Bem-aventurados os que esperaram

Devemos viver para o Reino de Maria e os grandes lances da nossa história. Como esses acontecimentos demoram, a atitude perfeita é a daquele que diante de cada notícia boa estremece, na esperança de que tudo se realizará. Entretanto, se não iniciam já, espera sempre alegre, pronto, disposto, chegando à conclusão: “Deus virá a qualquer momento! E quando Ele vier, encontrará a minha alma preparada!”

 

O  mundo de hoje é muito habituado ao combate contra a espera, e até certo ponto se compreende porque a espera parece engasgar o curso natural das coisas. Por causa disso, a meta da mecanização em nossos dias é apressar todas as coisas e suprimir todas as esperas.

A espera é uma preparação e uma maturação que nos faz dignos de receber algo desejado longamente

Embora essa aversão à espera tenha algo de natural, possui também algo de excessivo, porque no mundo contemporâneo não se compreende o papel da espera na maturação e na formação do homem.

Por exemplo, hoje se toma um avião e, saindo de São Paulo, chega-se à Europa em menos de doze horas de voo. Portanto, em poucas horas transpõe-se o Oceano Atlântico e salta-se para um outro mundo, outra vida, deixando para trás a América.

Antigamente, tomava-se um navio para a Europa, e a viagem demorava quinze dias, durante os quais a pessoa ia preparando o espírito para entrar no país para onde rumava. Essa demora tinha preparado uma maturação. Por isso, chegava-se à Europa maduro. Hoje não: é-se ejetado de dentro do avião e já se sai correndo para outro lugar.

Por vezes, a espera é uma preparação e uma maturação que resulta do desejar longamente uma coisa e que nos torna dignos de recebê-la.

Vemos na Escritura longas esperas e, às vezes, contra o impossível. Por exemplo, segundo uma bela tradição, São Joaquim e Santa Ana, os pais de Nossa Senhora, eram muito velhos, estavam além da idade em que um casal tem filhos. Foi nessa ocasião que milagrosamente nasceu Nossa Senhora.

Ora, algo lhes dizia em seu íntimo que seriam antepassados do Messias, e passaram todo esse tempo esperando. Mas isso é uma coisa extraordinária, porque eles se prepararam, durante a vida inteira, para receber a Mãe do Messias. Teriam sido muito menos preparados para isto se, assim que eles se casassem, a Mãe do Messias, ao cabo de nove meses, nascesse.

Nosso Senhor teve esperas cheias de decepções

A espera tem um grande sentido. Por isso encontramos no Antigo e no Novo Testamentos manifestações de espera assombrosas.

Por exemplo, Nosso Senhor preparou os Apóstolos para serem o que foram. Vejam, entretanto, no que deu o plano do Divino Mestre: de doze Apóstolos, um se torna traidor; os outros onze fogem no Horto das Oliveiras; Ele fica sozinho. Um Apóstolo ainda O renega, São Pedro, e logo de uma vez aquele que deveria ser o chefe da Igreja! Quer dizer, tudo dá errado; é uma espera cheia de decepções, de situações desencontradas.

Pensar que daqueles doze presentes na Ceia mais memorável da História, um trairia; outro, São João, por quem Nosso Senhor tinha uma particular preferência, que encostou a cabeça sobre seu divino peito e ouviu a pulsação do Sagrado Coração de Jesus, esse fugiria como os demais. Quem haveria de imaginar uma coisa dessas!

Nosso Senhor ressuscita, convoca os Apóstolos, eles se convertem, está tudo direito, começam o apostolado pelo mundo.

Chega um Apóstolo que era um perseguidor, um fariseu – quanto Jesus falou contra os fariseus! – que se converteu e, por assim dizer, conquistou para a Fé toda a bacia do Mediterrâneo.

No meio de tudo isso, quanta espera e até quanta decepção teve o Redentor! Mas na ponta de tanta decepção, aguentada com desejo e com a certeza de que viria a conquista do mundo, esta acabou vindo.

A espera sem agitação favorece o pensamento

A beleza disso se apresenta por si mesma, é uma verdadeira maravilha. Deus quer daqueles que desejam alguma coisa d’Ele, que esperem longamente. E isso não está de acordo com os hábitos modernos.

Hoje em dia procura-se eliminar toda espécie de espera; mas por isso também toda forma de maturidade, de reflexão, de pensamento, de meditação está eliminada. Em geral, os países onde mais se corre e menos se espera são aqueles onde menos se pensa.

Considerem os grandes pensadores de outrora: Aristóteles, Platão, na Antiguidade; ou do mundo romano: Santo Agostinho, Santo Ambrósio; ou da Idade Média: São Tomás, São Boaventura, etc.

Pode-se imaginar São Tomás de Aquino fazendo uma tournée de conferências na América do Sul, “pingando” em um avião de capital em capital? Isso não “engarrafaria” o pensamento dele?

Pelo contrário, se São Tomás se deslocasse lentamente sentado num carro puxado por cavalos, ou ele mesmo montado num cavalo, naqueles longos intervalos ele não pensaria, não refletiria? Evidentemente sim. É a vantagem da espera.

Beleza própria da espera

Quando se deseja uma coisa boa, a espera tem uma beleza própria. Suponhamos que Cristóvão Colombo, em sua navegação, não tivesse sofrido aquela espera medonha para chegar até à América, mas, por essas ou aquelas razões, ele tivesse de navegar doze dias, ao cabo dos quais chegasse a uma ilha do Caribe e, de lá, começasse, com seus subordinados, sem muito esforço, a ocupação do novo continente. Uma viagem fácil, simples, rápida, eles chegaram e tomaram posse e começaram a desbravar as novas terras. Não perderia muito?

Mas aquela navegação que não acaba mais, e os marujos se revoltando contra ele… Afinal, aparecem boiando pelo mar pedaços de vegetação, indicando haver terra próxima. Então alguém anuncia: “Terra à vista! Olha ali a vegetação!” Nesse momento, todos se reconciliam.

É muito mais bonito porque não só esperaram, mas esperaram contra toda a esperança. Batalharam para conseguir, sofreram, correram riscos, na incerteza de que, talvez, nunca chegariam a nada. Quem poderia garantir que esse mar não era uma espécie de deserto: gira, gira, gira e não encontra nunca mais terra alguma. Então estavam perdidos, haveria de chegar um momento em que eles não tinham mais água para beber. A morte os esperava. Uma morte de esmeralda e de anil, mas a morte. Entretanto, vão para a frente, vendo como Colombo continuava a esperar.

O lindíssimo episódio de Abraão com Isaac

Porém ainda mais bonita é a espera quando ela culmina em um milagre. Porque no milagre vê-se a mão de Deus, de Nossa Senhora que, por assim dizer, vara as nuvens e aparece dando ao homem aquilo que ele tanto desejou.

É por isso mesmo que muitas vezes vemos, no Antigo Testamento, Deus aparecer, prometer e depois cumprir. Mas, às vezes, há pelo meio toda espécie de dificuldades.

Pensemos no lindíssimo episódio de Abraão com Isaac. Abraão era velho, mas Deus lhe prometera uma numerosa descendência. Afinal, depois de esperar muito, acabou tendo um filho.

Nasce um menino e, quando este fica mocinho, Deus aparece a Abraão e lhe diz:

– Este filho que te prometi, quero que tu o mates em honra a Mim.

Abraão poderia dizer:

– Mas, Senhor, e a promessa? Vós, então, prometeis um filho para tirá-lo depois? E esse menino morre sem ter descendentes! Vós não estais caçoando de mim? Não estais vos burlando da esperança que fizestes nascer no meu débil coração de homem, ó Deus?!

Nada! Ele leva o menino até o alto do monte, disposto a matar o filho da promessa. Com a ajuda da própria vítima ele constrói o altar onde ela deveria ser morta. Ainda enquanto caminhavam para o local do sacrifício, Isaac pergunta:

– Meu pai, temos o fogo e a lenha, mas onde está a vítima para o holocausto?

E Abraão responde ao menino:

– Deus providenciará a vítima para o holocausto, meu filho.

Concluído o altar, Abraão talvez tenha dito a Isaac:

– Deite-se em cima do altar.

Como a dizer: “A vítima é você.”

O menino, dócil como o pai, deita-se. O pai toma a faca e vai brandir um golpe para matar o menino e, no último momento, quando ele ia despencar o ferro no peito do filho, aparece um Anjo e diz:

– Abraão, Abraão! Pare! Deus estava te provando, queria ver até onde vai a tua obediência. Em atenção a tua esperança e a tua disciplina, os teus filhos serão mais numerosos do que as areias do mar e as estrelas do céu (Cf. Gn 22, 2-18).

Abraão não podia imaginar o acontecimento infinitamente maior que se daria: um de seus descendentes seria a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada! O Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14), quer dizer, Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus se encarna na raça judaica, dando, portanto, a Abraão que era o primeiro, o depositário da promessa ao povo hebreu, uma plenitude de recompensa incomparável.

É verdade que a descendência dele seria mais numerosa que as areias do mar e as estrelas do céu; mas, sobretudo, qualitativamente seria maior, pois nela nasceria o Filho de Deus.

Diante da demora, devemos estar sempre alegres, prontos e dispostos

Entretanto, no momento em que nasce o Messias o povo está de tal maneira decadente que é o próprio povo eleito que mata o Messias esperado. Pode haver uma coisa mais terrível do que esta? Cai, então, sobre o povo uma terrível maldição, a maior da História.

Considerem, então, a esperança: Deus prometeu que, por seu amor ao povo de Israel, no fim dos tempos esse povo vai se converter. A história das relações de Deus com o povo judaico se abre por uma prova tremenda e termina com uma reconciliação dulcíssima. Esperar, esperar e super esperar acaba dando certo!

Talvez valesse a pena, em alguma ocasião, contarmos a história de nossas esperas e esperanças. Em face da espera, vemos dar-se uma seleção: há quem procede mal e aqueles que procedem bem.

Os que procedem mal são, por sua vez, de duas espécies: uns se desinteressam, desesperam e começam a se preocupar com as coisas do mundo. Em vez de viverem para o Reino de Maria que virá e para os grandes lances da nossa história, como esses acontecimentos demoram, eles se desesperam e concluem: “Não, isso não dá certo!” Ficam, então, agressivos, briguentos, intratáveis e acabam se lançando, por exemplo, atrás do dinheiro e de tantas outras coisas, procurando engrandecer-se nas vias deste mundo.

Outros tomam um rumo diferente. Esperam durante algum tempo, mas como a esperança não se realiza logo, eles vão entibiando nas vias da vocação, caem numa modorra que os deixam completamente indiferentes diante das maiores maravilhas.

Qual é a atitude perfeita? É a daquele que com cada notícia boa estremece: “Quem sabe se agora vai começar…” E se não inicia já, espera para amanhã, para depois de amanhã. Sempre alegre, sempre pronto, sempre disposto, chegando à conclusão:

“Deus virá a qualquer momento! E quando Ele vier, encontrará a minha alma pronta! Eu não me cansei de esperá-Lo porque Ele é infinito e perfeito. Ora, o infinito e o perfeito se esperam, por assim dizer, infinitamente para esperá-los perfeitamente. Bendito o dia em que a palavra de Deus, confirmada, baixar sobre nós. Vamos para a frente! Nesse dia, poderemos dizer: Bem-aventurados os que esperaram; deles foi a promessa, deles é a vitória!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/7/1988)

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

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