Assemelhar-se ao Varão de Dores

Em mais uma exposição dedicada a comentar o opúsculo de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio ressalta a divina figura de Nosso Senhor Jesus Cristo como o “vir dolorum” — varão a cujas dores devemos estar associados, com veneração e gratidão profundas; a Ele nos unindo de modo crescente, ao aceitarmos os sofrimentos que a vida nos traz.

 

No intuito de afervorar seus discípulos no amor à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim prossegue São Luís Grignion de Montfort: 

“Numquid et vos vultis abire” (Jo 6, 67)?

Isto é: “quereis vós também retirar-vos?”. Foi a pergunta que Nosso Senhor dirigiu aos apóstolos, quando alguns começaram a abandoná-Lo após ouvi-Lo proclamar que sua carne era verdadeira comida, e seu sangue verdadeira bebida. Ou seja, quando Ele aludiu à Sagrada Eucaristia. Vários discípulos se escandalizaram e O deixaram. Ele, então, fez aos que ficaram essa pergunta, cheia de melancolia patética: “Vós também quereis ir?” Como quem dissesse: “Se quiserdes, ide também vós”.

É uma pergunta de transpassar a alma de qualquer ouvinte que tenha um mínimo de sentimento. Nosso Senhor foi abandonado estúpida e ingratamente. Nessa ocasião, São Pedro pronunciou aquela frase magnífica: “Aonde iremos, Senhor, se só Vós tendes palavra de vida eterna?” (Jo 6, 68). Estava tudo dito, nada havia a acrescentar.

Riquezas, prazeres e honras: causas de abandono da Cruz

“Numquid et vos vultis abire?” (Jo 6, 67). Quereis vós também abandonar-me, fugindo de minha Cruz, como os mundanos, que nisto são outros tantos Anticristos; “Antichristi multi?” (1 Jo 2, 12)

Por mundano devemos entender aquele que coloca as esperanças de sua felicidade apenas neste mundo e nesta vida, procurando tão-somente as coisas terrenas. Esse foge da Cruz de Nosso Senhor e, por isso, São Luís Grignion o compara ao Anticristo.

Quereis, enfim, conformar-vos ao século presente, desprezar a pobreza de minha Cruz, para correr após as riquezas?

 Conforme o pensamento do santo autor, o apego às riquezas do século, ou seja, do mundo, seria um primeiro fator que inclina o homem a se recusar a seguir o Divino Mestre nas vias do sofrimento.

Evitar a dor de minha Cruz para procurar os prazeres?

O segundo motivo para a mesma recusa é a busca desordenada dos prazeres.

Odiar as humilhações de minha Cruz, para ambicionar as honras?

Estão, portanto, indicados os três grandes atrativos do mundo: as riquezas, os prazeres e as honras.

Onde não está a Cruz, não está Nosso Senhor

Tenho, na aparência, muitos amigos que me fazem protestos de amor, mas no fundo me odeiam, pois não amam a minha Cruz…

Esse pensamento de São Luís Grignion nos leva a uma importante consideração. Com efeito, pessoas há que parecem ser muito devotas de Nosso Senhor, mas, na hora de aceitar o sofrimento, de provar seu amor à Cruz, não o fazem. Ora, diz o santo, no fundo tais pessoas odeiam o Redentor, pois rejeitam sua Cruz.

A frase é dura, mas verdadeira. Interpretando-a, poder-se-ia apontar como ridícula a afirmação que se ouve aqui e ali: “cada um pratica a religião a seu modo; uns amam Nosso Senhor com a Cruz; outros O amam sem ela”. Pelo que nos ensina São Luís, essa postura de alma é equivocada. Onde não entra a Cruz, não se acha o Redentor. E o requinte de amor a Ele é o amor à sua Cruz. Cumpre ter espírito de sacrifício, pois sem isto não existe autêntica adoração ao nosso Salvador.

Compreendemos assim quanto é adequada a expressão de que todo católico deve se assemelhar ao Redentor enquanto “vir dolorum, um varão de dores”. Parece-me que esse qualificativo descreve de modo magnífico o Divino Mestre ao longo de sua existência terrena: um varão repleto de dores, que sofre profunda e lucidamente, e faz do sofrer o seu viver. Donde o autêntico católico dever se conformar a esse augusto exemplo, e levar sua cruz como Nosso Senhor levou a d’Ele, varonilmente, peito aberto, sem olimpismo, mas sem fraquezas.

Peçamos à Santíssima Virgem que nos alcance a inestimável graça de amarmos assim a Cruz de seu Divino Filho.

Necessidade da graça para tomarmos a sério esses ensinamentos

“Muitos [são] amigos de minha mesa, e pouquíssimos de minha Cruz. A este apelo amoroso de Jesus elevemo-nos acima de nós mesmos; não nos deixemos seduzir pelos nossos sentidos, como Eva; não olhemos senão o autor e consumador de nossa fé, Jesus crucificado. Fujamos da concupiscência do mundo corrompido; amemos Jesus Cristo da melhor maneira, isto é, através de toda sorte de cruzes. Meditemos bem estas admiráveis palavras de nosso amável Mestre, que encerram toda a perfeição da vida cristã: ‘Si quis vult venire post me, abneget semetipsum et tollat crucem suam, et sequatur me!’ (Se alguém quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me)” (Mt 16, 24).

Vemos, assim, qual é o convite feito para os genuínos amigos da Cruz. Nosso Senhor Jesus Cristo fez tudo por nós. Seria inteiramente lógico que, por retribuição, nós O seguíssemos. Porém, a maldade do homem é tal que precisamos pedir uma graça particular para tomarmos a sério esses ensinamentos, os quais entretanto são de molde a comover as pedras; devemos implorar o dom da fé capaz de mover montanhas, e termos os olhos sempre voltados para a Cruz.

Pensemos: a morte de Cristo causou tanta perturbação no universo que o sol se toldou no firmamento, a terra tremeu e outros fenômenos do gênero se verificaram. Ora, se as próprias criaturas materiais como que se manifestaram diante da morte do Filho de Deus e Lhe preparam aquele funeral, como posso tomar conhecimento da Paixão e não me incomodar?

Pois a maldade do homem decaído pelo pecado original o levará a ser indiferente aos padecimentos de Cristo e à sua Cruz, caso ele não seja auxiliado pela graça. A inclinação para essa indiferença, qualquer um pode sentir dentro de si: ouvirá diversos sermões a respeito dos sofrimentos de Nosso Senhor, os mais lógicos e atraentes; porém, sem uma assistência da graça, daria no mesmo se lhe narrassem a Guerra de Troia. Quer dizer, não o abalaria nem o moveria a nenhuma boa disposição.

Daí adquirirem especial valor aquelas palavras singelas do cântico “Stabat Mater”, frutos da piedade popular, acessível e amável: Santa Mãe, fonte de amor, fazei-me sentir a intensidade de vossa dor, fazei-me chorar convosco. Quer dizer, depois de Nosso Senhor ter feito tudo por mim, preciso pedir a Maria Santíssima que me alcance graças para eu ter pena d’Ele, pois a Cruz, sem o socorro da graça, pode me parecer apenas um pedaço de madeira, e todo um ciclo de conferências sobre a beleza e riqueza do sofrimento não nos tocará a alma.

Oferecer com alegria nossos sofrimentos e renúncias

Ao concluir esses comentários, gostaria de frisar como é excelente nutrirmos em nós, de maneira constante, o desejo de um verdadeiro amor à Cruz, no seguinte sentido: se Nosso Senhor Jesus Cristo, se a Virgem Santíssima, minha Mãe e minha Senhora, pedirem-me alguma coisa, devo dá-la com alegria, sobretudo em se tratando de algo que me exija sacrifício, renúncia, sofrimento, de maneira que minha dor seja uma gota dentro do oceano das dores que Ambos padeceram por nós na Paixão. É por essa forma que melhor me unirei a Eles.

Uma vez mais: não deixemos de implorar a graça de termos esse abrasado amor à Cruz, de nos tornarmos ardentes amigos dela, não querendo coisa mais elevada e mais cobiçada do que a Cruz de nosso Salvador.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência em 8/7/1967)

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