O Império Romano nos planos de Deus – II

Após discorrer acerca das “continuidades esplendorosas” existentes na História, Dr. Plinio, dotado de profundo senso de reversibilidade, imagina a “esplendorização histórica” do Céu empíreo.

 

Essencialmente falando, eu acho que aquele traço dado de algum modo se projeta no Céu empíreo. Não posso imaginar o Céu empíreo como se os homens tivessem vivido atemporalmente, sem nenhuma civilização, meio parecido com aquelas indecências do Olimpo, onde as pessoas se portavam como índios selvagens…

A meu ver, nossas almas não têm uma plena atração por essas coisas, porque não se sentem inteiramente refletidas.

Pergunto-me se não há infiltrações de Renascença nesses modos de apresentar o Paraíso. Não posso admitir um Céu empíreo onde a Igreja não esteja representada em tudo aquilo por onde ela se materializou, para as delícias dos sentidos humanos. É Igreja Triunfante. Haverá ordens religiosas no Céu? Enquanto tais, não; mas como famílias de almas, sim. Portanto, isso tem que ter continuidades, as quais devem se refletir no Céu empíreo. Eu gostaria de imaginar um Céu empíreo que fosse uma esplendorificação, além de todos os aspectos da natureza, também da História: as intenções de Nosso Senhor com aquilo que ficou em estado potencial, as mostras de coisas que foram de determinado modo, e como poderiam ter sido.

Não concebo — claro que se a Igreja disser o contrário, eu me inclino com delícias — que o Céu empíreo seja simplesmente como ele é apresentado, por exemplo, pelo Cornélio(1): tem-se a impressão de que os anjos produzem sons, emitem cores etc., dando aos bem-aventurados a ideia que são uns artistas convencionais. Tudo isso é verdade, mas deve haver algo a mais.

Que relação existe entre o Céu empíreo e o Paraíso terrestre, que não vai ser destruído? A própria ideia do Céu empíreo precisaria ser muito enriquecida. Talvez fosse missão de nosso Movimento fazer tal enriquecimento, para glorificar a obra total de Deus e também atrair mais as almas para o Céu.

Juízo Final: grande aula de História

Volto a dizer, tenho pânico de não manter a ordenação católica verdadeira — submeto-me de muito bom grado a tudo quanto a Igreja ensine —, mas a História deve ser consoante com o Juízo Final. E o Céu, visto por esse lado, seria uma espécie de condensação da História, não porque fiquem pedaços menos importantes de lado, mas em razão de ser feita de modo denso, de maneira a apresentar um panorama com as várias glórias sucessivas, que Nosso Senhor foi determinando para Si ao longo dos tempos, e que iriam recompondo de algum modo o plano que Ele teve com o Paraíso terrestre, o qual não se realizou. E depois do Juízo Final todas essas coisas ficariam, por assim dizer, paradas, e de algum modo vivendo no Céu o que na Terra não foi vivido.

Alguém poderia dizer ser imprudente ensinar isto assim, porque desvia a ideia daquilo que é a essência do Céu: a visão beatífica. Eu me pergunto se desvia ou encaminha. É uma cogitação de caráter pastoral, e não doutrinário, que se pode pelo menos discutir.

Percebe-se que há no Céu, dentro de todas as fixidezes de uma eternidade perfeita, tal ou qual acontecer que é, creio eu, o festejamento de algumas dessas luzes que aparecem sob algum aspecto especial, em função de Deus que se compraz. Deus atua como a Igreja faz com suas glórias passadas: ela se alegra em remexê-las, extraindo delas sua glória. Quer dizer, a História teria um papel, no plano divino, que não se esgota. Algum teólogo poderia objetar: “Acabou o tempo e agora é a eternidade”. É magnífico, mas o que quer dizer isso? Eu gostaria de lhe dizer: “Não quer estudar um pouco esse assunto, ó teólogo venerável, e condescender com essas minhas babugens de criança envelhecida? Vamos conversar um pouco sobre isso”.

Dou um exemplo com os mistérios da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. No Céu, Ele está fisicamente presente em sua Humanidade Santíssima, com a idade perfeita que atingiu. Mas o Divino Redentor vive dentro do Céu com os esplendores próprios de cada uma das idades, que se fundem dentro da idade perfeita d’Ele. Há no Céu uma alegria por Jesus Menino, que não é a alegria por Jesus Adolescente.

Quer dizer, seria preciso encontrar um modo, uma forma de exprimir isso, de juntar ao mistério da eternidade. E compreender que, assim como essas coisas, de certa forma, coexistem no Céu, a História tem também, de um modo minor, um existir contínuo no Céu, que explica o Juízo Final, a grande aula de História final! O Juízo não será apenas para separar uns homens de outros, mas a fim de dar a cada um o seu quinhão.

Como seria agradável fazer um simpósio sobre História, para tratarmos a respeito disso! E se quiséssemos, poderíamos estender o quadro até suas últimas consequências.

O pulcro das obras de Deus e o hediondo dos feitos do demônio

Também o demônio engendrou seu plano: fazer que a cada aspecto de Deus corresponda um “hediondum” para o qual ele procura levar o povo de certa época, e que ele pode mostrar à luz do Sol, neste “nunc”, neste agora, com o efêmero brilho de mentira das coisas terrenas. E esse hediondo, como historicamente existiu, é atirado ao inferno, punido permanentemente. Por isso, eu acredito que haja um reflexo celeste do Império Bizantino e também um reflexo infernal da podridão bizantina, do “hediondum” bizantino. E, no que diz respeito aos homens, imagino um inferno historicamente ordenado para tudo quanto Bizâncio teve de podre, de horroroso.

Então, há o inferno dos podres, dos chicanistas, dos sofistas, dos incapazes porque não quiseram ter valor, que são eternamente atormentados por esses vícios.

Essas considerações seriam úteis para uma aula de catecismo. Por exemplo, o inferno de Hollywood, que não forma ali um império, mas o “hediondum” dele traz a lama do que foi esse império. Como os franciscanos no Céu não formarão uma ordem, mas o “pulchrum” deles será o que a Ordem Franciscana teve de belo. Não preciso dividir um fio de cabelo em quatro para fazer compreender o que é isso; uma comparação simples, despretensiosa, o torna claro. Mais ainda, há festas no Céu e tormentos simétricos no inferno.

Às vezes, o Paraíso é representado com anjinhos ridiculamente gordinhos — a ponto de formar dobras nos joelhos. Entretanto, com a visualização que apresentei, todos desta sala tomamos atitudes de quem pela primeira vez está conseguindo respirar até o fundo dos pulmões. Por quê? Não será alguma coisa para indicar que há um caminho nessa direção?

No Reino de Maria a sociedade será semelhante ao Céu

Compreendendo tudo isso se poderá proceder à construção do Reino de Maria, com todo amor e virtudes que são necessários. Aqui está o “tal enquanto tal” de nosso Movimento, quer dizer, temporal enquanto espiritual, espiritual enquanto temporal, expresso por inteiro. E no Reino de Maria uma pessoa bem persuadida de todas essas coisas deve ter certa noção, difusa — que uma boa mãe cozinheira e um bom pai padeiro possuem ao executar seus trabalhos —, mas com verdadeiro espírito sobrenatural, de por onde sopra o Espírito Santo, e da necessidade de construir uma sociedade terrena semelhante ao Céu. É o “pendant” de um Céu algum tanto parecido com a sociedade nesta Terra. No Padre-nosso se pede: “…venha a nós o vosso Reino… assim na Terra como no Céu”. O Céu vem à Terra, mas a Terra está construindo para o Céu.

Como tudo isso é apaziguante para a alma; é distensivo!

É bonita a distinção entre duas coisas: as civilizações que morrem, resultando numa espécie de purgatório dos respectivos povos, e as civilizações que morrem, dando numa espécie de inferno.

Existiram civilizações que pararam, estancaram, ninguém sabe que fim tiveram, onde foram parar seus habitantes; há mistério a respeito delas. Em outras sucedeu algo parecido com o que aconteceu com o Império Romano: vieram os bárbaros, remexeram, passaram o açoite sobre ele, mas aquilo de algum modo revive. Enquanto revive, reassimila o que caiu.

Enfim, os bárbaros fizeram com os romanos o que estes realizaram com a Grécia. Quer dizer, eles mesmos se civilizaram, tiraram daqueles escombros o que era aproveitável, reconstruíram outra ordem. Já com os bizantinos isso não foi feito. Pior, o que deles sobreviveu apodreceu o Ocidente.

Esta é uma distinção que importa: há os povos que desaparecem apodrecendo, os que desaparecem fulminados no isolamento, e os que desaparecem renascendo. São coisas parecidas com o inferno, o purgatório e o Céu; com os demônios que caem no inferno e depois tentam os homens. Civilizações misteriosas que desaparecem, fulminadas não se sabe como, são infernos.

É uma batalha enorme que em seu conjunto, no Juízo, terá sua movimentação e uma retificação. Tudo o que era para ser acabado, embora não idêntico ao que seria se tivesse correspondido, de algum modo se completa. E a obra de Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei, Profeta e Sacerdote, chega a seu fim. É o pináculo.

Acho que tudo isso tem “pulchrum” realmente extraordinário!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1982)
Revista Dr Plinio 161 (Agosto de 2011)

 

1) Cornélio a Lapide (Cornelissen Cornelis van den Steen) exegeta flamengo, pertencente à Companhia de Jesus (18/12/1567 – 12/3/1637).

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