A Igreja Católica vivendo na alma dos povos

Como o Sol quando atravessa vidros de cores variadas, assim é a ação da Igreja na alma dos povos produzindo acordes diferentes para cantar o Natal. Através dos cânticos natalinos de cada nação compreendemos como a Igreja Católica é riquíssima, inesgotável em frutos de santidade e de perfeição. Não terá, ela mesma, sua própria canção de Natal?

 

Vamos fazer o comentário a algumas músicas natalinas de diferentes nações e considerar nelas o modo de cada povo cantar o Natal.

Povo da bravura e da proeza, mas dotado de delicadeza de alma

Comecemos pelos alemães, conhecidos no mundo inteiro principalmente como sendo um povo filosófico e militar. Enquanto militar, o povo da bravura, da proeza e, em certo sentido, da cavalaria, das Cruzadas. Entretanto, dotados de tal delicadeza de alma para a canção de Natal, que compuseram o cântico natalino universal: o “Stille Nacht”, no qual eles imaginaram e interpretaram o sentimento de ternura que deveria despertar em alguém que visse no presepe uma Criança fraquinha, com todas as debilidades físicas da infância, chorando, com frio, mas sendo o próprio Deus. Destinado, porém, a sofrer tanto! Quando abre seus braços para as pessoas, já forma uma cruz que faz pensar na dor insondável pela qual Ele vai passar, e convida a considerar todo o amor que O levou a padecer isso por nós, para nosso bem e nossa salvação, sem outra finalidade a não ser esta.

Tudo isso desperta a ternura no mais alto grau. E num paradoxo porque se trata da ternura para com Quem é infinitamente mais do que nós. É um sentimento paradoxal, porém não contraditório. Deve ser, pois, uma compaixão altamente delicada, fruto de um elevado critério de sentimento para tornar-se digna de ser apresentada Àquele que, de fato, merece essa compaixão, mas que é Deus. A compaixão humana para o que há de mais delicado, entretanto ao mesmo tempo admirativa e súplice, pela qual quem tem pena faz um pedido Àquele de quem possui comiseração, é outro paradoxo de uma grande beleza.

Em qualquer canção natalina alemã encontramos esses sentimentos ligados magnificamente e formando o espírito do Natal alemão, o qual lucra em ser considerado não só como o Natal ocorrido na Terra Santa no dia em que Nosso Senhor nasceu, mas o Natal como o alemão o festeja. Quer dizer, imaginar a igrejazinha da paroquiazinha toda coberta de neve, com o relógio iluminado por dentro, indicando dez para a meia-noite; os aldeões caminhando com os tamancões, porque a neve está enchendo o caminho e ainda cai aos flocos; a igreja bem aquecidazinha dentro, todo mundo entra depressa para poder tirar seus capotões e se sentir mais à vontade. Ao longe estão as casinhas da aldeia, e vê-se a fumaça que sobe das chaminés… É a comemoração do Natal que já está preparada, a lareira acesa, as suculentas, deliciosas e substanciosas guloseimas da culinária alemã que já estão no forno para a festa de Natal que se segue à solenidade litúrgica.

Tudo isso constitui, dentro da inocência da neve, um quadro só que completa os sentimentos da canção natalina alemã.

A inflexão da voz comenta o sentido da palavra cantada

No “Stille Nacht” há um misto de submissão de espírito, reverência e compaixão, de um lado e, de outro, uma alta cogitação. Ao longo do cântico nota-se esta alternativa: quando a melodia desce é a ternura vigilante pousando sobre o berço; que nada toque no Menino, que nada O moleste. O Menino está chorando, mas a Mãe O consola… Então, aquele desvelo… Mas depois, em certo momento, a melodia se eleva e traz a ideia de que é Deus Quem está ali.

“Schlafe in himmlischer Ruh” quer dizer “durma em celestial tranquilidade”. O pensamento então é: o Menino está dormindo, mas a tranquilidade com que Ele dorme é celeste, pois esse Menino não é da Terra, mas do Céu. Daí a ênfase dada, pela melodia, à palavra “himmlischer”, que significa “celeste”. Assim, é característico dessa canção que a própria inflexão da voz faça um comentário do sentido da palavra cantada. Aqui há um conceito de música que, a meu ver, só é superado pelo gregoriano.

O Menino transforma os espinhos em rosas perfumadas

“Maria durch ein Dornwald ging, der hat in sieben Jahrn kein Laub getragen.

Was trug Maria unter ihrem Herzen? Ein kleines Kindlein ohne Schmerzen.

Da haben die Dornen Rosen getragen, als das Kindlein durch den Wald getragen”(1).

O pressuposto dessa outra música é Nossa Senhora com o Menino Jesus. A Virgem Santíssima extremamente moça e trazendo consigo o Menino. Evoca uma ideia de juventude, de delicadeza, de virginal fragilidade e de virginal força. Ela anda com o Menino, mas vê-se que está sozinha, porque a canção não se refere a mais ninguém, e traz bem protegido sob seu coração o Menino, numa floresta que há sete anos não produz senão espinhos.

Então, há uma espécie de contraste: Como aquela flor de delicadeza que é Maria Santíssima, com aquele Menino, o tesouro do Universo, podem estar sujeitos a uma trajetória através de tantos espinhos? Que coisa horrorosa! E se acontecer algo ao Menino do qual uma gota de Sangue, por si só, vale mais do que todo o Céu e toda a Terra?

Esse Menino Ela traz bem junto ao Coração e O protege. Prevalece a ideia de Nossa Senhora cuidando de seu Divino Filho e como que atemorizada pelos espinhos que O cercam. Estes fazem parte da natureza hostil, amaldiçoada, daquele lugar que há sete anos não produz nada. O Menino que em seu seio virginal repousa e parece estar fora do uso da razão é o Homem-Deus. De maneira que sabe tudo, pode tudo, dá a solução para tudo. Então, o perigo para Ele, representado pelos espinhos, o agreste e o hostil de quanto O envolve, Ele resolve: pelo seu poder transforma os espinhos em rosas que, com seu perfume, agradam a Mãe d’Ele. Assim, Nossa Senhora vai atravessando a floresta e, vendo os espinhos se transformarem em rosas perfumadas orientadas para Ela, compreende: foi uma amabilidade de seu Filho. Ele está dormindo… Entretanto, governa a natureza!

Todas essas ideias encontram-se nessa canção. O começo é um pouco jovial; depois vêm a ternura e o respeito. Tudo tratado com um tom de voz que é um pouco o de uma pessoa que conta uma história – isto é uma lenda, não aconteceu – para um menino ouvir. Por onde a ternura é um pouco para o Menino Jesus e um pouco para a criança que está ouvindo, a quem se conta uma coisa delicada e ela fica contente. Isso explica os mil tons e entretons da canção.

Entretanto, lembrem-se de que é o povo dos grandes exércitos, das grandes invasões, das grandes batalhas; do qual, na sua fase imperial última, faziam parte os couraceiros com capacetes encimados por águias. É esse povo que na hora da ternura sabe cantar assim. Isso desbarata uma espécie de preconceito pacifista e sentimental segundo o qual quem guerreia não tem sentimento e, talvez pior ainda, quem possui sentimento não deve combater. Não é verdade. O equilíbrio magnífico dessas coisas se encontra na alma alemã quando é retamente católica.

O espanhol se oferece a si próprio e a sua alegria em ação de graças a Deus

Consideremos agora a canção natalina popular espanhola.

Para entendermos bem esse estilo de música devemos levar em conta que, assim como o povo alemão, também o espanhol é feito para o heroísmo. Contudo, são tipos de heroísmo muito diferentes.

O alemão é feito para avançar em conjuntos de grande quantidade. O espanhol é individualista ao último ponto e concebe a coragem como lance individual. Ele se joga na peleja sozinho, vai batalhando, se atraca, mata ou morre, mas é ele que se arrisca inteiro.

Entre as muitas coisas boas concedidas por Deus aos espanhóis está uma natureza pobre completada por um panorama montanhoso, do qual se tem a impressão de que um gigante qualquer, um quebra-montes, esteve passando por lá, quebrando as montanhas a murros e pontapés enquanto dançava e cantava uma jota ou uma saeta; uma paisagem trágica, sob um Sol que calcina, esturrica aquilo tudo.

Mas eles têm uma riqueza de vida e uma superabundância de coragem de viver, que lhes confere uma qualidade que deixa outros povos boquiabertos: são alegres na pobreza. Resolvidos a viver sem terem necessidade de molas, doces, confortos, ou tantos outros “tóxicos” para acharem a vida agradável. Eles lá vão, cantando de “banderilla” na mão, por cima do touro!

Tudo o que torna a vida bastante agradável para muitos povos, o espanhol não tem. Mas ele possui uma coisa que poucos encontram na opulência: a alegria de viver, de sentir a sua própria vida, de olhar para o Céu e pensar em Deus.

Em canções alemãs como a “Stille Nacht” há um misto de alegria e de tristeza: o Menino nasceu, alegria; mas Ele nasceu para ser vítima; tristeza.

Já a canção natalina espanhola manifesta mais a alegria do espanhol a propósito do Natal, do que canta o Menino Jesus. Mas oferece a Ele a sua alegria de ser espanhol, como quem diz: “Senhor, Vós me deixais muito alegre e cheio da coragem que Vós me destes! Homenagem a Vós, Senhor!”

Ninguém ousaria afirmar não ser um modo muito digno de cantar o Natal. Porque o espanhol se oferece a si próprio e a sua alegria em ação de graças a Deus. É a ação de graças mais preciosa. E é assim que devemos interpretar muitos dos cânticos natalinos espanhóis.

O inglês gosta da proporcionalidade

Tratemos agora de um aspecto da canção natalina inglesa.

O inglês e o espanhol são dois povos tão diferentes, mas há uma analogia no modo de cantar e apresentar a música de Natal. O espanhol, embora pronto para a morte e tendo feito um pacto com ela, é, entretanto, otimista. Enquanto ele não morre, está achando que vai vencer e se alegra com isso. Se vem a morte, ele se mete dentro dela de “banderilla” em punho! Chegou a hora da morte, lá vai! Não tem medo.

O inglês canta também a alegria de viver, à sua maneira. Porém, seu estilo não é saltitante e não procura exprimir-se através dos superlativos como o espanhol, mas se exprime por meio de uma canção cuja principal preocupação é ser equilibrada. Enquanto o espanhol exclama e vai ao extremo, o inglês mantém a proporção, quase como quem diz: “O tema é extremo, mas eu não saio da proporção devida, porque gosto da coisa nas proporções adequadas. E faço da proporcionalidade o meu encanto predileto.”

E ele oferece ao Menino Jesus a sua anglicidade, o seu modo de ser e os seus problemas. É um povo de gentis-homens. Por isso, há uma canção que se dirige ao “gentleman” exortando-o a não estar triste nem aborrecido porque o Menino Jesus o ajuda.

No início, essa canção tem um tom delicado e ligeiramente infantil, quase como se fosse um menino falando a outro. Toda a inocência infantil está posta ali. Depois desabrocha o homem, e vem o “gentleman” com seus problemas, inclusive o pecado. O “gentleman” luta contra o pecado, e às vezes é derrotado. Mas vem já a promessa de misericórdia: “Se você cair, não desanime; o Menino o tira das garras de satanás.”

Faz lembrar os espinhos que se transformam em rosas, ao olhar de Nossa Senhora. Eis um comentário da canção inglesa de Natal.

O cântico da Igreja

Assim compreendemos como a Igreja Católica, vivendo na alma de povos diversos, produz acordes diferentes. Porque ela é riquíssima, inesgotável em frutos de santidade e de perfeição. É como o Sol quando atravessa vidros de cores variadas: ao passar por um vermelho, acende um rubi; ao transpor um pedaço verde, faz fulgurar uma esmeralda. No fundo, é o Sol. Durante a noite aquele vitral não quer dizer nada.

O gênio da Igreja passando pelo alemão faz isso, pelo espanhol realiza aquilo, e assim por diante. No fundo, é a Igreja. É a Divina Providência Quem faz essas maravilhas. E nós devemos saber gostar disso, ficar alegres e louvar a Deus.

Ora, a Igreja não terá, ela mesma, sua própria canção de Natal? Será que as nossas pátrias terrenas são capazes de nos modelar de maneira a nascerem tão belas músicas natalinas, e não há um cântico de Natal modelado pela Pátria de nossas almas que é a Igreja? É uma pergunta válida.

Encontramos a resposta ao ouvir um canto gregoriano de Natal como, por exemplo, o “Puer natus”.

O interior da alma do varão católico deve ser sereno, cheio de significado e elevado como o interior de uma igreja! A vitalidade dele é inesgotável porque sobrenatural, e resulta de uma paz profunda, de uma vontade indomável de herói e, ao mesmo tempo, voltada completamente para as coisas do Céu.

Nas outras canções, são as almas católicas de cada nação que cantam, nas quais está presente a Igreja. No cântico da Igreja, é ela mesma quem canta. Aqui o Sol não passa por nenhum vitral, é direto. O vitral é muito bonito, mas o Sol é o Sol! Isso é feito para ser cantado por todos os povos. É a alma da Igreja universal em todas as latitudes, em todos os lugares, sempre serena, com uma alegria que sobe diretamente ao Céu, um recolhimento que exclui todas as coisas da Terra e, sem agitação nem folia, vai dizendo com toda naturalidade o que tem a dizer.

Serenidade e dignidade do gregoriano

Vejam a saudação angélica narrada no Evangelho: uma cena sublime! Um Anjo que desce para junto de uma Virgem e Lhe comunica que Ela vai ser a Mãe de Deus, e que conceberá do Divino Espírito Santo. Como isto é anunciado? O Anjo entrou onde Ela estava e disse: “Ave, cheia de graça!” E transmite a mensagem. Não tem literatura, não tem enfeite, não tem florido nem nada.

O Evangelho conta que Ela ficou perturbada e pensava qual o significado dessa saudação. Tendo recebido a explicação, Ela dá a resposta mais simples do mundo: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra.”

Imaginem um ator lírico pondo isso numa peça de teatro. A atriz se levantaria, dançaria a dança da alegria, depois iria se ornar e perfumar para responder ao anjo… Aqui não. “Ecce ancila Domini, fiat mihi secundum verbum tuum”. Serena, tranquila, mas dizendo tudo admiravelmente!

Nosso Senhor na Paixão. Situação trágica. Ele, na previsão do que vai acontecer, começa a tremer e a chorar. E diz: “Meu Pai, se for possível afaste de Mim esse cálice”. A frase mais simples que pode haver. “Se não for, faça-se a vossa vontade e não a minha”.

Resposta? Baixa do céu um Anjo e traz a Ele o cálice de uma bebida que Lhe dá aquela força que O leva até o alto do Calvário. Tudo simples, sereno, mas com significado, com suco. É o que eu disse do interior de uma igreja. Cada palavra dessas tem no seu interior uma catedral!

Em função disso compreendemos a serenidade, a tranquilidade dessa música, sua dignidade e seu caráter profundamente religioso. É a voz da Igreja cantando, sob o sopro do Espírito Santo, o dom que Deus fez à Santíssima Virgem.

É o que torna, a meu ver, o canto gregoriano superior a toda outra forma de música. Não tem comparação.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/1/1989)

 

 

1) Cântico para Tempo do Advento: Maria andava por um roseiral que por sete anos não florescia. / O que levava Maria sob seu Coração? Uma pequenina Criança, sem dores. / Então, dos espinhos brotaram rosas, quando o Menino passava pela floresta.

 

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