Cerimônia do Sábado Santo Ocasião de graças

Dr. Plinio possuía um amor intenso às cerimônias, não só as litúrgicas — pelas quais tinha um enlevo especial —, mas também as realizadas no Movimento por ele fundado. Na medida em que possuam o espírito militante da Igreja, as cerimônias constituem um modo eficacíssimo de fazer a Contra-Revolução.

 

Analisei profundamente a cerimônia do Sábado Santo da qual participei. A cerimônia é um conjunto de ritos. Por rito se entende o conjunto de ideias, de gestos realizados pelo celebrante, pelos acólitos e pelas outras pessoas que ali estavam participando da cerimônia eclesiástica propriamente dita, feita pelo sacerdote.

Oração pública e oração privada

Entretanto, a cerimônia não consistia apenas em gestos, mas também em palavras pronunciadas pelo padre e diante das quais todos os presentes reagiam ora por gestos, ora por palavras, ora por cânticos, ora pelo silêncio e pelo recolhimento, que manifestavam a impressão que tudo aquilo lhes estava causando.

O que faziam ali o clero e os fiéis? O clero, personificado pelo sacerdote, rezava uma oração oficial da Igreja. Quer dizer, não era apenas a pessoa do padre que orava. Ele poderia, eventualmente, fazer uma oração privada, por exemplo, se estivesse recitando um Terço acompanhado pelos presentes; como pessoa particular, rezaria em nome dele e, sendo sacerdote, por sua dignidade puxaria a oração e todos nós participaríamos, mas não passaria de uma oração privada.

Na cerimônia de ontem, porém, o padre estava fazendo o que se chama uma oração pública, isto é, em nome de toda a Igreja. De maneira que como ele é, dentro da Igreja, uma pessoa pública, fazendo aquela oração era a Igreja universal que falava por sua boca.

Notem especialmente o seguinte: não só era a Igreja universal, mas o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo Quem falava por ele. A Cabeça mística da Igreja é Cristo, e quando a Igreja fala oficialmente, é Ele Quem fala. E tudo quanto o sacerdote pede, Nosso Senhor Jesus Cristo está oficialmente rogando ao Padre Eterno. Eis o valor impetratório de uma oração oficial da Igreja.

A cerimônia se compõe de várias partes; há o Círio Pascal, o fogo, a renovação das promessas do Batismo, etc., que preparam a Missa e antecedem as alegrias da Páscoa, e de um ou outro modo se relacionam com a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, comemorada na Santa Missa.

A Igreja militante, padecente e gloriosa

Tudo conflui, portanto, para a Missa, na qual se dá a renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário, mas na alegria pela Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, festejada pela Igreja. A Igreja militante celebra na Terra, a Igreja gloriosa festeja no Céu, e há, portanto, uma especial alegria no Paraíso porque na Terra é Páscoa.

Alguém perguntará: “E a zona dolorosa da Igreja penitente?” Nesse dia, Nossa Senhora, sorridente, vai ao Purgatório e leva para o Céu uma quantidade enorme de almas, cujo tormento Ela abrevia. Ademais, Ela alivia o sofrimento de muitas que permanecem ali e as enche de gáudio pela presença d’Ela. É a Páscoa da Ressurreição!

Vejam que firmamento de ideias — cada uma mais rica do que a outra — povoam essa cerimônia!

A parte não litúrgica da cerimônia teve um complemento muito bonito: o momento em que se descerrou o véu e apareceu a Sagrada Imagem(1). Nesse instante, olhei para os outros também, e tive a impressão de que havia um estado de espírito coletivo por onde, no fundo da alma, numa zona que se sente pouco, todos estavam bebendo, em pequenos goles, o licor mais delicioso e mais seleto do espírito católico. Havia um recolhimento sacral, uma paz, uma alegria, um bem-estar que nem sequer pode ser adequadamente descrito com as palavras “felicidade de situação”. Porque a felicidade de situação é um comprazimento do homem com uma determinada circunstância terrena, e o bem-estar de alma que se sentia ali era muito mais do que isso; e lembrava mais o Céu empíreo, com lampejos de visão beatífica, do que qualquer outra coisa.

Um mistério cheio de luz, uma luz cheia de mistério

Na cerimônia, as pessoas estavam como que vendo uma fisionomia, que era a fisionomia da Igreja, e aprendendo, a respeito da Esposa de Cristo, um modo de ser, uma impostação de alma feita de uma seriedade cheia de alegria, de um bem-estar que não é nem um pouco o que no mundo entendem por bem-estar — aquela delícia horrível que a cibernética e outras coisas pretendem trazer —, mas é um bem-estar feito de harmonia e de equilíbrio, o qual reúne junto de si as coisas mais heterogêneas numa harmonia suprema.

Por exemplo, o maior recolhimento, mas ao mesmo tempo com a maior naturalidade. É o recolhimento sem esforço em que a alma, sem tentar pensar em outras coisas, é atraída para aquela seriedade, dignidade, que a música e tudo quanto está ali exprime, que faz entender fiapos do que é dito em latim, mas que tem um sentido, uma significação extraordinária, em que a pessoa se percebe num mistério cheio de luz — não é um jogo de palavras, mas um outro sentido da coisa —, uma luz cheia de mistério. E assim fica posto um estado de alma diante do qual, de bom grado, se passaria ao Céu.

E o efeito disso sobre a alma é diretamente o seguinte: torna-a suave e amoravelmente propensa a todas as virtudes.

Esta impressão é conjunta. Não é a impressão somada deste, daquele ou daquele outro, mas todos sentem que estão com esta impressão. E o fato de no conjunto todos terem esta impressão, ganha mais do que se as pessoas estivessem sozinhas.

A ação da graça é intensificada pelas aparências sensíveis

Tratamos há pouco do que se passou entre Deus e o celebrante, em nome da Igreja, e da participação daqueles que concorriam para a cerimônia à maneira de leigos. Existe, contudo, algo mais profundo. Esse estado de alma ao qual me referi, de onde nasce e o que ele é perante Deus? Esta impressão individual e coletiva que se teve ali, como se relaciona com a graça?

Nós temos a graça recebida no Batismo. Ademais, recebemos também a graça da vocação. Mas outras graças se acrescentaram a essas, de maneira a incrementá-las. Nessa ordem interior, o que se passou em nós?

É uma coisa correlata com o que o padre estava fazendo, porque tudo isso constitui um todo, não são dois pedaços. A correlação entra pelos olhos, mas são aspectos distintos. Apresentada a distinção, vou tratar disso.

A graça teve como ocasião a cerimônia. O que quer dizer aqui ocasião? É uma palavra de sentido muito precioso. Deus é o Autor da graça, a qual é um dom criado por onde o homem participa da própria vida do Criador. Contudo, Deus muitas vezes liga a concessão da graça a fatos externos que são, assim, ocasiões para Ele concedê-la. Por isso, ao considerarmos tal fato, ela fala a nossas almas.

Quando contemplamos esse conjunto de ações correlatas, sentimos e conhecemos um “verum, bonum, pulchrum” — uma verdade, ou todo um horizonte de verdades da Fé que vem ao nosso espírito, a santidade e a beleza dessas verdades em si — e, por outro lado, como o que está se passando exprime bem aquelas verdades, e faz sentir a santidade e a beleza delas. Então, as aparências sensíveis são também elas uma ocasião para que a graça intensifique em nós a sua ação.

E vendo, por exemplo, as respostas varonis dadas às perguntas do padre sobre a renovação das promessas do Batismo, aquilo tudo é ocasião para a graça da virtude da fortaleza operar em nossas almas.

Aspecto simbólico da cerimônia

Isso age de várias maneiras, porque nós raciocinamos e vemos o nexo entre as coisas, mas também — e eu queria chamar a atenção para este pormenor — pelo seu lado simbólico. Esses gestos, esses objetos, esses sons, esses paramentos, essas cerimônias são símbolos que nos fazem ver, de um modo para nós meio misterioso, por uma série de analogias, aquilo que está sendo simbolizado. É o próprio do símbolo.

Por exemplo, a Sagrada Imagem está com uma coroa, que é o símbolo da realeza. Vendo-a sobre a cabeça da Sagrada Imagem, nós temos uma ideia de realeza ainda mais plena de Nossa Senhora como Rainha, ainda mais perfeita, de maneira que o símbolo nos fala prodigiosamente dentro da alma. E essa simbolização serve de ocasião para a graça produzir em nós esse estado de espírito que notamos ali.

Então, a cerimônia assim vista é uma ocasião para a graça. Se olharmos os paramentos do padre, a cor e a forma deles, o barrete, os gestos que ele faz, o modo pelo qual o texto é cantado, tudo isso tem cintilações de grandezas, todo o passado da Igreja aparece, por assim dizer, em pequenas chamas.

Sente-se, por exemplo, quando o texto fala do fogo, que há uma certa grandeza patriarcal dos tempos primitivos, do Antigo Testamento; e tem-se a impressão de ver a Igreja sair das névoas mais profundas da História, cantando o fogo, quando ela nem era nascida, mas havia a pré-Igreja, que eram os justos do Antigo Testamento e o culto verdadeiro de Yaveh. E um padre em 1982 — face aos problemas da cibernética e de todos os horrores promovidos pela Revolução — de repente faz emergir misteriosamente esse passado. Assim são os aspectos da vida da Igreja.

Quem coligou esses trechos? Quem determinou que, para o Sábado Santo, essas deveriam ser as impressões causadas nos fiéis? Quem definiu que tais paramentos e tais gestos eram indicados para tal ocasião? Quem reuniu tudo isso para formar essa cerimônia?

É assombrosa a naturalidade com que o sacerdote segue os ritos; por exemplo, tirar o fogo da pedra para acender a chama pascal. Isso é do tempo em que não havia fósforo, quase a época da pedra lascada, da pedra polida! É até lá que aquilo nos leva! Em seguida, o padre faz uma invocação de algo tirado do Evangelho, e posteriormente se refere à Cristandade atual. Ele desliza pelos séculos como um pássaro…

O barrete, a estola, a capa magna, o cantochão, o órgão

Aquele barrete que o padre usa em certos momentos, no fundo, corresponde à ideia de que o homem deve ter adornos que o completem, porque sem eles o homem não realiza inteiramente aquela beleza que perdeu quando saiu do Paraíso. Portanto, é uma espécie de vergonha do pecado, não relativa ao pudor, ao sexto Mandamento, mas da condição de pecador, e vontade de algum modo recompor a dignidade humana, que leva os homens a usarem chapéus. Aquele barrete corresponde a esta ideia; é preto, em sinal de luto pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, como a batina é preta. O barrete é dividido em três gomos, e tem uma parte inteiramente lisa do outro lado: Deus Uno e Trino. Mas o barrete, do qual gosto muito, dá ao padre uma dignidade perfeita e acabada, porém não suprema. Para indicar a plenitude do sacerdócio a Igreja tem para a fronte humana um símbolo mais augusto, que é a mitra; e, para mostrar a plenitude conjunta dos três poderes, a tiara que pousa sobre a cabeça de um só: o Papa.

Símbolos e símbolos, graças e graças, dizendo coisas misteriosas à nossa alma. Até o sapato. Por exemplo, o sacerdote pode celebrar de sandálias, mas não de tênis. A capa magna, a capa de asperges, a estola, tudo tem beleza! O cantochão! O órgão! O harmônio é um filho do órgão. Que maravilha!

Mas como é que se juntou isso ao longo dos séculos? Historicamente, para quase todas essas coisas, ou para muitíssimas delas, há uma explicação, a qual, entretanto, é insuficiente, porque a pergunta não é quem propôs isto, aquilo, mas quem incrustou isso definitivamente na vida da Igreja.

Ação do Espírito Santo e espírito militante

Quem fez isso foi o Divino Espírito Santo. Ele é o Espírito da Igreja, e foi juntando, dispondo as coisas ao longo da História da Igreja, arranjando tudo isso para chegar àquela maravilha que vimos na cerimônia.

De maneira que tivemos, naquela simbolização toda, uma comunicação do Espírito Santo aos homens, indicando como o ambiente no qual habitualmente o homem se move, as mentalidades, a sociedade espiritual e a temporal deveriam ser.

Ali vimos, movendo-se, a Igreja de todos os tempos, e a Igreja do Reino de Maria que vai nascendo. E que, ou eu me engano muito, ou timbrará em conservar, mais saliente do que nunca e manifestado com todos os esplendores, o seu caráter de militante. Tudo naquela cerimônia entrava como uma moção do Espírito Santo, já dando os primeiros lampejos do Reino de Maria.

Nas graças que recebemos durante aquela solenidade há um nota preponderante, dizendo às nossas almas: “Tudo quanto constitui nesta cerimônia um chamado para toda espécie de virtudes, concebei-o, vede-o à luz da batalha. Sede militantes até o fim, que o resto vos será dado abundantemente! Sede filhos da luta, deixai-vos inspirar por ela, sede batalhadores vossa vida inteira e cada vez mais, e Deus fará convosco uma aliança”.

Mas não se trata apenas de ter a alma aberta a uma impressão enquanto se está na cerimônia. É preciso levá-la como uma recordação saudosa e analítica do que houve e, de vez em quando, retomá-la.

Então, compreendemos qual é o papel que nossas cerimônias têm. Naturalmente, num grau eminente, as solenidades ligadas à sagrada Liturgia, em que a Igreja fala e implora. Nosso Senhor Jesus Cristo pede oficialmente em nome de toda a Igreja. Mas também, e de modo autêntico, se bem que menos eminente, em todas as nossas cerimônias.

A cerimônia, enquanto tal, é ocasião para graças deste gênero. Ela exterioriza, torna sensível aquilo que não basta estar só na inteligência e na vontade. Mais ainda, não entra inteiramente na inteligência nem na vontade enquanto não tiver penetrado de algum modo na sensibilidade.

Compreendemos, assim, que a cerimônia é um modo de combater; é um modo eficacíssimo de fazer a Contra-Revolução, na medida em que levemos o espírito militante para dentro dela.

Evidentemente não é uma luta sem sentido, sem razão de ser. A causa pela qual se combate é a Fé; é por Deus que lutamos. Se não amássemos Nosso Senhor e Maria Santíssima, não teríamos razão para combater. Mas, diante do pecado que ofende a Ele e a Ela, a atitude é a luta. Não se compreende a oração sem luta, como não se compreenderia, a “fortiori”, a luta sem oração.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/4/1982)

1) Imagem de Nossa Senhora de Fátima que verteu lágrimas milagrosamente em Nova Orleans, em 1972.

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