Molduras que cantam

A arte de compor jardins com uma vegetação viçosa junto a edifícios antigos e veneráveis constitui um cântico à eternidade de Deus e à glória imperecível da Santíssima Virgem Maria.

 

Tenho visto muitas coisas bonitas, antigas, nas quais sempre me chamou a atenção um particular: a parte que diz respeito aos jardins.

O ajardinamento constitui uma moldura dentro da qual os acontecimentos se passam. E eu, embora não entenda nada de plantas, tenho alguma prática em fazer comentários a respeito de ambientes e costumes.

Debaixo desse ponto de vista, procurarei explicar o papel da vegetação para a ambientação, não somente de um prédio, mas também dos que nele moram. O que é a arte do ajardinamento?

“Fugindo” para os jardins de Versailles

Não posso me esquecer do verdadeiro encanto que senti quando, pela primeira vez, tive uma fotografia global do palácio de Versailles. Era uma espécie de fotografia aérea que dava uma vista panorâmica do jardim.

Lembro-me de que eu tinha um cartão representando essa cena, na minha carteira no Colégio São Luís. E nas longas horas em que estava obrigado a estudar coisas interessantes, mas também outras desinteressantes, um dos modos de “fugir” era suspender o tampo da minha escrivaninha e ficar olhando a fotografia dos jardins de Versailles, as alamedas, etc. Eu ficava encantadíssimo com o jardim!

Diversas formas de beleza em um jardim

Sempre me atraiu a atenção o fato de que quando há um palácio ou uma igreja, e em torno um jardim, existe um elemento inerte, que é o edifício, e um elemento mutável constituído pelo próprio jardim. Este vai sofrendo transformações ao longo das várias estações do ano, é alterável de acordo com o que nele se planta, enfim, muda enormemente.

Como todo prédio dura muito mais do que a vegetação que o circunda, as plantas tendem a envelhecer em torno do edifício, e por causa disso este tem a sua velhice própria agravada pelo envelhecimento da vegetação. Um prédio se cobre, então, de altas árvores cheias de sombras — às vezes estas árvores trazem no tronco a cicatriz de longas idades heroicamente atravessadas — e o tornam mais digno. Mas é uma dignidade que se soma a outra dignidade; uma velhice que se soma a outra velhice; uma penumbra que se acrescenta à moldura de outra.

O cântico da soma das idades

Ora, a teoria da soma das idades pediria que o prédio e o jardim apresentassem todas as idades e, ao lado de uma veneranda ancianidade, mostrassem o esplendor de uma juventude repleta de viço.

Compreende-se que haja um jardim só com elementos velhos, como determinados jardins de palácios italianos em que, por um inteligente descuido, as árvores até apodrecem e caem, as águas estagnam e surgem mosquitos… Isso tem uma grandeza do passado, uma coisa fenomenal!

Entretanto, causava-me certa má impressão ver sempre o passado circundado de coisas que falavam de morte. E me parecia necessário que algumas formas de vegetação cercassem os prédios magníficos e antigos de todo o viço da coisa nova.

Nesse sentido há determinadas plantas encantadoras que têm ar de coisa sempre jovem, cujas folhas parecem estar na sua primeira alegria, saudando os primeiros raios do Sol.

A visão desse contraste sugere-me a seguinte ideia: Como é bonito plantar, ao lado de monumentos veneráveis e antigos, vegetações novas e cheias de viço! Como é belo que as idades, as forças se somem e que todos juntos cantem a eternidade de Deus e a glória imperecível de Nossa Senhora!

Assim devem ser as coisas, pensava eu, e então concluí: Se algum dia me for dado dispor sobre a ordenação de algum grande jardim de palácio, igreja ou praça pública, farei com que haja, junto ao antigo — conservado na força convicta, desinibida e afirmativa de sua continuidade —, algo de novo que fale de uma vida que emerge com pujança no momento mesmo de seu nascimento.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/3/1980)

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