Gravidade e pensamento

Imaginemos um estado de espírito caracterizado pelo comprazimento que experimenta diante dos bons e grandiosos aspectos da vida, prendam-se estes a pessoas ou a coisas diversas. Ao lado da grandeza e da bondade, agrada-lhe igualmente o que eles apresentam de distinção, de lógica interna, de seriedade, de respeito por si próprios. 

Dir‑se‑ia, então, que a alma dotada dessa mentalidade seria comparável a uma ogiva, séria, sólida, pensativa, levando tudo para cima; calma, mas pesando e analisando tudo. Ao mesmo tempo, inflexível, disposta a se recolher, dizendo: “Quanto de bom existe nisso tudo! O que é a bondade? O que é o bem?” A partir dessa inquirição, eleva-se nas ascensões da contemplação de Deus, com naturalidade, sem agitação, trepidação nem excitação.

A mesma impressão que nos daria uma alma assim, nos é proporcionada por certas catedrais medievais. Por exemplo, tempos atrás tive em mãos um bico-de-pena de autoria do famoso arquiteto Viollet Le Duc, retratando a Catedral de Notre-Dame de Paris, vista de cima para baixo. O desenho exprimia uma profunda reflexão, do teor que acima dissemos. Contentou-me perceber naquele edifício a seriedade de uma igreja toda feita de gravidade, estabilidade, pensamento, grandes considerações das linhas gerais, mil pormenores e detalhes harmônicos, panorama, e as torres que se levantam para o céu.

Tão magnificamente para o céu, que nenhum artista se atreveu a completar aquelas torres. Porque só quem as planejou teria envergadura de alma suficiente para terminá-las. E as torres estão ali, ao mesmo tempo tragicamente incompletas, mas fazendo com que cada observador imagine no subconsciente uma torre ideal, segundo o seu próprio feitio. Dir‑se‑ia que elas acabam numa espécie de traçado pontilhado, a ser definido de acordo com o espírito de quem as contempla. De maneira que, se nos dissessem: “Olha, sabe de uma novidade!? Completaram as torres de Notre-Dame!”, ficaríamos surpresos: “Será que o fizeram corretamente?”

Correto, segundo o quê? Conforme esse pontilhado que aqueles dois magníficos fragmentos de torre nos sugerem, incentivando-nos a voar a partir deles. São torres que convidam para o sonho.

Esse estado de espírito que descrevi, tão fundamentalmente católico, de uma grande estabilidade contemplativa, satisfeita, disposta a qualquer luta, eu o vejo expresso assim, de maneira superlativa, em Notre-Dame de Paris, a igreja de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro.

Digo mais. Tenho razões para afirmar que esse estado de espírito foi o ponto de partida da Idade Média, e a Cristandade medieval só foi ela mesma na medida em que cavalgou, rezou, batalhou ou construiu segundo essa mentalidade e disposição de alma. Então, podemos tomar a cavalaria, a armadura do cavaleiro, a coroa de um rei, o “pulchrum” de uma aldeia, a estabilidade de uma corporação, a majestade de um castelo, e tantas outras maravilhas engendradas nessa época, e veremos que são filhas, são derivações daquele superior estado de espírito. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 30/5/1981)

 

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