a impiedade e o pecado organizaram a desordem para que o mundo pudesse chegar ao ponto em que está. Esse próprio equilíbrio das coisas humanas, pelo qual, dentro do âmbito da virtude, elas podem entrar em desordem, mas se compensam e se consertam; esse equilíbrio magnífico que se pode chamar de saúde do gênero humano, entretanto, foi destruído por uma obra científica intencional, com o intuito de levá-lo até onde rolou e caiu.

Se não tivesse havido uma intenção e uma execução desse método, não teríamos chegado onde estamos em matéria de desordem, e não estaríamos ameaçados de descer ainda mais baixo. É esse o contraste que podemos notar entre o universo sideral e a sociedade humana, como ela nos aparece hoje em dia.

Os céus de Versailles cruzados por fogos de artifício

Imaginem o grande canal de Versailles, tendo ao fundo o castelo magnífico, o parque que se desenvolve ordenadamente de um lado e doutro do grande canal e se desdobra até um emolduramento de florestas, em que cada árvore é uma obra-prima de elegância, de graça, quase como se fosse um marquês ou uma marquesa, a ponto de se poder falar, de certo modo, das florestas como se fossem cortes.

Sobre as águas transitam harmoniosamente as gôndolas douradas que Luís XIV ali mandou pôr; embarcações com magníficos veludos que ficam pairando sobre a massa líquida e constituem como que a cauda pomposa da gôndola, algumas delas com lanternas iluminadas. Em algumas se ri, em outras se canta, em outras se toca música, em quase todas se come ou se bebe um pouco.

De repente, os céus de Versailles são cruzados por centenas de fogos de artifício magníficos que sobem e delineiam uma feeria de luzes e corpos celestes, lançados pelo homem para iluminar o firmamento, conforme o próprio homem imaginaria como o céu seria bonito. Portanto, uma imagem do firmamento toda ela artificial, construída pelo homem.

Se confrontarmos esse espetáculo com as figuras que vemos formadas pelos astros na abóbada celeste, poderíamos nos perguntar o que é mais belo. E num primeiro momento responderíamos com ênfase que a obra saída diretamente das mãos de Deus é incomparavelmente mais bela. Entretanto, não se pode negar que a ordenação artística e visível que o fogo de artifício põe, efemeramente, nos aspectos do céu tem para a mente humana algo de mais belo do que nos apresenta o universo sideral.

Esses astros, dispostos na desordem como alguém que enchesse a mão de farinha e esparramasse sobre um tecido, não têm para a concepção humana a beleza dos fogos de artifício, os quais formam geometrias magníficas quando lançados nos céus de Versailles ou de qualquer outro lugar.

Estaremos errados? Há um choque entre a obra divina e a humana? Deus trata o homem com tanto respeito e delicadeza, que fez todas essas maravilhas, mas deu-lhe a oportunidade de superar em algo aquilo que Ele mesmo criou. É um requinte de delicadeza e de misericórdia paterna, por onde o próprio Criador quer aparecer ao homem debaixo de outro aspecto, para que ele O ame mais inteira e plenamente.

Creio que, se não houvesse estrelas no céu, o homem não teria imaginado os fogos de artifício. Deus poderia perfeitamente ter feito fogos de artifício magníficos e incomparáveis, perto dos quais os nossos fossem uma caipirada. Mas não fez. Entretanto, criando os astros, deu-nos a ideia de um espetáculo pirotécnico, com a possibilidade de projetar no ar uma ordem que, debaixo do ponto de vista lógico e puramente estético, em algo é mais bonito do que a ordem que Ele fez.

Nossa Senhora é o centro e o ápice de todas as maravilhas do universo

Alguém poderá objetar: “Mas isso não O diminui? Não nos dá orgulho, fazendo-nos pensar que em algo somos mais do que Ele?”

Ora, Deus é tão poderoso e é tão autêntica a infinitude do seu poder, que Ele fez tudo isso, mas muito mais do que isso: criou almas capazes de pensar, imaginar e compor algo em certo sentido melhor do que aquilo criado por Ele. Ao fazer isso, demonstra um poder incomparavelmente maior, com a delicadeza de quem diz: “Meu filho, complete o desenho!”

Ao mesmo tempo, manifesta Ele essa grandeza fabulosa, como quem afirma: “Meu filho, veja o que tu és! És pensante e capaz de acrescentar uma nota de harmonia a tudo isso, porque és mais parecido comigo do que todo o universo. Essas são minhas semelhanças, tu és a minha imagem. Meu filho, como te amei quando assim te criei e quando aproximei as nossas naturezas, elevando a tua ao unir ambas numa só Pessoa! Veja como tudo isso é zero em comparação com as grandezas intelectuais, espirituais, morais, sobrenaturais para as quais foste criado. Quando um dia passeares por essas vastidões, em comparação com as quais és mais pequenino do que um micróbio, sentir-te-ás um verdadeiro rei, pois compreenderás que por teres existido, pensado, amado, sentido e agido conforme a Mim, teu Deus, te tornaste incomparavelmente mais belo do que todo o universo.”

Ó Sol, ó Lua, ó universo, ó maravilha! Ó poeira… A menor das almas que está no Céu é mais maravilhosa do que tudo isso.

Nosso Senhor Jesus Cristo Se voltaria para Nossa Senhora e diria: “Vós sois minha Mãe, o centro e o ápice dessas maravilhas. Em Vós há mais beleza do que em toda a Criação. Quem contempla o vosso olhar, contempla todo o universo em um grau de beleza e de perfeição como não se pode imaginar.”

Por fim, imaginemos a Santíssima Virgem, do alto do Céu, contemplando todas essas maravilhas e pedindo em nosso favor a graça de fazermos bem esta meditação, e Se interessando mais em ver o movimento da graça em nossas almas do que em conhecer o universo. Para Ela, cada um de nós vale muito mais do que essas imensidões que nos deslumbram. Com isso compreendemos quanto valemos, quanto Deus e Nossa Senhora nos amam, e que possibilidades magníficas, como também responsabilidades, há diante de nós. Assim, estaria feita uma reflexão, entre mil outras que a contemplação do universo sideral nos sugere.       v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/2/1977)

Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)

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