Sacralidade beneditina

Ao contrário da agitação existente em certos ambientes do mundo atual, em Subiaco sentem-se refrigério, luz e paz. Os monges, que se deixam imbuir pelo espírito de São Bento, levam ali uma vida despretensiosa, temperante, pura e cheia de uma alegria cândida.

 

A  propósito de algumas fotografias tiradas de Subiaco, eu gostaria de tecer comentários que não se limitam à análise dos ambientes e costumes, mas visam aprofundar impressões causadas por aqueles lugares na alma de quem os contempla.

Subiaco e estação de metrô: extremos opostos

Nesta primeira foto vemos uma pequena porta que conduz a uma escadaria estreita. Em rigor, essa passagem assim apertada poderia ser a porta de uma masmorra, através da qual passa o carcereiro para levar pão e água a algum prisioneiro nas horas estipuladas.

Considerada, por assim dizer, “anatomicamente”, esta parte do edifício poderia servir para isso. Entretanto, não é nem um pouco a impressão que nos dá. Ao subirmos por esta escadinha, não sentiríamos medo ou qualquer outra sensação própria a quem ingressa em uma masmorra. Pelo contrário, tem-se a impressão de um ambiente recolhido, com uma penumbra que sucede à grande luz do dia, com algo de aconchegado, de cômodo.

Poder-se-ia bem imaginar um monge beneditino dos antigos tempos subindo esses degraus, passo a passo, enquanto recita um salmo ou reza uma dezena do Rosário. Em uma palavra, quanta bênção há aí! É uma bênção de paz que se faz sentir por um jogo de luz e sombra.

Se compararmos isso com a atmosfera de uma estação de metrô, perceberemos como o metrô e Subiaco são extremos opostos, de um modo até berrante: um está inserido dentro da civilização industrial e outro na nascente da Idade Média.

Viver entre pedras e pouca vegetação, pensando no Céu

Na outra fotografia vemos ruazinhas muito estreitas e, como tudo está construído em meio a montanhas, há diversos patamares aos quais se tem acesso, às vezes, por escadinhas como essa.

Sente-se ter vivido aqui gente habituada a uma vida despretensiosa, temperante, pura e cheia de uma alegria cândida.

Notem como a escadinha está toda modelada pelo passo humano. Séculos e séculos de subir e descer de homens que consagraram a vida a Deus, renunciando a todas as alegrias e pompas do mundo para viverem entre essas pedras, pensando no Céu.

Imaginemos, durante o dia, abrir-se aquela janela com vitrais elaborados à maneira de fundos de garrafa, e aparecer por detrás um monge com capuz, braços cruzados debaixo do escapulário, e olhando…

Nas margens desse caminho nada foi plantando pelo homem, tudo está como a natureza pôs. No primeiro dia, quando esse solo saiu das mãos de Deus, era possível que fosse mais ou menos assim.

Veem-se pedras por toda parte entre as quais nasce uma vegetação que se agarra como pode a um pouco de terra, e viceja onde consegue.

Aquele arbusto que aparece ali, com seus galhos contorcidos, parece ter esgares de fome. Não é o fértil chão brasileiro com seus jacarandás e jequitibás, nem o solo norte-americano com suas sequoias; nada disso. Essa é uma árvore brotada em terra árida e pedregosa.

Há, entretanto, uma intimidade entre quem passa por esta pequena via e a vegetação que a ladeia, cujo exalar de vida nada interrompe, dando-nos a impressão de existir uma íntima amizade com todo esse mundo vegetal rumo ao céu azul que se entrevê lá no fundo, e faz até pensar no Céu da eternidade.

Sente-se uma paz nesse ambiente! Uma pessoa que ali entrasse cheia de torcidas e de preocupações, e seguisse por essa estradinha, chegaria ao outro lado inteiramente tranquilizada.

O que isso tem de lindo? Viveu ali um Santo, o Patriarca dos monges do Ocidente, isto é, o primeiro de toda a gloriosa coorte de monges, o qual teve como filhos espirituais, nesse lugar, homens canonizados, além de quantos outros que, embora não canonizados, também estão no Céu. É o ambiente próprio do homem à procura da santidade; eis a bênção que São Bento deixou.

Ambiente simples, mas repleto de beleza espiritual

Para ingressar na via da qual falávamos, a pessoa passa por esse arco que aparece nesta outra foto. É uma ogiva despretensiosa, bonita e séria. Não tem uma escultura, nem qualquer outro adorno. É apenas uma ogiva feita de pedra, mas com toda a beleza das ogivas, como se fossem duas mãos postas para rezar.

Pode haver coisa que recolha mais o espírito e favoreça mais a oração, as grandes reflexões a respeito dos grandes temas? Assim a alma de um homem se forma! Mas, por quê? Porque há uma bênção presente no ambiente e que envolve e penetra quem nele se adentra.

Se alguém me perguntasse: Isto é lindo?

Eu diria: Não, de nenhum modo.

Entretanto, sob outro aspecto, se outrem me indagasse: Isto é lindíssimo?

Eu responderia: Sim!

No sentido de uma beleza espiritual.

Essa paisagem é agradável de ver, mas não é linda, materialmente falando. Contudo, a beleza espiritual torna isso lindíssimo.

Eis uma bonita fotografia bem dentro da linha do que vínhamos falando. Vemos a vegetação e o alto de uma construção que parece ser uma capelinha com uma rosácea, com todo o encanto das rosáceas medievais. Aquilo é tipicamente medieval. Têm-se esse misto de pedra e folhagem: reino mineral e reino vegetal juntos, entrando em harmonia, para que o expectador possa exclamar: “Como Deus é grande!”

São Bento: olhar contemplativo, todo voltado para as coisas de Deus

Ali contemplamos um afresco de São Bento. O pintor representou-o de uma maneira singular. Ele está com uma espécie de capuz sobre a cabeça, mas este tem um pouco a forma da parte baixa de sua face. De maneira que o desenho da maçã do rosto até o queixo tem a forma do capuz pontudo. E dá a impressão de uma face concebida numa moldura de duas pontas: uma para baixo e outra para cima. Rosto muito fino, nariz comprido, barba não muito crescida, na transição do grisalho para o branco; as sobrancelhas, ainda escuras, representam um homem que ainda está no vigor de seu pensamento e de sua ação.

Notem a força moral com que a sua mão segura o báculo, símbolo do poder do Abade.

Olhar sério, até com alguma coisa de severo, mas no qual há um mundo, um céu! Se um de nós o encontrasse, teria vontade de ajoelhar-se diante dele e pedir: “Pai, dizei-me no que pensais!”

Imagino que ele responderia sem olhar para quem pediu, desfiando o seu pensamento inteiro, com um timbre de voz partindo do fundo de sua laringe possante, num pescoço alto, como se fosse o tocar de um sino.

São Luís Orione achava o olhar de São Pio X tão puro, que se confessava sempre antes de falar com este Santo Pontífice.

Não é verdade que teríamos vontade de nos confessar, antes de falar com São Bento? Olhar reto, puro, todo voltado para as coisas de Deus, contemplativo e sério!

Se eu lhe perguntasse no que estava pensando, e ele me dissesse:

— Agora não posso explicar.

Eu pediria:

— Permiti, então, que eu fique vos olhando!

São Francisco de Assis, grande admirador e devoto de São Bento

Aqui temos uma pintura representando São Francisco de Assis, que viveu séculos depois de São Bento, mas por ser grande admirador e devoto deste Santo Abade, resolveu ir a Subiaco para venerá-lo. Ali ele viu, junto à gruta de São Bento, um carrascal de espinhos onde o Santo Abade tinha rolado para combater uma tentação contra a pureza, vencendo-a. O demônio fugiu diante da admirável penitência de São Bento. São Francisco plantou naquele local uma roseira, e até hoje as rosas e o carrascal de espinhos vivem juntos, entrelaçados.

Em São Francisco contempla-se um tipo de santidade diferente; mas que maravilha! Essa pintura representa um homem muito mais jovem do que é figurado São Bento na outra. Não sei se calculo mal, mas suponho que esse homem esteja na casa dos trinta anos.

Sua atitude é muito serena, calma, mas com uma determinação de vontade que se vê muito pelo modo do rosto estar implantado sobre o pescoço. Todos os traços distendidos, mas não moles. É alguém que está, no fundo do olhar azul, pensando e contemplando algo e querendo com toda a força da vontade o objeto de sua contemplação.

É de uma pureza impressionante! Um homem casto, temperante por excelência e vigoroso. São Bento também o era, mas o pintor de São Francisco deixou ver essas virtudes mais inteiramente do que o de São Bento.

Compreende-se que o “Poverello” de Assis gostasse de ler para os seus noviços as histórias de Cavalaria, pois antes de abraçar a vida contemplativa pensou em ser cavaleiro.

Nesta representação, a sua mão direita segura ligeiramente o braço esquerdo. Vejam a lógica das linhas e a força dessa mão!

Se a São Bento eu pediria: “Dizei o que pensais!”; a este eu rogaria: “Não digais, pois eu vejo. Deixai apenas que eu olhe para vós!”

Tem-se a impressão de que São Bento está presente

Tendo analisado tudo quanto vimos de Subiaco, nasce a pergunta: O que há dentro disso?

A resposta que vem ao espírito é esta: a sacralidade beneditina. É uma paz, não a da modorra de um comodista, mas uma paz de algo que tem vida intensa dentro de si.

Vida, por sua vez, não agitada, espancada, surrada, mas com refrigério, luz e paz que se sentem naquele lugar não se sabe bem no quê, e dá a impressão de estar São Bento presente ali.

Há lugares sagrados que conservam uma como que impregnação dos personagens e dos fatos ali ocorridos. Aquele ambiente fica mais ou menos marcado, fazendo-nos sentir algo do que ali se passou.

Por causa disso, a grande alma de um Santo pode se fazer sentir por séculos e séculos, no lugar onde ele viveu e praticou a virtude. É, pois, a grande alma de São Bento que sentimos ali.

Vem-me à memória um episódio encantador da vida desse Santo:

A governanta de São Bento — termo um pouco anacrônico, pois não se usava naquele tempo, mas de fato corresponderia a uma governanta atualmente — deixou cair uma vasilha emprestada, que se desfez em cacos. Já é uma coisa aborrecida romper algo que nos pertence, quanto mais quebrar um objeto emprestado de outra pessoa; é uma espécie de vexame.

Ela ficou muito aflita e São Bento a viu chorar.

Desejando, então, restabelecer a paz de alma daquela senhora, São Bento se ajoelhou, rezou e a vasilha se recompôs miraculosamente. Ele voltou-se com naturalidade para a mulher, sem excitação nem angústia, e disse: “Aqui está a vasilha!”

Quem está tão em presença de Deus, e paira tanto acima dos acontecimentos, sabe que a Providência resolverá para ele os casos; esse não tem aflição.

São Bento caminha sério, recolhido, severo até — como ele é representado no afresco que vimos há pouco —, de uma severidade admirável, e tem rumo para tudo; confia em Deus, ainda quando ele não saiba qual será a solução do problema. Deus lhe dará confiança. E por isso os vendavais torpes da vida não sopram sobre ele. Ele avança majestoso, bondoso, com a alma firme, e sacralizando tudo pela sua presença.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/7/1985)

 

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