Convívio entre as almas no Céu empíreo – II

Além dos Anjos e da Santíssima Virgem, no Céu empíreo os bem-aventurados terão a presença do próprio Nosso Senhor ressurreto. Comentando a respeito do convívio das almas, Dr. Plinio trata sobre o idioma em que se exprimirão; julga que cada um falará sua própria língua levada ao apogeu, e todos entenderão, por um dom de Deus.

 

Padre Cornélio a Lápide, descrevendo o Paraíso em seus vários degraus, fala d’Aquela que é o suprassumo de tudo: Nossa Senhora.

Continuamente em presença de Nossa Senhora

O Evangelho diz: “Maria via todas essas coisas e sobre elas cogitava”(1).

A cogitação de Nossa Senhora, como seria? Quando o Anjo A saudou, Ela ficou perturbada e pensava “qualis esset ista salutatio(2)— qual seria o significado dessa saudação.”

Muito mais do que em São Tomás — nem tem comparação! — era a elevação do pensamento de Maria Santíssima. Podemos imaginar que agora, no Céu, enquanto conversamos sobre isso, Nossa Senhora tem conhecimento de que estamos juntos rememorando com veneração essa cogitação d’Ela. E é possível que, neste momento, vários bem-aventurados sejam favorecidos por Ela com um “lumen” especial, por onde A vejam especialmente enquanto cogitativa!

Não digo que isso seja certo, mas é possível. Compreendemos assim a beleza que o inter-relacionamento dessa natureza pode oferecer, e o que será no Céu estar continuamente na presença da Virgem Maria.

Os pés divinos de Nosso Senhor tocam o solo do Céu empíreo

Mas Cornélio a Lápide faz uma consideração ainda mais alta. 

A humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, unida hipostaticamente à sua natureza divina, está presente no Céu empíreo, porque Ele tem corpo, o qual se encontra junto com os outros bem-aventurados. No Céu empíreo, também estarão os Anjos, mas de um modo diferente; sendo puros espíritos, eles têm presença, quer dizer, atuam ali. Tal será que não esteja no Céu empíreo Nosso Senhor Jesus Cristo, o Rei do Céu e da Terra!

Porém, afirma Cornélio, Nosso Senhor, na sua humanidade santíssima, é supereminente em relação a todas as criaturas e apenas toca, com os pés divinos, o chão empíreo, pois Ele — nunca ouvi dizer isso — enche com a sua presença os espaços vazios.

Quer dizer, Cornélio a Lápide imagina, provavelmente, um ser esférico ou plano, sobre o qual Nosso Senhor está, e além do qual há outras coisas e depois, digamos, o nada; mas, sendo Ele a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, isto faz com que Deus esteja presente por toda parte.

Compreendemos a grandeza augusta disso! E a planta divina desses pés, só em pousar sobre o Céu empíreo, lhe dá mais alegria do que todas as coisas que lá estão. Sem comparação com nada! Podemos imaginar esses pés, tão machucados durante a Paixão e, por fim, atravessados por um prego atrocíssimo; segundo a melhor versão, parece que um prego transpôs os tornozelos, que estavam cruzados um sobre o outro, e esse mesmo prego teria perfurado os pés divinos, os quais irradiam de glória, de um modo magnífico. E nós, nesta luz, vendo o melhor da luz que em coisas físicas se pode ver.

E ele faz uma comparação: Nosso Senhor Jesus Cristo é a lâmpada de Israel; é a luz por onde se vê a Criação. Mas que a humanidade d’Ele está para sua divindade como uma lâmpada para o Sol. E a Pessoa divina de Nosso Senhor, em união com a Santíssima Trindade, ali está irradiando a luz.

Uma orquestra deslumbrante que toca uma partitura improvisada a cada instante

Eu deveria falar alguma coisa a respeito do convívio dos Anjos, que é outro modo de nos aproximarmos de uma ideia sobre o convívio com o Altíssimo, do que seja a visão de Deus face a face. Os Anjos conhecem perfeitamente as almas dos bem-aventurados. E como estas conhecem o que se passa nas outras almas, elas conhecem os Anjos. E nessa cognição veem toda a perfeição de cada Anjo.

Sucede que o Anjo, como ser espiritual, é simplicíssimo e tem uma nota dominante que o define. Então poderíamos dizer que há um Anjo da pureza; outro da coragem, da fortaleza; outro da sabedoria; outro da temperança; e daí para adiante. E imaginar as várias virtudes em suas mil modalidades possíveis, e os milhões de Anjos refletindo de Deus uma determinada virtude, de um modo acentuadíssimo.

De maneira que, considerando o conjunto dos Anjos, ter-se-ia um panorama do conjunto de todas as virtudes. E, cogitando sobre os Anjos enquanto se relacionam entre si, não esquematicamente, mas pelos movimentos do que acontece no Céu, teríamos um quadro de conjunto de uma orquestra assombrosa, que toca uma partitura improvisada a todo momento, dizendo uma coisa que não se esperava e é magnífica a seu modo.

Assim, as várias virtudes se entrelaçam, se desenlaçam, se agrupam e se reagrupam, mas com uma força de personalidade, de afirmação e uma plenitude da qual nós, simples criaturas terrenas, absolutamente não podemos ter ideia. Um Anjo só já nos deixaria deslumbrados. E para termos uma ideia disso, basta dizer que, se conversássemos com um só Anjo durante um milhão de anos, teríamos a sensação de que ele tem algo de novo para nos contar.

Os Anjos são muito mais numerosos do que os homens; nós devemos preencher lugares deixados pelos anjos malditos, quando caíram. Na natureza angélica devem ser contados, portanto, os bons e os maus.

 Podemos assim vislumbrar o que será essa convivência durável e admirável com essa quantidade incontável de Anjos; e será preciso a memória que se terá no Céu, para não confundirmos uns com os outros e ficarmos conhecendo a todos. É um mar de deleites.

Contato das almas no Paraíso

Suponhamos que pudéssemos viajar para terras distantes. O mais agradável, com certeza, é conhecer diversos lugares, com ambientes geográficos e panoramas vários, onde há homens variados com os quais nos entendemos, todos bons, mas, sobretudo, apresentando formas diferentes de beleza e de bondade. De maneira que com todos temos harmonia. Esta variedade somada, dos homens e das coisas, constitui o maior prazer.

Mas imaginemos que alguém dissesse a um de nós: “Você só pode fazer duas formas de turismo: uma é visitar os vários lugares do mundo, vazios e sem homens; outra é estar num lugar onde, a todo momento, lhe aparecem homens das várias partes do mundo com suas diferenças, mas perfeitíssimos, boníssimos, com seus trajes regionais, seu espírito, sua linguagem, e cada um deles tem com você uma prosa excelente.”

O que preferiríamos? Os lugares vazios ou os homens? Os homens, a perder de vista! Porque, por mais que os panoramas sejam excelentes, a parte mais importante do homem é a alma, e “similis simili gaudet ” — o que é semelhante se regozija com o que lhe é semelhante —, e a alma se alegra no contato com outra alma. Evidentemente!

Isso posto, o convívio das almas no Paraíso é mais precioso e mais valioso do que o contato com a matéria do Céu empíreo, com sua magnificência e com todas as outras maravilhas que descrevi; tudo isso é pouco em relação à conversa e harmonia incomparável que nós teremos no Céu.

Que idioma falam os bem-aventurados?

A esse respeito lembro-me de um ponto curioso que Cornélio a Lápide levanta. Ele pergunta o seguinte: No Céu, as pessoas entenderão apenas vendo, ou falando também? Quer dizer, será uma espécie de telepatia permanente ou uma pessoa fala à outra? E responde: falam!

E depois apresenta outra questão: que língua falam?

Cornélio dá três soluções possíveis. A primeira é surpreendente: falam hebraico. E ele afirma, pura e simplesmente, que Adão — não sei com que fundamento, pois não li sua obra, mas apenas um resumo —, no Paraíso, falava hebraico. E que todos os povos, até a confusão das línguas, falavam hebraico, o qual depois continuou no povo eleito. De maneira que todos os santos do Antigo Testamento falaram o hebraico; portanto, este é o idioma que se deve falar no Céu.

A outra opinião é a seguinte: como os bem-aventurados terão o carisma das línguas, cada um falará o seu idioma próprio no respectivo apogeu, e todos entenderão a língua de todos.

Há uma terceira hipótese: Deus concede ao homem um novo idioma para se exprimir.

Eu acho essa terceira hipótese a mais razoável, mas a minha simpatia vai para a segunda. E a primeira me parece a menos provável, porém não a excluo.

Por que motivo julgo mais razoável a terceira hipótese?

No Céu, o homem verá coisas que não viu na Terra. Como pode a língua terrena bastar para designá-las adequadamente?  Há tanta coisa para dizer, que a língua terrena só conseguirá exprimir um pouquinho das coisas celestes.

Seria arquitetônico que empregassem o idioma através do qual lutaram e rezaram

Além dos neologismos, haveria uma solução que teria sua beleza: para muitas coisas, conforme a entonação dada, a mesma palavra no vocabulário humano é empregada para significar uma coisa e para designar algo de semelhante. E no Céu empíreo existiria algo de específico nos eleitos, nos Anjos, em Nossa Senhora e na humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, e depois em Deus. De maneira que, conforme a entonação, se saberia, pelo jogo da semelhança, o que vai sendo falado. Essa solução deporia a favor da segunda hipótese, mas é um pouco árdua, imaginosa.

Então, me parece mais razoável a terceira hipótese. Ou seja, para exprimir as coisas magníficas que faz ver ao homem, Deus lhe dá um idioma mais perfeito.

E aqui surge outra questão. Os idiomas atuais nasceram da confusão das línguas, e não vejo como é que no Céu possam permanecer os restos dessa confusão. Entretanto, minha simpatia vai para a segunda hipótese. Por quê?

Porque se o homem viveu, lutou e rezou num idioma, não parece inteiramente arquitetônico que ele relegue isto de modo total!

Os amigos do meio-termo diriam: poder-se-ia acrescer um idioma novo à língua já falada. Então cada pessoa seria bilíngue: o que não exprime na língua antiga, exprime na língua nova.

É postiço. Entretanto, é possível que Deus, o Qual pode e sabe tudo, queira fazer assim, de maneira a nos deixar deslumbrados, mas não parece.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/1/1981)

Revista Dr Plinio 184 (Julho de 2013)

 

 

1) Lc 2, 51.

2) Lc 1, 29.

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