O fundo de quadro da formação de Dr. Plinio

Em número anterior acompanhamos as considerações de Dr. Plinio sobre o papel que a Fräulein Mathilde Hellman desempenhou na sua educação. Transcrevemos agora algumas reflexões dele  acerca de outros esteios de sua primeira formação: o ambiente familiar, a influência decisiva  de Dona Lucilia e o não menos importante influxo recebido da Companhia de Jesus.

 

O fundo do quadro de minha educação foi o resto de tradição católica que eu recebi de minha família, a qual não era nem muito mais nem muito menos católica que o conjunto das famílias  tradicionais em São Paulo, na época de meu nascimento. Essa tradição era ibero-americana, mais especificamente luso-americana, com algumas características do ambiente paulista de onde vinha minha mãe, e do pernambucano, berço de meu pai. Este pertencia à classe dos fazendeiros, senhores de engenho, de ascendência portuguesa muito remota e com várias gerações no Brasil. Tal  tradição, para aqueles que a quisessem analisar bem em seus subentendidos, em suas estruturas, tinha ainda muito do calor e do sabor do Ancien Régime e da Idade Média.

Admiração sem limites pela Igreja Católica

Este foi o quinhão que recebi e me habituou a considerar a Igreja Católica como sumamente afim com ele. Depois verifiquei que, mais do que sumamente afim, era a própria base e a alma desse  estado de coisas. Isso me levava a ter para com a Igreja, a fé e a admiração sem limites, quase diria a adoração que, com a graça da Virgem, lhe consagro. Quer dizer, uma fé incondicional,  submissa, jubilosa, total! E qualquer qualidade que haja em mim, com muita alegria e contentamento declaro ser fruto dessa Fé Católica. Ademais, a tradição que mencionei, foi-me legada porque  a doutrina católica vivia na alma das pessoas que constituíam a atmosfera na qual me formei. Ou seja, a fonte verdadeira e viva desse ambiente era a   Fé Católica Apostólica Romana, e a submissão ao Santo Padre, Vigário de Jesus Cristo na Terra.

Influências de Dª Lucilia e dos padres jesuítas

Essa influência católica, quer a da tradição brasileira, quer a de minha família, teve dois apoios especialíssimos. Em minha primeira infância, o amparo natural de minha mãe, que se prolongou até   último momento da vida  ela. Dona Lucilia foi para mim um sustentáculo, e depois — quando já não o podia ser — uma alegria. Hoje, ela é para mim uma esperança. São as três etapas de minhas relações com mamãe, à qual eu queria tanto quanto um filho pode querer sua mãe.

Porém, a partir dos meus doze anos, acrescentou-se uma outra influência: a de Santo Inácio de Loyola e da Companhia de Jesus, da qual fui discípulo por cursar em um de seus colégios. Esta  influência me penetrou fundo na alma, constituindo um todo harmônico com as anteriores, pelas maneiras de ser católicas: de um lado, a leveza da tradição familiar, e de outro, a tradição de uma  ordem religiosa especificamente combativa como deveriam ser os jesuítas — ambas emanando do espírito da Igreja. Portanto, somando e subtraindo, era a Igreja, a Igreja, a Igreja.

Cintilações da catolicidade de Dª Lucilia

Poder-se-ia perguntar como a Igreja vivia no espírito de minha mãe. De um modo bem distinto do que existia na Companhia de Jesus, embora as duas se completassem, porque Dª Lucilia era  muito doce, porém firme; a Companhia de Jesus era muito firme, porém doce.

É possível fazer uma idéia da doçura e da firmeza de minha mãe, tomando em consideração, por exemplo, o seguinte fato: até a sua morte, ocorrida quando eu tinha 65 anos, ela jamais me fez um  elogio. Somente uma vez, estando eu na Europa, recebi uma carta sua, na qual, de passagem, dirigia-me palavras laudatórias. Nada mais. Por quê? Por se achar convicta de que não se deve  enaltecer as pessoas, colocando-as em risco de se tornarem vaidosas. Se não me elogiava, em contrapartida não me privava de seus sábios conselhos…

“Plinio — dizia-me ela certa feita —, deves compreender que sempre ao falar em público, as pessoas têm menos desejo de te ouvir do que tu tens vontade de lhes dirigir a palavra. Portanto, sejas  desconfiado; fales menos do que quererias, e quando pensares que falaste pouco, teus ouvintes ainda julgarão que terás falado demais. É necessário estar atento e fazer o contrário. Sempre sejas  muito resumido e breve. Além disso, numa conversa com alguém, fixa-te bem que a pessoa não quer ouvir falar de ti. Ela já acha bastante a tua presença. Fales com os outros sobre eles mesmos,  ou das coisas do Céu. Não fales de ti, porque tu és por excelência o tema desinteressante para os outros.”

Como esse, deu-me ela uma série de conselhos muito bons, nos quais transparece a severidade, procurando a exatidão nos mínimos detalhes.

Nesse sentido, não posso me esquecer de um final de ano letivo no Colégio São Luís, quando recebi quatro medalhas na distribuição de prêmios. Ao chegar em casa, minha mãe abriu a porta, viu  as medalhas, ficou bastante satisfeita e me beijou muito, etc. No ano seguinte ganhei três medalhas, o que não representava um mau resultado para um aluno de colégio tão rigoroso. Como de  costume, Dª Lucilia me esperava à porta de nossa residência: antes de me olhar, fixou as vistas em meu peito e exclamou: “Só três!?”. E eu lhe disse, sorrindo: “Mamãe, uma é de ouro”.

Então ela  me abraçou com intenso carinho…

Assim era o tônus e a maneira de ser dela. Lembro-me de outro exemplo. É conhecido o meu hábito de falar acaloradamente. Como de costume, eu me sentava à mesa ao lado de mamãe, e quando  me punha a conversar de modo mais entusiasmado, sentia dois dedos dela batendo em minha mão, como quem quisesse dizer: “Seja menos acalorado, é necessário mais moderação”. Com este  significado: não falar muito alto, nem demasiado, contra as pessoas. Era sua maneira de ser. Porém, na doçura, ela era absolutamente indescritível. E simplesmente saber que mamãe estava em  casa, enquanto eu trabalhava sozinho em meu escritório (uma das dependências do nosso apartamento), era para mim uma fonte de suavidade. Às vezes ela entrava, sem me dirigir a palavra a fim  de não me interromper, mas colocava uma mão sobre meu ombro e dizia somente: “Filhão!”, e me beijava. Isso ela o fazia freqüentemente, e valia para mim um mês de doçura. Já no âmbito da  Companhia de Jesus, cumpre dizer, aprendi o contrário: ter espírito militante, combatividade, lógica, perspicácia, penetração, resistência, a norma que Santo Inácio de Loyola ensinava de agere  contra, isto é, enfrentar o adversário de nossa salvação, batalhar, etc…

E eu procurei harmonizar as duas influências, com indiscutíveis e salutares efeitos para minha alma.

A superior proteção de Maria Santíssima

Essa breve exposição sobre o conjunto de pessoas e ambientes que tiveram papel determinante na minha formação seria entretanto incompleta, se não me referisse Àquela a quem devo, mais do  que a esses já citados, tudo o que houver de bom em mim: Nossa Senhora. Ela é a Protetora soberana, que sempre me socorreu e auxiliou em todos os momentos de minha vida. E minha devoção a  aria Santíssima é a razão de eu ter alcançado as graças e favores mais insignes no cumprimento de meu chamado, como a correspondência e a fidelidade à vocação, assim como a disposição de  nunca desanimar ao longo dessa via. Terá Ela permitido que me assaltassem perplexidades e receios de não atender aos desígnios de Deus a meu respeito. Nunca, porém, a tentação do desânimo.

Cônscio da necessidade dessa augusta proteção de Nossa Senhora, e da retribuição que Lhe devo em amor e entrega, sempre quando comungo, imediatamente depois de recebido o Santíssimo  Sacramento, o primeiro pedido que faço a Deus é que me conceda mais devoção à Virgem Bendita.

Pedido este que dirijo a Nosso Senhor pelas próprias mãos de Maria, sabendo que, como onipotente intercessora, me obterá de seu Divino Filho mais essa graça inestimável de crescer  continuamente no amor a Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 74 (Maio de 2004)

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