Meiguice e bondade extremas

Um fato ungido pelo perfume dos antigos tempos em que a Fé predominava nas almas, tocou-me de modo especial, e merece ser por nós comentado. O episódio milagroso ocorreu em Prato, na Toscana, em 1484, e dele originou-se a expressiva invocação de Nossa Senhora das Prisões.

Numa certa manhã daquele ano, um menino sentiu-se atraído por uma cigarra e correu atrás dela, até se deter diante do muro da prisão de Prato, no qual se achava estampado lindo quadro da Santíssima Virgem.

Esta é, aliás, uma das belas coisas a se admirar na Itália: as pinturas e imagens da Madonna, expostas um pouco por toda parte, em Roma e noutras cidades italianas. Nos ângulos externos das casas, sobre as portas ou no centro das fachadas, de repente o transeunte se surpreende com um oratório desses, ornado de flores, sob as refulgências de pitoresco lampadário, etc. É algo deveras estupendo.

No quadro em questão, a Virgem trazia em seus braços o Menino Jesus, que, por sua vez, segurava nas mãos uma flor e um passarinho. Subitamente, para o maravilhamento da criança que a contemplava, a imagem começa a tomar vida, a animar-se. Nossa Senhora desce do muro, deposita no chão seu Filho e este se põe a brincar com o passarinho, diante do olhar atônito do pequeno italiano. Aquela cena extraordinária é então tocada por um raio de sol que abre uma passagem para o interior da prisão. Seguindo-o, entram a Santíssima Virgem, o Divino Infante e o bambino.

Nossa Senhora percorre várias celas obscuras e as ilumina à sua passagem.

Terminada essa indescritível visita, Mãe e Filho, sempre acompanhados pelo menino, deixam o recinto do cárcere e retomam sua imobilidade original no quadro suspenso ao muro.

Esse milagroso espetáculo se renovou diversas vezes, diante de uma multidão de fiéis que viram assim confirmada sua devoção à Rainha do Céu e da Terra. Consta que o fato foi relatado pelo bispo local ao Príncipe Lourenço de Médici, quem fez construir em Prato magnífica igreja, um dos mais belos monumentos italianos do século XV.

O episódio é em extremo gracioso, e nos fala, de modo ímpar, da benignidade e da bondade de Nossa Senhora. A cena inicial já nos encanta: um bambino, daqueles gorduchos, mas, ao mesmo tempo, tão vivaz que não parece sujeito à ação da gravidade, e por isso esvoaça por todos os espaços que encontra diante de si, correndo ao longo do muro de uma prisão, atrás do quê? De uma cigarra… Que cena sumamente pitoresca!

Outro aspecto digno de nota: na muralha de uma penitenciária, do lado de fora, sorri uma imagem de Maria Santíssima com seu Divino Filho. Então é o contraste maravilhoso entre o vulto austero e duro de uma prisão e a afabilidade materna da Virgem aconchegada naquele muro. E os muros italianos constituem um encanto à parte: alguns por assim dizer leprosos, de pedras tão velhas, tão escangalhadas por toda sorte de tempestades, lavradas de um modo tão bruto que se diria estarem morrendo, mas… lindíssimas! Por sobre elas, ou se estendendo pelo seu corpo, crescem vinhas que frutificam em uvas apetitosas; o sol se deleita em aquecê-las, dando ensejo a que se produzam atraentes sombreados em volta delas. E aí temos o panorama de um tal milagre.

O menino se esquece da cigarra e se detém diante da imagem de Nossa Senhora. E a Virgem começa a se mover… O pequeno Jesus brinca com um passarinho, e podemos imaginar com que delicadeza, com que candura e vivacidade! Ele, o criador, se compraz em se divertir com a sua criatura. Tudo isso fornece elementos para recrear e extasiar a piedade dos homens.

De repente, um raio de luz transpõe as rudes muralhas da prisão e leva atrás de si o passarinho, o Menino Jesus, Nossa Senhora, o bambino. Todos entram no cárcere, e aquelas soturnas penumbras vão sendo iluminadas pela passagem da Mãe de Deus, provavelmente tocando os corações dos presos e os libertando, a uma vez, do castigo e do vício.

Eis, portanto, um fato encantador que nos apresenta Nossa Senhora enquanto extremamente meiga, doce, que socorre os indivíduos mais distantes d’Ela, os menos afortunados, mais pobres e mais abandonados. Mãe de todos os homens, Ela sempre encontra a forma, o jeito, a circunstância, enfim, artes maravilhosas para protegê-los, ampará-los, salvá-los.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/5/1967)

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