Como um relógio…

A conversão dos povos ocidentais não foi um fenômeno de superfície. O germe da vida sobrenatural penetrou no próprio âmago de sua alma, e foi paulatinamente configurando à semelhança de Nosso Senhor Jesus Cristo o espírito outrora rude, lascivo e supersticioso das tribos bárbaras. A sociedade sobrenatural — a Igreja — estendeu assim sobre toda a Europa sua contextura hierárquica, e desde as brumas da Escócia até as encostas do Vesúvio foram florindo as dioceses, os mosteiros, as igrejas, catedrais, conventuais ou paroquiais, e, em torno delas, os rebanhos de Cristo.

Esta florescência religiosa projetou‑se sobre a sociedade civil: organizada com fundamento na Lei de Deus, ordenou‑se segundo a vontade de Deus, e segundo a ordem natural por Deus estabelecida quando criou o universo, o mundo e o homem. Formou‑se assim uma sociedade temporal estabelecida sob o signo de Cristo, segundo a lei de Cristo e conforme a ordem e a natureza própria de cada coisa criada por Deus.

Tudo isto está longe de ser uma vã fraseologia. Exemplifiquemos com um relógio. O relojoeiro tem em vista fazer um instrumento para a marcação do tempo. Para isto, estabelece um plano em que se conjugam várias peças, trabalhando cada qual segundo seu feitio e natureza própria, para o fim visado pelo relojoeiro. Ora, a família é o instrumento humano [com o qual] Deus deseja a perpetuação da espécie. No caso do relógio, cada peça realiza o seu trabalho, atuando segundo a natureza e feitio com que a quis o relojoeiro. Se ela trabalhar segundo essa natureza e feitio terá feito tudo quanto dela desejava seu autor, e tudo quanto era necessário de sua parte para o bom funcionamento do relógio. Assim também na sociedade doméstica: se cada membro agir retamente segundo sua situação e seu papel, terá feito tudo quanto era necessário para que a família funcione bem. E se todos os membros agirem com igual retidão, a vida doméstica terá chegado à sua perfeição própria: precisamente como o relógio atinge sua própria perfeição pelo perfeito funcionamento de cada uma de suas peças.

Ora, o mesmo que se diz do relógio ou da família pode dizer‑se da sociedade civil. A sua grandeza própria, enquanto sociedade civil, resultará de que cada um dos elementos que a compõem, isto é, família, classe, associação, pessoa, atue retamente segundo seu feitio e natureza próprios. E é este, e só este, o modo por que a sociedade civil chegará à sua grandeza.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Cf. Legionário, n. 666, de 13/5/1945)

Revista Dr Plinio 110 (Maio de 2007)

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