União dos espíritos e dos corações

Um extraordinário poder concedido pela Providência às almas unidas por um verdadeiro amor à Cruz de Cristo. Assim entende Dr. Plinio o valor e a força desse profundo liame espiritual — ressaltado por São Luís Grignion de Montfort em sua Carta Circular aos amigos da Cruz —, capaz de infligir, por sua simples existência, tremendas derrotas ao demônio.

 

Escreve São Luís Grignion:

Uni-vos fortemente pela união dos espíritos e dos corações, infinitamente mais forte e mais temível ao mundo e ao inferno do que o são, para os inimigos do Estado, as forças exteriores de um reino bem unido.

Princípio valioso

Eis um belo trecho, que encerra um abismo de sabedoria e de realidade. União de espírito e de corações significa vínculo de princípios e de vontade, mais poderoso do que o liame no qual se aglomeram os soldados de um exército bem unido.

Cumpre observar que São Luís Grignion de Montfort viveu durante o reinado de Luís XIV e no período da Regência, quando a Europa se achava conturbada por guerras diversas. Assim, a imagem utilizada por ele, de um reino com tropas armadas invadindo outra nação, não era descabida, e ele a empregou para reforçar seu valioso pensamento.

 Aprofundando essa idéia de São Luís, podemos constatar que existe uma espécie de porosidade universal da sociedade humana — semelhante à osmose, que é um fato natural — por onde tudo que se passa em algumas almas acaba atingindo todas as outras, ainda que não se conheçam. Donde a força incalculável dessa união de espíritos.

Sentido profundo da união em torno da Cruz

Contra isso levantar-se-ia a objeção de que é uma fantasia. Respondo: antes da descoberta do rádio, se se afirmasse que através de uma caixinha seria possível ouvir, nos mais diversos idiomas, notícias do mundo inteiro, muitos sorririam e diriam tratar-se de fantasia. Quando surgiu o rádio, ficaram boquiabertos. Porém, diante do fato espiritual, continuam a pensar que dito fenômeno é contra o bom senso…

Se pensarmos na analogia com a osmose, percebemos a veracidade de tal princípio. Algumas almas que se unam de modo fervoroso em torno da Cruz de Nosso Senhor, junto à qual se encontra Nossa Senhora — que nos alcança e nos distribui as graças de Deus —, essas almas assim inteiramente unidas têm o dom de desferir um golpe no demônio mais terrível que as armas de todo um exército.

Foi o que se deu, por exemplo, com Santo Inácio de Loyola e seus primeiros discípulos. Ao se reunirem com o propósito de constituir a Companhia de Jesus, naquele momento tal união de almas repercutiu nas piores falanges de calvinistas e luteranos, infligindo um tremendo golpe no foco essencial do adversário da ortodoxia católica.

Esse é o sentido mais profundo do apostolado dos amigos da Cruz, unidos, com amor e enlevo, em torno do seu ideal, na forma como essa união deve ser organizada. Insisto: ainda que fossem cinco paralíticos num hospital, portanto pouco prestigiados, se tivessem essa união, representariam um fator de alta importância para os desígnios da Igreja.

Admirável poder dado pela Providência

Compreendamos como esse é um admirável poder que a Providência nos concedeu a nós, católicos e amigos da Cruz. Pois mesmo que nos faltassem os recursos materiais, que nos negassem todos os meios de ação, ou fôssemos perseguidos e lançados em cárceres diferentes, mas permanecêssemos unidos nesse vínculo de almas, estaríamos combatendo os adversários da Igreja e da Civilização Cristã de modo extraordinariamente eficaz.

É o que se depreende do pensamento de São Luís em sua Carta Circular. Um pequeno grupo de amigos da Cruz, fortemente unidos, são como um exército em marcha vitoriosa para derrotar o inimigo. Lembra-nos a afirmação de Nosso Senhor no Evangelho: o Reino dos céus está dentro de vós (Lc 17, 21). Embora eu não seja exegeta, creio não me enganar ao considerar que o corolário dessa verdade é: nossa vitória está dentro de nós. Sejamos o que devemos ser, o triunfo será como que automático. Ou seja, mais do que qualquer outra coisa importa procurarmos ser o que devemos ser.

Santa Teresa e suas freiras

Nesse sentido, chama a atenção que todos os historiadores mencionam a reforma do Carmo feita por Santa Teresa, a Grande, como um dos fatos dominantes da Contra-Reforma. Porém, a quase totalidade deles abstrai o fato da comunhão dos santos e consideram apenas os aspectos naturais dessa reforma. Ora, sob o ângulo meramente natural, tendo em vista uma reação, o erro estratégico por excelência consiste em fundar uma ordem contemplativa. Pois tomar um grupo de freiras que podiam estar agindo e pregando pela Espanha contra o protestantimo, trancá-las atrás de grades e obrigá-las ao silêncio, seria prestar um imenso favor ao adversário. Significava inutilizar os melhores instrumentos humanos do bem.

Entretanto, esses mesmos historiadores admitem o alcance concreto das fundações de Santa Teresa para o triunfo da Contra-Reforma. Quer dizer, de um pequeno grupo de freiras, no fundo de um convento, permeia, filtra e voa um dardo vigoroso contra o mal. E quanto maior for o amor a Deus e o ódio ao demônio com que essa união se faça, tanto maior será o golpe desferido no inimigo da Igreja.

Batalha invisível dos amigos da Cruz contra o mal

Em sentido contrário, é preciso considerar, não raro se vê famílias ou instituições desmoronarem moral e até materialmente. São muralhas da velha tradição católica que se desfazem. A causa próxima dessa ruína geralmente é indetectável. Mas o motivo remoto, profundo, é este: nos antros do demônio houve requintes de pecado, enquanto entre os católicos não houve requintes de virtude. E então o pecado também voa em sentido oposto ao bem. Essa é a grande batalha, invisível e superior, dos amigos da Cruz, dos que pertencem à cidade de Deus (para usar a imagem de Santo Agostinho), aqueles que levam o amor do Altíssimo até o esquecimento de si mesmos, contra os amigos da satisfação, do deleite desenfreados, filhos da cidade do demônio que levam o amor de si mesmos até o esquecimento de Deus.

Compreendemos, assim, como Nossa Senhora, os anjos e nossos santos padroeiros nos olham do Céu e nos acompanham em nossa trajetória espiritual, esperando que tenhamos esse impulso ardoroso de alma, capaz de contrariar as ações do demônio e seus sequazes.

Fundamento do apostolado da Contra-Revolução

As palavras seguintes de São Luís confirmam ainda mais tudo o que acima consideramos. Diz ele:

Os demônios se unem para vos perder. Uni-vos para derrotá-los.

Portanto, é a visualização da luta como o confronto entre duas uniões, as quais não significam coligações estratégicas de forças, mas de amores contrários, que definem a vitória ou a derrota, antes de tudo pela sua diferente intensidade. É o lado estático e superior da luta, supereminente em relação a seu aspecto dinâmico.

Os avarentos se unem para traficar e ganhar ouro e prata; uni vossos trabalhos para conquistar os tesouros da eternidade, encerrados na Cruz.

O avarento recolhe para si, sendo o oposto do que tem amor de Deus: este é o “avarento” das coisas da eternidade, dos tesouros encerrados na Cruz de Cristo.

Os libertinos se unem para se divertir; uni-vos para sofrer.

Eis um empolgante contraste! Se tantos se unem para se divertir, como vencer essa coligação de libertinos? Sofrendo sozinho? Não: sofrendo unidos. Formando dessa maneira o bloco coeso dos bons, desferindo o maior impacto que se pode infligir ao mal.

Creio que essas palavras de São Luís Grignion de Montfort contêm o fundamento do apostolado contra-revolucionário, pois essa união de espírito e de corações é a mais eficiente arma na luta entre a Revolução e a Contra-Revolução.

 

(Continua em próximo artigo.)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/5/1967)

 

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